Treta da semana: proibido comentar.
A Comissão Nacional de Eleições (CNE) estipulou que nenhum candidato pode fazer propaganda política pelas “redes sociais” nos dias 28 e 29 de Setembro (1). Esta medida tem sido criticada por não ser prático que a CNE vigie milhares de candidatos às autárquicas para garantir que respeitam esta restrição (2). Não me parece uma crítica pertinente, porque não será mais difícil vigiar o Facebook do que o uso megafones ou a distribuição de panfletos, autocolantes e bonés durante esses dois dias também. O que me preocupa nisto é um problema muito mais fundamental e que, infelizmente, não tenho visto abordarem.
A comunicação "em massa" tradicional, desde o megafone à televisão e jornais, tem características que podem justificar regulação pelos legisladores. É uma forma de comunicação reservada a alguns, pelo investimento que exige, e diferente das formas de expressão pessoal da maioria. Impõe-se à audiência pelo controlo centralizado que o emissor tem sobre a mensagem e a sua apresentação, seja na composição do jornal, na programação do canal de televisão ou no automóvel a berrar as virtudes deste partido ou os vícios daquele. E o seu uso está associado à procura de algum ganho ou vantagem material da parte de quem a ela recorre. Com esta assimetria no acesso e o uso que normalmente lhe dão faz sentido impor restrições legais como a proibição de mensagens publicitárias pagas durante a campanha eleitoral, seja em que meio for (3).
A comunicação pessoal é muito diferente. As cartas e os telefonemas, por exemplo, não são algo que se admita estar sob a alçada do legislador. Nem é por serem mensagens privadas; também não admitiríamos restrições destas ao que podemos conversar com os amigos na esplanada. Queremos o Estado fora das nossas cartas e conversas de café porque são formas generalizadas de comunicar em que participamos voluntariamente e como iguais. O problema principal desta decisão da CNE é assumir implicitamente que as novas tecnologias estão sob a jurisdição dos legisladores como se fossem megafones ou canais de TV. Isto é um perigo.
Se, no dia 28, um candidato escrever “Votem em mim!” na sua página do Facebook em vez de deixar lá a mensagem de véspera, isso só afectará quem for ler a página nesse dia e reparar na data do post. Não é o mesmo que andar aos berros na rua com o megafone ou a abanar cartazes à frente de quem passe. Mas pior do que o ridículo de regular a data em que se pode escrever estas coisas no Facebook é o perigo de furar a barreira que mantém o Estado fora da nossa vida pessoal. Proibir os candidatos de distribuir panfletos ou de comprar anúncios apenas limita actos acessíveis só a alguns e que visam impingir algo a quem não o procura. Mas proibir tweets, posts em blogs ou actualizações no Facebook restringe trocas voluntária de informação entre pares e para fins pessoais. É uma forma de censura que devia ser liminarmente rejeitada.
O problema é mais grave do que a maioria percebe. Este exemplo é apenas um entre muitos outros, como o atropelo de direitos pessoais para preservar monopólios de copyright, leis de retenção de dados para que possam vasculhar as nossas comunicações se eventualmente der jeito e sistemas para filtrar o acesso a materiais a que os legisladores acham que não devemos aceder. Esta tecnologia surgiu demasiado depressa para desenvolvermos aquela compreensão intuitiva que nos faria saltar a tampa se a CNE proibisse conversas sobre política na véspera de eleições ou a SPA escutasse telefonemas para garantir que não recitamos poesia sem autorização. Como, superficialmente, a Internet se parece com os jornais e a televisão, muitos assumem que deve ser regulada da mesma maneira. Mas a Internet é uma infraestrutura de comunicação que tanto pode ser comércio, publicidade e canal de TV como telefone, carta ou conversa de café. Por isso não podemos aceitar que o Estado regule o que aqui fazemos sem pensar primeiro em que faceta intervém. É aceitável, e desejável, que regule negócios, fiscalize publicidade e estabeleça regras para campanhas eleitorais. Mas é inadmissível que o Estado impeça a troca voluntária de informação para fins pessoais. Seja ficheiros mp3, seja intenções de voto, essa comunicação entre pares deve ser tratada como qualquer telefonema, carta ou conversa presencial e deve ficar fora da jurisdição do Estado. E se não defendermos o direito de usar esta tecnologia vão acabar por usá-la contra nós.
1- Público, CNE atenta ao "subliminar" no dia de reflexão no Facebook
2- Por exemplo, Público, Como vai a CNE controlar os milhares de candidatos nas redes sociais?
3- Meios e Publicidade, Autárquicas: Candidatos não podem fazer publicidade no Facebook
Off topic
ResponderEliminarParece que o pr alfredo diniz faleceu.
Que raio de coisa que parece que a velha do gadanho tem uma especial apetência por cérebros brilhantes.
Espero que o rumor seja isso mesmo e que o alfredo diniz venha aqui declarar que o relato da morte foi , no mínimo, um pouco exagerado.
Se não for assim, e se realmente a pega da gadanha o apanhou, que eu, o Ludwig e todos os ateus e cépticos estejamos errados.
E que seja recebido na pompa e circunstância que merece.
E, se não for pedir muito, que lá onde está nos recorde com amor e um sorriso.
Lá está um argumento bom para eu defender contra o pr. diniz:
-oh homem! Se você morreu isso é a prova que Deus não existe.
Lá irá ele argumentar e eu, e Deus, vamos concordar que o alfredo diniz é capaz de melhor. ... e rebater.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarPois é, Sousa, ficou uma cadeira vazia deste lado da mesa.
ResponderEliminarLogo aquela onde se sentava quem era mais ponderado, paciente, erudito, confiante,...
Sabemos que é assim. Um a um, abandonaremos esta sala e, um dia, já nem o eco das intermináveis réplicas e contra-réplicas se conseguirá ouvir. A vocês não sei mas, a mim, acho que o Padre Alfredo me ajudou a olhar de cabeça mais levantada para a porta por onde todos sairemos.
Sousa,
ResponderEliminarInfelizmente, é verdade...