Treta da semana (passada): Henrique, o climatólogo.
Escreveu o Henrique Raposo que «A ideia de que o homem é a causa do "aquecimento global" ou das "mudanças climáticas" (a narrativa muda consoante a temperatura) sempre me pareceu uma manifestação da velha arrogância iluminista que coloca o homem no centro de tudo» (1). Confundiu-se duas vezes. Primeiro, ao julgar que "aquecimento global" e "mudanças climáticas" referem a mesma coisa ou pretendem mudar alguma narrativa. São termos diferentes e ambos já muito usados para referir duas coisas diferentes. O termo “aquecimento global” refere o facto observável da temperatura global estar a subir, a uma velocidade ordens de grandeza superior ao que normalmente se observa no registo geológico. O outro termo, “mudança climática”, refere um efeito do aquecimento global que é a alteração dos padrões climáticos. Infelizmente, parece que ninguém instalou a Wikipedia na Internet do Henrique. Para poupar estas situações embaraçosas aproveitava para pedir ao responsável que tratasse disso assim que possível, não vá o Henrique ser obrigado a escrever novamente sobre algo que não percebe sem a possibilidade sequer de consultar o significado dos termos (2).
A outra confusão do Henrique é julgar que a suposta parecença com a «velha arrogância iluminista» tem alguma relevância. É verdade que há «fenómenos com mais poder do que a humanidade». A pandemia de gripe de 1918 matou entre 50 a 100 milhões de pessoas, muito mais do que a primeira guerra mundial (3). No entanto, seria disparate descartar como «arrogância iluminista» qualquer preocupação com uma guerra mundial só porque a gripe matou mais gente. Com as alterações ambientais há o risco ainda mais sério dos efeitos serem ampliados precisamente pelo poder da natureza. Nos muitos sítios onde desatam a cortar árvores se calhar também argumentam que é «arrogância iluminista» dizer para terem cuidado. Mas depois, quando uma chuvada faz escorregar a lama toda que ficou exposta e a aldeia acaba soterrada, vêm dizer que foi um “desastre natural”.
Se considerarmos a escala absoluta de temperatura, o efeito antropogénico é mínimo. Entre o zero absoluto e a temperatura média da Terra vão alguns 300ºC. Os gases que temos mandado para a atmosfera estão a subir esta temperatura apenas mais uns 0.1% do total. Claramente, o efeito do Sol, do vapor de água e de tudo o resto é muito maior do que o nosso contributo. Mas essa perspectiva, por muito humilde que seja, é irrelevante porque a escala que nos interessa não é a que começa nos -273.15ºC. A escala que nos interessa é a que nos afecta, e essa é muito mais estreita. É a zona por onde se espalham os mosquitos que transmitem a malária, é como se altera o padrão das chuvas e o impacto que isso tem na agricultura, é a severidade das tempestades e assim por diante. Tudo coisas irrelevantes à escala da Terra mas bem importantes para milhares de milhões de pessoas. Também podemos dizer que, com uma profundidade média de três quilómetros e meio, um aumento de poucos metros no nível dos oceanos é irrelevante. Para os oceanos é irrelevante, sim. Mas para toda a gente que vive nesses poucos metros o problema é sério. Mesmo que fosse «arrogância iluminista» pensar que podemos fazer grandes estragos à escala planetária não é arrogância nenhuma ter consciência de que a nossa forma de vida é extremamente sensível mesmo às alterações mais pequenas. O Henrique pensa que o problema é «uma ciência ambiental demasiado ideológica [...] reconstruir um mundozinho antropocêntrico que não tolera a existência de nada superior ao homem.» Mas o problema é outro. É a arrogância dos ignorantes que acham que nada do que nós fizermos pode ter consequências.
Finalmente, pedia que também instalassem o Google na Internet do Henrique. É que ele termina o post dizendo que não percebe «esta coisa esquisita que é não ver o Sol e os vulcões.» Parece julgar que, entre todos os peritos em climatologia, só ele se lembrou do Sol e dos vulcões. Há mais gente que tenha considerado os efeitos da variação na intensidade da radiação solar e das emissões vulcânicas. No entanto, nas últimas décadas, esses efeitos têm sido no sentido de reduzir a temperatura da Terra (4), mitigando parcialmente aquecimento causado pelos dez mil milhões de toneladas de compostos de carbono que espalhamos pelo ar em cada ano.
Corrigido a 28-4; por gralha tinha o zero absoluto mais frio do que é possível. Obrigado ao Zurk pela correcção.
1- Henrique Raposo, O ano sem verão.
2- Wikipedia, Global warming, e Climate change.
3- Wikipedia, 1918 flu pandemic, World War I casualties.
4- Sun & climate: moving in opposite directions;
Sun-dimming volcanoes partly explain global warming hiatus-study .