domingo, setembro 29, 2013

Novamente o conhecimento.

No post anterior disse que sei não existirem deuses mas que admito poder estar errado. Isto parece ter criado alguma confusão. O Paulo comentou que «Obviamente, se assumo que posso estar errado, não posso dizer honestamente que sei com certeza absoluta. Ou seja, não sei.»(1) e o Molochbaal que «Afinal o Kripphal é kamarada um agnóstico que ainda não saiu do armário»(2). Não é nada disso. Nem é preciso certeza absoluta para saber nem eu sou agnóstico. Mas é melhor começar pelos termos, para evitar mais confusão.

Exceptuando eventuais casos patológicos, todos temos crenças e certezas. A crença é a disposição para aceitar uma proposição como verdadeira. Por exemplo, “a Terra é aproximadamente esférica”. Não é uma afirmação que eu tenha sempre em mente mas, sempre que surja, estou disposto a aceitá-la como verdadeira. Portanto, acredito que a Terra é aproximadamente esférica. A certeza é o grau máximo dessa disposição, tal que já nada poderá aumentar a confiança depositada na afirmação. Tenho a certeza de que a Terra é aproximadamente esférica porque não me restam dúvidas que possam ser reduzidas com mais evidências nesse sentido. Para mim, este assunto já está resolvido e não preciso de mais fotografias, medições ou argumentos confirmatórios. Mas esta certeza não é absoluta. Depende dos dados de que disponho e, por isso, pode ser eliminada por evidências contrárias que me suscitem dúvidas. O facto de não ter dúvidas agora não implica que não as possa vir a ter se novos dados o justificarem. A certeza absoluta é completamente diferente porque é imune às evidências. A minha certeza de que não tenho cobras em casa é razoável e útil porque tenho boas razões para confiar que não há cobras aqui e, graças a esta certeza, não preciso de abrir portas e gavetas com o cabo da vassoura. Mas seria irracional, e até perigoso, se esta certeza fosse absoluta e se nem ver uma cobra no meio da sala me fizesse duvidar. A certeza absoluta é o objectivo último da fé mas é a antítese do conhecimento, da racionalidade e até dos instintos mais básicos de auto-preservação.

O conhecimento, segundo a definição mais comum, é uma crença verdadeira e justificada. É crença porque seria contraditório saber algo que não se está disposto a aceitar; verdadeira porque senão seria erro em vez de conhecimento; e justificada porque acertar por palpite não conta. Não há nada aqui que exija certezas. Excluindo apenas a certeza absoluta, que é injustificável, o grau da crença pode ir desde o mais reservado “parece plausível” até à certeza do “aposto a minha vida e as da minha família nisso” que demonstramos cada vez que andamos de elevador ou a 120km/h na autoestrada. É obviamente incorrecta a noção de que só tendo a certeza é que sabemos ou, pior ainda, de que só com certeza absoluta é que podemos saber. Mas a definição de conhecimento não mostra onde entra a possibilidade de erro. A definição apenas delimita um conceito e, por si só, não tem qualquer alvo que possa falhar: ou a crença é verdadeira e justificada e é conhecimento, ou falha um requisito e não é. Para conciliar a minha alegação de que sei que não existem deuses com a admissão de que posso estar enganado é preciso considerar também a aplicação prática da definição.

É claro que se a crença for falsa, não será conhecimento por muitos indícios que a justifiquem. Dantes acreditava-se que a gravidade era uma força de atracção instantânea e o sucesso dessa hipótese justificou bem a crença. Mas era falsa. Hoje dizemos saber que a gravidade é uma deformação no espaço-tempo e que se propaga à velocidade da luz, o que se justifica por a teoria da relatividade ter sido testada com grande precisão (3). Será verdade? Sem acesso directo à verdade das proposições, nunca podemos excluir a possibilidade de erro. Só podemos, em cada fase, ir determinando que crenças têm melhor fundamento e se houver alguma que se justifica concluir verdadeira, então também se justifica chamar-lhe conhecimento. Se for erro, depois corrige-se, mas não vamos ficar eternamente paralisados na ignorância à espera de conclusões definitivas.

É assim que eu sei que não existem deuses mesmo rejeitando certezas absolutas. A minha crença de que Hórus, Zeus, Odin e Jahvé são personagens tão fictícios como o Pai Natal ou o Tintin está suficientemente justificada para lhe chamar conhecimento. O agnosticismo, além de ser aplicado apenas aos deuses mais populares, sugerindo que se deve a considerações mais sociais do que epistémicas, é inconsistente nos critérios. Os agnósticos aceitam serem conhecimento conclusões como as de que é perigoso ter o esquentador na casa de banho ou que há água em Marte enquanto rejeitam sequer a possibilidade de se saber se a história de um personagem que transforma pessoas em sal e faz milagres é realidade ou ficção.

É legítimo chamar conhecimento à crença que podemos justificar de forma objectiva e adequada. O problema da justificação é complexo em teoria mas, na prática, as diferenças entre crenças justificadas e crenças sem fundamento são normalmente claras. Compare-se, por exemplo, o criacionismo com a biologia ou a astrologia com a astronomia. A crença pode ser ou não uma certeza, conforme considerarmos que já não vale a pena obter mais evidências a seu favor ou que ainda nos restam dúvidas, mas qualquer certeza racional depende da informação de que se dispõe e admite a possibilidade de revisão se surgirem dados contraditórios. Perceber isto ajuda a evitar dois erros comuns. Do lado do cepticismo inconsistente, o erro de defender que não se sabe só porque não se tem a certeza absoluta. Do lado da fé, o erro de defender que algo é conhecimento só porque muitos acreditam com intensidade e sinceridade. O fundamental para considerar que uma crença é conhecimento é a sua justificação objectiva. A certeza é opcional e a fé é irrelevante na melhor das hipóteses ou um obstáculo se impedir a conclusão correcta.

1- Comentário em Acreditar, saber e afirmar. (no Que Treta!)
2- Comentário em Acreditar, saber e afirmar. (no Diário de uns Ateus)
3- Wikipedia, Tests of general relativity

4 comentários:

  1. Ludwig:

    Esta é o conceito de conhecimento que funciona melhor. Concordo com a tua justificação e conclusão. Mas há filósofos que consideram que se o conhecimento pode ser falso deixa de ser conhecimento. Consideram assim o conhecimento, apenas aquilo que podes mostrar que não vai mudar de valor lógico, qualquer que seja a evidência futura. Na prática não aceitam que se possa considerar uma probabilidade para ser verdade, mediante o tudo o que se pode justificar. Não aceitam que haja conhecimento relativo. E o melhor argumento que eu vejo contra isso, contra não aceitar que não precisamos de considerar o conhecimento como algo absoluto, é que não funciona e serve para muito pouca coisa. Nunca permitiria o desenvolvimento cientifico e por exemplo especificamente, a estatistica bayesiana.

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  2. João,

    «Mas há filósofos que consideram que se o conhecimento pode ser falso deixa de ser conhecimento.»

    Eu também concordo que se a crença é falsa não pode ser conhecimento. Daí a graça disto:

    “Deus não pode saber que esta afirmação é verdadeira”

    (porque se souber é falsa, e não pode saber que é verdadeira uma afirmação que é falsa; mas nós podemos saber que é verdadeira sem problema :)

    Mas há aqui duas coisas diferentes. Normalmente, quando respondemos sim ou não a uma pergunta do género “o tabaco causa cancro”, não estamos a responder à verdade da afirmação em si (ao problema ontológico) mas sim ao que nós podemos dizer da afirmação (um problema epistémico). Isto porque se é verdade ou não é algo que não podemos saber directamente. Só podemos avaliar é se temos indícios suficientes para concluir alguma coisa.

    O mesmo se passa com a decisão se algo é conhecimento ou não. Quando digo que sei uma coisa, em rigor não estou a afirmar que isso é verdade. Essa seria a parte absoluta: ou é ou não é. Estou apenas a dizer que a informação de que disponho favorece o suficiente essa conclusão para considerar que é uma crença justificada. Ou seja, aquilo que eu digo que é conhecimento é aquilo que consigo justificar concluir que é conhecimento, com certos graus de certeza e margens de erro, e não, em absoluto, o que é mesmo conhecimento.

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  3. Mas se não estás a afirmar que é verdade, no mínimo tens de supor que é verdade. Precisamente porque se não for verdadeira é falsa. E se for falsa não podes falar em ter conhecimento. A própria justificação só tem valor porque supostamente e provavelmente te aproxima da verdade, seja o que ela for, com consequências claras. Se a justificação não te aproximar da verdade não tens vantagem em ter uma crença justificada. De onde, sem prejuizo para um valor binário da verdade parece-me que faz sentido falar numa probabilidade condicionada para o conhecimento no quadro que tu também defendes. A probabilidade de algo ser verdade dado uma dada justificação melhor com o valor da justificação.

    Mas isto é contra filosofia mais "mainstream" actual, pelo que pude perceber. O conhecimento para estes é a crença, verdadeira irrefutável. O que resulta apenas em alguns processos dedutivos e formais... Acho eu.

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  4. A CIÊNCIA DO CÓDIGO GENÉTICO E O LOGOS QUE SE REVELA NA BÍBLIA

    A Bíblia ensina que a vida foi criada por um Deus inteligente, autorrevelado como Razão ou Palavra (Logos). Mas também ensina que por causa do pecado toda a criação ficou sujeita a decaimento, corrupção e morte.

    Os códigos genético e epigenético, com as suas linguagens, e com o ruído a que as mesmas estão sujeitas, corroboram inteiramente as afirmações bíblicas sobre criação e corrupção. No entanto, em nada eles corroboram as afirmações evolucionistas.

    Todos sabemos que o código genético é um verdadeiro código, dotado de propriedades quase ótimas e de universalidade, já que aparece tanto em bactérias como em seres humanos.

    Ele regula, com precisão, a qualidade e a quantidade das proteínas que devem ser produzidas para cada ser vivo específico.

    A própria velocidade da produção de proteínas é cuidadosamente regulada.

    As mutações genéticas tendem criar ruído e a destruir informação, dando origem a mutações maioritariamente deletérias.


    Essas mutações são cumulativas e degenerativas, traduzindo-se na transmissão hereditária de doenças.

    As perturbações na leitura e execução do código causam doenças e, em muitos casos, morte.

    Em qualquer caso, nunca observamos um ser vivo a transformar-se noutro diferente e mais complexo, como a teoria da evolução imagina.

    No mundo real, códigos e informação codificada são entidades imateriais, distintas da matéria e da energia usados para armazenar a informação, e têm uma origem inteligente.

    Eles consistem na atribuição de um significado (v.g. ideia, instrução) a um símbolo ou a uma sequência de símbolos. Essa atribuição é sempre uma decisão volitiva e inteligente.

    Por outro lado, não se conhece qualquer lei natural ou processo físico que crie códigos e informação codificada. Independentemente das especulações evolucionistas sobre a sua origem, a verdade é que os códigos existentes no genoma corroboram um Criador inteligente e único.

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