O vestido.
Depois de apreciar o tronco nu do Renato Saches e criticar o vestido da Lenka da Silva, Fernanda Câncio justificou-se como quem quer sair de um buraco escavando o fundo. Explicou que o problema não é o vestido da Lenka mas «O princípio constitucional [...] da igualdade de género [e] "a prossecução de políticas ativas de igualdade entre mulheres e homens" como "dever inequívoco de qualquer governo e uma obrigação de todos aqueles e aquelas que asseguram o serviço público em geral"». É por isto que Câncio quer que o Estado combata os tais «estereótipos de género» regulando o que as mulheres vestem na TV. Mas só as mulheres. Os homens até podem aparecer em tronco nu, que Câncio aprecia, porque «os estereótipos de género não objetificam nem sexualizam os homens» (1). Estranha igualdade.
A igualdade de género que faz sentido é a igualdade perante a lei. Mas para isso bastava fazer como a igualdade de direitos em função da beleza ou da inteligência: omitir da lei qualquer referência a esses atributos. É claro que isto não impede as pessoas de discriminar feios e belos ou burros e inteligentes. Mas isso compete a cada um decidir, bem como se valoriza estas coisas mais numas pessoas que noutras. Câncio parece querer o contrário. Quer regulação intrusiva e discriminatória para combater a «visão diferenciada do que é suposto valorizar-se nas mulheres e nos homens». Que não lhe compete nem a ela nem ao Estado decidir pelos outros. Eu dou mais importância à beleza nas mulheres do que nos homens, reivindico o direito de o fazer e não reconheço ao Estado legitimidade para me regular estes valores. O papel do Estado é garantir direitos. Não é manipular preferências. Se Câncio quer igualdade nisto, então que dê ela mais importância à beleza nos homens. Eles não se vão queixar e evita usar o Estado para forçar as pessoas a terem todas os mesmos gostos que ela.
Além do abuso do poder do Estado, é fútil regular os vestidos na RTP para alterar estereótipos de género. Mesmo que Lenka vá para o Preço Certo de fato de treino e gola alta, continua a ter página no Instagram, as mulheres continuam a vestir-se como querem na rua e há partes da Internet cheias de estereótipos de género em várias posições, combinações e número de participantes. E nem adiantava censurar tudo isso, como evidencia a persistência de estereótipos de género em países onde as mulheres são obrigadas a disfarçarem-se de saco preto. A razão da futilidade está na origem destes estereótipos, que não são causados pelo vestido da Lenka mas sim por milhões de anos de evolução que criaram na nossa espécie dois sexos especializados em aspectos diferentes da reprodução, com estratégias diferentes, preferências diferentes na selecção de parceiros e comportamentos diferentes.
É por isso que não se consegue igualdade de género declarando que não há géneros. Seria o mais prático. Acabava de uma vez a desigualdade, a discriminação e essas coisas todas. Mas não funciona porque os géneros são consequência dos sexos. É algo tão profundo no ser humano, e tão resistente a propaganda e programas de televisão, que há pessoas que recorrem a tratamentos drásticos ou se suicidam por o seu corpo não corresponder ao que concebem ser o seu género. Na verdade, combater estereótipos de género é combater a identidade de género. Cada pessoa tem de conceber e generalizar características que distinguem os géneros para se categorizar e para se relacionar com os outros. Mas essa generalização conceptual exige estereótipos. O que é ser homem ou ser mulher, por exemplo. Câncio quer usar o Estado para alterar a forma como certas pessoas concebem os géneros, violando o dever de respeitar a autonomia de cada um nestas matérias.
Esta ideologia woke é inconsistente, demagógica e até hipócrita. Diz ser pela igualdade e justiça mas a igualdade que defende é injusta. Em vez de ser igualdade nas liberdades quer forçar igualdade de preferências e escolhas, que ninguém deve ser obrigado a ter igual aos outros. Combate estereótipos sem reconhecer que os estereótipos fazem parte de como cada um pensa acerca de si e dos outros. Daquela identidade que dizem defender e que não deve ser alvo de regulação governamental. Combate a sexualização das mulheres de forma claramente discriminatória (o tronco nu do homem não tem problema) e sem perceber que as competições desportivas sexualizam os homens como os vestidos curtos sexualizam as mulheres.
A "objectificação" é mais uma treta. Objectificar uma pessoa é tratá-la como um objecto, em oposição a tratá-la como um ser humano. Mas se bem que quando apreciamos a apresentadora de mini saia ou o futebolista de tronco nu não os estamos a valorizar em toda a sua dimensão humana, a atracção sexual é caracteristicamente humana. Muito mais objectificado é quem recolhe o lixo, desentope sarjetas ou desempenha tantas outras profissões nas quais as pessoas, principalmente homens, fazem papel de coisa e até seriam substituídas por máquinas se ficasse mais barato. E raramente conhecemos alguém com tal intimidade que o possamos apreciar plenamente como ser humano. É o vizinho, o colega, a professora, todos objectificados em maior ou menor grau em função da relação que tenhamos com cada um. O termo "objectificação" como Câncio o usa apenas disfarça o puritanismo desigual com que encara a sexualidade, segundo o qual ser sexualmente atraente é bom para homens mas desumanizador para as mulheres.
Esta esquerda evangélica abandonou a luta por liberdades e direitos e está fixada em usar o Estado para doutrinar. O combate aos estereótipos, a exigência de igualdade em valores e opções e a demagogia envolvente visam politizar opiniões pessoais para justificar restringi-las àquilo que declaram ser correcto. Quem preze a democracia, mesmo que se considere de esquerda, deve opor esta tentativa de eliminar a fronteira entre o Estado e a opinião de cada um.
1- DN, O preço (errado) de uma polémica
Parece injusto da minha parte dizer que há vários problemas com este post do Ludwig e que não tenho tempo para os abordar a todos, e talvez seja, mas é a verdade. Foco-me apenas na comparação entre a apreciação do corpo do Renato Sanches (RS) por parte da Fernanda Câncio (FC) e a apreciação do corpo da Lenka (L) por uma grande parte dos espectadores do Preço Certo (PC).
ResponderEliminarO RS é uma figura pública por ser um competente jogador de futebol, independentemente do seu sex-appeal, enquanto que a L é uma figura pública por causa do seu sex-appeal, independentemente da sua competência profissional. Note que a competência profissional é algo que nos enforma enquanto pessoas, pelo que apreciar um atributo banal em alguém que reconhecemos singularidade de personalidade (RS) não é o mesmo que apreciar que um atributo banal em alguém que não conhecemos de lado nenhum (L). Note que a FC náo elogiou a foto de um qualquer corpo musculado, mas sim do RS, ou seja, do competente jogador de futebol que por sinal até tem sex-appeal. Certamente que se a FC tivesse calendários de homens sortidos (conhecidos apenas pelo seu corpo) em casa, a crítica de hipocrisia faria sentido.
Surpreende-me bastante que o Ludwig não tivesse sido capaz de perceber esta tão importante subtileza que, vendo bem, só é subtil para quem não sabe pensar melhor. O resto do texto enferma de problemas semelhantes de falta de subtileza na compreensão do tema.
>este texto tem imensos problemas, mas só vou dizer um, porque quero que esta crítica pareça maior e apesar de dizer que não tenho tempo vou encher três parágrafos.
Eliminar>Vou também ignorar pontos feitos no texto para fingir que tenho razão na minha fundamentação; já agora, só conta como competência profissional o que me convém que conte. É justo.
>E porque eu digo que é assim, jogar à bola enforma (sic) a malta que tu tens bué bom carácter, e assim, é legítimo fazer elogios; mas se não tivermos motivo para achar que tens bom carácter, não mereces elogios.
>Ou seja, só é legítimo fazer elogios se não forem sobre a ocupação da pessoa.
>Vou ser condescendente porque este texto prova que eu sou buéda perspicaz e o ludi é tótó LOL, vê-se mesmo que não estava a prestar atenção.
AnonimoRegistado,
Eliminar«O RS é uma figura pública por ser um competente jogador de futebol, independentemente do seu sex-appeal,»
E este é o erro fundamental. Porque é que ser competente a jogar futebol há de tornar alguém uma figura pública e famosa? Nota que isso não acontece com uma mulher que seja competente no futebol feminino. Também não basta ser competente. Isso acontece com homens que fiquem no topo da competência em algo que muita gente presta atenção. Pode ser a jogar Starcraft, pode ser a puxar uma corda, a atirar setas enquanto anda a cavalo ou uma data de coisas que homens foram inventando ao longo da história para que uns se pudessem destacar de outros.
E a motivação para isto é precisamente aumentar o sex-appeal. Homens no topo destas hierarquias têm imensa facilidade em encontrar parceiras desejáveis e têm por isso a admiração, e inveja, de homens com menos sucesso.
O problema fundamental que estou a apontar aqui é que, por causa da premissa que a sexualidade feminina é igual à masculina, muita gente não percebe que os homens são também muito sexualizados, apenas por formas diferentes porque as mulheres não se sentem atraídas por mamas grandes, mini-saias e essas coisas.
«Note que a competência profissional é algo que nos enforma enquanto pessoas, pelo que apreciar um atributo banal em alguém que reconhecemos singularidade de personalidade (RS) não é o mesmo que apreciar que um atributo banal em alguém que não conhecemos de lado nenhum (L).»
Eu noto que chutar uma bola é um atributo banal. Se fosse para reconhecer competência enquanto tal, teria muito mais fama um enfermeiro, bombeiro ou homem do lixo do que um futebolista, cujo trabalho, objectivamente, é tão útil como aparecer de vestido a apontar para electrodomésticos.
Mas acontece que, tal como o vestido salienta atributos das mulheres que são vantajosos para os homens se reproduzirem (juventude e indicadores de fertilidade), competições como futebol criam hierarquias que as mulheres podem usar para seleccionar os homens que mais vantagem trazem à prole (estatuto, recursos, etc).
É por isso que o RS é famoso por chutar a bola melhor que muitos outros e a L é famosa apenas pelo seu aspecto físico. Isto não tem nada que ver com competência em algo de útil. Tem que ver puramente com sexualização.
«Surpreende-me bastante que o Ludwig não tivesse sido capaz de perceber esta tão importante subtileza que, vendo bem, só é subtil para quem não sabe pensar melhor.»
De acordo. Mas se percebermos porque é que os futebolistas são famosos conseguimos compreender os paralelos que há entre o RS e L que, de outra forma, passam despercebidos para quem julga que sexualização só pode ser acerca daquilo que os homens procuram nas mulheres e exclui o que as mulheres procuram nos homens.
Para o sapo-verde de nome "AnonimoNoRegisto", só uma nota: "enforma" está bem escrito, vem do verbo enformar e consiste em "dar forma". És um estúpido armado em pedante que nem o significado de uma palavra percebe do contexto.
ResponderEliminarLudwig, eu no seu lugar talvez repensa-se como apresenta os seus pontos de vista, porque ter adeptos da direita mentecapta certamente não deve ser algo com que se deva sentir confortável. Responderei ao seu comentário quando tiver mais tempo.
AnonimoRegistado,
Eliminar"És um estúpido armado em pedante" é de uma argúcia argumentativa impar. E do que leio, nem sequer me parece que o AnonimoNoRegisto desconheça de facto o termo em causa. Mas mesmo que fosse esse o caso, tal nunca seria condição necessária e muito menos suficiente para esse diagnóstico. Da mesma forma que os pontapés que tu dás na gramática também não o são... "repensa-se"?! A sério?! Não seria antes "repensasse"?
Quanto a mentecaptos, não interessa muito se são de direita ou de esquerda. Ou vês alguma diferença de qualidade entre uns e outros mentecaptos?
"Responderei ao seu comentário quando tiver mais tempo." Sim, sim... deve ser! LoL
ah
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