Treta da semana: com anestesia?!
O Marcos Sabino relata com grande entusiasmo a descoberta de uma possível amputação cirúrgica feita há quase sete mil anos. O entusiasmo vem de estar convencido que «os evolucionistas ficam surpreendidos ao detectarem conhecimento tão avançado há tantos anos a esta parte»(1). Para o Marcos, que julga que o universo tem pouco mais que isto, sete mil anos é muito tempo. Mas para a evolução não é.
Não há razões para crer que os humanos há sete mil anos atrás fossem biologicamente menos capazes de fazer o que nós fazemos. À parte de algumas características que mudam rapidamente, como adaptações ao clima, dieta ou doenças, não é de esperar grande evolução em sete mil anos num animal como nós. Se criássemos um bebé do neolítico com as crianças de hoje, com escolas e livros e brincadeiras modernas, ele cresceria igual a qualquer um de nós. Porque, biologicamente, seria um de nós. Evidências de uma amputação cirúrgica no neolítico só contradizem a caricatura confusa que os criacionistas fazem da teoria da evolução, e não a teoria em si.
E esta descoberta é interessante mas surpreende mais pelo nosso preconceito. O progresso tecnológico é muito rápido hoje em dia, e se o extrapolarmos para sete mil anos no passado ficamos com a impressão que não podiam saber nada de nada nessa altura. Mas só recentemente, com a invenção da ciência, é que o progresso se tornou tão rápido e imparável. Antes de assentarmos a tecnologia numa base teórica formal e rigorosa o conhecimento prático era muito mais frágil e muito mais difícil de obter.
Um exemplo que ilustra bem isto é o transporte do obelisco da Praça de São Pedro, em Roma. Em 1586, aquando da expansão da basílica, foi deslocado cerca de cem metros para o centro da praça. Foi uma obra de engenharia extraordinária que exigiu o máximo das capacidades tecnológicas da altura. Mas o obelisco tinha sido trazido do Egipto mil e quinhentos anos antes pelos romanos e tinha sido erguido originalmente em 1835AC pelos egípcios (2).
Até recentemente a tecnologia progredia por tentativa e erro, com truques e ferramentas passados de mestre para aprendiz em comunidades pequenas e muito sensíveis a variações políticas. Com a queda do império egípcio perdeu-se aquelas técnicas de construção. Os romanos redescobriram algumas a muito esforço mas perderam-se novamente quando esse império também se desagregou.
Há sete mil anos atrás, aquelas comunidades do neolítico já tinham tido dezenas de milhares de anos para adquirir conhecimentos práticos de anatomia e de como tratar feridas. Não era medicina no sentido moderno nem terá sido um progresso constante como temos hoje. Era tentativa e erro; cada vez que mudavam de sítio, com outro clima e outras plantas, tinham de começar do princípio. E muito se perdia regularmente em cada escaramuça entre tribos, epidemia ou fome que matasse quem sabia dessas coisas na tribo. Por isso não é de admirar que certos povos primitivos soubessem como amputar um braço e manter o paciente vivo, mesmo que posteriormente se perdesse esse conhecimento naquele sítio.
O relato também indica que a amputação foi feita a um braço que tinha sido quase amputado por um acidente que tinha desfeito parcialmente o osso (3), não indicando que a amputação fosse prática regular naquela cultura. O notável é o paciente ter sobrevivido, «beneficiando de bons conhecimentos médicos, incluindo como estancar uma hemorragia, evitar infecções e promover a cura.» Mas «Este conhecimento não é inesperado, pois são conhecidas intervenções cirúrgicas em ossos, por exemplo trepanações, em períodos anteriores no Mesolítico» (3).
Este post do Marcos Sabino segue um padrão argumentativo comum nos criacionistas. Faz-me lembrar uma episódio da minha infância. A minha bisavó não nos deixava comer bolachas antes do almoço. Então fui à cozinha, apontei para a janela espantado e, quando ela olhou, fugi com a lata das bolachas. Os exemplos que os criacionistas dão para “refutar” a teoria da evolução não têm qualquer relevância. Servem apenas para distrair.
Mas não é só por isso que menciono o post do Marcos. O Marcos escreveu que «O paciente teria sido anestesiado e o corte tratado após a cirurgia»(1), e achei interessante ver como os arqueólogos teriam descoberto vestígios de anestesia num esqueleto com sete mil anos de idade. É claro que o artigo original não menciona anestesia nenhuma. Esta ideia do Marcos parece ter vindo da notícia sensacionalista no Times Online (4). Aproveito assim para deixar esta dica ao Marcos, como futuro jornalista. Para fazer jornalismo sobre ciência convém ler pelo menos o que os cientistas escrevem.
PS: Quero pedir desculpa ao Nuno Miguel Madeira Farias, também conhecido por Miguel Arcanjo Espirita dos Pobres, pois por pouco o contemplava com a treta desta semana. Mas como o Nuno demonstra as suas credenciais de vidente com uma imagem do diploma de «Basic Bodyguard Skills», pareceu-me estar pouco aberto a críticas. Por amor à pele e por respeitar a distância considerável entre o Nuno e a realidade, preferi galardoar o Marcos.
1- Marcos Sabino, Na Idade da Pedra já se faziam amputações.
2- St. Peter's Basilica, The Obelisk
3- Cécile Buquet-Marcon, Philippe Charlier & Anaïck Samzun, A possible Early Neolithic amputation at Buthiers-Boulancourt (Seine-et-Marne), France
4- Times Online, Evidence of Stone Age amputation forces rethink over history of surgery
Ser vidente e guarda-costas parece-me uma combinação genial: prevendo-se o ataque ao cliente de véspera, dá para evitar uma data de chatices. Talvez seja por isso que a foto mostra um Arcanjo lingrinhas: os seus dotes de vidente evitaram-lhe ter que exercitar os seus músculos no cumprimento dos seus deveres.
ResponderEliminarE o Marcos Sabino começa a meter-me pena.
7000 anos antes de Cristo já se produzia vinho. Quem sabe se não deram uma festa de (eventual) despedida ao fulano que iam amputar, só para o caso de as coisas poderem correr mal? Nesse caso, o desgraçado era capaz de estar um bocado anestesiado, sim senhor...
ResponderEliminarIsto está a compôr-se
ResponderEliminarhttp://neoateismodelirio.wordpress.com/2010/02/21/aleluia-finalmente-uma-reacao-a-doutrinacao-ateista-nas-escolas/
Nuno Gaspar:
ResponderEliminarVou investigar essa história. Se for verdade tal com o Luciano a apresenta é uma avalanche de asneiras. Dedicar-lhe hei um post sem duvida - e a chamar o teu amigo pelos nomes tambem.
Então tipo diz que é bom não se poder dizer nas aulas de historia que o criacionismo não tem fundamento quando logo a seguir diz que concorda que não tem fundamento mas que não se pode dizer isso porque toca a religião?
Tipo tudo o que puseres na boca de um deus é intiocavel? É o Luciano no seu melhor.
Ludwig:
ResponderEliminarO problema com o Marcos sabino é que esta completamente desacreditado, como diz a tua irmã ja dá dó bateres nele.
PS: tu fazias isso à tua avó? Estas a ver a tua moral é objectiva. Não atrapalhou em nada o objectivo de comer as bolachas. :P
LK
ResponderEliminarNotar que alguns estudos têm apontado para o conhecimento de ervas com efeitos narcóticos desde tempos muito antigos.
Quer para práticas religiosas , quer para usos medicinais.
Nada de estranho surge de uma amputaçao.
Como tb foi referido, a fermentação de bebidas tb ajudaria a minimizar a dor, tudo coisas conhecidas desde tempos imemoriais.
Nuvens,
ResponderEliminarO meu problema não é com a possibilidade de terem anestesiado o homem. Se fosse mesmo preciso, até lhe podiam ter dado uma mocada na cabeça. Nada disso invalidaria a teoria da evolução.
A minha crítica, nesse ponto, foi por afirmarem que ele foi anestesiado quando não há indícios nenhuns disso no esqueleto nem sequer especulação acerca dessa possibilidade no artigo original. Parece-me que isso é mau jornalismo.
LK
ResponderEliminarSem dúvida, o que me admira é como Marcos acha que pelo facto de ELE ter um deficiente conhecimento da vida dos nossos antepassados, isso tenha alguma relação com a teoria da evolução.
Mais ainda , sabemos hoje através de corpos conservados no gelo como o de Otzi, que estas pessoas tinham conhecimentos avançados de ferramentas. Por exemplo as flechas que ele levava eram capazes de elevada precisão no tiro, assim como transportava o equivalente a um isqueiro do neolítico, duas pedras que quando esfregadas fazem faísca, assim como roupa elaborada com cuidado , etc
A ideia de uns grunhos é mais uma erro da nossa visão restrita da cultura do que alguma coisa a ver com a teoria da evolução.
Mistério é como o cérebro de alguém faz este tipo de relações.
Nuvens:
ResponderEliminarTu dizes isso mas não sabes que o Otzi era o Leonardo Da vinci dos homens das cavernas. O que explica as flechas.
Além disso era gay - dai a roupa toda maricas, levava as pedrinhas no bolso por causa das estrelinhas que faziam à noite - era giro e não por servir para fazer lume (mas tu achas que fazer lume no polo norte é facil? Deves estar tonto).
Num mundo com apenas 6000 anos ou perto, tudo tem de ser muito estranho :))
ResponderEliminarO problema é que o Sabino não separa a inteligência da cultura. Por exemplo, em criança eu já sabia que fazia-se trepanações no Neolítico, supostamente para aliviar a pressão no crânio. Continuou-se a fazer antes da invenção da anestesia e e da desinfestação. Parece que o Sabino só soube disso no ano passado e chama a isso de operações cirúrgicas ao cérebro. Eram feitas operações cirúrgicas em gladiadores romanos sem anestesia, tal como muito antes no Antigo Egipto, e depois, da Idade Média - quando os cirurgiões e barbeiros eram o mesmo - até de um dentista descobrir que o óxido de sódio tinha efeitos anestésicos. Mas para Sabino se sabe que um braço foi amputado, então foi aplicada anestesia. Se lerem os artigos de Sabino, podem reparar que ele assume que a Teoria da Evolução associa as línguas à genética. Até parece que segundo a teoria um bebé que nunca aprendeu uma língua passa a falar uma e que os computadores foram inventados porque os humanos ficaram mais inteligência inata. Falta dizer que as cicatrizes têm origem genética.
ResponderEliminarPedro Amaral Couto,
ResponderEliminarpara mim o facto de não saber de um determinado assunto leva-me a investigar , procurar , estudar.
Esta gente parece tirar logo conclusões. Eu era um pouco assim na adolescência, achava que um dia ou dois de leituras sobre qualquer coisa faziam de mim um expert.
O tempo rapidamente me mostrou a qualidade suprema da humildade e de alguma paciência.
Pena alguns insistirem numa arrogância ignorante.
Alias os cirurgioes de Napoleão faziam aputaçoes em poucos segundos por não haver anestesia. Contaram-me que em algumas situações essa tecnica rudimentar, sem laqueaçao de vasos, anestesia ou seja o que for ainda é usada, como em algumas outras guerras recentes.
ResponderEliminarQuanto à trepanação parece que só falta encontrar de facto a razão pela qual eles faziam. Talvez alguns estivesse de facto doentes.
João,
ResponderEliminarSim, penso que a trepanação é só para quem não está bom da cabeça :)
"Sim, penso que a trepanação é só para quem não está bom da cabeça :)"
ResponderEliminarEu acho que era ritual
Nuno Gaspar:
ResponderEliminarIsso dificilmente é noticia uma vez que tem ano e meio.
Pena que foi preciso investigar para saber os pormenores. É como quando um tipo começa a clicar nos links dos criacionistas e é só surpresas...
João,
ResponderEliminarQual é a diferença entre ter acontecido há ano e meio ou anteontem?
Nuno,
ResponderEliminaressa história ainda não acabou, não deite os foguetes antes da festa.
O professor Corbett recorreu, e nem todos os juízes nos EUA foram nomeados pessoalmente por George W. Bush.
Mas quer saber uma coisa interessante? O aluno que "ganhou" também recorreu da sentença. Porquê? Porque apresentou 22 afirmações do professor como violando o «First Amendment», mas até o juíz do Bush considerou isso um disparate e deu-lhe razão apenas num caso: quando o professor Corbett diz que o criacionismo é disparate e superstição. É interessante verificar que o Nuno discorda dessa afirmação. Mas não surpreende.
http://www.ocregister.com/news/corbett-216491-school-court.html
LUDWIG, O INCAUTO CIDADÃOS E OS ARGUMENTOS DOS CRIACIONISTAS:
ResponderEliminarLK: Os exemplos que os criacionistas dão para “refutar” a teoria da evolução não têm qualquer relevância. Servem apenas para distrair.
IC: Ai sim? Com certeza que sabes do que estas a falar...
LK: Claro que sei. Estou absolutamente convencido que os micróbios se transformaram em microbiologistas ao longo de milhões de anos!!
IC: A sério? Grandes afirmações exigem grandes evidências!! Quais são as tuas?
LK: É simples! Com os meus argumentos de certeza que não te distrairás! Se olhares bem à tua volta descobres que:
1) moscas dão… moscas
2) morcegos dão… morcegos
3) gaivotas dão… gaivotas
4) bactérias dão… bactérias
5) escaravelhos dão… escaravelhos
6) tentilhões dão… tentilhões
7) celecantos dão… celecantos (mesmo durante supostos milhões de anos!)
8) guppies dão… guppies
9) os órgãos perdem funções, total ou parcialmente
IC: Mas...espera lá!
Não é isso que a Bíblia ensina, em Génesis 1, quando afirma, dez vezes, que os seres vivos se reproduzem de acordo com o seu género?
A perda total ou parcial de funções não é o que Génesis 3 ensina quando afirma que a natureza foi amaldiçoada e está corrompida por causa do pecado humano? É isso, e só isso, que se vê!
Malandro, quase me distraías do facto de que os teus exemplos corroboram inteiramente o que a Bíblia ensina!!
Não consegues dar um único exemplo que demonstre realmente a verdade aquilo em que acreditas?
LK: …a chuva cria informação codificada…
IC: pois, pois… e o guarda-chuva transcreve, traduz, copia e executa essa informação codificada…
És um malandreco! Se eu estivesse distraído até podia ter pensado por um segundo que tinhas demonstrado a evolução!!
Perspetiva:
ResponderEliminarSabes o que é a falácia do espantalho?
Nuno Gaspar:
ResponderEliminarA diferença é a quantidade de coisas que ja foi dita acerca desse assunto. E não é a mesma coisa se o Luciano se estivesse a referir a mais um caso.
E agora convem ver como se vão desenrolar as coisas.
Quanto ao Luciano defender que não se pode criticar nenhum aspecto da religião, so por ser religião e mesmo que esteja fundamentalmente e irrepmediavelmente errado... Não vale a pena fazer um post so por isso. Um bocado pela mesma razão. Disso ja toda a gente sabes, nada de novo, ou que me apeteça perder tempo com isso. Mais do que ja escrevi.
Ou se perceberes melhor assim, já não me da gozo para estar a escrever sobre isso.
"já não me da gozo para estar a escrever sobre isso."
ResponderEliminarprogressos...