Fé e Conhecimento.
O Bernardo Motta criticou a minha proposta do conhecimento como algo verificável, num texto onde aborda vários temas (1). O texto é algo extenso, por isso vou focar apenas as duas partes que me parecem mais importantes. Primeiro:
«A patrística cristã alude à fé e ao conhecimento como duas modalidades distintas e complementares da intelectualidade cristã. Ambas são indispensáveis»
Começo por apontar um defeito. Se querem dizer «o conhecimento complementa a fé», digam-no. Rodeá-lo de coisas como «a patrística alude» e «modalidades complementares da intelectualidade» só obscurece a ideia. Isto não é uma crítica ao Bernardo; de Kiekegaard a Ricoeur e Plantinga, parece-me que a própria teologia tem aversão a afirmações claras.
Concordo que conhecimento e fé são distintos, mas não que se complementem. O bife e as batatas fritas complementam-se. Ou a flauta e o violino, ou as calças e a camisola. A fé e o conhecimento são o gato e o rato. Ou se separam, ou há chatice. Tanto uma como outro pretende legitimar que se aceite algo como verdade, mas muitas vezes indicam precisamente o contrário. O conhecimento diz que num sistema que não troca energia com o exterior a entropia não diminui. A fé diz que há um deus que, se quiser, faz com que a entropia diminua num sistema isolado. Isto não é complementaridade. É contradição. Ou se rejeita o conhecimento acreditando que isto é possível, ou se rejeita a fé como uma hipótese refutada. Este é apenas um exemplo entre muitos. Em geral, ou se tem fé, ou se compreende. Não há complementaridade. Quem tem o bife, quer batatas, mas ninguém precisa de ter fé naquilo que já compreende...
A alegada complementaridade vem de um erro que o Bernardo torna explícito mais adiante:
«O que diria, Ludwig, acerca do trabalho científico na área filosófica específica dos argumentos ontológicos?»
Diria que é treta. Não é trabalho científico, e esses argumentos ontológicos põem o carro à frente dos bois. A ontologia estuda o que é, mas só é legítimo afirmar que algo é se sabemos que é. E esse problema é um problema de epistemologia, o problema de saber o que é e como distingui-lo do que não é.
Eis um exemplo de um argumento ontológico. Seja A uma montanha de ouro. Seja B a mesma montanha, mas que existe. Por definição, B existe. Bernardo, quer comprar uma montanha de ouro? O erro aqui é óbvio: existir não é uma propriedade que se possa definir. Apenas afirma que as propriedades estão instanciadas num objecto real. É a mesma montanha, A e B, e não é por incluir «existe» na definição que deixa de ser treta.
Resumindo, não se pode determinar o que é ou não é só por aquilo que o Bernardo chama «operações mentais», nem se faz com que algo exista por definição. Toda a ontologia depende da informação que obtemos acerca do universo. Da observação, da epistemologia, do conhecimento. E a fé? Para isto serve tanto como a montanha B. Se querem comprar, vendo baratinho.
Bernardo Motta, 29-3-07, Ludwig e os "mafaguinhos"
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