domingo, agosto 04, 2013

Treta da semana (passada): política e a língua portuguesa.

Eric Arthur Blair, mais conhecido pelo pseudónimo de George Orwell, morreu em 1950 com 47 anos. Em 1946 tinha escrito o ensaio Politics and the English Language(1), lamentando o desleixo linguístico dos políticos da sua época e as consequências desse desleixo não só para a sua língua como para a própria capacidade de raciocinar. Passaram quase sete décadas e continua tudo na mesma.

Um problema que Orwell apontou é o mau uso de metáforas. Qualquer língua é rica em metáforas mortas, como “nascer do Sol” e “Lua cheia”, que já não funcionam como metáforas porque adquiriram um significado convencional preciso. Nestas já nem se nota o carácter metafórico. No outro extremo, podemos usar uma metáfora para despertar a atenção para algum aspecto particular do que se discute. “Necrópole de Belém” em vez de “Palácio de Belém”, por exemplo. O problema está na gama intermédia de metáforas gastas que nem contribuem nada de novo nem têm um significado suficientemente convencional para passarem despercebidas. São chavões que poupam trabalho ao autor, que assim evita pensar no que quer dizer, mas que só contribuem para tornar vaga e enfadonha a mensagem.

José Ribeiro e Castro, deputado do CDS, tenta argumentar contra a co-adopção em casais homossexuais sem parecer homofóbico. Não conseguindo apontar problemas na co-adopção que derivem unicamente do sexo do co-adoptante, acaba por argumentar contra a co-adopção em geral, alegando ser desnecessário co-adoptar porque «existem na lei suficientes instrumentos jurídicos para prevenir qualquer abuso ou usurpação afectiva contrária aos desejos do pai ou da mãe da criança ou aos sentimentos do menor»(2). Sem especificar os instrumentos a que alude, tenta disfarçar o buraco no seu argumento com metáforas requentadas. A co-adopção em casais homossexuais não se deve «ao interesse da criança, mas a uma guerra de adultos. A discussão foi bem emblemática do dedo em riste, do início de uma perseguição contra a dita "homofobia"». A “guerra”, o “dedo em riste” e a “perseguição” não têm nada que ver com a co-adopção. Mas, talvez espere o autor, se enfadar o leitor com estes chavões pode passar despercebida a incoerência do argumento.

Além do copy-paste de metáforas, os políticos recorrem também à verborreia pela necessidade de preencher tempo de antena quando nada têm a dizer. O nosso Presidente é exímio nesta arte. No passado dia 21, conseguiu dizer “bem, então fica tudo na mesma” em mil e trezentas palavras. Para conseguir tal feito precisou de torturar o Português de várias maneiras. Por exemplo, em vez de usar um verbo específico como “concordar”, claro mas demasiado sucinto, combinou o verbo “alcançar” com substantivos para dizer o mesmo de forma mais vaga: «alcançar entendimentos alargados». Usou também palavras só para encher espaço. Por exemplo, em vez de um curto e claro “a médio prazo”, o nosso Presidente optou por «num horizonte temporal de médio prazo». Este “horizonte temporal” é um excelente exemplo de palha verbal. Uma passagem magistral, a ler e reler, é esta onde diz que o Governo deve estimular a economia e combater o desemprego: «Afigura-se igualmente fundamental que todo o Governo assuma como prioridade o reforço da aplicação de medidas de relançamento da economia e de combate ao desemprego.»

Infelizmente, este abuso da linguagem não é apenas uma forma ineficiente de transmitir ideias. Tentar explicar algo de forma clara e sucinta obriga a pensar bem no que se quer dizer, torna evidente incoerências e contradições, permite avaliar a relevância do que se defende e ajuda a melhorar as ideias que se pode melhorar e a rejeitar as que não têm emenda. A mera evacuação verbal, mesmo que prolífica, dificilmente dá algo que se aproveite. Além disso, este cancro espalha-se por todo o lado, desde o discurso do Presidente à burocracia do Estado e até ao supermercado que nos pede o favor de “utilizar a saída pelas caixas”. Utilizar a saída é sair. Já temos verbo para isso.

Dada a preocupação com a produtividade e a competitividade, uma boa medida seria eliminar da burocracia o contorcionismo verbal que agora é norma. Poupava-se tempo, quer a escrever quer a desenlear o texto, poupava-se papel e, sobretudo, eliminava-se a maioria dos disparates e mal-entendidos que atravancam a economia. O único senão é que esta opacidade ajuda a disfarçar incompetências e aldrabices, e enquanto forem os aldrabões e incompetentes a mandar não haverá interesse em acabar com isto.

1- George Orwell, Politics and the English Language.
2- José Ribeiro e Castro, Adopção e dualidade pai/mãe
3- Presidência da República Portuguesa, Comunicação ao País do Presidente da República

6 comentários:

  1. Se houvesse um Orwell português penso que ele te criticaria, Ludwig. Por exemplo, pelo uso do termo "homofóbico". Em vez de se discutirem e debaterem ideias, tenta-se colocar um rótulo negativo a alguém. Não me parece que seja essa uma técnica legítima do pensamento "crítico".

    Imagina o que seria se os teus leitores cristão entrassem aqui e em vez de tentarem discutir contigo alguma coisa de interessante passassem o tempo a dizer que eras cristofóbico, catolicofóbico, etc., etc.. Tenho a certeza que não apreciarias totalmente a cena. Seria óptimo porque te daria uma oportunidade para te vitimizares (nunca me esquecerei do que escreveste há uns tempos na caixa de comentários da companhia dos filósofos) mas por outro lado destruiria o prazer da discussão além de ser uma injustiça (?).

    Quanto à verborreia dos nossos políticos, também abusas um pouco da verborreia. Poderias escrever simplesmente "sou ateu", "não acredito em Deus", "o meu sonho é ser um sacerdote do cientismo, a minha religião" mas não fazes isso. Se queres falar da Santíssima Trindade és capaz de abordar a problemática do Serviço Nacional de Bombeiros no contexto dos fogos estivais, passar pela manutenção do Estado Social, comentares os últimos resultados do futebol (digamos que neste último caso num momento de menos lucidez dado que penso que não gostas de futebol) até abordares o tema central como uma simples frase: "é uma treta".

    Para terminar, Orwell pode ser paralisante. Eu li esse texto (e outros) do Orwell numa tradução portuguesa do filósofo Desudério Murcho e paralisei. Tenho um blog, já o comecei milhares de vezes, mudei o título, o layout, o post de apresentação. Procuro o blog perfeito e dentro dele o post perfeito para iniciar uma longa vida na blogosfera. Mas não consigo. Tento começar e penso em Orwell. Sinto-me muito pequenino diante de Orwell e vou jogar xadrez online.


    http://www.antigona.pt/catalogo/por-que-escrevo-e-outros-ensaios-190/

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  2. Ludwig,

    A propósito do primeiro parágrafo do teu texto, és capaz de achar tragico-cómico este texto de opinião publicado no DN:

    http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=3354307&seccao=Paulo%20Pereira%20de%20Almeida&tag=Opini%E3o%20-%20Em%20Foco

    O autor alega que "O Big Brother venceu", mas não apresenta essa constatação como um sinal de alarme ou uma enorme preocupação pela distopia que estamos a construir, mas sim como uma feliz vitória sobre o "conjunto não negligenciável de pessoas" que invoca "as liberdades e garantias dos cidadãos".

    Assustador.
    Uma sugestão para a treta da semana, caso queiras voltar ao Orwell.

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  3. Duas coisas relacionadas:

    1. George Carlin on euphemisms, http://www.youtube.com/watch?v=vuEQixrBKCc
    2. Português claro, https://www.facebook.com/portugues.claro

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  4. Duas excelentes referências.
    Valeu mesmo a pena espreitar :)

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    Respostas
    1. e o jão vasco não seguiu o tio urbano nas urnas?

      azares ahn....

      Although the local record has been bettered, Ahtopol's Saturday high of 30 degrees Centigrade was well below the temperatures registered inland. Wether is staying generally fresher and cooler along the Black Sea coast, with the lowest high measured in Bulgaria Saturday at the northern Kaliakra Cape, 28 degrees C. Varna and Shabla, also in the northern section of Bulgaria's Black Sea coast, boasted the gentle 29 C, reports the National Institute of Meteorology and Hydrology. Things were not so refershing in Bulgaria's north- and south-west, with the highest temperature Saturday measured in Lom along the Danube River, 38 C. Montana, Pazardzhik, Plovdiv, Sandanski and Vidin followed with 36 C.

      és preita ó......

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  5. A acusação de homofobia, como se fosse algo de moralmente errado, consegue intimidar alguns pela veemência com que é formulada, beneficiando até de um certo efeito surpresa.

    Porém, depois de um exame crítico, ela afigura-se (teo)(bio)(ideo)logicamente claudicante, se não mesmo auto-refutante.

    Isto, pelos seguintes motivos

    1) Não se apoia em nenhuma pretensão de transcendência ou objectividade moral, não passando por isso de uma construção retórica, de procedência subjetiva e arbitrária, com objetivos estritamente ideológicos.

    2) Não se se baseia em nenhum padrão de moralidade objetiva ou código ético devidamente identificado e justificado, tendo surgido como uma espécie de furúnculo discursivo na civilização ocidental e degenerado para um abcesso ideológico e normativo.

    3) Não tem qualquer sustentação do ponto de vista judaico-cristão, ou da generalidade das religiões do mundo e pelas ideologias secularizadas, em que existe uma clara preferência teológica pela relação entre homens e mulheres, porque destas depende a continuidade da espécie.

    4) É indefensável mesmo do ponto de vista daqueles que acreditam na teoria da evolução das espécies, de micróbios para microbiologistas, a partir de genes egoístas, porque essa teoria, operando com base na sobrevivência dos mais aptos, aponta claramente para o favorecimento de uniões actual ou potencialmente reprodutivas e mesmo daquelas mais reprodutivas.

    5) Não tendo qualquer fundamento teológico, moral ou biológico sólido, o conceito de homofobia é totalmente subjectivo e arbitrário, destituído de qualquer pretensão de universalidade.

    6) É muito fácil inventar fobias de toda a espécie, falando alguns em xenofobia, islamofobia, etc., com o objetivo de estigmatizar os adversários ideológicos e impedir a discussão racional dos temas e problemas.

    7) Pode-se legitimamente sustentar, pela mesma lógica, que a própria acusação de homofobia é em si mesma uma manifestação de ódio ontofóbico, biofóbico, heterofóbico ou mesmo teofóbico.

    8) Considerando que todos herdamos cromossomas de um pai e de uma mãe, sendo estruturalmente heterossexuais, a homofobia também pode ser legitimamente descrita como uma propensão genética e estrutural do ser humano, pelo que, dentro da mesma lógica, teria inteira legitimidade para reclamar respeito e igualdade para si mesma.

    Ou seja, a acusação de homofobia não passa de ar quente, de uma espécie de “pecado pós-moderno” sem qualquer substância teológica, biológica, lógica e moral.

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