Abstencionismo, parte 2.
A minha carta aos abstencionistas suscitou algumas reacções negativas (1). O argumento pela abstenção assentou novamente nas justificações de que os candidatos não merecem o voto, de que não devemos legitimá-los com a nossa participação e que abster-se é protestar. Isto continua a não justificar a tese de que a abstenção é a melhor opção. Quero salientar que é principalmente esta ideia que eu critico. Houve certamente muita gente que não votou porque não lhe apeteceu mas que admite ser importante votar. Dessas pessoas apenas acho que deviam ter votado; no resto estamos de acordo. Mas quem tenta justificar a abstenção alegando ser a opção mais correcta está a defender que a minha opção de votar foi menos correcta do que a sua e isso já merece ser discutido.
O texto do João da Nóbrega (2) é um exemplo extremo das críticas que recebi. Em geral não foram tão extensas, detalhadas ou vigorosas. Não vou responder da mesma forma, frase a frase, mas não quero desperdiçar uma crítica assim. Por isso, tentarei focar o que me parece mais importante. Principalmente, justificar ter escrito aos que defendem a abstenção que «não vou invocar deveres abstractos de civismo e democracia para censurar a vossa preguiça». Aparentemente, foi sobretudo isto que ofendeu o João, que não gosta que o «acusem de ser preguiçoso injustamente.»
Dizer que alguém age por preguiça num caso particular não é dizer que age por preguiça na generalidade dos casos e, por isso, dizer que se abstém por preguiça não é dizer que é preguiçoso. No resto até pode ser muito trabalhador. Não faço ideia nem alego nada quanto a isso. Mas, mesmo assim, devo explicar porque afirmo que a abstenção foi por preguiça. Tenho duas razões fortes. A primeira é a de que esta abstenção, das eleições que conheci, tem sido exactamente igual à abstenção de quem vai passear ou fica a dormir a sesta. De uma abstenção revoltada seria de esperar mais barulho, mais gente nas ruas e mais protestos. Em vez disso, foi só a pacatez sonolenta de uma tarde de Domingo. Se não foi preguiça foi muito bem disfarçada. A outra razão é a de que não é preciso ter um favorito para ter razão para votar. Basta saber de algum candidato cuja eleição se queira mesmo evitar. Basta algum, ou alguns, que se deteste mais do que os restantes. Por exemplo, mesmo que não haja ninguém de jeito nas listas, a mim basta o PNR se candidatar para já não me abster. Porque o voto não é só a favor de um escolhido. É também contra os outros. Parecendo-me difícil ser-se ideologicamente tão amorfo que não se tenha por algum partido ainda menos apreço do que pelos restantes, só posso concluir que, em geral, quem se abstém sem ser por preguiça de votar ou por preguiça de escolher abstém-se por preguiça de se informar.
Contradizendo a indignação que manifestou pela acusação de preguiça, o João escreve que «a autoridade é que tem o ónus de conseguir convencer as pessoas a legitimá-la, e não o contrário. Se eu não a quero legitimar, estou no meu direito, ponto final. Se ficar em casa a coça-los, estou no meu direito.» Pedindo desculpa se ofendo, parece-me também preguiça exigir que sejam os outros a convencer-nos. Além de ser perigoso. E, se bem que o João tenha o direito de ficar a coçá-los em vez de votar, este é um direito apenas no sentido restrito de que seria pior ainda haver uma lei que o impedisse. É como ter o direito de mentir aos pais ou de fechar a porta do elevador antes que a senhora com o bebé ao colo tenha tempo de entrar. Não deve haver leis contra isto e, portanto, todos acabam por ter o direito legal de o fazer. Mas não são propriamente direitos no sentido pleno do termo. A abstenção está também nessa zona cinzenta entre a opção legítima e a que deve ser proibida.
O João também se indignou por eu ter escrito que, quando é preciso votar, muitos «ficam encostados sem fazer nada». Explica o João que «ir trabalhar todos os dias, cuidar de uma família sem ter tempo, pagar uma porrada de impostos para que se consiga ter todas as coisas que temos como os senhores querem» já é fazer muito. É verdade. E se o João não pode votar porque estava a cuidar dos filhos, a trabalhar ou na fila para pagar os impostos, ressalvo já que não o critico por isso. Votar é importante mas há coisas mais importantes. A minha crítica é para aqueles que, não só tendo ficado “em casa a coçá-los” quando podiam facilmente ter votado, ainda defendem que fizeram uma grande coisa, talvez até melhor do que os outros que votaram. É este disparate que merece oposição.
Mesmo indeciso entre alguns candidatos, é melhor votar ao acaso num desses do que se abster, porque distribuir os votos sempre contribui para fortalecer a oposição, ganhe quem ganhar. Não votar é a pior opção. Abster-se por protesto é ridículo porque não se protesta imitando a indiferença. Abster-se porque os políticos “não merecem” o voto é ingénuo porque o voto não é um prémio. É apenas a indicação anónima do candidato que se considera menos mau. E não votar para não legitimar os eleitos é treta porque o que conta é a distribuição dos votos válidos. A abstenção não tira legitimidade às escolhas de quem votou. Mas quanto mais gente se abstém maior é o risco dos votos se concentrarem demasiado num ou em poucos partidos. Pior ainda, quanto maior a abstenção mais fraca é a democracia. O problema mais grave que resolvemos com a democracia é serem uns a decidir pelos outros, como em qualquer sistema autoritário, e quanto maior for a abstenção menos são os que decidem. O João acha que os “sistemas justos” se defendem dando «um tiro nos cornos» a quem incomodar em vez de «com cruzes de merda» no papel. Eu discordo. Pelo que sei dos sistemas políticos baseados no tiroteio, preferia que houvesse mais empenho na democracia. Por muito fracos que sejam os candidatos, a alternativa do João parece-me bem pior.
1- Caros abstencionistas
2- João da Nóbrega, Resposta um.
Um estudo científico recente mostra que o nível de abstenção eleitoral pode ser o resultado dos níveis hormonais, com especial relevo para os níveis de cortisol. O Ludwig está em boas condições para introduzir este elemento na sua análise.
ResponderEliminarEsse estudo parece ser um bom candidato a ser galardoado na entrega dos ig-nobel.
ResponderEliminarPara quem quiser ver os prémios passados pode ver em: http://www.improbable.com/ig/
É gargalhada garantida!
E no entanto foi publicado numa revista sujeita a revisão de pares... .
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