domingo, fevereiro 10, 2013

Treta da semana: o direito do Tim.

O Comendador António Manuel Lopes dos Santos, mais conhecido por Tim, é músico. Talvez por isso tenha, segundo o próprio, direitos específicos que não se estendem a muggles como nós. Nomeadamente, o direito de receber dinheiro sempre que um não artista compre um disco rígido ou cartão de memória. É por esta razão que pede a nossa «ajuda para o combate à campanha de desinformação que chama cobrança de uma TAXA à cobrança de um DIREITO.»(1) Antes de atender ao apelo do Tim, e parafraseando Shakespeare enquanto é de graça, gostava de apontar que aquilo a que chamamos taxa, ainda que com outro nome, tresandaria à mesma. Mas foquemos então a desinformação e o fundamento desse DIREITO tão maiúsculo do Tim: «O autor tem direito a ser remunerado pela utilização da sua obra.»

Este princípio de remunerar a utilização da obra é problemático. Por exemplo, nem o seu mais acérrimo defensor se sentirá obrigado a pagar-me por ter lido este post ou defenderá uma taxa – ou um “DIREITO” – sobre a venda de chuveiros pela possibilidade de se cantar no duche. Evidentemente, o dever de remunerar só surge em alguns casos. Tal como acontece com este outro princípio, até menos polémico: todo o trabalhador tem o direito a ser remunerado pelo seu trabalho. Aplica-se se eu contratar alguém para me aspirar a casa ou fazer o jantar mas não se aplica se for eu a fazer esse trabalho por minha iniciativa e sem contrato prévio. O dever de remunerar, como princípio geral, e seja pelo que for, pressupõe um acordo voluntário entre a parte que remunera e a parte remunerada.

Mesmo quando o propósito é comercial. O Tim conta «um episódio com um pirata»(3) que, em 1988 no Luxemburgo, vendeu 18.000 cassetes dos Xutos sem lhes pagar nada. Copiou as músicas de um disco comprado por um primo, encomendou as cassetes em França, tratou da distribuição e meteu o dinheiro ao bolso. Pirataria, pois claro. Mas o Tim faz o mesmo. Quando compra uma guitarra paga uma vez e não dá mais satisfações ao fabricante. A guitarra é sua e não sente qualquer dever de repartir com o criador dessa obra o rendimento dos concertos ou das vendas dos discos. No entanto, não é claro porque que é que comprar um disco feito por outrem e usá-lo para ganhar dinheiro há de implicar um dever de remuneração diferente de fazer o mesmo com uma guitarra, outro instrumento ou qualquer ferramenta.

Alguns dirão que é diferente por causa da cópia. Realmente, a taxa que nos querem cobrar é pela cópia privada e não pelo uso. Mas isto não explica porque é que um DJ, além de comprar os discos, tenha também de pagar cada vez que os toca em público enquanto o músico só paga os instrumentos uma vez toque-os onde os tocar. Não parece haver qualquer princípio geral ou critério minimamente razoável que justifique esta diferença. Além disso, se vamos assumir que a questão é a cópia e não o uso, então o direito que o Tim teria de invocar é o direito de proibir os outros de copiar ou de ser remunerado se o fizerem. Esse ainda é mais problemático do que o alegado direito de ser remunerado pelo uso, razão pela qual poucos defensores desta posição têm a honestidade de começar logo por aí. É que se eu compro um computador, CD graváveis, cartões de memória e essas coisas, o Tim tem tanta legitimidade para dizer o que eu posso ou não posso fazer com a minha propriedade como o fabricante da guitarra do Tim tem para lhe dizer que músicas pode ou não pode tocar. Cada um manda nas suas coisas. Nem tão pouco faria sentido o fabricante de guitarras dizer que só vende a guitarra como suporte físico e licenciar as notas à parte cobrando conforme o número de pessoas que as ouve.

Muita gente criticou o Tim por confundir pirataria com cópia privada porque a taxa, dizem os críticos, nada tem que ver com downloads, partilha de ficheiros e afins. É uma crítica ingénua. O conceito de “pirataria” é propositadamente vago, cobrindo tudo o que der jeito aos detentores dos monopólios e deixando sempre dúvidas acerca do que podemos fazer. Por exemplo, não é claro se copiar um CD emprestado é cópia privada ou pirataria. Também é evidente que a motivação para exigirem esta taxa não é apenas a possibilidade de se comprar um ficheiro mp3 e copiá-lo do computador para o leitor portátil. Mas o mais fundamental é que a taxa pela cópia privada assenta na mesma premissa absurda em que assenta a condenação da pirataria. A premissa de que o Autor é um ser superior com os direitos excepcionais de ditar aos outros o que podem fazer com o que lhes pertence e de exigir remuneração a quem não lhe encomendou nada.

A posição que o Tim defende é contrária à realidade do processo criativo. Todos criamos transformando o que outros criaram e todos usufruímos de obras alheias. Seja a guitarra que tocamos no concerto ou o CD que ouvimos no carro, seja o que aprendemos na escola, a roupa que vestimos e a língua que falamos. A tecnologia digital torna ainda mais evidente que somos todos autores e todos piratas, todos criadores e todos imitadores. A posição do Tim exige o impossível: que se distinga entre os que criam e os que utilizam as criações dos outros. Além disso, os direitos de cada um acabam onde começam os direitos dos outros. O direito à autonomia da vida privada, os direitos de propriedade, o direito de comunicar e de partilhar informação. O Tim tem o direito de fazer negócio com a sua música, de cobrar para compor, tocar e cantar. Tem o direito de pedir o preço que quiser pelo seu trabalho. Mas tem de respeitar os direitos dos outros. Não pode violar os direitos de propriedade dos outros, não pode restringir a liberdade de partilhar informação só para ter mais lucro nem obrigar que lhe paguem o que ninguém lhe encomendou. E não pode cobrar taxas pelo que os outros fazem na sua vida privada. Isso não é um direito. É um abuso.

1- Tim e Amigos, no Facebook 2- Artigo 59º da Constituição da República Portuguesa 3- Tim e Amigos, no Facebook

84 comentários:

  1. Muito bem, estou de pleno acordo! Porém, tudo isto não é senão a consequência natural de um sistema económico já obsoleto, baseado no interesse pessoal e no lucro monetário. É esse "amor pelo dinheiro", mais o status e poder que a riqueza confere, que solidificam o "status quo" vigente e dificultam as mudanças sociais significativas, representando assim um obstáculo ao verdadeiro progresso humano.

    Eis uma série de 3 longos vídeos que abrem uma nova perspetiva acerca do passado e do futuro da humanidade, alicerçados numa visão corajosa do presente e a sua transformação:

    Zeitgeist (2007)

    Zeitgeist − Addendum (2008)

    Zeitgeist − Moving Forward (2011)

    Dreams are today's answers to tomorrow's questions. - Edgar Cayce

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  2. A questão principal, quanto a mim, do plano de taxarem-me o suporte digital porque eu «posso» vir a copiar para lá material sujeito a direitos de autor (mesmo sem terem provas de que isso alguma vez acontecerá) é que, em termos de ónus da prova, é afim de uma lei que dite que quem quer que compre uma faca deve cumprir uns dias de prisão, pois «pode» vir a usá-la para matar alguém.
    A taxas (e as penas) devem ser aplicadas em função do que se fez, não em função daquilo que se possa (segundo alguém) vir a fazer.

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  3. Alto. Se em vez de uma taxa se aplicasse um imposto com a única finalidade de financiar a garantia de uma vida muito confortável, até ao fim dos seus dias, dos autores de "1 de Agosto", "Chuva Dissolvente" ou "Avé Maria", estaria de acordo. Uma coisa é criar outra é construir alma.

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  4. Heh. Estás a argumentar duas coisas em simultâneo, «puxando a brasa» à sardinha, pois uma das coisas é fácil de aceitar como sendo irracional (e uma violação de direitos fundamentais), enquanto que a outra é um princípio ideológico. Ao associar as duas coisas, crias uma forma subtil de «cortina de fumo»: como é fácil demonstrar que a taxa sobre telemóveis e discos duros é estúpida (ou até inconstitucional, posição que tanto tu como eu defendemos),então postulas que abolir os direitos de autor é a mesma coisa e devem ser igualmente abolidos. Ou seja, usas a argumentação lógica para rejeitar a taxa sobre telemóveis (argumentação essa que é válida) para rejeitar também os direitos de autor (para a qual a mesma argumentação não se aplica).

    Relativamente à taxa sobre telemóveis, estamos conversados: a tua argumentação está, de facto, irrepreensivelmente correcta. Na nossa democracia as pessoas não podem ser tratadas como culpadas a priori. Efectivamente, tal como dizes, a taxa pressupõe que todos os donos de telemóveis são potenciais culpados, pelo que têm de pagar uma taxa de pirataria, quer sejam piratas, quer não. Isso é inconstitucional (já para não dizer que é também imoral e completamente antagónico aos princípios de uma sociedade democrática). Choca-me que possamos viver numa democracia onde a AR pode passar este tipo de leis sem ninguém as questionar imediatamente. Mas claro que temos um PR que se está completamente nas tintas, e o TC tem as mãos amarradas. É mau. Aliás, é péssimo. E nos últimos anos está a acontecer com mais frequência... mas estou a desviar-me do assunto.

    Não, não se podem cobrar multas a potenciais criminosos. Isso é um abuso de poder completamente inconstitucional. Ponto final.

    Poderia aceitar ainda um argumento semelhante ao que instituiu a taxa sobre isqueiros e sobre emissões radiofónicas no Estado Novo. A filosofia era a seguinte: fumar, ouvir rádio, ver televisão são luxos. Não são coisas essenciais. Então quem queira ter acesso a estes luxos, paga uma taxa. Faz algum sentido, mas só dentro do contexto de que o Estado Novo não era uma democracia!

    Logo — argumentarão os «defensores» desta taxa — ouvir música no telemóvel não é essencial. É um luxo. Então os utilizadores de telemóvel capazes de ouvir música têm de pagar uma taxa. Bom, esta argumentação é cretina porque se está a desmultiplicar a funcionalidade duma coisa «essencial» — a capacidade de receber e fazer chamadas — e «alargar» a taxa ao dispositivo que permite essa comunicação. Idem para a taxa sobre a memória e os discos rígidos: ter um computador não é um «luxo» — especialmente porque hoje em dia, o Estado português «obriga» as pessoas a usarem computadores para comunicarem com a Autoridade Tributária e demais serviços do Estado. Ou seja, para se ser um cidadão com acesso ao Estado tem de se ter um computador com acesso à Internet. É, pois, um serviço essencial: não pode ser taxável como um «luxo». Seria a mesma coisa que taxar canetas e lápis porque conferem aos seus donos o «luxo» de poderem escrever. Há limites do que é «taxável»! A partir do momento em que um produto ou serviço passa a ser mainstream, a sua taxação como «produto de luxo» é falaciosa, e devia ser proibida.

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  5. Mas depois «saltas» desta argumentação contra a taxa (que, como disse, considero correcta) para a tua defesa ideológica de que o trabalho criativo não tem valor, e propões a abolição dos direitos de autor.

    Bom, ao fim de algum tempo, e porque não escreves este artigo de forma «isolada», mas sim dentro do contexto do teu blog, penso que o que me tem escapado até agora é que a tua defesa ideológica é consistente com a visão filosófica que tens do Universo. Uma coisa é a consequência da outra.

    Basicamente, a argumentação seria a seguinte: só existe aquilo que observo (e o que observo tem existência intrínseca). Consigo ver, tocar cheirar uma guitarra: faz então sentido que um bem material, composto de átomos, tenha valor e que possa cobrar dinheiro por ele, já que é algo de tangível e intrinsecamente existente.

    Já uma «música» — ou qualquer outro fruto da criatividade humana — não tem as mesmas propriedades. São coisas intangíveis: são ideias na cabeça do criador que foram colocadas sob determinada forma, mas essa «forma» não é composta de átomos nem tem qualquer propriedade física tangível. Logo, não sendo tangível, não tem valor. Usando essa premissa, qualquer «tentativa» de dar valor a uma coisa que materialmente não existe, é absurda (usando o argumento de que só as coisas tangíveis é que têm valor). E se é absurda, deve ser eliminada.

    Assim, se um autor escreve um livro, e este é composto de átomos que estiveram em tempos em árvores, então o livro é tangível e pode ser vendido. Tem valor intrínseco pelo facto de ser material. No entanto, o enredo do romance não é tangível: é uma ideia na cabeça do autor. Se o autor agora transfere esse enredo para um PDF, que não é composto de átomos — mas sim de coisas intangíveis, como bits de informação, que podem ser transmitidos de várias formas mas sem estarem directamente associados a alguma coisa de material — então esse PDF não tem, e não pode ter, qualquer valor. E, sendo assim, qualquer tentativa de lhe «dar» valor por via legal é absurda.

    Quando se aborda a questão a partir desta ideologia, parece-me claro que terás imensa dificuldade em aceitar qualquer argumentação contrária, porque a tua ideologia e filosofia do Universo são as premissas para as quais elaboras a tua argumentação, e, de facto, a argumentação lógica é uma consequência dessas premissas. E, enquanto argumentação lógica, está correcta. Logo, qualquer tentativa de encontrar falhas na argumentação serão imediatamente por ti rejeitadas, independentemente da linha de argumentação contrária que for adoptada.

    E se calhar até tens razão em defender essa posição — assumindo, claro, que as premissas são válidas.

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  6. Bom, mas temos então de ver se as tuas premissas são ou não válidas!

    Vou só pegar em dois exemplos. Um é mais óbvio, outro já obriga a um pequeno esforço de raciocínio.

    Quando um banco (ou o Estado) emite obrigações, ou uma empresa emite acções, esses bens não são tangíveis. São apenas bits de informação. São construções mentais que não existem fisicamente (mesmo que antigamente realmente se imprimissem obrigações e acções em papel — mas então valeriam apenas o custo do papel e da impressão e mais nada). Logo, segundo as tuas premissas, os bancos e o Estado não deveriam ser autorizados a emitir obrigações, nem as empresas poderiam emitir acções. Nem poderiam haver futuros, coupons, fundos de investimento, ou qualquer outro tipo de produto financeiro.

    Mas podemos ir mais longe. Nesta sociedade pós-Marxista, temos muitos mais factores de produção, que não são tangíveis; a era da informação dá valor (por vezes mais valor!) aos bens não tangíveis do que aos tangíveis. Por exemplo, apesar de já Marx considerar importante o potencial da capacidade de trabalho dos trabalhadores, nunca isso foi tão verdade como hoje em dia. Os jogadores de futebol, por exemplo, são transaccionados no mercado de jogadores pelo seu potencial em jogarem bem futebol; esse potencial é transaccionável (para além, claro, do salário mensal que recebem quando estão efectivamente a dar pontapés na bola), porque é mensurável economicamente. Recusar esta visão do valor dos bens não tangíveis é recuar a uma visão pré-Marxista da economia, quando, justamente, a época em que vivemos transcendeu o modelo marxista, ao considerar como elementos mais importantes na cadeia de valor de um produto justamente os bens não tangíveis.

    Poderás argumentar que, na tua ideologia pré-Marxista, as tuas premissas excluem esta visão mainstream do que é a economia hoje. Premissas ideológicas são premissas ideológicas: não estão nem «certas» nem «erradas», mas há premissas que exprimem melhor a realidade do que outras. Numa era dominada pela informação, rejeitar a informação como tendo valor parece-me absurdo por ir contra a experiência que temos do quotidiano. Não quero com isto dizer que as tuas premissas não possam ser defensáveis: podes, por exemplo, estar a defender uma sociedade que descarte a era da informação e um retorno ao classicismo económico pré-Marx de Adam Smith em que só os factores físicos é que têm valor. E, dentro dessa lógica, as tuas premissas seriam válidas, assim como a tua argumentação a partir das mesmas.

    No entanto, devo salientar que, embora ainda hajam muitos marxistas hoje em dia, não há "Smithistas" — foi um modelo que serviu bem no seu tempo, e funcionou durante quase um século para atribuir valor aos factores económicos, mas esgotou-se com Marx. E passou-se mais de um século em que mesmo as premissas de Marx se mostraram insuficientes para descrever a realidade económica, embora, claro, tenham influenciado fortemente os modelos actuais baseados no valor de bens não tangíveis.

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  7. Se achares a analogia útil, isto seria tentar defender o modelo de Universo proposto por Newton, considerando que a relatividade e a mecânica quântica, por apelarem a uma visão demasiado radical do Universo, não fazem realmente sentido, porque descrevem «realidades não tangíveis» que o senso comum rejeita. Citando-te a ti próprio, no entanto, a Natureza não se comporta da forma que nos é mais «confortável», mas é como é: cabe-nos a nós mudar a nossa mentalidade para aceitarmos a forma como a Natureza se comporta, e não rejeitá-la só porque não gostamos das descrições aparentemente estranhíssimas da mesma. A Natureza quer lá saber da forma como pensamos.

    E isto leva-me ao segundo exemplo. Mesmo que advogues o «Smithismo» como modelo económico, terás então de lidar com a inconfortável descrição da realidade segundo os modelos da relatividade e, mais importante ainda, da mecânica quântica. Assumindo que não as rejeites :) (que eu sei que não fazes!) então terás alguma dificuldade em explicar exactamente o que é um «bem tangível». É que os átomos da guitarra de madeira são indistinguíveis dos átomos de uma folha de papel em que está impresso um título de propriedade de uma casa. Quando deixo a minha guitarra em cima de uma superfície de plástico de uma mesa, alguns fotões saltam da mesa para a guitarra, e vice-versa. Então onde fica a minha «fronteira» em que digo que «este conjunto de átomos é uma guitarra e vale X; este outro conjunto de átomos é uma mesa e vale Y»?

    Mesmo a questão de «tangível» («algo que se pode tocar») é uma simplificação. Nos tempos de Adam Smith não havia dúvidas: quando tocamos em alguma coisa, tocamos mesmo nessa coisa. Mas hoje sabemos que não é possível dois átomos ocuparem o mesmo espaço ao mesmo tempo. Na realidade não «tocamos» em nada. Entre a superfície dos nossos dedos e do objecto alegadamente «tangível» há apenas vácuo; são as forças electromagnéticas (usando uma simplificação) que proporcionam a experiência de «toque». Se usarmos a física de partículas, podemos dizer que são fotões que são «trocados» entre os «meus» átomos do dedo e os átomos da guitarra; se rasparmos um pouco da tinta da guitarra com a unha, alguns átomos da guitarra passaram para o nosso corpo: onde está então a guitarra, e onde é que está o nosso corpo?

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  8. Então terás de alterar a tua premissa para ser consistente com a forma como sabemos que o Universo se comporta. Dirás que estes pormenores são irrelevantes: que a noção de «objecto tangível» é uma convenção ao nível macroscópico que nos permite falar de guitarras e distingui-las da mesa onde estão pousadas, e do corpo que toca com os dedos na guitarra e na mesa. Essa «convenção» é extremamente útil porque nos permite falar das coisas de que nos observamos; se tivéssemos de listar os átomos e todas as suas propriedades (ignorando para já o Heisenberg por um momento...), essa descrição seria extremamente morosa e pouco prática. É mais fácil falar de uma «guitarra», por aproximação, porque toda a gente sabe o que é uma guitarra, e definir as propriedades macrocósmicas da guitarra, porque do que estamos a falar é do valor dessa guitarra enquanto bem tangível, não da sua composição atómica.

    Esta é obviamente a abordagem racional a fazer.

    No entanto esta abordagem tem um corolário: de que as coisas são convencionalmente descritas, e quem não aderir à convenção, não reconhece a descrição. Assim, um índio da Amazónia que nunca tenha visto uma guitarra, não sabe o que é — observa apenas um objecto feito de madeira e cordas e uma peças esquisitas, mas não tem uma palavra para a descrever: não conhece a «convenção». Assim, para o índio da Amazónia (ou para um puto de 2 anos), a guitarra não tem qualquer valor. Este exemplo extremo apenas serve para ilustrar que as coisas têm valor apenas porque convencionamos que têm. Ou seja, não é por as coisas serem «tangíveis», mesmo que essa palavra apenas descreva uma realidade convencional, que elas têm automaticamente valor. Se eu construir uma guitarra, como não percebo nada de guitarras, essa guitarra não terá qualquer valor. Talvez tenha valor para mim, mas qualquer músico que queira comprar essa guitarra não me dará um tostão por ela. Mas uma guitarra Gibson terá imenso valor. Não porque as Gibson tenham esse valor de forma intrínseca, mas porque se convenciona que tenham (e essa convenção é dada pelo mercado em que se vendem guitarras).

    Até aqui penso que não terás qualquer problema em aceitar a noção de que nem tudo tem valor, e que o valor é uma propriedade convencionada por um mercado. Afinal, o teu argumento aplica-se essencialmente aos bens não tangíveis como a propriedade intelectual, justamente por afirmares (e muito correctamente) que, por não serem tangíveis, só têm o «valor» que lhes é conferido convencionalmente (concretizado por via legislativa).

    O que estou a dizer é que precisamente o mesmo se passa com os bens alegadamente tangíveis porque estão na mesma situação!

    Ou seja: se defendes a abolição do valor dos bens não tangíveis — porque demonstras que não têm existência intrínseca, mas meramente convencional — então serás levado a concluir que os bens tangíveis, que só são «tangíveis» também por convenção, também não têm qualquer valor.

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  9. É comum uma editora assinar um contrato com um autor para fazer um álbum, pelo número de unidades vendidas potencial (fazendo o paralelo com o mercado futebulista do Luís). E nunca vi o Ludwig ser contra isso. O que o Ludwig é contra é que um futebolista possa exigir à sociedade uma remuneração (ou taxa ou o que quer que seja) porque tem um potencial em jogar futebol que se calcula de determinado valor monetário; ou, da mesma forma, que um autor ache que tem o direito de receber dinheiro só porque é autor, em vez de o receber de acordo com os contratos que assinar - ele e o futebolista.

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    1. Sim, eu sei que o problema está no modelo. Mas tens de te perguntar de qual seria a editora que estaria disposta a assinar um contrato com um autor se não tivesse qualquer possibilidade de vender o produto do trabalho desse mesmo autor.

      E como tenho dito sempre, nem é na música que se coloca o maior problema, pois um músico pode sempre oferecer tudo de borla e ganhar dinheiro com concertos: cada vez há mais concertos, cada vez são mais caros (mas mais espectaculares, justificando o preço), e cada vez são mais rentáveis. É que pelo menos os músicos têm essa dupla capacidade de sobrevivência — através da performance e através de cederem a particulares o direito de ouvirem a música em casa sem terem de se deslocar aos concertos.

      Mas um autor literário não tem essa hipótese — ninguém está disposto a pagar a um autor para que leia os seus livros em voz alta :) O último autor que, de facto, fez isso com imenso sucesso foi o Dickens (um dos «pais» do direito de autor!) — chegou a ganhar mais do que com a venda dos seus livros (que eram constantemente «pirateados»). Mas ainda se vendem livros em papel, pelo que os autores literários ainda se vão safar durante mais uns anos, apesar da Amazon já vender mais e-Books que livros em papel (mas, apesar de tudo, tem vendido mais livros em papel).

      E pior do que isso é a indústria do cinema: é que com os sistemas de home cinema de hoje em dia, cada vez faz menos sentido ir ver um filme numa sala minúscula com pouco mais capacidades tecnológicas que o que temos em casa. Se a indústria do cinema não conseguir vender DVDs, o que é que vai vender?

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  10. A alternativa — que é defendida actualmente pela maioria dos economistas, embora não pela maioria da população, claro — é aceitar que temos uma economia baseada em premissas muito diferentes das tuas, em que tanto os bens tangíveis como os não tangíveis têm um valor convencional e não intrínseco, e que este «valor» vem do mercado: uma «coisa» tem determinado valor porque há quem esteja disposto a pagar algo por essa «coisa». A sua materialidade aparente, ou a sua inexistência material, são completamente irrelevantes para a determinação do valor. São meramente os mecanismos de mercado, que são abstractos e não tangíveis, que atribuem valor às coisas.

    Assim, eu estou disposto a pagar pela música do Tim, não porque esta seja tangível, mas porque gosto dela. O meu «gosto» não é tangível. Nem sequer é racional! No entanto, estou disposto a entrar num mercado em que me diga o que tenho de pagar por ouvir música que gosto. Conversamente, a minha própria música não tem valor absolutamente para ninguém (excepto eventualmente para mim), e, como tal, não é transaccionável — excepto se a quiser oferecer, claro está.

    Da perspectiva do Tim, passa-se o inverso: ele sabe que, devido a muitas razões, quase todas irracionais, existe um mercado que está interessado em ouvir música dos Xutos. Então, para ele fornecer esse mercado, cobra um preço. Mas a música não é tangível — então, para poder fornecer um bem não tangível, desenvolveram-se mecanismos que permitam aos compradores usufruirem da música do Tim, remunerando o Tim pelo seu trabalho. Como o trabalho — e o potencial de trabalho! — são factores de produção nesta economia, o Tim tem um direito (económico, não legal) de lhes afixar um preço. Assumindo que hajam pessoas dispostas a pagar esse preço, então o seu trabalho — a produção de bens não tangíveis — é remunerável de forma mensurável.

    Este é o princípio económico subjacente à nossa sociedade na era da informação. Claro que podes argumentar que uma economia em torno de bens não tangíveis é uma estupidez: mas essa argumentação é ideológica, ou seja, parte de premissas que não são universais, mas que apenas fazem sentido para quem subscreva à mesma ideologia. Em contraste, o modelo económico actual parte de outras premissas que, não sendo universais (basta pensar que os comunistas não concordam com elas :) ), são subscritas pela esmagadora maioria dos economistas. Já não há muito espaço para «Smithistas» (ou mesmo marxistas «puros») na sociedade de hoje.

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    1. @Luís Miguel Sequeira: está-lhe a escapar aí um pequeno grande pormenor. O que é diferente na informação não é o facto ser intangível ou imaterial. Isso até o ar o é mas não quer dizer com isto que ele naturalmente abundante. A diferença na informação está no facto ser ser um bem público, isto é, não-rival (a leitura de um livro por outrem não priva o autor da sua posse) e não-exclusivo (uma vez publicado, o autor não pode privar ninguém da sua leitura. Isso faz com que a informação seja em si própria um bem abundante e não escasso. É claro que isso pode gerar uma situação em que, vendo-se impedidos de controlarem a distribuição das suas obras, os criadores sintam fortes reticências em investir tempo e dinheiro na produção de um bem cujos lucros advindos da comercialização poderão pura e simplesmente não existir. Daí que os legisladores do século XVIII tenham sentido necessidade de estabelecer o copyright tendo como missão servir de incentivo ao desenvolvimento das artes e das ciências. Cria-se assim uma situação de monopólio artificial. É claro que nessa altura era dispendioso fazer cópias pelo que apenas agentes com fins lucrativos se dedicavam a essa tarefa. A partir daqui, a histeria em torno dos piratas de propriedade intelectual só iria aumentar de tom. O que acontece é que as premissas básicas do direito de autor original caíram por terra com a massificação da tecnologia digital e da Internet. Para além de terem (r)estabelecido uma situação natural de abundância, a Internet e a tecnologia digital acabam por facilitar bastante o trabalho de 1) artistas e criadores que pretendem produzir obras intelectuais sem terem primordialmente fins lucrativos; 2) utilizadores que apenas pretendem aceder a um maior leque de obras intelectuais e deste modo saltarem as barreiras físicas e comerciais impostas pelos antigos intermediários. Por isso é que a economia da informação é baseada numa fraude: parte do pressuposto de que o mesmo bem será adquirido por dois ou mais consumidores quando a sua produção - e publicação! foi antecipadamente paga por um outro agente (a editora). Isso vai contra as regras de um mercado livre. Em termos económicos, só se pode convencer as pessoas a pagarem por aquilo que ainda não foi produzido. Plataformas de crowdfunding são um bom exemplo disso.

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    2. Caro Miguel,

      Não me está a escapar absolutamente pormenor nenhum, pequeno ou grande; vá falar com um advogado sobre segredos empresariais e a sua protecção, e depois conversamos... já nem falando de segredos de Estado ou de Justiça.

      O que me está a dizer, consistente com a sua ideologia (e a do meu primo também) é que, pela convenção que decidiu adoptar, a «informação deve ser livre» sem que o seu autor possa cobrar algo por ela; mas essa não é a convenção vigente, que considera a informação um bem não tangível mas perfeitamente transaccionável.

      O argumento de que «as premissas básicas do direito de autor original caíram por terra com a massificação da tecnologia digital e da Internet» é um equívoco histórico; Dickens queixava-se do mesmo com «a massificação da tecnologia de impressão»: quando o número de tipografias era pequeno e controlado (porque abrir uma tipografia era caríssimo), os direitos dos autores estavam salvaguardados naturalmente — produzir livros era caro. Quando no séc. XIX se massificou a produção dos livros, e qualquer empresário sem escrúpulos podia facilmente montar uma tipografia a baixo custo, pegar num original qualquer e imprimir milhões de cópias a um preço baixo sem ninguém o impedir de o fazer, o problema surgiu. A legislação de direito de autor foi uma consequência disso: foi a solução encontrada na altura para resolver o assunto.

      «A economia da informação é baseada numa fraude» — com esse argumento, pode afirmar que toda a economia, em geral, é baseada numa fraude, porque há sempre forma de justificar que um bem que se considerava escasso na realidade não o era. Melhor é alargar a noção do que é «escasso». Uma música da Lady Gaga é valiosa não por ser uma música, ou por ser mais ou menos difícil de a reproduzir, mas porque só há uma Lady Gaga: a escassez é devido a um factor económico não tangível (mas transaccionável!), neste caso as características próprias da Lady Gaga enquanto compositora e cantora. Se toda a gente produzisse música com qualidade igual à da Lady Gaga, então sim, não se poderia falar de um «bem escasso». Mas isso não é verdade. Os produtores de conteúdo são escassos, comparados com os consumidores. Logo, são os produtores de conteúdo que são os agentes económicos que têm valor.

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    3. Penso que esta «confusão» deliberada em torno da questão é uma manobra para tentar afastar da equação o valor intangível do artista, concentrando-se na «demonstração» (ou melhor: na argumentação) de que a informação, por si só, não tem valor comercial. Este é o velhor argumento do Ludwig de que uma sequência de zeros e uns não vale nada e que, por isso, não é legítimo cobrar por essa sequência. É verdade: a sequência em si nada vale. Mas se essa sequência representar uma música produzida pela Lady Gaga, já é outra conversa. E isto nem é uma argumentação filosófica: é que as pessoas estão dispostas a pagar dinheiro por uma sequência de zeros e uns da Lady Gaga (ou a roubar-lhe essa sequência), mas não estão dispostas a pagar por uma sequência de zeros e uns obtida por um gerador de números pseudo-aleatórios.

      É essa a diferença: é o mercado que decide qual o valor que as coisas têm. O mero facto de haver pessoas que querem ficar com a música da Lady Gaga sem lhe pagar um tostão, inventando argumentações complexas em torno de filosofia económica, só mostra que se trata de um bem intangível mas com imenso valor. Como referiu, e muito bem, quem queira produzir coisas sem qualquer valor comercial tem já a vida facilitada — pode fazê-lo facilmente, sem custos de produção ou distribuição, usando a Internet.

      «Em termos económicos, só se pode convencer as pessoas a pagarem por aquilo que ainda não foi produzido». Como assim? :) Geralmente quando compro fruta na mercearia, não estou a comprar futuros sobre a produção, mas sim a adquirir bananas que como. Não percebo este seu argumento. Os modelos de crowdfunding são um bom exemplo do valor que tem o potencial do trabalho, no sentido marxista (e neoclássico) da palavra: nem é preciso haver produto tangível para que o mercado atribua valor a quem demonstra o potencial de o produzir. É por isso também que a Lady Gaga pode assinar contratos para dar concertos, sem ainda os ter dado: o seu potencial enquanto artista com a capacidade de dar concertos tem valor no mercado.

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    4. Luís Miguel Sequeira:

      "vá falar com um advogado sobre segredos empresariais e a sua protecção, e depois conversamos... já nem falando de segredos de Estado ou de Justiça."

      Mas o facto é que por mais entidades, mecanismos e tecnologias que sejam desenvolvidas para proteger esses segredos empresariais e industriais, também é verdade que quanto maior for o número de pessoas que tiverem acesso a esses "segredos" mais difícil se torna impedir a sua circulação. A partir de um determinado número, torna-se mesmo impossível. Daí que até hoje nunca ninguém tenha conseguido impedir a disseminação de informação previamente disponível ao público. Logo o carácter não-rival e não exclusivo da informação a que eu aludi anteriormente :)

      "Quando no séc. XIX se massificou a produção dos livros, e qualquer empresário sem escrúpulos podia facilmente montar uma tipografia a baixo custo, pegar num original qualquer e imprimir milhões de cópias a um preço baixo sem ninguém o impedir de o fazer, o problema surgiu."

      Contudo, a verdade é que a actividade de distribuição de cópias encontrava-se ainda totalmente limitada a quem detinha capital suficiente para investir numa tipografia. O que a Internet e a tecnologia digital vêm trazer de diferente é esse esbatimento da barreira entre produtor/editor de obras e consumidor. Desta feita, é o próprio consumidor que pode efectuar cópias a um custo praticamente nulo. E esse ponto é o que importa...

      "Os produtores de conteúdo são escassos, comparados com os consumidores. Logo, são os produtores de conteúdo que são os agentes económicos que têm valor."


      Porque é tem que ser necessariamente assim como você diz? Se reparar bem, o número de produtores é muito mais elevado do que a imagem transmitida pelas sociedades de gestão colectiva. Isto porque muitos dos consumidores são eles próprios fotógrafos, cineastas, designers, músicos ou escritores - ainda que amadores e não propriamente profissionais. Aliás, o próprio facto de sentir necessidade de invocar o critério bastante subjectivo da qualidade já revela bem que se calhar tem mais consciência de que afinal produtores de conteúdos somos todos nós. É que quando se tem que utilizar critérios subjectivos para justificar uma posição, é porque essa posição não é lá muito fundamentada... ;)

      Eu não posso argumentar que a minha definição de qualidade é superior à sua ou à dos outros. Cada pessoa tem um critério diferente de "qualidade." Penso que para um artista o que importa é saber 1) qual o valor dessa pessoa; 2) atẽ que ponto é que essa pessoa está disposta a valorizar a pretensa qualidade que vê no(s) seu(s) artistas favoritos.

      "Uma música da Lady Gaga é valiosa não por ser uma música, ou por ser mais ou menos difícil de a reproduzir, mas porque só há uma Lady Gaga: a escassez é devido a um factor económico não tangível (mas transaccionável!), neste caso as características próprias da Lady Gaga enquanto compositora e cantora."

      Mas se é assim, se a música em si não contem qualquer valor está-me a dar razão: que numa lógica de música enquanto serviço e não como produto, faz mais sentido para uma artista como Lady Gaga aceitar encomendas de músicas especiais feitas por fãs do que continuar a vender discos à unidade. Porque o valor de mercado está no potencial que o artista transporta em si de produção de obras e eventos novos e não tanto nas obras disponíveis para venda. Imagine quanto valeria por exemplo uma música composta e cantada de propósito para o Luís por Lady Gaga só sobre o Dia dos Namorados: 6 mil, 60 mil, 600 mil, 6 milhões de euros? Por outro lado, mais uma vez não me parece que exista qualquer valor só por algo ser por si só intangível. O que importa são as qualidades em concreto desse bem que transporta um valor. No caso de Lady Gaga, ao mesmo tempo, nem me parece que as suas características sejam intangíveis: certamente que os seus olhos, voz, lábios e outras partes do corpo deverão estar cobertas por um seguro por exemplo ;)

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    5. Ao mesmo tempo, não vejo nada de intangível na espontaneidade, presença física em palco, extroversão e outras qualidades de Lady Gaga que atraem milhões de pessoas em todo o mundo aos seus concertos. Tudo isto para dizer que não penso que nesta altura da carreira Lady Gaga teria muito a perder se abdicasse do monopólio do direito de autor que o Estado lhe concede. Porque quaisquer eventuais perdas de receitas resultantes de um menor número de discos vendidos poderiam ser parcial ou mesmo totalmente compensadas com as receitas provenientes de concertos ou quaisquer bens tangíveis a que o seu nome estivesse associado. Menos vendas por um lado mas mais promoção/divulgação por outro :)

      "...é o mercado que decide qual o valor que as coisas têm. O mero facto de haver pessoas que querem ficar com a música da Lady Gaga sem lhe pagar um tostão, inventando argumentações complexas em torno de filosofia económica, só mostra que se trata de um bem intangível mas com imenso valor."

      Bem, já não percebo nada. Mas se é o mercado a decidir o valor que as músicas têm, porque razão é que os artistas necessitam de um monopólio legal concedido pelo Estado no que diz respeito ao controlo da circulação das suas obras? Não faz sentido. Pelo contrário, penso que o valor artifical que as obras intelectuais adquirem em virtude do direito de autor comprova precisamente que é o Estado e não o mercado a atribuir o valor final dessas obras. Se assim não fosse, hoje em dia em que toda a gente pode fazer cópias, o seu preço tenderia inevitavelmente para zero.

      "Geralmente quando compro fruta na mercearia, não estou a comprar futuros sobre a produção, mas sim a adquirir bananas que como. Não percebo este seu argumento."

      Eu queria referir-me ao ambiente de uma sociedade da era de informação a que você aludiu. Pura e simplesmente, i valor económico gerado com a venda de produtos finais como fruta, vegetais ou água deixou de ser significativa face ao total do produto interno gerado por um país...

      "...nem é preciso haver produto tangível para que o mercado atribua valor a quem demonstra o potencial de o produzir. É por isso também que a Lady Gaga pode assinar contratos para dar concertos, sem ainda os ter dado: o seu potencial enquanto artista com a capacidade de dar concertos tem valor no mercado."

      Concordo interiamente, mas é precisamente por isso mesmo que considero que o maior valor nem está na informação em si, quer seja um disco, filme ou livro; está no próprio artista; no potencial que este tem de gerar valor independemente dos direitos patrimoniais que o Estado lhe concede. É um património associado à sua própria individualidade; não às obras que produz - pelo menos a partir do momento em que elas se tornam publicamente disponíveis para todos sem excepção (ainda que teoricamente apenas a troco de dinheiro).

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    6. O meu problema é ter uma enorme falta de capacidade de síntese :) É o defeito de ter sido habituado a escrever dessa forma...

      Vou tentar outra vez. O problema desta questão toda ronda em torno de dois aspectos fundamentais: criação e distribuição. Talvez por uma certa infelicidade, as duas estão associadas no direito de autor (por exemplo, no modelo anglo-saxónico, usado em todo o mundo menos na Europa Continental, quando se fala de copyright está-se essencialmente a lidar com a distribuição, não com a autoria).

      O foco que o Miguel (e os apologistas da abolição do direito de autor) está a colocar é na distribuição. A argumentação é clássica e tem uns 30 anos, desde que o Stallman e seus compinchas a elaboraram: se o custo da distribuição e armazenagem de um bem é nulo, então não é legítimo inventar leis que permitam que se cobre por ele. E o argumento é de que antigamente isso não era assim — um livro custava dinheiro a produzir — mas como o mundo mudou nos últimos 150 anos, e agora pode-se distribuir e armazenar obras artísticas sem custo algum, temos de mudar as leis.

      Só que há o outro lado da questão: é que a obra artística não «vale» pela sua concretização/implementação física ou digital. O valor é dado pelo facto de ter sido um artista a produzi-la. É verdade que há muitos produtores de conteúdo, mas a esmagadora maioria tem um valor nulo (significa isso que para a esmagadora maioria dos produtores de conteúdo, ninguém dá um tostão pelas suas «obras»). Há, de facto, muitos poucos produtores de conteúdo (comparados com o total da população ligada à Internet) que efectivamente produzem bens que o mercado está disposto a pagar por eles. Gosto do exemplo da Lady Gaga porque provavelmente ninguém neste blog do Ludwig (incluindo eu) acha que ela presta como artista, mas isso é irrelevante: há milhões de pessoas que não só acham que ela presta, como estão dispostos a pagar para ouvir música composta e/ou interpretada por ela (por isso é que ela consegue fazer concertos e ganhar dinheiro com isso). Apesar de eu também compôr e interpretar música — e até a poderia distribuir — ninguém dá um tostão pela minha música: não é o facto de a poder distribuir gratuitamente que torna a minha música «valiosa» no sentido económico da palavra.

      Ou seja, nesta argumentação para a abolição dos direitos de autor, o argumento usado é que uma música requer uma implementação física ou digital, e como a implementação digital tem actualmente um custo de produção nulo, então o direito de autor não deve ser aplicado (os restantes argumentos à volta disto são acessórios — como a ideia do Ludwig que na realidade os consumidores estão a disponibilizar recursos seus para ouvir as músicas, e de que ninguém deveria ter o direito de decidir o que eu faço com o meu computador/telemóvel, etc.). Embora isso seja indesmentível (o custo de distribuição e armazenamento é, realmente, nulo ou quase nulo), não está a ter em conta que o recurso escasso é a existência de artistas que produzem conteúdos pelos quais as pessoas estão dispostas a pagar. Não é «artificialmente escasso» porque as editoras/distribuidoras «controlam» ou «limitam» a distribuição, inflacionando artificialmente os custos da mesma — que é o argumento do Ludwig.

      Penso que isto tem de ser desmistificado. É que se está a usar o argumento para derrubar as editoras/distribuidoras para na realidade destruir os artistas :)

      Num modelo «ideal» pós-distribuidoras, o autor, sabendo que o custo de distribuição é efectivamente nulo, poderia vender directamente as suas obras ao consumidor final. Isto faria com que essas obras fossem muito mais baratas, dado se ter eliminado o incómodo intermediário, que é quem actualmente «cobra» mais pela obra final: num livro que custe €20, por exemplo, é raro o autor receber mais de €1, e na música não é muito diferente.

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    7. "O problema desta questão toda ronda em torno de dois aspectos fundamentais: criação e distribuição."

      Concordo. Acho que apenas a componente da criação/autoria deve conceder direitos especiais ao artista - e mesmo assim esses devem ser limitados de modo a permitir a realização de paródias, pastiches, mash-ups e remisturas, por exemplo.

      "O foco que o Miguel (e os apologistas da abolição do direito de autor) está a colocar é na distribuição."

      Só um reparo: eu não me considero um abolicionista do direito de autor. Só acho que ele apenas deve valer sempre que esteja em causa o lucro e mesmo assim por um período limitado - de 14 anos... Pessoalmente, penso que a parte da distribuição não deveria merecer qualquer protecção legal. Primeiro, porque sempre foi e é cada vez mais impossível controlã-la. Segundo, porque a liberalização da distribuição oferece aos cidadãos benefícios potenciais em termos de ganhos de bem-estar e de acesso generalizado à cultura e ao conhecimento que superam bastante as vantagens que o controlo da distribuição poderá oferecer para o incentivo à criação de novas obras. Até porque esse controlo para compensar em termos estritamente económicos iria inevitavelmente acarretar graves restrições à liberdade de informação, comunicação e expressão dos cidadãos.

      "A argumentação é clássica e tem uns 30 anos, desde que o Stallman e seus compinchas a elaboraram: se o custo da distribuição e armazenagem de um bem é nulo, então não é legítimo inventar leis que permitam que se cobre por ele."

      Olhe que está enganado em relação ao Stallman ;) O Richard Stallman é um grande defensor dos direitos de autor. Se não fosse o copyright, nunca o copyleft por detrás da licença GPL de software livre poderia ter existido. Para além disso, o próprio Stallman é defensor de uma taxa a cobrar pelo Estado de modo a distribuir o dinheiro pelos artistas, para além de doações voluntárias pelos utilizadores: https://www.gnu.org/philosophy/funding-art-vs-funding-software.html
      http://stallman.org/articles/end-war-on-sharing.html

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    8. Este comentário foi removido pelo autor.

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    9. "...há milhões de pessoas que não só acham que ela presta, como estão dispostos a pagar para ouvir música composta e/ou interpretada por ela (por isso é que ela consegue fazer concertos e ganhar dinheiro com isso)."

      Volto então a perguntar: se isso é verdade, se existem pessoas que estão hoje disponíveis para pagar por música quando a podem aceder de borla à distância de um clique, de que maneira é que o fim do direito exclusivo de distribuição concedido ao autor irá modificar a disposição dessas pessoas? Chegados aqui, entramos no domínio da especulação... Podemos então especular que 1) postos perante esta possibilidade, algumas dessas pessoas irão optar por descarregar tudo de borla e deixarão de dar dinheiro pela música da artista; 2) passarão a dar mais dinheiro por músicas da artista que ainda não conheciam - raridades, inéditos, lados B - porque na verdade até então apenas tinham tido acesso às músicas que passavam na rádio. Podemos até imaginar que para um determinado segmento do público tenderá a ocorrer uma escalada do consumo no sentido de uma corrida a edições de luxo, exclusivas ou autografadas de forma a demonstrar a dedicação e o afecto pelo trabalho da artista. Todas estas situações parecem-me plausíveis ;)

      "...como a implementação digital tem actualmente um custo de produção nulo, então o direito de autor não deve ser aplicado"

      A minha visão pessoal não passa de todo por acabar pura e simplesmente com o direito de autor mas sim em reformá-lo tendo em conta não só a natureza abundante da informação no ambiente digital que tende a reduzir o seu valor económico para zero. Em termos racionais, sou da opinião que não faz qualquer sentido tentar manter um monopólio exclusivo sobre a distribuição das obras. A longo prazo, isso será totalmente contraproducente para todos: artistas, editoras, distribuidores e consumidores. Como no entanto sei bem que a curto-médio prazo ninguém da indústria aceitará com resignação essa situação - mesmo que para tal seja necessário atentar contra direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos -; reconheço que seja necessáro pensar em medidas de transição como uma taxa, tarifa plana ou licença voluntária global a cobrar pelo ISP que conceda ao utilizador o direito de descarregar um número limitado de músicas ou mesmo livros e filmes (consoante o montante a pagar). Sei que o Ludwig não é desta opinião porque acredita que se trata de uma medida economicamente ineficiente e até moralmente injusta (caso o pagamento seja obrigatório e universal) mas eu sou da opinião que mais vale chegar a uma solução de compromisso do que prolongar uma guerra que até agora não apresentou vencedores nem vencidos mas apenas vítimas inocentes.

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  11. Mais desenvolvimentos recentes sobre a crescente observação de padrões estruturais de hardware e software comuns ao cosmos, ao cérebro e às redes de comunicação, que corroboram inteiramente um Criador comum, racional, omnisciente, omnipotente, omnipresente e comunicativo (porque triúno)...

    Eis alguns excertos sugestivos:

    "...some undiscovered, fundamental laws may govern the growth of systems large and small, from the electrical firing between brain cells and growth of social networks to the expansion of galaxies."

    "Past studies showed brain circuits and the Internet look a lot alike."

    "It's more likely that some unknown law governs the way networks grow and change, from the smallest brain cells to the growth of mega-galaxies".


    Vale a pena continuar a acompanhar estes desenvolvimentos....

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    1. atã nã vale e o alzheimer vai andando?

      However, due to the federal structure of the German state the education costs in the individual states differ. In some states tuition fees have already been introduced. Especially master's courses are liable for costs. Make sure you get exact details from the university where you have applied. Ask whether they plan to introduce tuition fees! Information on this can be obtained from the students' offices or from the enrolment offices.

      Undergraduate studies

      Up until completion of your initial degree qualifying you for a profession, you will pay a moderate fee to the Student Organisation and, in some states, an additional administration fee. Currently you must reckon with 100 Euro per term for the enrolment or confirmation fee plus the administration fee (Verwaltungsgebühr).

      Semester contribution / enrolment or confirmation fee around 50 Euro per term
      You will have to pay a semester contribution at enrolment (Einschreibung) and each semester at confirmation (Rückmeldung). The semester contribution is made up of a contribution to the Studentische Selbstverwaltung (AStA) (student parliament of the university) and a contribution to the Studentenwerk. This helps to support the refectories and student accommodation as well as the advisory services offered by the Studentenwerke.

      The enrolment or confirmation fee usually comes to around 50 Euro. Contributions may be higher, however (about 150 Euro), if the Student Organisation fee includes a "Semesterticket". With this ticket students can use public transport (busses and trains) for six months.

      Administration fees around 50 Euro per term
      For enrolment and confirmation the universities in the federal states of Baden-Württemberg, Berlin, Brandenburg, Bremen, Hamburg, Hesse, Mecklenburg-Western Pomerania, Lower Saxony and Thuringia charge a fee to cover administration. This is around 50 Euro.

      e o tim deixa ou não de ser tintin?



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  12. Miguel (Sequeira),

    Antes de mais, eh pá! tanto texto... até me ia caindo o browser do monitor ;)

    (fez-me lembrar aquele demónio ou vampiro numa aventura tua que, quando entrámos na sala, se levantou com uma descrição tão longa que antes de a acabares já tínhamos morto o desgraçado :)

    Deixa-me esclarecer alguns mal entendidos antes de continuarmos.

    «como é fácil demonstrar que a taxa sobre telemóveis e discos duros é estúpida […] então postulas que abolir os direitos de autor é a mesma coisa e devem ser igualmente abolidos»

    Esse argumento seria um disparate. Espero que tenha conseguido transmitir no texto que o que eu quero dizer é exactamente o contrário. Primeiro, defendo que a ideia de que o autor tem um direito de cobrar ou proibir estas coisas a quem não tem contrato nenhum com ele é um disparate, dando vários exemplos que ilustram o erro de pensar assim. Só a partir daí é que defendo, como consequência, que esta taxa é fundamentalmente injusta. Não superficialmente injusta, mas fundamentalmente injusta porque se fundamenta nesse princípio errado do Tim ter de pagar ao fabricante da guitarra cada vez que faz um acorde.

    « É um luxo. Então os utilizadores de telemóvel capazes de ouvir música têm de pagar uma taxa.»

    Se essa taxa revertesse para o Estado, podíamos ser contra ou a favor de mais um imposto, mas fundamentalmente não haveria nada de diferente em relação a outros impostos que pagamos. Mas a taxa reverter para entidades privadas é muito diferente.

    «Mas depois «saltas» desta argumentação contra a taxa [...] para a tua defesa ideológica de que o trabalho criativo não tem valor»

    Falso. Primeiro, o salto é ao contrário. Segundo, não defendo que o trabalho criativo não tenha valor. Defendo que o trabalho, quer seja ou não rotulado de criativo, não dá a quem o fez legitimidade para retirar direitos a terceiros que nada lhe tenham encomendado. Direitos sobre os seus pertences, direito à autonomia na vida privada, à liberdade de expressão, à privacidade da correspondência, etc. Terceiro, isto nem sequer é premissa. É uma consequência da premissas de que os direitos de um têm de acabar quando começam os direitos de outros e esses direitos em causa são mais importantes do que o alegado direito de proibir outros de fazer cópias.

    « Consigo ver, tocar cheirar uma guitarra: faz então sentido que um bem material, composto de átomos, tenha valor e que possa cobrar dinheiro por ele»

    Não é nada disso. Faz sentido que tenha valor e se possa cobrar dinheiro tudo aquilo pelo qual alguém, voluntariamente e devidamente informado, esteja disposto a dar dinheiro. Por exemplo, é perfeitamente legítimo A cobrar a B 5€ para lhe dizer as horas desde que seja de mútuo acordo.

    O que defendo é que categorias não são objectos legítimos de direitos de propriedade. Uma hora do teu trabalho, que é uma instância concreta e escassa, é propriedade tua e podes vendê-la como quiseres. Uma hora, que é a categoria de todos os períodos de tempo com essa duração, não pode ser propriedade de ninguém. Por exemplo, no sentido de me teres de dar uma percentagem do que cobras por cada hora do teu trabalho por eu ser dono da categoria da “uma hora” e ter direito a cobrar por tudo o que for “uma hora”.

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    Respostas
    1. Heh. Neste comentário dizes coisas bem mais razoáveis do que no artigo original :)

      Nomeadamente o que penso é que concluiste (e desta vez nada tenho a opor) que o fruto do trabalho criativo não é transaccionável. Não que não tenha valor (quem lhe dá esse valor é a capacidade do artista produzir um bem, e do mercado que está disposto a adquirir esse bem); mas, usando essa tua argumentação, não há forma do bem ser adquirido sem violar qualquer outra lei.

      Por exemplo, se a Lady Gaga der um concerto, está a usar ar para que as vibrações da sua música cheguem aos ouvidos das pessoas. O ar não é (ainda!) um bem escasso, nem trasaccionável; ao usar o ar, que é público, as ondas mecânicas de que se compõe a sua música são públicas. Não se pode, segundo essa argumentação, cobrar qualquer coisa por elas. O mesmo se aplicaria a quem leia em voz alta um texto de um livro (em papel) — é o mesmo princípio, está-se a usar o bem público «ar» para veicular uma obra artística. Poder-se-ia «esticar» isto para proibir também a televisão: como o espectro radioeléctrico é público (daí ser preciso uma licença para emitir numa banda específica), qualquer programa de TV que seja emitido está a usar um bem público, e, como tal, limitar a sua captação (e forçar as pessoas a pagar por ele) violaria um direito fundamental. Se entro num museu para admirar um quadro, especialmente se o museu for público, estou a ser privado do meu direito de usar uma máquina fotográfica e tirar as fotografias que quero (porque os museus, mesmo os públicos, artificialmente criam o monopólio sobre as fotografias das obras que expôem, proibindo a entrada de câmaras fotográficas e limitando assim os direitos dos visitantes).

      Ora contra isto não posso argumentar, porque realmente é verdade. Os direitos de autor são um compromisso — que aceito que sejam postos em causa — em que ambas as partes, pelo privilégio de usufruirem de uma obra (um bem escasso) estão dispostos a pagar um X e seguir algumas regras mutuamente acordadas, mas que são efectivamente impostas por quem detem o bem escasso. Tal como dizes no último parágrafo: posso vender a minha hora de trabalho a quem muito bem quiser, mas é nos meus termos — se quem «adquirir» essa hora de trabalho não quiser seguir as regras que lhe imponho para essa transacção, não lhe vendo essa hora de trabalho. Simples.

      Não percebi essa afirmação de que «categorias não são objectos legítimos de direitos de propriedade». Parece-me auto-evidente que assim seja (especialmente porque o teu exemplo me parece óbvio), mas em que sentido é que queres usar essa argumentação?

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    2. Há aqui também um problema, que é meu, de semântica (e há um outro, que é o de interpretação legal, que já explico mais à frente). Um artista (ou um advogado, um contabilista...) tem uma ideia. A ideia não é um bem transaccionável e não é sequer protegida pelo direito de autor (mas o potencial de ter ideias é transaccionável!). A sua concretização, seja ela sob que forma for, é, sim, um bem transaccionável. Nalguns casos (uma escultura) é tangível; noutros (uma música tocada ao ar livre) não é; noutros é misto (uma representação teatral — o que se vende é a «experiência» da performance, mas são necessários objectos tangíveis — actores, um palco, adereços — para a concretizar).

      A noção de «valor» nestes casos não está meramente associada ao bem transaccionável (tangível ou não), mas depende essencialmente do valor associado à capacidade do artista/autor em produzir bens para os quais há mercado. Esta é a diferença crucial aqui na equação (mas não é diferente do trabalho que um médico faz, usando um dos teus exemplos). Não é o livro, ou o CD, ou o DVD em si que tem o maior valor: mas sim o factor humano do trabalho colocado em produzir a obra, que depois, isso sim, tem outros factores económicos associados — a manufactura, a distribuição, a promoção, etc. Mas esses factores são secundários, ou melhor, acessórios: sem artista não há obra.

      Não é a «limitação» da distribuição que torna o bem valioso; penso que quando usas a expressão (mais abaixo) do «monopólio que inflaciona artificialmente o preço», estás a assumir que é por a distribuição de uma obra ser «artificialmente limitada» que ela se torna mais cara. Mas isso não é inteiramente verdade — se eu produzir um livro e artificialmente reduzir o número de cópias em papel em distribuição, não estou a torná-lo mais valioso. Na realidade, esse livro não vale nada — porque eu não presto como autor. Com certeza que há algum valor residual de ter uns pedaços de árvore prensada e colorida a decorar uma estante (há um valor estético...), mas ambos concordaremos que é um valor muito baixo e irrelevante pela discussão.

      Em contraste, um livro escrito por um prémio Nobel da literatura tem um valor transaccionável considerável, porque há uma escassez de prémios Nobel da literatura — não porque a distribuição dos seus livros seja artificialmente limitada! Portanto, ou percebi mal, ou, pela leitura do que escreves (e não és só tu a fazê-lo, claro), a questão do valor da obra por ser um bem escasso está a basear-se no ponto errado da equação — a escassez que lhe dá valor não é devido à distribuição ser controlada, mas sim por haver uma escassez de autores com potencial para fazerem obras vendáveis.

      Ora o ponto aqui que derruba o modelo do direito de autor é que a única forma que se encontrou até agora de remunerar o autor pelo trabalho que faz — e que tem valor — é o de cobrar uma percentagem pela distribuição. Não porque a distribuição seja «cara» em si (até no tempo do Dickens já era consideravelmente barata...) mas sim porque não há uma forma simples (e barata) de aplicar um princípio de utilizador-pagador neste modelo, que não seja o de autorizar o autor a decidir como a sua obra é distribuída. Mas isso não é, no fundo, muito diferente da forma como a maioria dos produtos são regulamentados. Por exemplo, na maioria dos países, não se podem comprar automóveis ou armas em supermercados — a sua distribuição é venda é controlada e limitada, mas não por uma «perversão» do modelo de mercado livre, ou por uma limitação dos direitos dos consumidores: é porque esses produtos têm de ser usados em circunstâncias específicas e a sua utilização é controlada.

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    3. A questão legal mais complicada tem mais a ver com o direito (alegado) de que um autor tem sobre todas as concretizações de uma ideia, a partir do momento em que a tenha concretizado sobre uma forma. Ou seja: tenho uma ideia de escrever um livro de ficção científica. Enquanto for só uma ideia, nada me protege. Se publicar o livro, fico automaticamente com o direito de limitar a produção de um filme baseado no livro. E também posso impedir que a Lady Gaga use excertos do meu livro para produzir canções.

      Eu aqui tenho alguma relutância em aceitar completamente este conceito, mas compreendo porque é que existe. A minha relutância vem essencialmente da dificuldade em aceitar uma filosofia legal que defenda que uma implementação (física) automaticamente condiciona todas as restantes, mas essa mesma filosofia não concede qualquer direito sobre a ideia original. Ou seja: uma ideia sem qualquer implementação não vale nada; uma ideia com UMA implementação é defendida para TODOS os tipos de implementação possíveis no presente e no futuro. Isto é rebuscado de defender :) mas o problema surgiu justamente quando os autores literários do séc. XIX publicavam um romance num jornal em folhetim, que lhes pagava por isso, mas depois um empresário pouco escrupuloso recortava os episódios todos e publicava um livro, sem remunerar o autor. Para impedir que isso acontecesse — que alguém pudesse usufruir comercialmente do fruto do trabalho de outrém sem o remunerar — é que se aplicou esta «regra». A situação hoje em dia não é diferente — excepto que ainda é mais fácil ser-se uma «editora» (basta ter um site Web!). A interpretação legal, pois, baseia-se na filosofia de que não pode haver distribuição sem remuneração; não há utilizador que não seja pagador.

      Isto não faz sentido para ti porque, pelo que leio, apesar de considerares que o autor tenha algum valor, consideras que o custo de distribuição é que é importante na equação; e como esse é nulo na Internet (e ainda por cima praticamente impossível de «controlar», mesmo que artificialmente), raciocinas que qualquer forma de o fazer seja um atentado à liberdade individual dos cidadãos que reverte sobre a forma de monopólio. Bem, isso seria verdade se se considerasse que o trabalho do autor não valesse nada (só o bem transaccionável resultante do seu trabalho e a sua respectiva distribuição é que têm algum valor).

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    4. Agora, claro, já admiti várias vezes que esta «não é a única maneira», e que pensar que é, como fazem as RIAAs e SPAs deste mundo, é estreiteza de espírito. Taxar telemóveis pelo sua potencial de utilização indevida é estúpido (para não dizer inconstitucional). Prender pessoas porque piratearam uma música no telemóvel é ainda mais estúpido (para além de violar um princípio jurídico de que a punição deve ser adequada ao crime cometido; meter alguém na cadeia por isso com uma pena equivalente à de quem assaltou um supermercado à mão armada é uma estupidez).

      Já concordei no passado (e continuo a achar a melhor solução) de que há formas de apoiar socialmente os artistas para que estes possam produzir conteúdos com valor, podendo-os assim distribuir gratuitamente. No fundo, a «taxa sobre o telemóvel» é uma ideia nesse sentido, mas está redigida de forma completamente errada, e parte de princípios anti-constitucionais (o princípio de que uma pessoa é naturalmente culpada de piratear coisas e que paga uma multa por antecipação!).

      Vou dar um simples exemplo de como se poderia usar o mesmo princípio de forma positiva: taxar os telemóveis e os discos rígidos, sim, mas quem pagasse essa taxa poderia copiar livremente qualquer fruto do trabalho de qualquer autor. Ora isso sim, já me parece razoável. Passa a ser um «imposto sobre a cultura», com certeza, mas seria muito mais justo — tão «justo» como a «taxa audiovisual» que me permite ter um televisor e um rádio em casa para usufruir de conteúdos produzidos por artistas. Claro que de uma perspectiva neoliberal este tipo de taxas e impostos são vistos como «assaltos à mão armada» por parte de Estados prepotentes; mas de uma perspectiva social-democrata é apenas um mecanismo de distribuição de riqueza: se quero consumir produtos culturais, o Estado pode perfeitamente aplicar uma «taxa de cultura», com a qual remunera os autores e pronto.

      Ou seja, eu até estaria disposto a aceitar esta nova medida de bom grado desde que:
      1) Quem pagasse essa taxa pudesse livremente copiar tudo e mais alguma coisa que lhe passasse pela frente (o que não é o caso!)
      2) Houvesse um processo um pouquinho mais transparente para saber quem é que está a receber o dinheiro das taxas cobradas :)

      Por acaso até existem modelos parecidos, no meio comercial, mas que não estão disponíveis para o público em geral (já discuti isto no passado com membros da SPA). Por exemplo, há licenças de difusão em que basicamente se paga um X para se poder emitir música para um público durante Y horas, sem se discriminar em detalhe quais as músicas, uma por uma, bastando dar uma ideia do tipo de músicas que são emitidas; recolhe-se o total destas licenças e distribui-se por todos os músicos desse tipo, e pronto. É simples. Infelizmente, este tipo de licenças é difícil de obter e não estão disponíveis ao público em geral.

      O que eu gostaria de ver era uma coisa assim, mas para toda a gente, sem discriminação: o pagamento de uma taxa universal de consumo de música, fotografias, vídeos, e-Books, etc. com um valor razoável por mês. Sabendo-se quantos livros, CDs, e DVDs se vendem no nosso país, seria fácil adequar essa taxa. O maior problema com este tipo de medida, do ponto de vista da igualdade entre cidadãos, é que a distribuição do consumo não é uniforme. Mas talvez a taxa pudesse ser adequada ao rendimento de cada cidadão — baseado, uma vez mais, numa estatística que mostrasse qual a percentagem do rendimento dos cidadãos normalmente gasta em aquisição de produtos culturais.

      Não estou a dizer que esta seria uma solução «óptima» mas seria bem melhor do que as alternativas que temos, seja pela via da taxação de telemóveis e discos rígidos (mas em que se mantém a proibição da cópia! Paga-se a taxa à mesma e não se ganham direitos novos), seja pela criminalização da cópia.

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  13. Miguel (continuação)


    «Quando um banco (ou o Estado) emite obrigações, ou uma empresa emite acções, esses bens não são tangíveis. São apenas bits de informação.»

    Os bits de informação não são os bens, nesse caso. São a codificação de um acordo, tal como as letras na escritura da minha casa não são o bem que eu comprei; apenas a codificação do acordo pelo qual a casa passou para meu nome.

    E não há problema nenhum em haver transacções envolvendo coisas tangíveis. Uma consulta no psiquiatra, por exemplo.

    Este ponto é fundamental para perceberes a minha posição. O que eu defendo é que só é legítimo ter direitos de propriedade sobre algo individualizável. Um “aquilo” em concreto. Por exemplo, aquelas horas de trabalho por parte daquela pessoa. Aquela arroba de batatas. Aquele serviço que aquela pessoa presta em dizer as horas, ensinar o que é o coseno, compor uma sinfonia ou recitar os primeiros cem números primos. Por outro lado, não é legítimo haver direitos de propriedade sobre categorias. Por exemplo, todos os actos de andar de baloiço, todas as instâncias do número 23, todos os sons que se assemelhem a uma certa sequência de notas, todas as páginas pintadas de azul, etc.

    Nada disto impede que duas pessoas troquem dinheiro entre si pelas razões que quiserem. Se alguém te oferecer cem euros por dizeres o número 23, por mim aceita à vontade e que te faça bom proveito o dinheiro. Não aceito é que alguém seja considerado dono do número 23 e, por isso, possa proibir os outros de o usar.

    Também não tem nada que ver com fraudes, promessas ou privacidade. Tu tens o direito de não revelar que tens 23 pares de cuecas, se pagares por 23 ovos não é legítimo darem-te só 22 e assim por diante. Não defendo que a informação não tenha valor, que seja irrelevante, que não possa ser protegida, que não comprometa ninguém, nem nada dessas coisas que aparentemente julgas que eu defendo.

    O que defendo é mais simples e concreto. Tu tens o teu PIN do multibanco. É teu no sentido de que não podes ser obrigado a revelá-lo se não quiseres e não é legítimo alguém tentar usá-lo para te sacar dinheiro do banco. Mas não é propriedade tua no sentido de poderes retirar a todos os outros o direito de usar essa sequência de 4 dígitos.

    Isto nem quer dizer que eu seja contra a compra e venda de bits. Por exemplo, quando há uns anos o Simon Klose pôs no Kickstarter o projecto de um documentário sobre o TPB eu paguei-lhe 20€. Em troca recebi agora apenas o “direito” de descarregar o filme no bittorrent, coisa que qualquer pessoa pode fazer mesmo que não tenha pago nada, e a satisfação de ter sido um financiadores do filme. Isto é legítimo porque é voluntário. Mas se o tipo tivesse feito o filme e agora viesse dizer que queria 20€ pela licença de o ver porque era dono daquilo eu fazia-lhe um manguito e sacava o filme sem pagar nada. Porque, nesse caso, estaria a armar-se em mete nojo e não mereceria um cêntimo :)

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    1. Consideras que um livro é uma «categoria», no sentido que dás à palavra no teu exemplo? Não percebo.

      O direito de autor não se aplica sequer a ideias, mas apenas à sua concretização sob forma de um bem (tangível ou não), por isso não percebo como é que aplicas isso à ideia de «direito de propriedade sobre categorias».

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  14. Miguel,

    «uma «coisa» tem determinado valor porque há quem esteja disposto a pagar algo por essa «coisa»»

    Isso é perfeitamente legítimo. O que não é legítimo é conceder monopólios sobre todas as representações digitais de uma coisa com o intuito de aumentar o valor comercial das representações digitais dessa coisa que os detentores do monopólio vendam.

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    1. Mas o valor comercial não vem da representação digital em si, mas sim do seu autor...

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  15. Miguel,


    Miguel,

    «Nomeadamente o que penso é que concluiste (e desta vez nada tenho a opor) que o fruto do trabalho criativo não é transaccionável.»

    Não é nada disso. Posso encomendar-te uma lista de 10 palavras que rimem com limão. Tu dizes as palavras e eu pago. Perfeitamente transaccionável. O que estou a dizer é que esta transacção não pode impedir terceiros de usarem como entenderem as 10 palavras nesta lista, seja nessa sequência seja separadas. Porque palavras são categorias e não entidades individualizáveis que possam ser objecto de direitos de propriedade.

    Exactamente o mesmo se aplica se te encomendar uma lista de cinquenta mil palavras que contem a história de um romance qualquer. É transaccionável, mas não é legítimo dar a ninguém direitos de propriedade sobre essas palavras, quer em separado quer nessa sequência.

    Mais uma vez, a minha posição não implica qualquer restrição a qualquer transacção voluntária entre duas partes. Por mim podes transaccionar o que quiseres, desde que a transacção seja de acordo mútuo. O que oponho é a concessão de direitos de propriedade a categorias abstractas.

    «se a Lady Gaga der um concerto, está a usar ar para que as vibrações da sua música cheguem aos ouvidos das pessoas. O ar não é (ainda!) um bem escasso, nem trasaccionável; ao usar o ar, que é público, as ondas mecânicas de que se compõe a sua música são públicas. Não se pode, segundo essa argumentação, cobrar qualquer coisa por elas.»

    A Lady Gaga tem todo o direito de só dar o concerto se lhe pagarem cem mil euros. Não é pelo ar ou pelo raio que o parta. É porque as pessoas querem que ela dê concertos e pagam. Perfeitamente transaccionável. O meu ponto é que a Lady Gaga fazer vibrar o ar não lhe dá direitos de propriedade sobre todas as funções matemáticas cujo plot numa certa região se assemelhe à variação na pressão do ar causada pela voz da Lady Gaga.

    «A ideia não é um bem transaccionável e não é sequer protegida pelo direito de autor»

    A ideia não é coberta por nenhum monopólio legal, concordo, mas é perfeitamente transaccionável. Exemplo: Tive uma ideia! Tiveste? Conta lá, que ideia? Só digo se me deres 10€. Oh pá, toma lá 10€. Toma 20€ até, mas diz-me lá a ideia. Pronto, transaccionado. Parece-me que embicaste na noção de que só se pode transaccionar algo que esteja sujeito a direitos de propriedade. Mas lembra-te que também há massagistas, cabeleireiros, professores, filósofos, matemáticos e jogadores profissionais de badminton.

    «Em contraste, um livro escrito por um prémio Nobel da literatura tem um valor transaccionável considerável, porque há uma escassez de prémios Nobel da literatura — não porque a distribuição dos seus livros seja artificialmente limitada!»

    A capacidade de escrever um livro dessa qualidade é um bem extremamente escasso. Por isso, um escritor desse gabarito pode facilmente vender esse trabalho por um preço alto. Em contraste, copiar um pdf é trivial e qualquer um o faz. É muito difícil que, num mercado livre, se consiga um bom preço pelo serviço de copiar um pdf. É por isso que, enquanto que o preço de mercado do trabalho um bom escritor de sucesso não carece – hoje em dia – de monopólios sobre representações digitais (e.g. Paulo Coelho), a venda do serviço de cópia e distribuição está cada vez mais dependente da lei por ser um negócio sem valor comercial na ausência de monopólios.

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    1. É pá, esse argumento é de tal forma retorcido que necessita de um saca-rolhas para o extrair :)

      Mas ok. O que alegas é que uma sequência aleatória de letras tem o mesmo valor que uma sequência, que, por mero acaso, representa as obras completas de Shakespeare. Como não passa pela cabeça de ninguém atribuir direitos «especiais» sobre uma sequência aleatória de letras, então não faz qualquer sentido atribuir esses direitos a uma sequência, que, por acaso, não é aleatória. É isso que queres dizer?

      Mas isso não é verdade; aliás, ironicamente, pela Teoria da Informação, uma sequência aleatória de letras tem mais informação do que as obras completas de Shakespeare. Seja como for, são coisas diferentes, e mensuráveis de forma diferente, independentemente do conteúdo em si (e independentemente de sabermos falar inglês, apreciarmos Shakespeare, etc. que são coisas subjectivas).

      Pegando no mesmo exemplo, alguém a operar uma britadeira na rua está também a fazer vibrar o ar, mas não é a mesma coisa que a Lady Gaga a cantar num concerto. São coisas diferentes, mas não é porque eu (ou alguém) diga que são diferentes; é porque são mensurável e objectivamente diferentes. No primeiro caso, não se aplica o direito de autor sobre quem esteja a operar britadeiras em público; no segundo, porque há um valor (subjectivo, sim, mas baseado em algo de mensurável e objectivo) associado aos berros da Lady Gaga, aplicam-se esses mesmos direitos de autor. O ponto aqui é que são, realmente, coisas diferentes, e, por o serem, há leis diferentes para as regulamentar.

      Isto não quer dizer que esteja a afirmar que concordo com as actuais leis ou que acho que sejam as únicas possíveis. O que digo é que, quando a Lady Gaga dá um concerto, tem um acordo com a sua audiência: pelo preço do bilhete, podem ter a experiência do concerto (que é subjectiva; mas assenta em propriedades objectivamente mensuráveis — a Lady Gaga não está a fazer vibrar o ar aleatoriamente, mas de acordo com uma expectativa da sua audiência), desde que abdiquem do «direito» de captar essas mesmas vibrações e fazerem o que quiserem com elas. Se não concordam com esse acordo, não compram o bilhete. É simples.

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    2. Tu gostas muito de dizer que a limitação da distribuição de um objecto artístico — sejam vibrações no ar, sejam florestas compactadas em formato de bolso, sejam bits num pedaço de plástico — é um monopólio que restringe direitos fundamentais de terceiros que nunca entraram em acordo com o artista. Mas nunca percebi onde é que vais buscar a fundamentação para isso (já para não falar na utilização da palavra «monopólio», que já sobejamente discutimos noutro lado). Quando compro um livro, um CD, um DVD, ou assisto a um concerto, pago por um serviço que me é prestado, mediante a aquisição de um bem, através de um acordo mútuo sobre o que posso ou não posso fazer com esse bem. Isto é válido para qualquer tipo de transacção, mesmo as mais inócuas: por exemplo, mesmo se comprar uma cadeira, não posso fazer «tudo» o que quiser com ela. É verdade que me posso sentar nela, posso parti-la e alimentar a lareira, posso vendê-la a outra pessoa, etc. — mas não a posso usar como arma de arremesso para partir a janela do vizinho ou para matar um gato. Isto não é, de todo, uma «limitação dos meus direitos fundamentais»; nem é sequer um «monopólio sobre a utilização de cadeiras». Como gostas de citar, trata-se meramente de impedir que os meus direitos se sobreponham aos direitos de terceiros.

      Mas o mesmo se aplica quando compro um livro. Posso fazer muita coisa com um livro — rasgá-lo, queimá-lo, pendurar as páginas na parede como decoração, vendê-lo em segunda mão no eBay. Mas não posso fotocopiá-lo, porque isso viola os direitos de quem me vendeu o livro ao preço X — faz parte do contrato de aquisição do livro. Se não concordo com esses termos, não compro o livro. Não há aqui qualquer violação de direitos fundamentais. Não há um «direito fundamental à fotocópia» (mas há um direito fundamental que protege o trabalho dos artistas, que podem dizer exactamente em que termos é que fornecem acesso às suas obras).

      Claro que podes argumentar que esse «direito fundamental» é artificial. Obviamente que é. Antes de haver qualquer legislação sobre direito de autor, esse direito não existia. É evidentemente algo de «novo» (ao contrário, por exemplo, do direito a respirar ar, que sempre foi universal). E a sua aplicação é diferente dos outros «direitos»; também estou de acordo. E não é coerente com outros tipos de serviços (como o prestado por massagistas, cabeleireiros, ou professores de badminton) — mais uma vez, estou de acordo. Não estou a colocar em questão nada disso :)

      Apenas coloco em questão, isso sim, a premissa de que «os artistas deviam ser como os outros profissionais da área de serviços e estabelecer acordos para a distribuição dos seus serviços e bens da mesma forma que estes». Se bem que isto se possa aplicar a escultores ou actores, nas outras áreas da produção de conteúdos (incluindo o trabalho de advogados, os pareceres escritos por contabilistas, analistas, ou consultores, e até o trabalho dos professores quando dão aulas — todo este trabalho está protegido pelo direito de autor) não se consegue usar o precisamente o mesmo modelo.

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    3. Onde o teu argumento (e não só o teu...) tem realmente «força» é na questão histórica: o direito de autor pensado pelo Dickens e restantes «pais» da legislação baseava-se em vários pressupostos, que hoje em dia não são válidos, a saber:

      - um livro pode ser barato de produzir e de distribuir (o que de facto se tornou verdade durante a Revolução Industrial)
      - isso permite a sua massificação: em vez de um livro ser lido por dezenas ou centenas de pessoas (como na Idade Média) pode ser lido por milhões. Isto é uma vantagem cultural para uma sociedade com acessos a livros baratos
      - para garantir que um livro seja barato, o autor distribui o preço total do seu trabalho por milhares ou milhões de itens vendidos. Os leitores pagam uma licença para poderem ler a sua obra

      Isto é aplicar mais ou menos a mesma ideia do concerto à forma do livro. Ou seja, dar um concerto é caro: a Lady Gaga cobra balúrdios, para além dos custos de produção e promoção do concerto em si. Mas como tem dezenas de milhares de pessoas no concerto, o preço total dilui-se pela audiência, que paga relativamente pouco para assistir ao concerto. Isto é algo que começou a acontecer já nos séculos XVI e principalmente XVII, onde coisas como o teatro deixaram (ao pouco) de ser privilégio de uns poucos (as cortes que tinham dinheiro para contratar actores ou músicos para entretenimento). A sala de espectáculo permite que o custo desses actores ou músicos possa ser distribuído por um maior número de pessoas, tornando a obra acessível a muito mais baixo custo.

      Estas são as premissas de base: o trabalho do artista é caro. Mas se o distribuir por várias pessoas — milhares, milhões — então cada qual paga apenas um pedacinho. Somando-se tudo, o artista não está a perder dinheiro, vai ganhar o mesmo (embora receba tudo «aos pinguinhos»). Mas faz-se chegar cultura a um vasto número de pessoas, que pagam muito pouco pelo privilégio de aceder à obra.

      Mais uma vez: não é o custo de distribuição que está em causa, mas sim o modelo de remuneração do artista.

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    4. Este modelo baseava-se numa premissa que hoje em dia não é válida. Se um autor quer ganhar X pelo seu trabalho, e sabe que pode contar com um milhão de pessoas para ganhar esse X, divide X por um milhão, e é isso que cada pessoa paga. Como no século XIX nem toda a gente conseguia produzir livros (ou tirar fotocópias!), este modelo funcionava bem.

      Mas hoje em dia, o autor se calhar só consegue vender mil cópias antes destas serem livremente digitalizadas e distribuídas por um milhão de pessoas. Então, ou habitua-se a ganhar mil vezes menos do que dantes (e pode não conseguir sobreviver assim!), ou precisa de um novo modelo para sobreviver. Como estou sempre a repetir, os músicos resolveram esse problema dando mais concertos e estando-se nas tintas para os CDs que (não) vendem. É uma adaptação lógica aos tempos modernos. Mas nem todos os tipos de autores podem fazer o mesmo. Por exemplo, a profissão de fotógrafo está praticamente a acabar porque é impossível ao fotógrafo conseguir qualquer controlo eficaz sobre as cópias do seu trabalho que circulam, e, ao contrário dos músicos, não tem outra forma de rendimento (há também outros factores tecnológicos que destruíram a profissão, como a massificação de câmaras fotográficas de alta definição e o Photoshop, que permite transformar uma má fotografia numa boa, independentemente das qualificações do fotógrafo, mas isso são questões acessórias). Aos poucos, como cada vez há mais sofisticação tecnológica na reprodução e distribuição — e cada vez com menores custos — este modelo do séc. XIX deixa de funcionar. E se não funciona, deve ser alterado (ou mesmo suprimido e substituído por outro).

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    5. Ironicamente, esta questão dos direitos de autor é mais discutida a nível da música, onde o problema já foi resolvido!... É que realmente é muito melhor para os artistas darem concertos do que venderem CDs. Como já disse anteriormente, conheço gente que trabalha em agências (portuguesas) que já nem sequer se preocupam em assinar contratos com as editoras de CDs. Pura e simplesmente já não lhes interessa. Não quer dizer que não acabem por editar um CDzito ou outro — sempre tem algum valor comercial como prenda de Natal, por exemplo — mas não é daí que vêm os seus rendimentos sobre a música que compõem, e já não é assim há pelo menos cinco anos.

      Logo, não me oponho, de todo, a que seja «abolido» o direito de autor sobre a música. Pode-se perfeitamente acabar com ele e deixar as pessoas livremente copiar a música que quiserem, que os músicos não são minimamente afectados. Basta salvaguardar que ninguém possa vender as suas músicas como se fossem suas (que é outro factor essencial do «direito do autor»), mas, essencialmente, isto é passar a ter a distribuição toda da música em modelo Creative Commons 3.0 Attribution. Parece-me razoável que assim seja e consistente com a tecnologia que temos.

      Da mesma forma, o teatro também está mais ou menos salvaguardado. Não passa pela cabeça de ninguém fazer negócio a vender DVDs da peça de teatro: hoje em dia, isso é pouco relevante do ponto de vista comercial. Quem vai ao teatro vai para ter uma experiência de estar fisicamente no local e respirar o mesmo ar que respiram os actores. O resto pode ser livremente copiado — áudio ou vídeo da performance — porque tem pouco valor comercial. Idem para a dança e todas as artes performativas que requerem uma sala de espectáculo (no fundo, o que a música fez foi «regressar» à sala de espectáculos, donde se calhar nunca tinha saído, para garantir a remuneração dos artistas).

      Um escultor também tem uma certa vantagem, já que mesmo uma digitalização 3D impressa em 3D não é a mesma coisa que o original (pelo menos para já!). É discutível se uma fotografia de uma escultura é a mesma coisa que a escultura. No entanto, a disseminação de fotografias de esculturas nunca teve um valor comercial significativo para o escultor.

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    6. Infelizmente, não se pode fazer o mesmo para as outras áreas culturais. Ninguém está disposto a ouvir um autor literário a falar numa sala de conferências (pelo menos, desde o tempo do Dickens); infelizmente, o autor literário só tem como forma de remuneração possível a distribuição dos custos de produção literária por um grande número de objectos (livros ou PDFs), licenciando a autorização da sua leitura apenas ao comprador original. Não há outro modelo possível.

      O mesmo se passa com a produção audiovisual — vídeos, séries de TV, filmes. Como as salas de cinema são cada vez menores e têm cada vez menos «distinção» para com os sistemas de home cinema, não há uma «experiência» significativa que motive as pessoas a irem ao cinema como dantes, quando podem ver o filme/vídeo/série em casa. E isto cada vez é mais verdade. Portanto, é difícil de garantir um modelo de remuneração alternativo — só por azar, a produção de cinema é a obra artística mais cara que temos (seguida dos jogos de computador, que têm o mesmo problema!). É verdade que através da sua distribuição via TV se pode colocar publicidade, mas isso também cada vez tem menos efeito, já que rapidamente se digitaliza o filme, retiram-se os anúncios, e colocam-se online para toda a gente ver de borla. Conclusão: não há modelo capaz de assegurar a sua produção.

      O que me assusta é um século XXI em que se calhar ainda tenhamos música, teatro, dança, e algumas esculturas, mas tenhamos de abdicar de obras literárias, fotografia, cinema, e quiçá mesmo jogos de computador, simplesmente porque não há forma de assegurar a remuneração de quem produz esse tipo de obras (nos jogos de computador estão-se a ensaiar alguns modelos curiosos, e o exemplo da Zynga mostra que, pelo menos durante um certo período, as pessoas até estão dispostas a pagar para ter «benesses» no jogo — mas a Zynga actualmente enfrenta séries dificuldades ao reparar que este modelo perdeu interesse).

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    7. LMS: "o autor literário só tem como forma de remuneração possível a distribuição dos custos de produção literária por um grande número de objectos (livros ou PDFs), licenciando a autorização da sua leitura apenas ao comprador original. Não há outro modelo possível. "

      Discordo veementemente. Considero completamente absurdo e repugnante que se proíbam as pessoas de emprestar livros ou deixar outras pessoas lê-los. O pior é que, para se implementar tal restrição, são necessárias invasões kafkianas na vida privada, tal como já ocorre com os chamados "e-books" e "iTrashes".

      Mas há livros sendo oferecidos simultamente na forma de cópias impressas (à venda) e em forma digital (de reprodução livre e gratuita), há campanhas de financiamento coletivo, há até blogueiros recebendo comissão por publicidade. Pode ser mais difícil viver da escrita de livros hoje em dia do que era antes da internet, mas duvido que seja MUITO mais difícil do que era. O que não vai funcionar mesmo é proibir as pessoas de fazerem cópias.

      E dizer que "o único modelo possível" de remuneração de autores implica vigiar e censurar a vida particular de cada pessoa, exterminando direitos que sempre tiveram através de restrições draconianas (impostas em contratos de acesso), é dizer que a democracia deve ser completamente desmantelada em favor de um grupo minoritário de pessoas.

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    8. Especulações ideológicas à parte, explique-me então como é que um autor literário pode viver do fruto do seu trabalho, num modelo em que não pode vender livros, porque essa possibilidade lhe foi negada.

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    9. Mas é claro que podem vender livros, e vendem! Quem diz que um autor não pode vender livros (e que não tem nenhuma opção) está mentindo.

      Sobre como viver disso, pergunte a escritores como Cory Doctorow. Aos que realizam publicações através daquelas "especulações ideológicas" que citei antes. Pergunte aos editores por que vendem edições impressas de trabalhos previamente publicados em blogues (trabalhos de escritores, cartunistas, fotógrafos, etc.). Até DVDs da Wikipédia são vendidos.

      Agora, viver apenas da venda de livros é viável apenas para uns poucos autores, como sempre foi. (Você acha que Paulo Coelho, que defende o que ele chama de "pirataria", não vende livros?)

      Só que agora, ao contrário de uns poucos anos atrás, todo mundo pode publicar seus textos digitalmente, sem precisar passar por editoras. Pessoas escrevem por muitos motivos, não apenas para ganhar dinheiro. Então, concordo com Ludwig no ponto em que querer vender é apenas um desejo, a venda não é um direito estabelecido.

      O que quero dizer é que a proibição de cópias não é viável e tem conseqüências terríveis (contra a vida privada e os usos livres), como já se constata fartamente hoje. Pode-se continuar a vender cópias -- e é isso o que continua acontecendo -- mas não se deve perseguir o público nem proibir as cópias não-comerciais. Simplesmente não funciona.

      É claro que há muitas questões sobre quais modelos de negócios são mais rentáveis para autores nas condições atuais, mas nada disso implica que não se possa vender livros. A prova disso é que livros continuam a ser vendidos, inclusive livros distribuídos sob licenças Creative Commons, que podem ser legalmente copiados pela internet, de graça.

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  16. Miguel,

    «Consideras que um livro é uma «categoria», no sentido que dás à palavra no teu exemplo? Não percebo.»

    O livro que compraste, ou escreveste, e está em cima da mesa é o teu livro. É um objecto individual, passível de direitos de propriedade.

    Se eu compro cem mil ábacos e ponho cada um a representar, pela ordem certa, o código ASCII de cada carácter do livro que tu escreveste isso não é o teu livro. São os meus ábacos. O facto de representarem algo que se enquadra na categoria de “todos os textos semelhantes aquele que o Miguel escreveu” não é relevante para efeitos de direitos de propriedade. Continuam a ser os meus ábacos e faço com eles o que eu quiser.

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    1. Ok, assim já percebo, e é realmente uma questão complicada, porque o direito de autor se aplica à «implementação» de uma ideia, seja sob que forma for, mas não protege a ideia em si. Já concordei anteriormente que é um dos aspectos que me faz mais confusão de admitir, embora compreenda o ponto de vista. No exemplo acima, se um autor literário está à espera de ganhar X para poder sobreviver e continuar a produzir obras literárias, e para ganhar esse X tem de vender um milhão de livros, então quem comece a vender ábacos com uma cópia do livro, sem pagar qualquer remuneração ao autor, vai fazer com que o autor não sobreviva.

      No entanto, não estou a dizer que não tenhas razão quando colocas as coisas dessa forma. Confesso que é um dos aspectos bastante problemáticos da justificação da autoria, porque «dá a entender» que, afinal de contas, o direito de autor aplica-se à ideia, e não à sua concretização — o que é precisamente o contrário do que o direito de autor afirma! Parece-me, pois, que há aqui alguma incoerência e/ou inconsistência na forma como o direito de autor se aplica, pelo menos do ponto de vista filosófico.

      Do ponto de vista prático, no entanto, essa «regra» arbitrária aplicava-se justamente porque se queria impedir que alguém recortasse folhetins de jornais, os juntasse todos num livro, e os vendesse, sem remunerar o autor. É por isso que temos na lei esta estranha afirmação de que o autor tem controlo não apenas sobre uma concretização física da sua obra, mas sobre todas. E concordo que esta alegação, embora proteja o autor, parece privar terceiros de alguns direitos. Não vejo isto com tanta veemência como tu, claro — porque acho que é mais importante proteger os autores do que os consumidores :) o que é uma posição obviamente pessoal e subjectiva, mas que assenta na premissa de que sem autores não há consumidores (mas o contrário não é verdade!), e de que o bem escasso (e por isso valioso!) são os autores, não os consumidores. Mas isto obviamente é muito discutível.

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    2. O único argumento que posso dar, e que sei que é fraco, é o seguinte. Vamos imaginar o tal cenário dos cem mil ábacos. Porque raio estarias interessado em representar, pela ordem certa, o código ASCII de cada carácter do livro que eu escrevi, e não outra coisa qualquer? Terei de assumir que é porque dás relevância a essa sequência particular. «Relevância», neste caso, significa «dares valor» a essa sequência. E «dás valor» porque a consideras diferente das restantes — tão diferente, de facto, que te dás ao trabalho de colocar os ábacos todos nessa sequência e não outra. Então estás a valorizar a sequência sobre todas as outras (que são infinitas), e torna-se um bem escasso — uma sequência entre gaziliões de sequências diferentes. Mas não foste tu que «inventaste» essa sequência: fui eu. Se eu não existisse e não te tivesse dito qual era a sequência, não a conseguirias reproduzir. Logo, estás a aproveitar-te do meu trabalho criativo de criar uma sequência de que tu gostas. Esse trabalho criativo (neste exemplo) não foi remunerado: não me pagaste por usares uma sequência de que tu gostas nos teus ábacos; eu não te dei autorização para o fazeres. A essência do direito de autor aplicada à sua concretização assenta neste ponto essencial.

      Claro que não te posso impedir de fazeres o que quiseres com os teus ábacos, mas se os vais utilizar para reproduzires e usufruíres de uma sequência que eu inventei, então eu mereço ser remunerado por te ter dado essa possibilidade, já que foi o meu trabalho que te permitiu reproduzir essa sequência, à qual dás valor (senão não a usavas).

      Mais uma vez, aqui a questão não é, de todo, as alegações sobre se uma «sequência» tem um valor intrínseco. Claro que não tem. Mas tem um valor convencional, no sentido em que tu dás importância a essa sequência, e fui eu que tive o trabalho de te dizer qual a sequência. Logo, houve factores de produção envolvidos (o meu trabalho de inventar a sequência), e há um benefício/usufruto do resultado desses factores de produção. Logo, a sequência, apesar de não ter valor intrínseco, tem um valor de mercado que pode ser associado a factores de produção. É por isso que se consegue argumentar (mesmo que eu próprio tenha as minhas dúvidas e não afirme isto peremptoriamente) de que estás a usar indevidamente o fruto do meu trabalho sem me remunerares.

      É totalmente irrelevante dizer que uma sequência de ábacos não é um livro; isso é mera semântica. O que interessa é a sequência, não a sua concretização em papel, bits, ou contas do ábaco — é à sequência que dás valor, não aos átomos do papel, aos bits da memória, ou às contas do ábaco.

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  17. Miguel,

    « que é fraco, é o seguinte. Vamos imaginar o tal cenário dos cem mil ábacos. Porque raio estarias interessado em representar, pela ordem certa, o código ASCII de cada carácter do livro que eu escrevi, e não outra coisa qualquer?»

    Isso é irrelevante. Se são os meus ábacos, a razão para os usar como me apetece é comigo.

    A questão relevante é se o teu desejo de vender um milhão de cópias justifica limitar os meus direitos de propriedade sobre os meus ábacos (ou o meu PC). A resposta a essa parece-me ser evidentemente negativa, porque venderes um milhão de livros nem sequer é um direito. É apenas um desejo. Tens o direito de tentar mas ninguém tem o dever de te ajudar a conseguí-lo.

    E o valor não tem nada que ver com isto. Os ábacos podem ter mais valor para mim assim ou assado, posso usufruir mais deles nesta configuração ou naquela mas o que importa é que são os meus ábacos. Que legitimidade tens tu para restringir a configuração das contas nos meus ábacos?

    Tu estás a cometer um erro comum que é o de assumir que os direitos patrimoniais dos autores surgiram para contrariar a tendência universal de copiar tudo. Foi o contrário. Esta noção surgiu quando havia um monopólio real sobre a cópia por razões tecnológicas. Só os donos de infraestrutura industrial é que podiam fazer muitas cópias e contra esses os autores não conseguiam fazer nada se não tivessem ajuda da lei. Mesmo assim não faziam muito, mas ao menos podiam negociar a transferência desse direito de cópia, transferência a que eram obrigados porque mais ninguém conseguia copiar e distribuir a obra.

    Sem essa diferença de facto, em condições nas quais ou ninguém ou toda a gente (incluindo o autor) consegue distribuir as cópias, essa concessão legal de monopólios sobre a cópia deixa de fazer sentido. Coisas como o usufruto ou a vontade de vender livros não se podem sobrepor a direitos fundamentais como os da propriedade privada, privacidade, liberdade de comunicação, etc.

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    1. mim explica a falta de empregos nos serviços por troca directa internética

      fez a crise e continuará a fazê-la

      cria bit con's e bit coins birtuais e milhões de desempregados europeus

      e a longo termo krippahis desempregados

      é simplex

      é tudo em números

      Rua Foros Amora Loja 36 Cruz de Pau-Amora
      2845-004 AMORA
      ( Seixal )
      Mostrar no mapa
      Obter direcções


      5. Barclays Bank PLC





      Avenida 23 Julho 2
      2805-255 ALMADA
      ( Cova da Piedade )
      Mostrar no mapa
      Obter direcções


      6. Barclays Bank PLC





      Estrada Nacional Lote 6-30-r/c-E
      2890-020 ALCOCHETE


      Alameda Fernão Lopes Arquiparque-lj 28 Miraflores-Algés
      1495-133 ALGÉS
      ( Oeiras )
      Rua Nv V Ajuda Ap Ajuda-lj B-r/c
      9000-720 FUNCHAL
      169. Barclays Bank PLC
      Rua Doutor Francisco Sá Carneiro Lote 42-r/c-E
      2530-108 LOURINHÃ

      Rua Coimbra 36
      2300-471 TOMAR
      ( Santa Maria dos Olivais )
      Praça Joaquim António Aguiar 24
      7000-510 ÉVORA
      ( Évora (Sé E São Pedro) )
      199.
      Avenida Lisboa Bloco B2-lj 12
      7000-749 ÉVORA
      ( Évora (Sé E São Pedro) )
      200. Barclays Bank PLC
      Rua São João Deus Lote 1-r/c
      7080-031 VENDAS NOVAS
      201. Barclays Bank PLC
      Rua Luís Camões 25
      7800-508 BEJA
      ( São João Baptista )
      Praceta João Paulo II 1
      7350 ELVAS
      ( Assunção )
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      Obter direcções
      Rua José O Raposo 10
      2770-093 PAÇO DE ARCOS
      ( Oeiras )

      Estrada Nacional 10 Bloco B-lj 2
      2615-133 ALVERCA DO RIBATEJO
      ( Vila Franca de Xira )

      Rua Cid Frehel 8-r/c-D
      2640-469 MAFRA


      Rua Venâncio C Lima 24
      2950-701 QUINTA DO ANJO
      ( Palmela )
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      Obter direcções


      255. Barclays Bank PLC





      Avenida Dom Nuno Álvares Pereira 173-B
      2800-181 ALMADA

      Estrada Nacional 378 Lote 6-r/c-E
      2970-649 SESIMBRA
      ( Santiago (Sesimbra) )

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    2. o que tem a ver com isso?

      bom tinhas 14 leitores com IP's de agências do barclay pelo menos...

      é verdade que importam menos mercedes e audis
      e comem mais cavalo nacional

      mas já não metem os putos na tua unive no pensamento crítico

      e estes não vão prá inglaterra pois são da tua idade e mais velhos e logo sem futuro numa europa de empregos em serviços deslocalizados via internet....

      paciência né...códigos ASCII ASSI ASSI...

      direitos pagam impostos pagam serviços púbicos e meninas e meninos do brasil

      já falta de direitos enchem milionários da internet que pagam pouca impostura

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    3. A questão relevante é se o teu desejo de vender um milhão de cópias justifica limitar os meus direitos de propriedade sobre os meus ábacos (ou o meu PC).

      Sim, concordo que essa é a questão fundamental. Dar-te-ia imediatamente razão se o teu direito de propriedade sobre os teus ábacos fosse universal, ou seja, se pudesses mesmo fazer o que quisesses com eles. Mas isso não é verdade: não podes matar ou torturar pessoas com os ábacos. Nem sequer podes fazer barulho com os teus ábacos em casa depois da meia-noite. Ou seja, mesmo a noção de que os teus direitos de propriedade são «importantes» — no sentido que podes praticamente fazer quase tudo o que queres com eles — na realidade também não podes violar direitos de terceiros ao utilizares os teus ábacos (excepto, porventura, em sociedades completamente libertárias :) — mas não é o caso da nossa).

      Então passa-se à seguinte questão, que é um subconjunto dessa: de entre todas as restrições que já existem à propriedade de ábacos, o direito de um autor de limitar a reprodução de obras que são sua propriedade é ou não legítimo?

      Ou, por outras palavras, entre direitos de propriedade, qual deles vale mais: a propriedade da obra artística, ou a propriedade do dispositivo físico que implementa essa obra artística?

      Do ponto de vista filosófico de uma civilização que respeita a cultura — não há cultura sem civilização; e há fortes indícios que o contrário também seja verdade, embora não se conheçam casos históricos de civilizações sem cultura — e, sabendo-se que a produção de obras artísticas é um bem escasso (muito poucos são capazes de o fazer), o entendimento da nossa sociedade é que estas são «mais valiosas» do que os ábacos. Da mesma forma como consideramos que é «mais importante» que as pessoas não sejam mortas, torturadas, ou irritadas com barulho durante a noite, e que restringimos assim a utilização de ábacos desde que não sejam usados para infringir em direitos que são considerados mais importantes do que a mera utilização.

      E não me digas que o direito ao silêncio é diferente do direito à propriedade das obras artísticas. Estão precisamente ao mesmo nível convencional. Não são meras «arbitrariedades» — são escolhas ponderadas sobre o que é legítimo e o que não é legítimo fazer. A única diferença é que qualquer pessoa pode fazer barulho com ábacos, mas são poucos os que conseguem escrever obras literárias com ábacos. Logo, pode parecer que exista uma sobre-protecção sobre aquilo que é raro, escasso, e valioso, mas não é diferente de outros tipos de leis que protegem coisas semelhantes que sejam raras e valiosas.

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  18. "Coisas como o usufruto ou a vontade de vender livros não se podem sobrepor a direitos fundamentais como os da propriedade privada, privacidade, liberdade de comunicação, etc."

    Concordo. E diria mesmo:

    "Coisas como arrotar, cuspir ou soltar gazes não se podem sobrepor a direitos fundamentais como os da propriedade privada, privacidade, liberdade de comunicação, etc."

    Não defendo que o usufruto, à semelhança do arroto, seja considerado ilegal precisamente pelas mesmas questões que enumeraste. Não quer dizer que toda a gente deva arrotar, cuspir e peidar-se sem qualquer preocupação.

    De forma menos escatológica: um individuo está a tocar violino na rua ao pé de dois bancos. No primeiro banco senta-se um fulano que combinou um encontro ali. Com ou sem músico ele ficaria ali sentado. No outro banco senta-se um fulano que ao ouvir o violinista ficou maravilhado e opta por sentar-se a ouvir. Sem violinista nunca se sentaria. Eu considero que nenhum deverá ser obrigado por lei a colocar uma moeda no chapéu do músico. Mas o individuo que optou por sentar-se ali apenas e só porque o musico estava a tocar deveria colocar uma moedinha. Saliento o "deve" que é diferente de "tem."

    É verdade que a limitação da liberdade indivdual e de comunicação causaria um mal maior à humanidade como um todo do que a inexistência de copyright. Mas isto não implica que seja legítimo parasitarmos o trabalho de alguém só porque "ah de repente o meu pc ficou com os bits necessários para reproduzir a musica da beyonce, nem sei como."

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    1. Eu já não concordo em absoluto com essa expressão do Ludwig, mas concordo em absoluto com o seu argumento. O Ludwig está deliberadamente a tentar montar uma argumentação libertária — no sentido de que «posso fazer o que quiser que mais ninguém tem nada a ver com isso, porque os meus direitos e liberdades são universais». Mas ele próprio também não está disposto a aceitar que lhe cuspam em cima da cabeça na rua, só porque isso é um «direito» que outra pessoa julga ter. Prefere, assim, que haja quem regule os direitos e liberdades de toda a gente, para que tenhamos uma sociedade onde as pessoas não podem cuspir umas nas outras, alegando que cuspir nos outros faz parte da sua liberdade de expressão.

      Mas como a argumentação é sustentada no princípio Stallmaniano de que o custo de distribuição é nulo (que é praticamente factual), e que, logo, não é legítimo cobrar um valor sobre essa distribuição (porque essa cobrança é artificialmente imposta por uma lei arbitrária), então sucede que o Ludwig (e os Stallmanistas) consideram que os seus direitos e liberdades são mais importantes do que os dos artistas que produziram as obras.

      Eu pessoalmente considero precisamente o contrário :) Mas o meu argumento nem é porque goste de artistas (os poucos que conheço são pessoas perfeitamente insuportáveis de aturar), mas sim porque reconheço que a cultura é um elemento civilizacional do qual não estou disposto a abdicar, e que discordo veementemente que seja «pouco relevante» — especialmente numa sociedade que já está a perder toneladas de valores a olhos vistos. Não vejo absolutamente nenhuma vantagem em acabar com a cultura. Assim, qualquer direito que proteja a cultura — e aqueles que têm a capacidade de a desenvolver — é, para mim, mais importante que o «direito» a fazer o que nos apetece: porque, em primeiro lugar, não é verdade que tenhamos esse direito (não somos uma sociedade libertária, mas sim democrática) universal; e, em segundo lugar, porque há valores que são mais importantes do que a liberdade de expressão, de privacidade, de comunicação, etc.

      Basta pensar que temos a liberdade de insultar quem quisermos em público — mas essa liberdade termina no dia em que formos processados por difamação e calúnia. Ou seja, há limites à nossa liberdade de expressão. Também o direito à nossa privacidade termina no dia em que quisermos, em privado, torturar e assassinar pessoas (c.f. violência doméstica) ou cometer crimes de tráfego de influência, etc. Posto por outras palavras: todas essas liberdades terminam quando cometemos crimes.

      Apropriarmo-nos indevidamente do trabalho de terceiros, sem os remunerar de acordo com o que nos pedem, continua a ser um crime; e, como tal, há uma restrição aos nossos direitos e liberdades: não podemos usá-los como «pretexto» para roubar coisas a ninguém. Claro que aceito que se alterem estas leis. Por exemplo, abolindo o direito à propriedade privada, acaba-se com o problema da apropriação indevida de trabalho de terceiros: tudo passa a ser o «bem comum», e deixa de haver a noção de «roubo». Claro que uma sociedade destas é possível — embora, até agora, as tentativas de a implementar não tenham resultado (e não foi por falta de tentativas!).

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  19. Wyrm,

    Penso que estamos quase de acordo. Mesmo assim, para não pôr em risco a nossa inimizade, vou tentar encontrar ainda alguma coisa onde discordarmos :)

    Se me convidares para jantar em tua casa é esperado, pelas regras da boa educação (a moral) que eu depois retribua o convite. No entanto, não se pode dizer que é eticamente ilegítimo que não retribua o convite porque, eticamente, quando vamos ao fundo e aos porquês da moral, temos de reconhecer que tenho o direito de não te convidar. Podes ficar a pensar mal de mim, pode muita gente achar que sou sovina, mas tenho esse direito.

    O que faz o homem que ouve o violinista, ou que saca o mp3 da Beyonce, é deste género mas ainda menos grave porque nem sequer consome recursos ao artista. Se vou jantar a tua casa como, bebo e causo despesa. O tipo sentado no banco ou o miúdo a ouvir o mp3 não estão a prejudicar ninguém. Eticamente, não há qualquer dever ou obrigação de retribuir este bem, ainda por cima tendo em conta que o seu usufruto não tem qualquer impacto no produtor desse bem.

    Quando escreves «Mas isto não implica que seja legítimo parasitarmos o trabalho de alguém», a ideia que nos vem à mente é a do pulgão a sugar a seiva ou do tipo que vai comer a casa de conhecidos e nunca retribui. Mas a situação que estamos a considerar é um "parasitismo" como o de parares à sombra de uma árvore sem pagares a quem a plantou, ou usares o html sem mandares sequer um postal de obrigado ao Tim Berners-Lee. Isto não é propriamente parasitismo, porque o parasitismo implica um prejuízo para o hospedeiro. Por isto ser tão inócuo acho que a obrigação moral de pagar por se descarregar mp3, filmes e afins devia ser ainda menor do que a obrigação moral de retribuir o convite para jantar.

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    1. Another twist :)

      Obviamente que há lugares onde pago a quem plantou uma árvore quando me sento à sombra dela: chamam-se jardins privados, que têm um custo de admissão.

      O resto é um argumento parecido com o seguinte: se eu assaltar uma casa, mas ninguém reparar o que é que eu roubei, cometi um crime ou não? Afinal de contas, se os donos não repararam no que foi roubado (e, consequentemente, não se queixarem), não há roubo. Por outras palavras (argumentação de quem está no 1º estágio de desenvolvimento moral de Kohlberg): se não for apanhado, não sou punido, e se não há punição, é porque o crime não aconteceu.

      Casos típicos (reais) desta argumentação: o sistema de «arredondamento» das transacções bancárias, em que nenhuma das partes se sente realmente lesada, pois estamos a falar de um cêntimo aqui, um cêntimo ali. Obviamente que estes cêntimos todos se acumulam e tornam-se em montantes chorudos. Houve roubo? A início até parece que não, porque nenhuma das partes se sentia realmente lesada.

      O argumento de que «piratear um MP3 da Beyoncé não é significativo porque a Beyoncé já faz milhões de Euros com concertos, e não é um cêntimo ou outro que faz a diferença» é tão pouco válido como quem rouba uma maçã ao Continente, sabendo perfeitamente que ninguém no Continente vai dar pela sua falta. No entanto, roubar uma maçã não deixa de ser um crime. Não é o montante que determina se é crime ou não (mas apenas influencia a sentença — um juíz pode decidir apenas berrar com o réu e mandá-lo para casa), mas sim o princípio de apropriação indevida daquilo que não é nosso.

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  20. Miguel,

    «Ou, por outras palavras, entre direitos de propriedade, qual deles vale mais: a propriedade da obra artística, ou a propriedade do dispositivo físico que implementa essa obra artística?»

    A do dispositivo físico, obviamente, porque a primeira nem faz sentido. Já viste o que era se alguém fosse mesmo proprietário de uma sequência de notas? Nem assobiá-la poderias sem autorização, tal como não podes andar na bicicleta do vizinho sem ele deixar.

    Nota que restrições aos direitos de propriedade como não torturar, não impedir os outros de dormir à noite, não espiar os outros, etc, são restrições que se justificam por esses direitos (não ser torturado, poder dormir na sua casa descansado, ter privacidade na sua casa, etc) são mais importantes do que o direito de propriedade.

    Mas o alegado direito de vender muitas cópias nem sequer é um direito, e é só isso que está em causa quando queres proibir a reprodução de representações da obra. Não aceitas que o artista diga "a canção é minha, ninguém a pode assobiar" ou "ninguém pode pensar nesta sequência de sons" ou "ninguém pode tocar isto na guitarra". Só propões que seja algo como "ninguém pode distribuir cópias porque senão não vendo tanto como gostaria de vender". Ou seja, nem sequer está em causa um direito de propriedade sobre a obra mas sim um direito ao lucro. Ora isso nem é um direito, quanto mais algo que se sobreponha aos direitos de propriedade, privacidade, expressão, etc....

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    1. Estamos conversados. Enquanto estiveres agarrado à ideia que o que conta é o dispositivo físico, será impossível mostrares qualquer interesse em proteger quem te forneceu a obra. E qualquer argumentação em defesa de uma minoria será inútil.

      Por mim tudo bem, mas há que pensar ao menos nas consequências dessa atitude, em que o gira-discos é mais importante do que o Nat King Cole: significa que, num futuro próximo, teremos casas atulhadas de gira-discos mas nada para ouvir. Essa é a consequência de considerar o gira-discos mais importante.

      Se calhar para ti é irrelevante, porque achas que a sociedade não precisa de música — porque é uma coisa abstracta que não parece «melhorar» em nada a sociedade (no sentido em que coisas como a medicina ou a agricultura são de facto úteis para melhorar uma sociedade). Mas suspeito que não é bem assim: se realmente fosse assim tão irrelevante para ti, então não te davas sequer ao trabalho de justificares o teu «direito» em te apropriares do trabalho de terceiros sem os remunerares. É justamente porque dás valor a esse trabalho, mas não estás disposto a pagar pelo usufruto desse trabalho, que entras nesta argumentação. Tu e todos os Stallmanistas — não és apenas tu sozinho, claro :)

      Olha, só por acaso o direito a ser-se remunerado justamente pelo seu trabalho faz mesmo parte da Declaração Universal dos Direitos Humanos (Art XXIII, 3.) mas isto são pormenores... porque eu confesso que já abri a possibilidade de discutir, isso sim, formas alternativas de remunerar os criadores de objectos culturais. Ao que normalmente é respondido que «isso é problema deles» — uma atitude do mais egoísta que conheço. Por acaso não é o teu caso: porque até sei que defendes uma política de remuneração dos artistas mediante cobrança de impostos, coisa que eu também concordo. Mas és das raras excepções dispostas sequer a discutir este assunto. A maioria dos Stallmanistas quer apenas assegurar que pode dispôr do trabalho de terceiros de forma gratuita e está-se literalmente nas tintas para a sobrevivência dos artistas; se morrerem todos de fome, não perdem um minuto de sono por causa disso.

      Até deixar de haver música.

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    2. Muito bem, Luís Miguel Sequeira.

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    3. "A maioria dos Stallmanistas quer apenas assegurar que pode dispôr do trabalho de terceiros de forma gratuita e está-se literalmente nas tintas para a sobrevivência dos artistas; se morrerem todos de fome, não perdem um minuto de sono por causa disso.
      Até deixar de haver música."


      Você já leu os textos do Stallman sobre como remunerar músicos? Já leu a carta aberta que ele escreveu a políticos do Brasil sobre a reforma na legislação autoral? Sabe que Stallman não considera que música deva ser livre como software? Sabe que Stallman viveu certo tempo vendendo cópias do GNU Emacs (por mais de 100 dólares cada, se não me engano)? Sabe por que motivos pessoas fazem música? (Já leu o seu próprio comentário acima dizendo que o problema dos músicos estava praticamente resolvido, e portanto pelo menos eles não vão morrer de fome?) Pelo que você escreveu, suponho que a resposta seja não para todas as perguntas.

      O principal erro de sua argumentação é supor que o sistema tradicional de copyright/direitos autorais funciona para remunerar autores, compositores e intérpretes. Para isso aparentemente nunca funcionou.

      Por exemplo, dos 25 maiores arrecadadores de "direitos autorais" sobre músicas no Brasil, apenas seis são músicos. Rateiam até dinheiro indevidamente coletado sobre obras de domínio público, obras órfãs, de autores não filiados e obras livres.

      A maior pirataria é essa: fingir defender autores, mas na verdade defender lucros enormes apenas para os editores e gravadoras. Os direitos de editores e gravadoras sobre uso de fonogramas são, isso sim, o que se poderia chamar de "apropriação indébita" do trabalho dos músicos, porque os editores ficam com a maior parte do dinheiro.

      A choradeira de alguns autores é que, se já ganhavam quase nada antes (afinal, quem é que vive de direitos autorais?), com a concorrência das cópias não autorizadas (domésticas e comerciais), recebem menos ainda. Mas não admitem enxergar que o problema principal não está nessas cópias, que até podem ajudar a divulgar suas obras. O grande problema é esse sistema plutocrático de distribuição, que dá aos editores muito dinheiro e poder, escravizando os artistas.

      Diversas formas de remuneração têm sido experimentadas, com graus de sucesso variados. Tem o Teatro Mágico, que distribui na internet suas gravações, e vive de apresentações. Tem o Cory Doctorow, autor de livros de ficção, que além de vender livros impressos os distribui na internet sob licença de cópia não-comercial. Tem inúmeros cartunistas com blogues, que vendem objetos ilustrados, livros impressos, além de receber comissões por publicidade na internet. Tem gente fazendo campanhas de financiamento coletivo para amenizar ou até cobrir custos de produção/gravação. Continuam a haver algumas encomendas de trabalhos. Há vários casos de artistas que conseguiram se tornar independentes de editoras/gravadoras, gerenciando sua própria produção.

      Para defender o sistema antigo ou sua radicalização, seria no mínimo razoável demonstrar que ele funciona bem para manter autores. Não é o que tenho visto, fora algumas exceções muito famosas.

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    4. Hudson,

      Eu confesso que uso a expressão «Stallmanista» de uma forma irónica, justamente porque a maioria dos seguidores de Stallman nem sequer sabem o que ele defende — tal como a maioria dos cristãos não sabe o que Cristo defendia, e muitos autoproclamados marxistas pouco percebem das teorias filosóficas e económicas de Marx, e aí por diante. Parece-me, pois, apropriado aplicar o mesmo raciocínio para os Stallmanistas. Mas se não achar apropriado, avise-me, que eu deixo de usara expressão.

      De resto, respondo «não» à pergunta «leu a carta aberta que ele escreveu a políticos do Brasil sobre a reforma na legislação autoral», porque de facto não a li. Às restantes respondo «sim», e até respondo mais que isso, nos tempos em que a Internet era muito pequenina, o Stallman participava nos mesmos foruns de discussão que eu. Quanto ao Cory Doctorow, ainda é mais interessante, já que estive presente em muitos debates online com ele. Admito, no entanto, que não sei tudo, e que, dado ter coisas mais importantes que fazer, não estou constantemente a seguir tudo o que eles escrevem.

      Seja como for, isto é marginal. Queria apenas dizer que concordo absolutamente consigo. O problema do modelo actual não está em assegurar os direitos dos autores em serem remunerados pelo seu trabalho; está na forma como praticamente todo o dinheiro fica na mão das editoras, das agências, das produtoras, das distribuidoras e dos lojistas, e muito pouco chega às mãos dos autores. Essa é que é, para mim, a grande questão, e a razão principal pela qual tenho uma certa relutância em defender «com unhas e dentes» o actual modelo. E como já disse várias vezes, e continuo a defender, sou contra a criminalização da pirataria e advogo a sua despenalização, porque o que se está a assistir hoje é ao ridículo de prender pessoas porque tiveram o «azar» de receber um mail com um vídeo ou uma música em anexo, quando nada podem fazer a esse respeito (pode-se apagar o mail depois, mas não antes de o receber). Isso para mim é completamente ridículo, e, sim, é deturpar o sentido da lei — nomeadamente, o princípio de que as pessoas são inocentes antes de se provar o contrário.

      Seja como for, concordo, mais uma vez, que o modelo actual remunera muito pouco os autores. Um modelo de distribuição sem recurso a intermediários — mas em que o autor pudesse ter garantia de que recebia, de facto, uma remuneração — seria muito mais justo para os autores. Mas também para o público em geral: em vez de ler um livro pagando €20, pagaria apenas €1 ou menos. Uma música seria ainda muito mais barata do que isso. Existindo já sistemas de micropagamentos que funcionam razoavelmente bem, tenho a certeza que só não há uma transição para este modelo porque as distribuidoras não querem. E esse é, a meu ver, o grande problema.

      É verdade que afirmei que os músicos são aqueles que têm o problema resolvido. Ou seja, se houver uma abolição do direito de autor, o que parece estar cada vez mais próximo, os músicos serão dos poucos artistas que não irão ser afectados. Preocupo-me mais, isso sim, com os autores literários, os realizadores de cinema e televisão (para os fotógrafos, esses, coitados, já é tarde demais), e, em certa medida, com os programadores de jogos de computador.

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    5. O que eu discordo (e já discuti isto com o Cory!) é de que existem modelos alternativos para essas classes de produtores de conteúdos. É que o Cory e amigos são excepções: são pessoas que, para além do talento enquanto autores literários, também têm um notável talento para o negócio. Isto significa que a capacidade de produção artística fica condicionada à capacidade comercial do autor. Recordo-me justamente de ter visto várias discussões em forums de compositores e fotógrafos que diziam claramente que, se tivessem talento para o negócio, seriam vendedores de automóveis. Como infelizmente não têm qualquer talento para vender os seus produtos artísticos — mas sabem que estes têm valor — dependem de uma sociedade, apreciadora de arte, de montar um sistema para eles que lhes permita serem remunerados pelo seu trabalho. Muitos afirmam que, para eles, o sistema em si não é relevante — desde que sejam remunerados, pouco se importam se é pelo método X ou Y. Também, regra geral, pouco se importam se há intermediários que ganham balúrdios às suas custas: desde que recebam aquilo que consideram uma remuneração justa, pouco lhes importa. Claro que não posso afirmar que a maioria dos artistas pense assim, mas muitos pensam assim. Posso, no entanto, repetir as palavras de artistas que se consideram profissionais: todos eles, sem excepção, são muito claros que que não fazem «arte pelo prazer da arte». Fazem-no porque querem ganhar dinheiro com isso. Um produtor de conteúdos que não queira ganhar dinheiro com a sua arte não é um «artista»... é um amador, mas não no sentido pejorativo da palavra — é como os atletas que competiam nos Jogos Olímpicos antes dos anos 90: lá por serem amadores (porque não ganhavam dinheiro a competir), não quer dizer que não fossem os melhores atletas do mundo. Mas não eram profissionais.

      Agora com certeza que podemos assumir que se os artistas não sabem como vender os seus produtos artísticos, poderão contratar quem o saiba fazer. E dei justamente o exemplo que é isso justamente que as agências de artistas em Portugal já estão a fazer: pouco se importam com as vendas de CDs e nem sequer se esforçam por abordar as editoras, porque sabem que não vão ganhar nada com isso. Em vez disso, concentram-se em vender concertos. Mais uma vez voltamos à questão de que o problema, aparentemente, já está resolvido para os músicos e compositores, mas não para as restantes pessoas.

      O Cory ganha dinheiro essencialmente a vender conferências (pode perguntar-lhe :) ) — o que ele ganha com os livros impressos é pouco relevante. Ajuda a comprar mais um carro ou a renovar a casa, mas o negócio dele é ser conferencista. (O Stallman, para além de vender conferências, também é professor académico.) Mas nem todos os autores literários têm jeito ou habilidade para serem oradores; por isso, mesmo que as agências de autores literários estivessem dispostas a passar a vender conferências, não o poderiam fazer para todos os autores.

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    6. Conheço muito poucos cartunistas, e mesmo de entre aqueles que têm sites organizados com publicidade e venda de livros impressos com qualidade, os que conheço não são «profissionais» — têm outros empregos para sustentarem a sua arte. Isto significa que, fora uns poucos (que não conheço pessoalmente!), a maioria dos web comics não são uma fonte de receitas que permita sustentar o cartunista. Falo apenas dos que conheço; podem haver muitos que desconheço e que sobrevivem, mas não posso especular sobre eles. Esta situação não é muito diferente para os autores literários portugueses: até recentemente, só havia um autor profissional, o José Saramago, que era o único que vivia exclusivamente do seu trabalho como autor literário. Todos os outros, sem excepção, têm um emprego. Resultado: como não há autores profissionais portugueses, a literatura portuguesa é uma porcaria generalizada. Esta regra é praticamente universal — é que um profissional, seja em que área for, vai ter de trabalhar 8 a 10 horas por dia na sua área. Um autor amador, que tem de fritar hambúrgueres durante o dia para poder escrevinhar umas coisas à noite, nunca conseguirá atingir o ritmo de trabalho de um profissional. Pode ter muito «talento» mas não terá técnica; e, sem essa, não terá grande resultado.

      Mas enfim, divago. O ponto essencial que queria dizer é que concordo consigo. O esforço que se está a fazer para acabar com o direito de autor devia ser concentrado em «acabar» com as editoras, distribuidoras, agências, etc. que são intermediários demasiado «gulosos», deixando apenas umas migalhas para os autores. Isso é injusto. Mas ao acabar com o direito de autor para acabar com as distribuidoras, acaba-se também com os autores. Esse é o problema que eu tenho com esta visão redutora.

      Uma analogia: imagine-se que, sabendo-se dos escândalos envolvendo as farmacêuticas (que cada vez são mais), se proibiam os médicos de exercer a sua profissão. Proibindo a medicina, as farmacêuticas deixavam de existir, e acabavam-se os escândalos e a corrupção. Mas também deixávamos de ter médicos e morríamos todos doentes. Está-se a usar o mesmo argumento para acabar com as distribuidoras, acabando com os autores.

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  21. Disclaimer (porque já me perguntaram isto uma vez): não, não sou um autor profissional :) Por acaso até já recebi, dos poucos livros que publiquei desde 1999, um total de aproximadamente cem Euros :-) Se quisesse defender com unhas e dentes o modelo actual, e quisesse viver da autoria do meu trabalho, já teria morrido de fome há muito tempo :-) Por isso é que concordo tanto com o Hudson: o modelo actual não serve para os autores.

    Mas não quer isso dizer que se deva abolir o direito de autor; deve-se é mudar a forma como funciona...

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  22. Base monetária (moeda e notas em circulação, mais depósitos no banco central) versus agregado monetário M2 para os Estados Unidos. O Banco Central apenas controla o primeiro, pelo que um desvio entre os dois indicadores sinaliza (ou pode sinalizar) a incapacidade da autoridade monetária de manter tracção à economia real.

    direitos civilizacionais em colapso

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  23. Luís,

    Vejo que concordamos em muitas coisas.

    Seria este o ponto de desacordo?
    "O que eu discordo (e já discuti isto com o Cory!) é de que existem modelos alternativos para essas classes de produtores de conteúdos."

    A partir dos aspectos em que concordamos, não existem modelos alternativos porque não existe modelo nenhum de profissionalização de autores em tempo integral, excluídas as exceções dos famosos.

    É por isso que a "defesa dos direitos autorais" em "benefício dos autores" geralmente não é mais que uma falácia. Os "direitos morais" da Convenção de Berna são especialmente adequados para se defender a exploração de autores.

    É por isso que não vejo nenhum sentido em rejeitar as "alternativas" propostas em favor de um modelo que concordamos não funcionar, mesmo para os autores de livros. Essas "alternativas" podem ser importantes complementos e suplementos de renda, já que a profissionalização de alguém como autor em tempo integral raramente é viável.

    É também por isso que não vejo razão para se proibir as pessoas de compartilharem, sem fins de lucro, cópias de obras publicadas. Nunca vi uma correlação causal fundamentada entre compartilhamento de arquivos e prejuízo para autores, muito menos entre não-compartilhamento e lucro para autores. Quem compartilha tem até mais chances de ganhar a simpatia do público destes tempos modernos...

    Outro Tim, o O'Reilly, escritor e editor, tem um texto interessante sobre como a chamada "pirataria" é benéfica para os autores, especialmente os que não são famosos:
    Piracy is Progressive Taxation, and Other Thoughts on the Evolution of Online Distribution


    P.S.: Não sei se posso ser considerado um "stallmanista" (nunca tinha visto essa palavra antes). Admiro imensamente o RMS, mas tenho uns dois ou três softwares não-livres em meu computador. Em compensação, não uso telefone móvel e meu editor de textos predileto é o GNU Emacs. Concordo com Richard Stallman em muitos pontos, e, muito a contragosto, sou obrigado a concordar com ele também sobre a não necessidade de obras artísticas serem livres como software. Assim como ele, acho justo que se permita compartilhar cópias literais sem fins lucrativos de obras publicadas. Aliás, a palavra "stallmanista" é bem simpática: lembra-me "humanista", e está associada à defesa do software livre e das liberdades civis em geral, especialmente no contexto das tecnologias digitais. Penso ser injusto com RMS usar a palavra em tom irônico e pejorativo, pois pode associá-lo a posições que ele próprio rejeita. Talvez você consiga encontrar uma outra palavra, cuja sonoridade seja antipática...

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    1. Estou de acordo num ponto: também ainda não encontrei nenhum estudo que demonstrasse claramente que os autores são directamente prejudicados pela distribuição gratuita das suas obras. Só apanho na Internet estudos que mostram que as editoras e distribuidoras são afectadas; e estas, obviamente, alteram os contratos para com os seus autores por causa disso, pagando-lhes menos e menos para suportarem a ausência de lucros devido à pirataria.

      Por exemplo, é comum em Portugal só começarem a pagar direitos de autor (por muito pouco que sejam) quando o nº de vendas atinge um limite, que é o limite que cobre os custos de produção. Com menos vendas, que são alegadas estarem directamente relacionadas com o momento em que o mercado está saturado com cópias ilegais, as editoras pagam menos direitos — digamos que ao fim de X vendas de CDs, já houve tanta pirataria que todos os potenciais compradores de uma obra musical foram esgotados: o mercado ficou saturado. Se X foi suficiente para cobrir os custos de produção, o artista é pago. Senão, não é. Um artista «famoso» poderá negociar um contrato em que recebe o pagamento à cabeça e o risco fica do lado da editora. Um artista «desconhecido» não consegue negociar um contrato semelhante.

      Usei a palavra «alegadamente» porque há outras razões para não haver mais vendas, e não é apenas a pirataria que é um factor determinante. Por exemplo, a crise pode reduzir o número de vendas, porque há menor disponibilidade de compra (e quem não tem dinheiro para comprar um CD, pode sempre depois pirateá-lo, mais cedo ou mais tarde...). Ou, pura e simplesmente, a música não presta para nada, não tem valor comercial. Mas do ponto de vista do autor, este não recebe nenhuma justificação para não ser pago ou ser muito mal pago.

      É verdade que só os famosos é que ganham dinheiro. Mas isso é normal: como disse, a produção artística é um bem muito escasso, porque há poucos artistas que se tornam famosos. Lá porque alguém se «intitule» artista, não quer dizer que efectivamente o seja: o mercado é que acaba por decidir o que é que vale dinheiro e o que não vale, e até tem pouco a ver com a qualidade do trabalho. Não quero entrar na discussão de que «há autores amadores que são melhores do que os profissionais» porque isso é passar a discussão do «profissionalismo» para a «qualidade». O que se pode afirmar com bastante certeza é que há uma correlação forte: quanto mais profissional for um artista (quanto mais horas se dedicar diariamente à sua arte), maior a probabilidade de ter boa qualidade. Mas são apenas probabilidades, não são certezas; há bons artistas com menos horas de trabalho (e que podem, pois, ter outro emprego), e há péssimos artistas que trabalham pouco mas vendem muito porque têm um misto de sorte, talento, e boa promoção (ex. filhos de actores ou artistas famosos tendem a conseguir vender bem porque têm uma «ajuda» dos pais na elaboração do contrato e na promoção da sua obra).

      Isto só para dizer que, para mim, são questões acessórias ao princípio de base (o direito ao autor de determinar como é remunerado pelos serviços que presta), mas que aceito como sendo legítimas para questionar se o actual modelo é justo mesmo para os próprios autores. E aqui sou forçado a admitir, perante os factos, que não é muito justo. Que é um bom modelo para as editoras e distribuidoras, isso penso que ninguém questiona. Que os autores ganham pouco com o actual modelo, excepto nalguns casos (veja-se o exemplo da JK Rowling, que do mais puro anonimato se tornou na mulher mais rica do Reino Unido e uma das mais ricas da Europa — apenas porque escreve bem!), parece-me ser bastante consensual.

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  24. Miguel,

    Não sei se sou eu que já não consigo escrever se és tu que estás a deturpar o que eu escrevo :)

    Vamos por passinhos. Primeiro, eu defendo que podes ser proprietário de algo individualizável, como uma certa hora do teu tempo a fazer certo trabalho, um papel com o número 23 escrito ou uma pauta onde escreveste uma sequência de notas. Mas defendo que não podes ser proprietário de classes abstractas como a de qualquer trabalho que dure uma hora, o número 23 em qualquer das suas representações ou uma sequência de notas seja gravada, cantada, assobiada ou pensada.

    Se discordas disto e achas que categorias abstractas são passíveis de ser propriedade, então discutimos essa parte antes do resto. Espero, no entanto, que não defendas tal absurdo, e passo adiante.

    Uma vez de acordo quanto ao primeiro ponto, tens de aceitar esta consequênia importante: o monopólio da cópia pode ser propriedade no sentido de que pode ser vendido e passar para outro dono (do músico para a discográfica, por exemplo) mas não assenta em qualquer direito de propriedade sobre entidades abstractas como histórias, músicas, etc. Direitos de propriedade aplicam-se apenas a objectos físicos.

    Isto não tem nada que ver com valor ou importância nem implica que «o gira-discos é mais importante do que o Nat King Cole». Por exemplo, parece-me que o amor dos meus filhos é muito mais importante do que a minha mobília e, no entanto, só tenho direitos de propriedade sobre a mobília. Isto também é uma deturpação:

    «Se calhar para ti é irrelevante, porque achas que a sociedade não precisa de música — porque é uma coisa abstracta que não parece «melhorar» em nada a sociedade »

    Eu considero que a matemática, a ética e o pensamento crítico são fundamentais para a sociedade. Mas também acho -- e não me parece contraditório -- que ninguém tem direitos de propriedade sobre estas coisas.

    Este é o primeiro ponto que tens de perceber antes de podermos avançar: o que defendo é que não há direitos de propriedade sobre "a obra" enquanto categoria de textos, músicas, etc. Mas isto não implica essas coisas de que insistes acusar-me.

    Uma vez ultrapassado esse obstáculo, a justificação para proibir a cópia será apenas a de dar mais rendimentos ao autor, na premissa de que quanto mais se proíbe mais ele vende. Mas essa justificação é inadequada. Todos temos direito a ser justamente remunerados pelo nosso trabalho, mas garantir a remuneração dos cozinheiros proibindo as pessoas de cozinhar em casa seria extremamente injusto.

    Finalmente, isto «num futuro próximo, teremos casas atulhadas de gira-discos mas nada para ouvir» parece-me um enorme disparate. A cópia generalizada está a levar os vendedores de cópias à falência, concordo, mas os autores não precisam ser vendedores de cópias. Imagina que o Tim quer 50.000€ para compôr uma música. Basta que 5.000 fãs estejam dispostos a pagar-lhe 10€ cada um, em média, pela música nova que está o negócio fechado. Nem precisa de se preocupar com a cópia.

    Foi isso que fez o Simon Klose. Pediu $25,000 para fazer um documentário e deram-lhe $51,424. Agora distribui o filme por torrent e até fica contente com a cópia porque, sem isso, não conseguia distribuir o filme sem custos.

    O sistema vigente em que se cria um monopólio legal interferindo na vida das pessoas -- nos seus direitos de expressão, privacidade e até de propriedade -- é desnecessário e, mesmo que fosse necessário para os artistas ganharem dinheiro não seria admissível porque isso não é uma forma justa de ganhar dinheiro. Todos têm direito a uma remuneração justa, não a abusar de terceiros só para ter mais lucro.

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    1. Ludwig

      O teu modelo falha a partir do momento em que os 5 mil fãs do Tim perceberem que são uns tansos e que estão a pagar para outros poderem copiar de borla. Se deixarem de ser otários, racionalmente esperam que alguém pague para depois copiarem de borla. No limite, acaba-se a música porque o Tim tem de comer, ninguém lhe compra a música e dedica-se a outra profissão. Lá se vai a música que os fãs gostavam tanto e o Luís Miguel Sequeira tem razão.

      Já agora, um último reparo: não há abuso de terceiros neste negócio. O Tim só compõe se quiser, não é obrigado a estabelecer contratos com ninguém nem os consumidores são obrigados a comprar o que quer que seja.

      Sobre o conceito de "remuneração justa" e "formas justas de ganhar dinheiro" haveria muito para dizer, mas já é madrugada e o meu dia começa daqui a 5 horas.

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    2. Ludwig,

      Não sei porque é que não tenho qualquer problema em entender o António Parente mas não percebo, de forma alguma, nas tuas palavras, como é que justificas que o trabalho de uma pessoa não tem valor se essa pessoa tem o azar de produzir bens não tangíveis.

      O resto é semântica. Poderia resumir isto da seguinte forma: na tua ideologia, não pode haver propriedade sobre bens não tangíveis (porque a tua filosofia assenta na noção de que as coisas não tangíveis não «existem» do ponto de vista material).

      Só por azar temos uma enorme economia de bens não tangíveis, e mesmo que a maioria dê pouca importância a coisas como «filosofia», já o mesmo não se passa em relação a «histórias» ou «música», em que claramente o facto de não serem tangíveis não as impede, de todo, de serem objectos desejáveis ao ponto de haver gente disposta a pagar por elas.

      De notar também que estou de acordo que não se fale de «direitos de propriedade» sobre bens não tangíveis. Por isso é que, no caso das obras artísticas, se fala de direitos de autor. Mas há outros bens não tangíveis que são comercializados de forma diferente e seguem outras leis. Por exemplo, o passe de um futebolista, que representa um potencial de que esse futebolista dê um bom espectáculo, é transaccionável e dá ao seu proprietário a garantia de que o futebolista só joga onde ele quiser. Mas não podemos dizer que se aplica o direito de propriedade sobre esse futebolista (em democracia é proibido ser-se dono de seres humanos!). É um direito diferente — o direito de poder determinar, mediante um contrato com que ambas as partes concordam, como e onde é que o futebolista joga. Poder-se-ia argumentar que a liberdade de escolha de trabalho (que é um princípio fundamental!) é lesionada desta forma, mas isso não é verdade, no momento em que o futebolista está de acordo em que não considera os seus direitos como estando a ser violados de forma alguma, mas, pelo contrário, encara o sistema de passes como uma forma do seu trabalho ser protegido.

      Podia dar mais exemplos assim, como o do mediador de uma casa que adquire o direito de a vender em exclusividade. Esse «direito» não é tangível; o mediador não fica com a casa (não obtém a sua propriedade), mas sim com uma ideia abstracta, que, no entanto, lhe concede o direito a impedir que o dono da casa a venda sem que o mediador saiba. Mas há triliões de exemplos assim. O direito de autor até é um dos piores exemplos de bens não tangíveis que são transaccionáveis; há inúmeros!

      Nas palavras de dois artistas que consultei em tempos (ambos não se conheciam mas usaram palavras semelhantes): «No dia em que me proibirem o direito de cobrar pelas minhas obras, deixo de produzir obras artísticas, excepto para mim. Não trabalho de borla para ninguém; a minha capacidade artística satisfaz-me apenas a mim, por si só. Se querem partilhar da minha obra, pagam por ela. Se não quiserem pagar por ela, não a partilho.» É esta a premissa base para afirmar, com alguma segurança, que a abolição dos direitos de autor sem a sua substituição por outro modelo de remuneração do autor implica, a médio-longo prazo, o fim dos objectos culturais com relevância.

      Não estou a dizer de forma alguma que não hajam outros modelos, embora concorde com o António que a maioria das pessoas não está disponível para pagar voluntariamente por uma obra artística, se a pode piratear de borla. Vai ler o Kohlberg para perceberes porquê.

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    3. O que não entendo, Luís, é sua insistência em dizer que o Ludwig quer abolir os direitos autorais.

      Pelo que entendo, Ludwig apenas ressalta o quão artificiais são esses direitos, para dizer que não há legitimidade absoluta sobre eles. Se os direitos autorais fossem "naturais", eles seriam eternos (como defendem alguns), não seriam concessões de exclusividade temporárias (por mais longas que sejam essas concessões).

      Por exemplo, o "compartilhamento" da obra é muito problemático. Por exemplo, músicas tocadas em casa (ambiente doméstico, nenhum fim de lucro). Se for uma gravação (por exemplo, um CD), supostamente (na cabeça dos artistas citados), alguém deve pagar pela cópia da gravação. Mas e se for música feita ao vivo? Eu conheço várias músicas das quais nunca ouvi nenhuma gravação, conheço-as apenas por tê-las ouvido de outras pessoas. Se eu fizer uma gravação caseira dessas músicas em família, devo pagar ao autor, que tem direito "exclusivo" de uso e cópia? Posso passar uma cópia dessa minha gravação caseira a meus parentes e amigos? Por fita cassete? Por e-mail? A distinção é extremamente artificial, e nem tem a ver com valor artístico ou «capacidade artística», até porque fazer música numa roda de amigos pode ser muito mais interessante do que ouvir gravações. E, com a "internetização" de tudo, a distinção entre atividades domésticas corriqueiras entrará cada vez mais em conflito com os tradicionais direitos de reprodução.

      Então, o direito autoral não pode de maneira nenhuma ser pensado apenas do ponto de vista dos autores e editores, mas também do público em geral. Senão, o direito autoral servirá principalmente para disseminar avareza.



      Sobre o financiamento coletivo, alerto que há numerosos modelos, sendo que em muitos casos são oferecidas vantagens a quem faz colaborações.

      É bem possível que «a maioria das pessoas não está disponível para pagar voluntariamente por uma obra artística, se a pode piratear de borla», e isso apenas ressalta um argumento do Ludwig: aquele de que o custo de reprodução (virtualmente nulo) é extremamente importante na discussão dos direitos de cópia. Mas não é necessário que a maioria das pessoas pague pela reprodução. Basta apenas que um número suficiente de pessoas interessadas pague pela produção.

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    4. O argumento de que o direito de autor é «artificial» parece dar a entender que os outros direitos não o são...

      Não existem direitos «intrínsecos», mas apenas convenções dentro de sociedades de acordo com determinadas ideias. Existem princípios éticos e morais, mais ou menos universais, mas a sua implementação em determinada sociedade numa certa época varia. Um desses princípios é o de que é proibido apropriar-se de coisas de terceiros. Numa sociedade pré-informação, a implementação deste princípio aplica-se essencialmente no direito da propriedade de bens tangíveis. Nas sociedades em que a informação é um bem comercializável, este princípio também se aplica à informação.

      Quando eu afirmo que o Ludwig quer acabar com o direito de autor, devia dizer que ele quer é essencialmente acabar com o copyright — tem razão, eu devia ser mais preciso nas minhas palavras. O copyright é essencialmente o «direito de cópia» (ou o direito de reprodução). E é claramente um direito misto: trata-se de um direito sobre um bem não tangível (uma ideia) que é comercializado de formas que podem ser tangíveis (um livro, um CD) ou não tangíveis (um concerto, uma palestra, um discurso político, uma aula). O problema do direito sobre bens não tangíveis é que, justamente, esbarram nas dificuldades de resolver as ambiguidades que refere. Mas é justamente para ultrapassar essas dificuldades que temos legislação! É essa legislação que diz o que se pode ou não fazer com as produções artísticas.

      Lamento que não consiga compreender que todo o direito é artificial. Nem sequer concordo que haja «direito mais artificial» ou «direito menos artificial». São convenções; normas, regras; acordos. Há uma noção de «direito natural» que tem a ver com as características dos seres humanos (por exemplo, os direitos à vida, à liberdade...) mas relativamente ao comércio, todo o direito é artificial. Esse argumento de que o direito de autor é artificial mas o direito de propriedade não é simplesmente não é verdade. Talvez a principal diferença esteja em que temos milénios de direito de propriedade, mas poucos séculos de direito de autor, e pelos vistos ainda hoje a noção de legislar sobre coisas abstractas continue a fazer confusão :)

      Outro exemplo: a contratualização, que é toda artificial, e que nos diz o que podemos e não contratualizar. Regra geral, desde que as partes estejam de acordo, e desde que o acordo não viole nenhuma lei, pode-se contratualizar quase tudo. Mas são regras puramente artificiais. E ninguém é «obrigado» a aceitá-las. Assim, se alguém não concordar com os termos em que ideias são disseminadas sob forma de conteúdos artísticos, não é «obrigado» a fazê-lo: pode «boicotar» determinado artista por não concordar com os termos em que ele disponibiliza a sua obra.

      E chegamos então ao ponto que, a meu ver, é o cerne da questão. O que se passa é que, pura e simplesmente, as pessoas querem ouvir música, ler livros, e ver vídeos de borla. Não querem pagar por eles, ponto final. E então inventam filosofias elaboradas para reivindicarem o «direito» a ter produtos culturais de borla. Mas «não há almoços de borla»: para «o público» ter acesso a produtos culturais sem pagar por eles, alguém tem de pagar. Pode ser o Estado (mediante arrecadação de impostos); podem ser fundações ou instituições de caridade; podem até ser pessoas em regime de crowdfunding; mas o ponto essencial é o mesmo: alguém tem de pagar pelo trabalho de terceiros. Enquanto isso não for resolvido, não há «almoço» para ninguém.

      Vou citar um conhecido meu, que é americano, conservador, e republicano. Apesar de discordar de praticamente tudo o que ele defende, tem de vez em quando uns pontos de vista interessantes. Diz ele que a solução para isto é muito simples. Há um mercado livre. Se existirem assim tantos artistas dispostos a oferecer o seu trabalho de borla, ou a encontrarem modelos alternativos para fazerem chegar o seu trabalho ao público em geral, então para quê mudar o actual sistema?

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    5. E, de facto, basta olhar para a Internet e pesquisar um pouco para ver que assim é verdade. Nos meus blogs, costumo ilustrá-los com imagens licenciadas em regime Creative Commons; nunca me faltaram imagens. Em alguns vídeos, coloco música tb. licenciada Creative Commons; o meu compositor favorito é o Kevin MacLeod. No meu computador corro praticamente só software open source, e as excepções são aplicações vendidas a muito baixo custo que têm apenas a funcionalidade essencial de que preciso; porquê pagar mais? E, na mesma medida em que me «aproveito» dos autores e artistas que me disponibilizam já tanta coisa gratuita, procuro fazer o mesmo, sabendo no entanto que pouca gente se interessa pelo que faço :) [mas estou-me a desviar do assunto]

      À medida que mais e mais artistas, autores, músicos, e programadores embarcam em modelos de distribuição sem limitação da cópia, tenho mais e mais coisas gratuitas no meu computador, pelas quais não preciso de pagar, e posso livremente copiar para os meus amigos. Ora isto não é o futuro, é o presente. Por exemplo, gosto muito dos Nine Inch Nails, mas não estou disposto a pagar pela música deles, porque não ouço assim tanta música; mas os NiN têm dois álbuns licenciados em modelo Creative Commons, que imediatamente descarreguei. Para mim é o que chega. Noutros casos, obtive música cujos autores não exigiam nada, mas aceitavam donativos; mandei-lhes um donativo simbólico. O mesmo para muitas pequenas aplicações informáticas que tenho vindo a adquirir — se eles são generosos com o seu trabalho, oferecendo-o a todos, eu sou generoso com eles também.

      Qual é o «mal» deste modelo? Nenhum — já que os autores têm todo o direito a licenciarem as suas obras como muito bem lhes apetecer. Se as quiserem oferecer, colocar no domínio público, ou usar uma licença Creative Commons, é lá com eles — eles é que sabem o que é melhor para eles. Eu, enquanto público, tenho uma escolha. Posso optar por aceitar os termos de uma entidade que me vende um produto com copyright, ou posso optar, em vez disso, obter um produto equivalente licenciado em Creative Commons (ou qualquer licença Open Source para o software). [E o facto destas modalidades existirem, sim, é mérito do Stallman, do Lessig, e de outros como eles]

      Ora quando a discussão chega a este ponto, normalmente os apoiantes da extinção do copyright o que vão argumentar é que não estão interessados em ouvir o Kevin MacLeod de borla; querem, isso sim, ouvir a Lady Gaga ou a Beyoncé, porque o Kevin MacLeod não tem interesse algum. Da mesma forma, querem lá saber do Linux nos seus desktops; querem correr Windows, mas não querem pagar à Microsoft. Então propõem a abolição do copyright, forçando que todos os autores e artistas e programadores sejam obrigados a fornecer tudo o que produzem de borla. De borla para eles, repare-se bem. O Ludwig não tem qualquer problema em que o Tim venda a sua música a tansos que estejam dispostos a pagar €50.000 por isso. Quer é assegurar que ele, Ludwig, assim como todos os seus amigos, possam usufruir do trabalho do Tim de borla. Que o Tim faça negócios com quem seja parvo para lhe pagar, isso é lá com ele. Desde que a música dele fique disponível gratuitamente para todo o mundo, sem restrições, o Tim pode cobrar a quem quiser o que muito bem lhe apetecer. Por outras palavras: o Tim pode cobrar dinheiro pelo seu trabalho, sim, desde que não seja ao público que o quer ouvir (e que não é tanso para lhe pagar!). Isto salvaguarda os direitos do Tim (pode andar à procura de tansos à vontade), dos tansos (têm o direito de gastar o dinheiro parvamente como muito bem entender) e do público em geral que não é tanso (que ouve a música à borla). Esta é a premissa de base.

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    6. Bom, agora vamos lá inventar uma justificação inteligente para que isto funcione bem. E a justificação é simples: proibe-se ao Tim o direito de fazer com as suas obras o que muito bem lhe apetecer. E justifica-se isso com argumentos do género: música não é tangível; a sua distribuição não custa nada (ou quase nada); as pessoas não têm o direito de impedirem outros de usufruir do seu trabalho; o público é prejudicado se tiver de pagar para ouvir música no conforto das suas casas; o que faço em minha casa só a mim me diz respeito, etc.

      Mas a questão essencial é que o Tim quer ser pago pelo seu trabalho :) Estando o número de tansos limitado (porque se este número fosse grande, até aceitaria o argumento...), o modelo imediatamente a seguir mais justo é o de pagar muito pouco pelo trabalho do Tim. Assim, quando vou ao iTunes adquirir uma música do Tim, pago €1. É bem melhor do que pagar €50.000. É infinitamente mais barato. Mas não estou a prejudicar o Tim, que recebe €1 de 50.000 pessoas, e ganha o mesmo. Agora tenho é de me sujeitar às regras que o Tim me impõe. Por pagar «apenas» €1, e não os €50.000 que a música dele vale, não posso fazer tudo o que me apetece com a música dele (a analogia para os bens tangíveis: em vez de comprar um carro por €10.000 para fazer uma viagem em férias, posso alugá-lo por €20 por um dia. Mas depois não posso fazer o que quiser com esse carro!).

      Agora, claro, tenho o direito de me recusar a sequer pagar €1 pela música do Tim nesses termos. É legítimo não querer aceitar um contrato. Tudo bem: posso ouvir a música do Kevin MacLeod, que também compõe rock da pesada, e não me cobra nada por isso, e ainda posso fazer o que quiser da música dele — meter nos meus vídeos, nas minhas apresentações, ou passar na minha discoteca ou café (se os tivesse, claro). «Ah, mas não é a mesma coisa! A música é diferente!» Pois é. Mas a escolha continua a ser minha: ou quero música do Tim, e pago por ela, ou quero música de borla, e tenho de escolher outros compositores.

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    7. Acabo com a sua citação final: Mas não é necessário que a maioria das pessoas pague pela reprodução. Basta apenas que um número suficiente de pessoas interessadas pague pela produção. Sem dúvidas. Mas relembro as palavras sábias do António Parente: esse modelo pressupõe um número inexaurível de tansos dispostos a pagar para que o Tim depois ofereça a sua música de borla a todos. Porque raio é que alguém (que não seja tanso) estaria disposto a isso? O argumento do Ludwig é, no mínimo, ingénuo — a maioria das pessoas não está minimamente interessada em pagar para que todas as outras tenham coisas à borla. Eu por acaso até sou um desses tansos (frequentemente até dou donativos a empresas que oferecem o seu software à borla, ou contribuo para a Wikipedia), mas não posso «exigir» que toda a gente seja assim generosa e tansa. Posso dar o exemplo, mas isso de nada serve para a esmagadora maioria das pessoas, que só paga por uma coisa se for obrigada a isso, por força de lei. Seria como pagar impostos voluntariamente :-)

      Daí ter apontado um de muitos sistemas alternativos possíveis para um modelo semelhante ao que propõe: que é fazer com que os donativos a artistas sejam integralmente descontáveis na matéria colectável para impostos. Isso, a meu ver, é uma solução possível, mas seria preciso averiguar a sua exequibilidade com alguns estudos financeiros. A indústria em torno do copyright movimenta centenas de milhares de milhões. Serão os Estados capazes de dar assim tantas benesses fiscais? Neste momento não sei responder a isso. Acredito que se possa fazer isto a uma escala mais pequena, e vou dar alguns exemplos: Wikipedia e Mozilla. Ambas (entre muitas outras) são fundações que aceitam donativos e emitem recibos que são, de facto, deduzíveis em impostos (pelo menos nos Estados Unidos; duvido que seja possível deduzir em Portugal um donativo feito nos Estados Unidos). Ou seja, o Tim podia constituir a «Fundação do Tim», aceitar donativos, e emitir recibos dedutíveis em IRS (por acaso em Portugal nem precisava de uma fundação, bastava uma associação cultural de relevado interesse público). E estaria resolvido o problema. Pelo menos para o Tim. Claro que a dúvida está sobre o que acontece quando todos os artistas funcionarem nesse modelo, e quando os contribuintes atingirem o limite fiscal do que podem deduzir. Significa isto que provavelmente não se sentirão encorajados a fazer mais donativos acima de um certo montante anual. E isso significa menos receita para o Tim. A pergunta, pois, à qual não sei responder, é se um modelo destes é viável economicamente para o Tim. Num mercado com relativamente poucas fundações a aceitar donativos, penso que é fazível. Se o mercado estiver saturado, não sei o que acontece. Precisava do apoio de um economista para fazer contas.

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    8. Luís Miguel,

      Finalmente discordamos imensamente! :-)
      Por isso, apesar dos esforços para ser conciso, falhei. Vai resposta longa mesmo, em várias partes.


      Primeiro, um esclarecimento sem importância: eu concordo plenamente
      que todo direito é artificial. Apenas fui específico ao me referir só
      aos direitos autorais. Não existe um direito natural de propriedade
      sobre um bem que está alugado, por exemplo. A conexão entre o dono e
      objeto é formal. Mas o artificialismo costuma ser mais evidente e
      problemático em temas como os direitos autorais.

      Sobre o Ludwig ser contra os direitos de reprodução, eu gostaria de
      ler o que ele próprio tem a dizer. Ele fez um texto novo sobre isso.

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    9. LMS,

      Você escreve em um ponto que a questão essencial é que o Tim quer ser
      pago por seu trabalho, e em outro ponto, que o cerne da questão é que
      as pessoas querem ouvir música, ler livros, e ver vídeos de borla, sem
      pagar por eles. Também lembra que, para que o público tenha acesso a
      bens culturais, alguém tem que pagar por isso.

      Há várias coisas misturadas aí.


      1º: O Tim quer ganhar pelo trabalho dele.

      Antes de tudo, está embutida na questão uma sugestão de que cópias de
      gravações feitas por terceiros, por meios e recursos próprios,
      envolveriam esforço do Tim, o que não é exato uma vez que seu trabalho
      já estava terminado.

      Ainda nessa questão estão embutidas duas perguntas diferentes. Uma é
      (1) como será possível ao Tim viver como músico profissional, e outra
      é (2) se o desejo do Tim de ser pago por cada cópia privada deve ser
      atendido.

      Acho que, à segunda questão, Richard Stallman responderia que (1) o
      público quer ter (de volta) o seu direito de copiar, que está apto a
      exercer; (2) que esse direito do público é mais importante que o
      desejo do Tim de ser pago cada vez que outra pessoa faz uma cópia de
      música dele; e que (3) o poder desejado pelo Tim é injusto.

      Isso não implica que seja correto fazer cópias com fins comerciais sem
      dividir lucros com o Tim, nem que sejam válidas formulações simplistas
      como "toda informação quer ser livre". Quanto a justificativas para se
      proibir que pessoas compartilhem cópias sem fins comerciais, a única
      que você apresentou é que "a lei atualmente é assim".

      Voltando à primeira questão, o Tim pode viver de qualquer profissão em
      que tenha êxito, incluindo a de músico. Cobrar por cópias é só um
      meio possível de obter reminueração, lucro ou renda, mas não é o
      único. Ele não é forçado a querer cobrar por toda e qualquer cópia que
      façam de suas músicas (incluindo cópias privadas sobre as quais ele
      não tem direito!), nem a impor restrições contratuais a outras pessoas
      em nome disso. Há várias maneiras de ele ser remunerado como músico
      sem impor excessivas restrições sobre outrem.

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    10. 2º: Alguém tem que pagar.

      Poder-se-ia pensar que simplesmente não há mais incentivo para
      publicar, e por causa da facilidade em se fazer cópias a cultura vai
      morrer ou já morreu, mas esse não parece ser o caso. Temos hoje mais
      publicações do que tínhamos há alguns anos atrás, e temos muitos
      produtores independentes, diferentemente de alguns anos atrás. É claro
      que produções caras continuam difíceis de se realizar, como sempre
      aconteceu.

      Antigamente, os custos de produção dos suportes físicos (e a baixa
      qualidade das cópias caseiras) podiam convencer as pessoas a pagar o
      preço dos discos e fitas. Hoje em dia já não é assim. Elas sabem
      quanto custa um CD virgem; elas freqüentemente acham demasiado altos
      os preços pedidos para acesso a uma cópia; sabem que só uma parcela
      mixuruca desse dinheiro chega aos músicos; e talvez discordem que o
      autor e o editor devam ter o monopólio de distribuição de cópias (no
      caso de quem lida com cópias contrafeitas).

      Então, não basta alguém querer cobrar, apenas porque investiu tanto
      num empreendimento. Independentemente da sua e da minha opiniões
      particulares, copiar e compartilhar obras publicadas virou hábito
      muito difundido do qual muitas pessoas não abrem mão e ao qual não
      atribuem valor comercial. Quem quer cobrar, deve oferecer mais e
      melhor, não basta sacudir um papel com a lei e dizer "não copiem sem
      me pagar".

      Qualquer editor faz estimativas de quantas cópias vai vender, e que
      tipos de retorno terá, para decidir ou não publicar e como
      publicar. Nenhum editor racional vai colocar nessa conta o número de
      cópias feitas por outrem (tal conta só é feita na elaboração de
      propaganda contra "pirataria"). A estimativa, se for feita
      racionalmente, deve prever as vendas a pessoas dispostas a pagar pelas
      cópias. Se algumas dessas pessoas compartilharem cópias, ou se algum
      concorrente entrar no mercado, isso pode afetar as vendas tanto
      positiva quanto negativamente. Pessoas que não estiverem dispostas a
      (ou não puderem) pagar o preço pelo que é oferecido simplesmente não
      vão pagar, elas não entram na conta. Seria irracional contar com a
      descendência de ovos fritos.

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    11. 3º: As pessoas querem tudo de graça.

      É verdade. Se for possível, não pagarão nem pelo ar que respiram. As pessoas também são espertas e sabem que o custo de cópias
      digitais tende a zero e que copiar não causa danos diretos a
      ninguém. Pode haver outras razões, como não concordar com a exploração
      editorial, ou ter acesso a obras esgotadas. É por isso que ninguém
      quer pagar por cópias, se não houver outros motivos para pagar.

      Mas o que ocorre é que pessoas pagam sim --e, pelo visto, vão
      continuar a pagar-- para ouvir música, ler livros e ver vídeos, mas
      não estão dispostas a fazê-lo em todos os casos em que alguém queira
      cobrar. Há pessoas dispostas a me pagar por aulas, concertos,
      arranjos, revisões técnicas e gravações (surpreendentemente, tem
      havido até pessoas dispostas a me pagar para escrever software). Mesmo
      o Tim e os Xutos (que absolutamente desconheço) --até o Caetano
      Veloso-- encontram pessoas dispostas a lhes pagar para ouvir suas
      músicas.

      No mercado, compradores buscam minimizar o preço, enquanto vendedores
      buscam maximizá-lo. Mas se as pessoas conseguem obter algo de graça,
      sem causar danos diretos a terceiros, é justo que não precisem
      pagar. Esse é o ponto contra o qual seu argumento é apenas "esta é a
      lei", tal como está (pois você percebe que os argumentos econômicos
      são frágeis). Mas sua justificativa legal coloca certos interesses
      particulares acima do interesse público.

      As pessoas são dispostas a pagar por algo em que reconheçam valor. Tal
      como escreveu o Ludwig em outro texto, quando uma pessoa paga 15€ por
      um CD, é porque para ela o CD vale mais do que o dinheiro. Tem gente
      que prefere fazer um contrato com iTunes a garimpar em redes p2p,
      porque para elas pagar é mais conveniente (por exemplo, oferece
      facilidade na busca, um padrão de qualidade, quiçá até mesmo serve
      para exibir um status de playboy moderninho!).

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    12. Mais uns dois ou três tópicos e termino por ora...

      LMS: «Se existirem assim tantos artistas dispostos a oferecer o seu
      trabalho de borla, ou a encontrarem modelos alternativos para fazerem
      chegar o seu trabalho ao público em geral, então para quê mudar o
      actual sistema?»


      Porque o atual sistema não funciona como deveria.

      Mas o maior problema é que o sistema não tem permanecido imóvel, ele
      está sendo piorado de maneira a restringir muitos direitos do público.

      Quer um exemplo? A tal proposta de taxar equipamentos que possibilitam
      cópias privadas, para remunerar autores com base em seus supostos
      "direitos". Não conheço a legislação portuguesa, mas parece-me que,
      por aí, os direitos autorais não cobrem cópias privadas (assim como
      não cobrem textos de leis e obras em domínio público em
      geral). Portanto, trata-se de um projeto para arrancar indevidament
      edireitos das pessoas, ou, mais precisamente, para extorquir dinheiro
      das pessoas.

      Outro exemplo? A extensão da duração dos direitos autorais, a redução
      de suas exceções, a elevação de DRMs ao status de leis ("code
      is law").

      Mais um exemplo? A incorporação de termos contratuais especialmente
      restritivos na venda de cópias de obras (EULAs), algo que não existia
      até algum tempo atrás. Trata-se de impor restrições à liberdade do
      público, para além do previsto na legislação autoral.

      (Há uns dois anos, eu comprei um dicionário de inglês. Ao chegar em casa,
      notei que ele vinha com um CD. As últimas páginas da versão impressa
      continham o contrato de licenciamento do CD, com as repugnantes
      restrições que são típicas de software proprietário. O contrato
      terminava dizendo que, se o cliente não concordasse com seus termos,
      deveria devolver o produto completo, incluindo o dicionário
      impresso. É, obviamente, um contrato abusivo, motivo pelo qual eu o
      ignorei prontamente. Como na época minha prioridade era um exame, não
      dediquei tempo a reclamar com os editores. Eu uso esse dicionário como
      uso qualquer outro livro impresso, e nunca encostei um dedo no
      CD.)

      De qualquer forma, a concorrência do crescente número de obras com
      acesso aberto tem ajudado a difundir novas copynorms, ou seja:
      um número cada vez maior de pessoas consideram que nem editores nem
      autores devam ter direito de impedi-las de acessar ou copiar obras
      publicadas. Até serviços comerciais como o YouTube contribuem para
      essas copynorms, fazendo com que as pessoas esperem encontrar
      praticamente qualquer obra por lá, sem ter que pagar por isso em
      dinheiro. Alguns DRMs têm sido abandonados pela imagem negativa que
      causam no publico. Tais exemplos favorecem a visão de que as leis
      deveriam ser atualizadas para se adaptar a essas práticas,
      descriminalizando-as.

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    13. Este comentário foi removido pelo autor.

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    14. (Acho que agora termino :-))

      LMS: «Mas relembro as palavras sábias do António Parente: esse
      modelo pressupõe um número inexaurível de tansos dispostos a pagar
      para que o Tim depois ofereça a sua música de borla a todos. Porque
      raio é que alguém (que não seja tanso) estaria disposto a isso? O
      argumento do Ludwig é, no mínimo, ingénuo -- a maioria das pessoas não
      está minimamente interessada em pagar para que todas as outras tenham
      coisas à borla.»


      De partida, considero essa maneira de ver as contribuições coletivas
      extremamente superficial e enganosa.

      O objetivo dos financiadores não precisa ser --e geralmente não é-- o
      de que "todas as outras [pessoas] tenham coisas de borla". É irritante
      ver opiniões de que a contribuição com iniciativas como software
      livre, Wikipédia ou outras produções "abertas" seria motivada por
      "altruísmo".

      O argumento do António consiste basicamente em rotular de maneira
      caricatural os pagantes, com intenção de ridicularizá-los. Mas isso eu
      também sei fazer: são uns tansos todos aqueles que pagam o preço dos
      ingressos para assistir o Caetano Veloso (que eu não quero assistir
      nem de graça). Já aqueles que usam cópias não autorizadas do Windows
      são praticamente tão tansos quanto os que pagam por cópias
      licenciadas.

      Pelo mesmo raciocínio, seria possível dizer que Linus Torvalds é um
      tanso, assim como os responsáveis por todas as empresas que investem
      no desenvolvimento do Linux (o kernel), que participam do consórcio
      Apache, que patrocinam a suíte de compiladores GNU etc. etc... Afinal,
      todos eles permitem que outros usem gratuitamente o produto de seus
      investimentos.

      Na verdade, é preciso ser um tanso para não perceber que as pessoas
      que fazem esses investimentos se vêem recompensadas, obtendo algo que
      elas valorizam. O fato de outras pessoas também serem beneficiadas de
      borla pode até ter para algumas delas um valor negativo, mas se elas
      investem é porque as desvantagens não superam os benefícios.

      Porém, existe um motivo racional que pode desestimular a participação
      em financiamentos coletivos: há casos em que pode ser/parecer
      vantajoso não contribuir e esperar que outros contribuam. A maior
      falácia dos tansos é supor que isso se aplique a todos os casos.

      Você próprio já apresentou a solução em outro comentário. Não há um
      modelo único de financiamento coletivo. Você já deve ter lido sobre o
      "Rational Street Performer Protocol", que propõe uma solução para
      estimular financiadores a contribuição por pessoas temem ser rotuladas
      de "tansos". Existem soluções mais simples e práticas que o RSPP. Por
      exemplo, oferecer vantagens aos financiadores (brindes, reservas,
      ingressos antecipados, edições especiais, autógrafos, e até mesmo o
      dinheiro de volta para os primeiros contribuidores, no caso de se
      superar determinada meta).

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  25. António Parente,

    Isso dos tansos é verdade para a Sony Music Entertainment. Só um tanso é que vai dar dinheiro à SME se puder obter o que eles vendem de graça. Mas não é verdade para os artistas. Nenhum fã do Tim se vai considerar tanso por dar dinheiro ao Tim para compor.

    «No limite, acaba-se a música»

    É fácil encontrar estatísticas mostrando que a venda de cópias tem caído vertiginosamente. No entanto, não encontrei ainda qualquer indicador objectivo que a criação de músicas está a cair também. Pelo contrário. Tudo o que tenho visto é que o rendimento médio dos artistas não está a ser prejudicado pela cópia generalizada (se bem que talvez esteja a ser melhor distribuido do que dantes).

    Além disso, o limite não é a música acabar. O limite, quanto muito, será a música ficar ao nível de tantas outras coisas criativas que se faz às quais não se concede monopólios, como ciência, filosofia, humor, jardinagem, penteados, moda, culinária, etc...

    «Já agora, um último reparo: não há abuso de terceiros neste negócio. O Tim só compõe se quiser, não é obrigado a estabelecer contratos com ninguém nem os consumidores são obrigados a comprar o que quer que seja.»

    Desde que não haja legislação a proibir a troca de ficheiros a milhões de pessoas só para aumentar os lucros do Tim, estou de acordo. Daí a minha insistência com o Miguel que o que oponho não é contratos entre pessoas nem transacções voluntárias. É imporem restrições a terceiros só para o lucro deles ser maior.

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    1. No caso da música, como disse, é o melhor exemplo onde existem modelos alternativos que funcionam. Aliás, tendo mesmo a achar que a música nunca devia ter saído das salas de espectáculo onde começou (no Ocidente: nas cortes e nas igrejas, passando depois para salas públicas com venda de bilhetes). Digamos que a música pediu «emprestada» o modelo das obras literárias enquanto esta era uma fonte de rendimento razoável para os artistas, mas está agora a voltar «às origens», donde se calhar nunca deveria ter saído, e com isso sobrevive.

      E sim, conheço alguns compositores que oferecem toda a sua música, vivendo ocasionalmente do modelo em que compõem para terceiros — nomeadamente, para filmes, séries de TV, e jogos de computador. No entanto, esta forma de ganhar dinheiro (e não ganham mal!) também estará ameaçada um dia em que os filmes, as séries de TV e os jogos de computador deixem de estar protegidos por copyright (porque deixará de haver incentivo para os produzir). Nos jogos de computador ainda há alguns modelos interessantes para a sua sobrevivência — nomeadamente, o modelo actual, popularizado no Facebook, em que se paga para ter «benesses» no jogo, ou os modelos dos MMORPGs por subscrição — mas ambos estão em declínio e o seu futuro é incerto.

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    2. Bom, há obviamente um modelo que coloca autores directamente em contacto com os potenciais compradores :)

      É simples. Vamos assumir o teu exemplo do Tim querer €50.000 para compôr uma música. Como ele sabe perfeitamente que a partir do momento em que venda a primeira cópia, esta vai ser infinitamente pirateada, então tem de assumir que só consegue vender uma cópia. Tudo o que precisa é de encontrar um tanso: só um. Talvez com a Internet isto seja facilitado: basta ter um site em que coloque lá uma lista das músicas disponíveis, e, logo que apareça um tanso a pagar, a música fica imediatamente disponível para toda a gente.

      Claro que os modelos de crowdsourcing também funcionam, mas requerem um maior número de tansos :) (embora cada tanso, por si só, pague menos). Ademais, os melhores exemplos de crowdsourcing (não todos, é claro) baseiam-se em bens tangíveis: os participantes obtém fortes descontos na aquisição dos bens produzidos, e recebem-nos primeiro. No caso dos bens não tangíveis facilmente pirateados, há pouco incentivo, para quem esteja no primeiro estágio de moralidade de Kohlberg (que é a maioria da população!), em querer pagar por uma coisa que vai ser oferecida de borla a terceiros.

      Aqui é que pode ser colocado o Estado a intervir. Num modelo mais socialista, podia ser o Estado a pagar os €50.000 para o Tim desbloquear a música. Assim, todos, através dos seus impostos, pagam ao Tim, mas pagam muito pouco; e todos beneficiam da música do Tim. E este é adequadamente remunerado. Num modelo mais liberal, podia-se ter o Estado a conceder um abatimento aos impostos sempre que se «financia» um artista — o que pode ser um pouco mais justo, já que não se fica com a ideia de que os impostos servem para pagar artistas de que não se gosta, obrigando, no entanto, a muito maior burocracia (mas no outro modelo, haveria naturalmente mais corrupção: quem é que decide quais são os artistas que «merecem» ser pagos e quais não? Teria de haver painéis de juris que são corruptíveis por natureza, já nem falando nos seus gostos pessoais — um juri que só goste de música clássica nunca «votará» nos Xutos).

      Isto só para dizer que há, de facto, muitos modelos «alternativos» possíveis, que remuneram justamente os autores, permitindo que as suas obras circulem livremente. Mas temos de fazer a transição primeiro para esses modelos, sob risco de que se faça a abolição primeiro dos direitos de autor, e seja depois «tarde demais» conseguir que os artistas, entretanto já na miséria, que adiram ao novo sistema.

      Se alguém conhecer o Sec. Estado da Cultura, teria imenso gosto em apresentar-lhe estas ideias e fazer uns cálculos em Excel para ver qual deles seria mais interessante do ponto de vista do Orçamento de Estado. :)

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    3. Nota: a ciência, a filosofia, o humor, a moda, e até os penteados, são protegidos (e por vezes fortemente protegidos!) pelo direito de autor. No caso da culinária não tenho a certeza, mas tenho quase a certeza que a receita, pelo menos, é protegida por direito de autor se for publicada. A jardinagem é algo que escapa ao meu conhecimento, por isso não me pronuncio :)

      O que acontece no caso da ciência e da filosofia é que a remuneração é aplicada de forma diferente; é que o direito de autor aplica-se essencialmente à protecção do trabalho (impedir o plágio), e não exactamente à remuneração. Os cientistas e filósofos são pagos pelas respectivas entidades onde trabalham — públicas ou privadas — para produzirem conteúdos protegidos por direito de autor e (no caso da ciência tecnológica) patentes (que neste caso quase sempre revertem para a entidade que os contratou). Ou seja, o que é diferente é o modelo remunerativo, não a ausência de protecção dos direitos de autor.

      Como já concordámos há uns meses atrás, eu não tenho problema nenhum em ter um Estado que contrate músicos, escultores e autores literários, lhes pague a devida remuneração, e que as suas obras sejam livremente disponibilizadas ao público, sem encargos para quem as copia. Ademais, até fico um pouco incomodado quando é o próprio Estado a aplicar o modelo de remuneração privado (tornando-se em editora/distribuidora!) para ganhar dinheiro com isso (já submeti muitos projectos culturais para pedidos de financiamento, e o Estado espera justamente compensações financeiras desse «empréstimo»!).

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    4. «Nenhum fã do Tim se vai considerar tanso por dar dinheiro ao Tim para compor.»

      Ai vai, vai. Deves conhecer muitos tansos :) mas a maioria da população não pensa assim.

      Experimenta fazer as seguintes três perguntas ao teu círculo de amigos, colegas, alunos, familiares, e toma nota das respostas:

      1. Usa a Wikipedia regularmente?
      2. Já alguma vez fez um donativo à Wikimedia Foundation?
      3. Se respondeu «sim» à pergunta anterior, quanto é que já doou, no total?

      Ficas já com as minhas respostas:

      1. Sim.
      2. Já, várias vezes.
      3. Muito menos do que custaria comprar uma enciclopédia em papel.

      Especialmente em países como Portugal, onde a avareza é uma virtude, os modelos baseados em donativos sem qualquer contrapartida (excepto o desejo altruísta de querer que os outros beneficiem...) não funcionam, ponto final. As pessoas querem algo em troca (portanto, não é verdadeira generosidade!).

      Nos EUA existe uma cultura de generosidade, mas esta é fortemente encorajada por benefícios fiscais, e as pessoas estão habituadas a doar tudo e mais alguma coisa, porque têm imediatas vantagens fiscais. É por isso que por lá até os modelos de crowdfunding para coisas abstractas, mesmo quando não hajam contrapartidas, geralmente até funcionam: os americanos são generosos culturalmente. No entanto, isto não quer dizer que sejam todos generosos. Conheço imensos casos de americanos conhecidos meus que tentaram essa via — obter donativos para fazer coisas interessantes para depois serem doadas ao público em geral — e que falharam redondamente. Na comunicação social só ouvimos falar dos casos de crowdfunding e de sistemas baseados em donativos que são um sucesso (e todos os dias há um ou outro). Ninguém fala dos milhares ou dezenas de milhares de projectos que não angariaram um tostão.

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  26. Luís,

    Sobre o copyright na moda, aconselho http://www.ted.com/talks/johanna_blakley_lessons_from_fashion_s_free_culture.html

    Não é verdade que o direito de autor seja aplicado de forma diferente na "ciência e na filosofia" [sic]. Estes autores têm exactamente o mesmo direito de autor que os outros. Não há duas leis, apenas uma e aplicada de forma igual para toda a gente.
    Aquilo a que chama de "modelo remunerativo" não existe. O modelo que existe (e que não é remunerativo) é igual também para "cientistas e filósofos" [sic] sim.
    Também não é verdade que os "cientistas e filósofos"[sic] sejam pagos pelas respectivas entidades onde trabalham para produzirem conteúdos protegidos por direito de autor.
    A maior parte dos investigadores são pagos para dar aulas, gerir projectos e fazerem trabalho administrativo, a investigação fazem-na como um extra. Os mais afortunados podem ser ser pagos para fazerem investigação e fazer ciência implica, obviamente, publicar. Mas a publicação não depende do direito de autor. Se o direito de autor não existisse, os investigadores podiam continuar a publicar.
    E tanto assim é, que muitos investigadores começam a abdicar do direito de autor (que a eles nunca lhes serviu de nada, diga-se de passagem) por considerarem que como está desenhado não só não é benéfico, como é até prejudicial ao desenvolvimento da ciência e à produção do conhecimento.

    Como já disse antes, também não é verdade que o direito de autor seja uma remuneração (apesar das sociedades de gestão colectiva gostarem muito dessa ideia).

    Repare que se o direito de autor fosse uma remuneração, então seria extremamente injusto porque o Estado estaria a dar, em nome dos cidadãos, a mesma "remuneração" ao sr. Lobo Antunes por escrever um livro que lhe pode levar um ano a produzir e a mim, quando com um click e dois segundos tiro uma fotografia com o telemóvel.

    A remuneração dos autores é aquilo que os autores ganham com a venda das suas obras ou serviços. E isto é independente do direito de autor. *Não* é o direito de autor que permite aos autores vender a sua obra. Se não houvesse direito de autor, os autores podiam continuar a vender a sua obra na mesma.

    O direito de autor é aquilo que se pode chamar de "direito negativo" porque na verdade o que o direito de autor faz é proibir todas as outras pessoas de "fruir e reproduzir" a obra. No fundo, o direito de autor é um monopólio dado pelo Estado aos detentores de direitos. É um extra que o Estado dá.
    E neste sentido é também um monopólio artificial e portanto uma distorção do mercado.
    Quando era caro e difícil fazer cópias, havia um mercado para as cópias. Hoje que qualquer pessoa pode fazer cópias, não há mercado para as cópias. Aquilo que o direito de autor faz é proibir os cidadãos de fazerem cópias de forma a criar artificialmente mercado para elas.

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