Realidade.
Numa conversa com o João Vasco, que infelizmente não pude acompanhar, o Alfredo Dinis afirmou que «a realidade [...] é em grande parte uma reconstrução feita pelas nossas estruturas cognitivas […] Além disso,a ‘realidade’ parece que é algo que “está aí”, quando a realidade é um processo. Acresce ainda que o conhecimento humano através da observação directa vai mudando regularmente. A ideia de que nos estamos a aproximar [do] conhecimento da realidade com as sucessivas teorias, não está garantida.»(1) Acrescentou também que a minha concepção de verdade implica julgar que «o universo está 'aí', à espera que o descubramos completa, objectiva e definitivamente», o que «não é, nem de longe, a única opinião de filósofos e cientistas»(2). Ainda bem, porque também não é a minha.
Por “realidade” refiro-me, admito, ao que está “lá fora”, independente da minha vontade ou percepção. Mas não ignoro a subjectividade da minha percepção. A percepção é forçosamente subjectiva porque só um sujeito a pode ter. Se pisar uma peça de Lego quando ando descalço sinto muito de subjectivo, como a vontade de dizer palavrões e de dar um ralhete aos miúdos. Mas é também razoável concluir que algo “lá fora” condicionou esta experiência. Não foi a minha dor que construiu a peça de Lego. Dizer que a realidade é construída «pelas nossas estruturas cognitivas» é confundir a percepção subjectiva com aquilo que a condiciona. É a isso que condiciona as nossas experiências que chamo realidade.
Também concordo que não temos garantias de «aproximar [o] conhecimento da realidade com as sucessivas teorias». Somos falíveis e a realidade, ao que parece, é complexa. Mas isso não inviabiliza o processo que defendo, de obter conhecimento testando hipóteses, porque não é a garantia que o motiva. É a possibilidade. Basta ser possível aproximar as nossas ideias da realidade que já vale a pena procurar o conhecimento. E não precisamos de saber tudo «completa, objectiva e definitivamente». Ainda que provisória e incompleta, uma teoria que mostre as vantagens de lavar as mãos já ajuda a prevenir doenças, mesmo que não tenhamos a derradeira cura para todos os males que houve, há ou possa haver.
O que importa é maximizar a probabilidade de cada passo nos trazer mais perto da realidade. Porque, mesmo sem garantias, é evidente que há métodos melhores do que outros. E a informação que obtemos da realidade não vem dos aspectos subjectivos da nossa experiência, por si, mas sim das restrições que esse algo “lá fora” impõe às nossas sensações e opiniões. Subjectivamente, sentimos que a Terra não se move e que é o universo todo que gira à nossa volta. Mas, pelo teste progressivo de muitas hipóteses, fomos aprendendo que essa sensação subjectiva é condicionada pelo movimento relativo e não, ao contrário do que parece, por estarmos absolutamente imóveis. A Terra parece parada porque nos movemos com ela. Há uma realidade externa à nossa percepção que nos força a rejeitar a ideia da Terra ser o centro absoluto do universo em favor da noção de movimento relativo. Mas só descobrimos esses aspectos da realidade quando colocamos, e testamos, hipóteses susceptíveis de esbarrar contra a realidade.
O Alfredo aponta estas dificuldades como justificando a sua forma de obter conhecimento, pela fé, tradição, testemunho de crentes e revelação divina. No entanto, é precisamente por sermos falíveis e pela nossa subjectividade influenciar a nossa percepção da realidade que não podemos depender de umbigologias. Não podemos tirar conclusões fiáveis acerca da realidade olhando apenas para o que sentimos. Temos de ir além dessa subjectividade. Temos de pôr o pé, mesmo arriscando pisar uma peça de Lego. E isso consegue-se testando hipóteses concretas que possam ser falsificadas se violarem as restrições que a realidade impõe.
Não é que a subjectividade seja irrelevante. Pelo contrário. Subjectivamente, a subjectividade é o mais importante. Mas não serve para obter conhecimento nem para discutir aqui. Ultimamente, choros, biberões e fraldas têm estado entre as coisas mais importantes para mim. Muito mais importantes do que o deus do Alfredo, que, mesmo que existisse, pouca diferença me faria. No entanto, isto que é subjectivamente importante para mim não é necessariamente relevante para os outros e faria pouco sentido discuti-lo aqui. A fé do Alfredo, certamente muito importante para ele, também tem pouca relevância para a questão objectiva sobre sobre a tal realidade “lá fora” que se impõe a todos: será que o universo foi criado de propósito por um deus inteligente? A forma mais fiável de responder a isso é testando empiricamente hipóteses que possam ser falsificadas. Ou seja, pela ciência. Tudo o resto é descurar o facto de que somos falíveis e muito influenciados pelos nossos preconceitos, preferências e outros aspectos subjectivos.
Não há uma realidade do crente onde certo deus existe e, ao mesmo tempo, uma realidade do descrente onde esse deus não existe. O que se comporta assim é a fantasia, não é a realidade. E para conhecer a realidade é preciso testar hipóteses contra as restrições que a realidade impõe. Tretas impossíveis de falsificar apenas reflectem as nossas preferências subjectivas sem dizer nada acerca do que está “lá fora”.
1- Comentário em Equívocos 14
2- Comentário em Treta da semana: Einstein dixit.
Ludwig,
ResponderEliminar"No entanto, isto que é subjectivamente importante para mim não é necessariamente relevantes para os outros e faria pouco sentido discuti-lo aqui"
Ó caraças, mas então porque passas uma parte da tua vida (a que te sobra dos biberões e fraldas) a achincalhar as subjectividades dos outros?
Felizmente, alguns dos teu companheiros começam a perceber que isso tem muito pouco que ver com o ser ateu.
http://www.ateismo.net/2012/05/31/odio-ateista/
Nuno,
EliminarEu não achincalho as pessoas pelos juízos que fazem na sua vida privada em matérias de valor e gosto. O que critico, troço e ridicularizo são as afirmações públicas em matérias de facto. E a confusão entre as duas -- entre o "gostaria que fosse" e o "é" -- é um dos problemas fundamentais das religiões e restantes superstições.
Ludwig,
EliminarQuais afirmações públicas em matéria de facto? É a transubstanciação da hóstia e a virgindade de Maria que te aterrorizam? Essas não fazem mal a uma mosca. Se te visse preocupado com as afirmações de certos Economistas e Financeiros que têm escangalhado a vida a milhões de pessoas invocando a sua autoridade "científica", aí tirava-te eu o chapéu.
Nuno Gaspar,
ResponderEliminarNada nesse texto do Ricardo Pinho é destinado aos posts do Ludwig. Se discordas, podemos apostar: eu conheço pessoalmente o Ricardo Pinho e posso perguntar-lhe. Tanto quanto sei, sempre gostou da abordagem do Ludwig a estas questões.
João Vasco,
EliminarO Ludwig, tal como tu, ainda não é dos piores. Mas o vosso nome está misturado naquele monte de esterqueira.
Ludwig
ResponderEliminarSe estás à espera que Deus te venha comunicar a última e definitiva versão do método científico ou a última e infalsificável (e nestes termos não científica) teoria explicativa da realidade, podes esperar sentado.
No fundo, tu enuncias aquilo que, na tua perspectiva, Deus deve ser, e depois pedes-nos evidências desse teu deus, no qual não acreditas.
Pedes um deus às bolinhas cor-de-rosa e como ninguém te consegue mostrar um deus às bolinhas cor-de-rosa dizes que Deus não existe.
Deus não é uma explicação da realidade. Deus é Amor. É nisto que um católico acredita.
Que tiro ao lado, sofrologista.
EliminarÉ o contrário: este texto é sobre a realidade e não sobre Deus. Deus surge na conversa como acessório, o ponto fundamental aqui é saber se existe uma realidade comum a todos, e se vale a pena tentar conhecê-la, na medida das nossas possibilidades.
Não, João Vasco.
EliminarO ponto fundamental é saber se, por existir uma realidade comum a todos que vale a pena conhecer, não pode existir uma realidade que depende de cada um cuja descoberta mereça ser respeitada.
Sofrologista,
Eliminar«No fundo, tu enuncias aquilo que, na tua perspectiva, Deus deve ser, e depois pedes-nos evidências desse teu deus, no qual não acreditas.»
Não. O que eu digo é que uma afirmação acerca da realidade, para merecer algum crédito, precisa, no mínimo, de ter algum contacto com a realidade e não apenas com o umbigo de quem a profere. Por isso todas as alegações baseadas na fé, tradição e afins valem zero. Se querem defender a sério a existência de um ser inteligente que criou o universo procurem algo mais objectivo que nos leve a essa hipótese. Sem isso é tudo fadas, duendes, Pai Natal e astrologia.
«não pode existir uma realidade que depende de cada um cuja descoberta mereça ser respeitada»
EliminarO que é que isso quer dizer? Quer dizer que se eu descubro uma realidade minha na qual não há deuses tu tens a obrigação de me respeitar e nunca mais cá vir comentar nada que sugira o contrário? Ou essa do respeito só funciona para um lado?
Nuno Gaspar,
EliminarEu não falo daquele que é o ponto fundamental para ti, mas sim daquele que é o ponto fundamental do texto.
Sobre a questão das «realidades de cada um» falei sobre isso neste comentário abaixo: http://ktreta.blogspot.com/2012/06/realidade.html?showComment=1338739548927#c939319215140826488
João Vasco
EliminarDizes: "o ponto fundamental aqui é saber se existe uma realidade comum a todos, e se vale a pena tentar conhecê-la, na medida das nossas possibilidades"
Estou perfeitamente de acordo contigo. Eu e o Papa (que tem feito sucessivas intervenções chave nesse sentido).
Ludwig
Eliminar"Deus é amor" permite esclarecer aspectos da realidade do dia a dia de cada um de nós. E contém indícios que fundamentam a hipótese de sermos um projecto e não uma simples amálgama de átomos sem sentido.
Este comentário foi removido pelo autor.
Eliminar«Estou perfeitamente de acordo contigo. Eu e o Papa (que tem feito sucessivas intervenções chave nesse sentido).»
EliminarSim, é verdade.
Tendo em conta a posição do Papa nesta matéria (defender que só existe uma realidade), ainda mais estranha é a posição do Alfredo Dinis e do Nuno Gaspar a este respeito.
"Quer dizer que se eu descubro uma realidade minha na qual não há deuses tu tens a obrigação de me respeitar e nunca mais cá vir comentar nada que sugira o contrário?"
EliminarParabéns, Ludwig. É exactamente isso que quer dizer. Se para afirmares a tua realidade não precisares de chamar idiota que acredita no Pai Natal e nos gambozinhos a quem pensa diferente de ti ninguém tem nada que ver com isso. Ufa!
Ladies and gentleman...
ResponderEliminarPlease, give a warm wellcome to the One, and Only:
God-Of-The-Gaps.
May the Gap lead us the Way - Pray to the Gap.
Nuno Gaspar:
ResponderEliminarPorque é uma questão de saber o que é que de melhor podemos fazer com os dados dos sentidos. Se isso não te rala, lamento. De resto a tua pergunta vem respondida no texto com bastante clareza. Sugiro que leias outra vez.
Ludwig:
ResponderEliminarNice post.
E defacto se estas à espera que DEus te venha dizer seja o que for, estás bem tramado.
Sofrulogista CAtolico:
ResponderEliminar" Deus é Amor".
Há. Então deus existe. Não tem é nenhuma omnipotencia, nem omnipresença e é feito de ocitosina, endorfinas e neuronios. Ok. Ja acredito nesse deus.
Madre Teresa de Calcutá também tinha "ocitosina, endorfinas e neurónios" como todos nós. Mas fez coisas que poucos de nós fazem. Reduzir a realidade ao que referes é como dizer que qualquer realidade humana por mais sofisticada, espiritual ou generosa que seja são apenas átomos organizados de um certo (e inexplicável) modo.
EliminarMadre Teresa de Calcutá era uma velha sádica que negava analgésicos aos "seus" moribundo (bem como coisas luxuosas como asseio ou conforto) para que estes sentissem o "santo sofrimento de jesus" mas a velha não quis passar pelo mesmo quando precisou de cuidados de saúde. Para isso foram as melhores clínicas, os melhores médicos e as instalações mais luxuosas. Gerir um asilo podre onde morram pessoas em agonia... E por isto ela é santa...
EliminarLudwig,
ResponderEliminarUma gralha: «isto que é subjectivamente importante para mim não é necessariamente relevantes para os outros e faria pouco sentido discuti-lo aqui.»
De resto, parabéns pelo texto.
Acrescento que esta ideia peregrina de que «cada um tem a sua realidade» (por oposição a «percepção, mais ou menos equivocada, da realidade») é extremamente individualista.
A solução para o aquecimento global torna-se ignorar que existe, que ele logo desaparece. A solução para a miséria torna-se pensar mais no «Big Brother» e na «Selecção» e menos nessas questões, para tirar a miséria e a tortura do (meu) mundo. A alienação passa a ser um conceito sem sentido (aliena-se face ao quê, se é tudo igualmente real?), mas tudo aquilo que chamávamos alienante são afinal as formas mais razoáveis e eficazes de lidar com os problemas do mundo - basta acreditar que não existem e eles desaparecem.
Por fim, não há nada mais fechado do que essa mentalidade pretensamente «aberta». Se todos estão certos no seu mundo, então não existe qualquer perigo de que eu esteja equivocado; não existe qualquer razão para que valha a pena mudar de perspectiva; toda a discussão é inútil pois todos estão certos, e estar indisponível para ouvir os outros não pode levar a qualquer engano, visto que os enganos são impossíveis - na realidade de cada um, cada um está certo. E não existe outra realidade.
Curioso que uma filosofia que torna inútil toda a discussão, que pode ser usada para ignorar os melhores argumentos em defesa de uma das partes para forçar um «empate» que desencoraja a evolução das ideias (que é impossível pois estão todas certas, na realidade de quem acredita em cada uma delas) seja usada em resposta aos teus argumentos.
Há um reconhecimento implícito de que se existisse uma realidade para todos, e fosse positivo discutir para aferir as suas características (e negá-o parece-me pouco razoável pelas razões que avanças), as tuas razões teriam muita força. Pede para empatar o jogador que sente que está a perder.
PS- Recentemente tive essa discussão com dois amigos meus, ubandistas. Mal queria acreditar que não considerassem a existência de uma realidade comum a todos (independentemente no nosso acesso a ela) e fiquei impressionado que nunca tivessem considerado as implicações de ideia tão absurda. É portanto interessante recordar que já não é a primeira nem a última vez que me defronto com uma ideia que me parece tão individualista e perniciosa.
Obrigado pela gralha. Já corrigi.
EliminarQuanto a este relativismo disparatado, suspeito tratar-se mais de um truque de demagogia do que propriamente uma crença genuína. Nota que quando vem de pessoas mais sofisticadas, como o Alfredo, normalmente é apresentado como algo que "alguns filósofos" defendem ou coisa assim, para não comprometer tanto quem o defende. Excepto, é claro, entre os pos-modernistas e afins. Mas esses se calhar vivem mesmo numa realidade à parte ;)
Nestas coisas falta sempre alguma clareza. Mas o conceito de «heresia» também não ajuda. Com um Papa que rejeita o relativismo, andar a defender essas ideias sem contradizer explicitamente o Papa leva inevitavelmente ao obscurecer da posição do próprio.
EliminarCaro Ludwig,
ResponderEliminarObrigado por este teu texto.
Fico sempre impressionado com a facilidade com que recorres desproblematicamente a conceitos, como o de ‘verdade’ e ‘realidade’. Como já afirmei em outras ocasiões, se se partir da hipótese de que Deus tem que ser uma entidade ou um processo do universo de tal modo que possa ser objecto de uma hipótese cientificamente testável, é evidente que estamos a partir de uma premissa que já tem em si a conclusão de que Deus é uma fantasia. Por outro lado, é evidente que a hipótese da existência de Deus poderá ser comprovada, no caso de Deus existir, após a morte de cada ser humano. Fico sempre com curiosidade em saber o que responderão os não crentes quando, se acontecer que se encontrem diante de Deus após a morte, Deus lhes perguntar porque razão não acreditaram nele. Há para já uma mesma resposta que Bertrand Russell e John Searle deixaram dita (cá!): “Vossa Divindade não nos deu suficiente evidência empírica!”, seja o que for que isso signifique, acrescento eu!
Confronto a seguir algumas afirmações do Ludwig com as de Damásio e Hawking. O Ludwig dir-me-á provavelmente que está de acordo com as afirmações de ambos, mas às vezes não parece.
Ludwig: “a informação que obtemos da realidade não vem dos aspectos subjectivos da nossa experiência, por si, mas sim das restrições que esse algo “lá fora” impõe às nossas sensações e opiniões…. a subjectividade é o mais importante. Mas não serve para obter conhecimento…
Damásio: “There is no picture of the object being transferred from the object to the retina and from the retina to the brain. There is, rather, a set of correspondences between physical characteristics of the object and modes of reaction of the organism according to which an internally generated image is constructed. And since you and I are similar enough biologically to construct a similar enough image of the same thing, we can accept without protest the conventional idea that we have formed the picture of some particular thing. But we did not.” (A. Damasio, The Feelings of What Happens, Vintage, 2000, pp. 320-1.)
Quanto à falsificação de hipóteses, pergunto ao Ludwig qual lhe parece ser a maneira de tentar falsificar a hipótese científica da existência de um número infinito de universos.
Saudações,
Alfredo
Ludwig: “Não há uma realidade do crente onde certo deus existe e, ao mesmo tempo, uma realidade do descrente onde esse deus não existe. O que se comporta assim é a fantasia, não é a realidade.”
Hawking: “In order to talk about the nature of the universe and to discuss questions such as whether it has a beginning or an end, you have to be clear about what a scientific theory is. I shall take the simpleminded view that a theory is just a model of the universe, or a restricted part of it, and a set of rules that relate quantities in the model to observations that we make. It exists only in our minds and does not have any other reality (WHATEVER THAT MIGHT MEAN)… Any physical there is always provisional, in the sense that it is only a hypothesis: you can never prove it.”Stephen Hawking - A Brief History of Time, Bantam Book, 1997, p. 10.
Quanto à falsificação de hipóteses, pergunto ao Ludwig qual lhe parece ser a maneira de tentar falsificar a hipótese científica da existência de um número infinito de universos.
Saudações,
Alfredo
«Como já afirmei em outras ocasiões, se se partir da hipótese de que Deus tem que ser uma entidade ou um processo do universo de tal modo que possa ser objecto de uma hipótese cientificamente testável, é evidente que estamos a partir de uma premissa que já tem em si a conclusão de que Deus é uma fantasia.»
EliminarPelo contrário.
Seria conceptualmente possível que Deus existisse, e fosse cientificamente testável, caso em o teste daria uma boa razão para acreditar na sua existência.
Também seria possível que Deus existisse e fosse cientificamente intestável, caso em que não teríamos nenhuma boa razão para acreditar na sua existência. Esse seria um universo que induziria ao equívoco.
(Como um universo onde todos os corpos se deslocassem aleatoriamente, mas por uma enorme coincidência tinham-se deslocado precisamente como se deslocaram os corpos neste universo, simulando leis físicas inexistentes. Não podemos negar em definitivo que estamos num universo dado ao equívoco como o mencionado, podemos é considerá-lo muito improvável pela Lei da máxima verosimilhança).
O que não é sequer conceptualmente possível é que existam boas razões para acreditar em Deus, mas não sejam científicas. E provo-o:
Uma crença justificada é conhecimento, portanto se existissem boas razões para acreditar em Deus, elas permitiriam aumentar o conhecimento (saber que Deus existe).
Mas Ciência é precisamente aquilo que permite aumentar o conhecimento, pelo que essas razões seriam consequentemente científicas.
Ui, ui, agora temos filosofia ;)
ResponderEliminarPessoalmente eu sigo a linha do Damásio (que não é original; é apenas o produto de muita reflexão ao longo de vinte e seis séculos sobre a natureza da realidade; o Damásio é apenas muito bom a descrever o resultado num simples parágrafo). Ressalvo as palavras set of correspondences e ... the conventional idea....
Posto noutras palavras:
- Não há nada "lá fora". Mas também não se pode afirmar que tudo se passe apenas nas nossas mentes (solipsimo). Em vez disso, há uma relação entre aquilo que nos aparece como sendo exterior e aquilo que nos surge como imagem na mente.
- Dado que somos biologicamente semelhantes, essa relação produz imagens suficientemente semelhantes para podermos concluir que estamos a falar da mesma coisa :)
- Nesse sentido, aquilo a que chamamos de "realidade" (e não interessa se é um cientista, um filósofo ou um crente a afirmá-lo; também não depende da época, da cultura, ou da religião/filosofia professada) é sempre convencional. Um exemplo típico: não há "florestas"; convencionamos é que um conjunto de árvores seja chamado de "floresta". Mas também não há árvores: convencionamos é que um conjunto de raízes, tronco, ramos, folhas, etc. seja chamado de "árvore". E assim por diante até às partículas mais pequenas que podemos apreender (e convencionalmente discutir)
Agora o importante aqui é o ponto do "convencional" e do funcionamento biológico "semelhante". Um povo que viva no deserto e nunca tenha visto uma árvore não tem nenhuma convenção para designar uma árvore. Para este povo, não existem árvores; está para além da sua experiência. Eventualmente até podem discutir o que é uma árvore, mas apenas de um ponto de vista puramente intelectual — analisando filmes, fotografias, relatos de pessoas que viram árvores, etc. Mas não têm uma experiência empírica do que é uma árvore. Por contraste, quem viva num meio onde existem árvores, uma vez aprendido a convenção de as designar como tal, nunca mais se "confunde" com a experiência: experimenta todas as árvores, as presentes, futuras e mesmo as passadas (na sua memória), que não sabia serem árvores, como estando irremediavelmente interligadas com a imagem mental de uma árvore. Não haverão mais dúvidas. Uma vez tendo a experiência de uma árvore, não há como a demover. Se amanhã alguém lhe disser que nunca existiram árvores e que são todas ilusões, rir-se-á na cara dessa pessoa, porque tem essa experiência inabalável do que é uma árvore.
Neste sentido, não se pode dizer que a realidade convencional é um disparate, uma alegoria, ou um discurso filosófico. Mesmo que seja apenas convencional, não é menos «forte» por causa disso. A experiência desta realidade convencional é, como disse, muito intensa, e a convicção na existência da mesma é muito forte.
Agora a pergunta que vale 64 mil dólares... então e para esse povo do deserto que nunca experimentou uma árvore (mesmo que as tenha visto na TV ou nos livros)? A realidade convencional é a mesma ou não?
A resposta é necessariamente ambígua. Para o hipotético "povo do deserto" ignorante de árvores, as árvores não fazem parte da sua experiência — logo, não fazem de facto parte da sua realidade convencional. Na prática, este argumento acaba por desaparecer porque estamos numa sociedade global à escala planetária, e sabemos perfeitamente que por mais remoto que esteja um povo, hoje em dia há maneira de viajar, e realmente ver árvores. Ao fazê-lo, um membro do tal "povo do deserto" iria imediatamente expandir o conhecimento experimental da "sua" realidade, e aproximá-la pois da realidade convencional dos restantes habitantes do planeta que já experimentaram árvores.
Então a pergunta "última" vai ser: existe uma realidade, convencional ou não, que seja acessível a todas as pessoas, independentemente da sua experiência pessoal? Aqui é que a porca torce o rabo; e é aqui que a discussão filosófica se torna mais interessante. Classicamente há duas respostas predominantes e uma muito pouco convencional. As duas respostas mais simples dividem-se essencialmente na noção de que existe um suporte material para a realidade, e mesmo que não o consigamos observar directamente, haverá uma forma qualquer de «chegar lá» através de sucessivas aproximações conceptuais. A resposta do outro extremo é que não existe absolutamente nada para além das nossas percepções mentais e portanto não há «nada a que chegar» pelo que é inútil tentar fazê-lo. Entre os dois extremos existem triliões de respostas possíveis — desde os platonismos, aos modelos de crença baseados na noção que a «realidade última» só é acessível a uns poucos, aos modelos solipsistas mais fracos ou mais fortes, e assim por diante.
ResponderEliminarE depois há a via do meio. Há uma realidade última que é experimentável por qualquer pessoa, mas não é descritível: se o fosse, seria convencional. No entanto, essa realidade última não é nem inacessível, nem é uma coisa «estranha» ou «sobrenatural» — permeia a realidade convencional e é inseparável desta. Se não fosse assim, não seria experimentável :)
Claro que agora a pergunta é: o que pode ser experimentável mas não descritível? Se nos deixarmos de filosofias baratas, podemos usar o exemplo do chocolate. Imaginem uma pessoa que nunca comeu um pedaço de chocolate na vida. Já leu sobre o assunto, já viu todos os programas de TV sobre chocolate e até tem uma ideia do aspecto que tem, da cor, etc. Já leu descrições sobre o sabor, sobre o cheiro, e do prazer que o chocolate dá a quem o come. E até já leu livros de receitas sobre como fazer chocolate. Até talvez já tenha estado em plantações de cacau e de cana de açúcar! Sabe, pois, descrever e falar do chocolate como um perito, um mestre chocolateiro de renome. No entanto, como nunca comeu nem um pedaço, não faz a menor ideia a que é que sabe.
Para essa pessoa, não irá afirmar que «o chocolate não existe». Faz, de facto, parte da sua realidade convencional, mas apenas de um ponto de vista abstracto: sabe descrever o chocolate, mas não sabe o que é a experiência do chocolate. Mas a dificuldade está, para quem tenha comido chocolate regularmente, e que conheça perfeitamente o que é (porque o experimentou!), em descrever essa experiência a quem nunca a tenha tido.
Não é com fórmulas químicas do processo de fabrico do chocolate que se vai conseguir transmitir a experiência de comer chocolate a quem não a tenha. Isso vai, com certeza, aumentar o conhecimento intelectual de quem nunca tenha provado nem um pedacinho. No entanto, é mesmo muito mais fácil dar-lhe uma tablete de chocolate para experimentar! Aí terá plena e completamente a experiência do chocolate, para além da bagagem intelectual sobre o que é o chocolate. Mais ainda: duas pessoas que tenham a experiência do chocolate conseguem perfeitamente entender-se quanto a essa experiência. Podem ser incapazes de a descrever um ao outro — e se o fizessem, essa descrição seria incompleta — mas não precisam, pois basta saberem que ambos já experimentaram o chocolate para terem a convicção inabalável dessa experiência.
Ambos irão então apenas sorrir para os livros de receitas e o processo de fabrico do chocolate, ou a sua descrição em termos de composição molecular. «É isso, mas não é bem isso.» Mas também se rirão ainda mais de quem lhes tente provar logicamente que «a experiência do chocolate não existe, porque não existe verdadeiramente chocolate, apenas uma flutuação quântica aleatória de densidades de probabilidades de partículas em determinado espaço e tempo». Ambos os extremos serão meras concepções intelectuais sobre a experiência do chocolate; ambos serão visões de uma realidade convencional de quem ou nunca teve a experiência do chocolate, ou, tendo-a, apenas a tenta descrever intelectualmente. Nenhuma se aproxima de ter, de facto, essa experiência.
ResponderEliminarComo é evidente, no nosso dia-a-dia, estamos constantemente perante experiências que temos e que não conseguimos descrever a quem não as tenha; e, vice-versa, estamos constantemente a apreender descrições de experiências que nunca tivémos e a aceitar essas experiências como se fossem "realidade". Isto acontece nas coisas mais banais (para quem não esteja convencido com o chocolate, repita o raciocínio com a palavra «orgasmo» :) )
Em todos estes casos há, no entanto, uma noção de que essas experiências são, de facto, «experimentáveis». Basta ir a um supermercado comprar uma tablete de chocolate para adquirir a experiência de saborear chocolate. Não é preciso nada de sobrenatural para isso. Obviamente que há certas experiências que são muito mais difíceis de obter que outras, mas, regra geral, há um método para as obter (ex. a experiência de se ser um atleta olímpico ou um músico virtuoso — basta muito, muito treino!).
Agora o que não podemos dizer é que a realidade convencional de um atleta de alta competição ou de um músico de orquestra seja «fantasia» só porque estes têm experiências que os comuns mortais nunca tiveram; e, pior que isso, o mero facto destes atletas e músicos não conseguirem descrever as suas experiências a quem nunca as tiveram não invalida o facto deles terem, de facto, essa experiência: qualquer atleta compreende a experiência de outro atleta, mesmo que não a consigam exprimir por palavras.
Por outro lado, isto também não invalide que se tente. Uma descrição da composição molecular do chocolate, do seu processo de fabrico, e uma listagem das sensações descritas por quem o tenha comido é uma boa aproximação. Não é a «realidade última da experiência do chocolate» mas é uma boa aproximação. Suficientemente boa, de facto, para permitir que um funcionário da Lindt ou da Regina possa trabalhar numa fábrica de chocolates, sem nunca ter experimentado nenhum (uma forma de tortura particularmente sádica, mas enfim...). Ou seja: a realidade convencional baseada em descrições é suficientemente funcional para que seja válida. Ou, por outras palavras, o critério da funcionalidade é um bom critério para aferir o interesse em determinada descrição da realidade convencional. Podem haver outros critérios, mas este pelo menos tem uma boa base de trabalho. Inversamente, uma descrição niilista ou solipsista do universo não é de todo funcional — tende a gerar indivíduos incapazes de lidarem com outros indivíduos (pois podem nem sequer estar convencidos da sua existência!) e é, do ponto de vista sociológico e psicológico, até bastante perigosa.
Agora onde termino esta longa divagação é na discussão do que vale a pena «postular» como sendo uma «realidade não acessível» no sentido de estar para além da capacidade de a experimentar. A minha tendência é perguntar, primeiro, em que sentido esse tipo de realidade é funcional. E em segundo lugar, se é descritível, é também experimentável? Se for experimentável, é descritível? É que se for as duas coisas, não passará de realidade convencional (ou de fantasia!), e, nesse caso, é inútil especular se é ou não uma realidade «absoluta».
ResponderEliminarJá não falando, claro está, do eterno problema de como ultrapassar as limitações auto-impostas das nossas percepções :) Isto faz-me sempre rir quando vejo as descrições dos peregrinos a Fátima que vêem auréolas em torno do Sol — um fenómeno metereológico comum (e não restrito a Fátima, claro!). Uma crente, recentemente entrevistada, respondeu: «Bem sei que é um fenómeno metereológico que todos vimos, mas prefiro acreditar que é um milagre divino.» As alucinações colectivas têm também imensa força :) e criam a sua própria realidade convencional. Que é diferente da realidade convencional de quem consegue ver através da ilusão da alucinação colectiva. É sempre este o problema eterno de descrever realidades para além do que é experimentável :)
E?
ResponderEliminarAlfredo,
ResponderEliminar«ico sempre impressionado com a facilidade com que recorres desproblematicamente a conceitos, como o de ‘verdade’ e ‘realidade’.»
Não me admira que cause impressão. Quando o objectivo é compreender as coisas, como em ciência, devemos ser claros e explícitos na forma como definimos os termos. Assim, se corresponderem a algum aspecto da realidade serão úteis para a descrever e, se não corresponderem, será mais fácil corrigir o que está errado. Em teologia o objectivo parece ser o contrário, de confundir e baralhar o mais possível para esconder a careca :)
«Como já afirmei em outras ocasiões, se se partir da hipótese de que Deus tem que ser uma entidade ou um processo do universo de tal modo que possa ser objecto de uma hipótese cientificamente testável, é evidente que estamos a partir de uma premissa que já tem em si a conclusão de que Deus é uma fantasia.»
E como já expliquei noutras ocasiões, o problema não está no teu deus mas nas tuas hipóteses. Considera a hipótese de que todos os homens têm tendências homossexuais mas que podem estar reprimidas no inconsciente. Esta hipótese não pode ser falsificada. Se um homem manifesta tendências homossexuais, confirma a hipótese. Se não manifesta é porque estão reprimidas, e confirma a hipótese também. Por isso, esta hipótese é uma treta. Não pela natureza da sexualidade humana não admitir hipóteses testáveis, mas porque esta hipótese em particular está mal concebida e não serve para nada.
É esse o problema com as tuas hipóteses. Se propões que existe um deus omnipotente mas que não intervém para que nunca haja indícios da sua existência, é a tua hipótese é que não faz sentido. A culpa não é desse deus, é da hipótese.
Já agora, se todas as hipóteses testáveis acerca dos deuses levam à conclusão de que os deuses considerados nessas hipóteses não existem, isso parece-me justificar concluir que não há deuses. Afinal, passa-se o mesmo com os duendes, dragões, unicórnios e afins. Não é por alguém dizer “ah, mas os meus duendes não podem ser objecto de hipóteses cientificamente testáveis” que vamos dizer tens razão, nesse caso então certamente que existem.
«Confronto a seguir algumas afirmações do Ludwig com as de Damásio e Hawking.»
Não vejo confronto nenhum. O Damásio diz que as nossas imagens mentais resultam de processos neuronais complexos e não são uma imagem fiel dos objectos. Hawking diz que nunca podemos provar definitivamente que as nossas hipóteses estão correctas. Concordo com ambos. É por isso que rejeito que a fé, a tradição e essas coisas mais subjectivas sejam uma via para obter conhecimento, e é por isso que considero que o compromisso pessoal com certas hipóteses que a crença religiosa exige é contrário à razão.
«pergunto ao Ludwig qual lhe parece ser a maneira de tentar falsificar a hipótese científica da existência de um número infinito de universos.»
ResponderEliminarIndirectamente. É como testar a hipótese de que Napoleão em tempos foi vivo. Não podemos observar Napoleão vivo, mas esta hipótese não vem isolada. Faz parte de outras acerca de registos históricos, vestígios forenses, etc. Deste conjunto muitas hipóteses podem ser testadas e se não há um conjunto alternativo plausível segundo o qual Napoleão nunca tenha vivido, temos fundamento para concluir que viveu.
Com essa hipótese dos outros universos passa-se o mesmo. Se a melhor explicação que temos para o que observamos (radioactividade, desigualdade de Bell, etc) é a mecânica quântica e se esta prevê que o nada é instável e que universos surgem espontaneamente, então justifica-se concluir que é isso que acontece. No fundo, é o que acontece já com este universo. A melhor teoria que temos para os primeiros tempos do universo é a da expansão inflaccionária do espaço-tempo. Esta implica que o universo é maior do que os treze mil milhões de anos luz que podemos observar. Se bem que nunca seja possível ver mais longe do que isto, a hipótese de que há estrelas e galáxias para além desta distância é indirectamente testável.
O problema das tuas hipóteses acerca do teu deus é que nem indirectamente podem ser testadas. Todo o conjunto de hipóteses é impossível de testar e, como tu próprio admites, sob pena de ser facilmente refutado.
Caro Ludwig,
ResponderEliminarExplica-me então claramente o que entende a ciência por 'verdade' e 'realidade'. Quanto às 'conclusões' a que a ciência chega acerca da não existência de Deus, não sei em quê ou em quem estás a pensar. Por exemplo, o que Stephen Hawking afirma sobre Deus, com base nas suas teorias acerca da origem do universo, não é que Deus não exista, mas que a ciência não precisa dele para explicar o universo, algo que já Laplace disse há muito tempo. São duas coisas distintas. O próprio Hawking distingue-as claramente.
Saudações,
Alfredo
Alfredo,
Eliminar«Explica-me então claramente o que entende a ciência por 'verdade' e 'realidade »
A ciência recomenda que se use qualquer conceito da forma como for mais útil, conforme a situação. Para o propósito desta discussão, eu uso “realidade” como referindo o conjunto das coisas que existem e o seu estado, e “verdade” como adequação entre proposições e a realidade. Isto é o ideal para distinguirmos entre duendes e pedras, sendo os primeiros imaginários e as últimas reais, e afirmações como “os duendes existem” e “as pedras existem”, sendo a primeira falsa e a segunda verdadeira. Se concordas com esta distinção, não precisamos criar mais confusão à volta disto. Penso que só com algum esforço é que nos vamos baralhar acerca da diferença entre realidade e ficção. Espero que não seja esse o objectivo...
Tu afirmas que o universo foi criado deliberadamente por um ser inteligente, uma pessoa, que é omnipotente e omnisciente. Mais, alegas que sabes isto. Que isto não é uma mera crença tua, mas que deve ser considerado conhecimento. Finalmente, alegas também que nada disto pode ser testado objectivamente, que a justificação para este conhecimento é a tua fé e a tradição católica.
O problema é que isto não faz sentido. Se aceitas, como pareces defender, que nós somos falíveis (tu também) e que a nossa percepção da realidade é afectada (a tua também), então não é racional alegares que sabes quem criou o universo só com base na tua crença.
«Por exemplo, o que Stephen Hawking afirma sobre Deus, com base nas suas teorias acerca da origem do universo, não é que Deus não exista, mas que a ciência não precisa dele para explicar o universo, »
O que o Hawking afirma é lá com ele. Para mim, o mérito das hipóteses não vem de quem as afirma. O problema com esta abordagem dos magisteria independentes é que podes dizer exactamente o mesmo acerca dos duendes, fantasmas, Pai Natal ou efeitos astrológicos. Basta incluir nessas hipóteses algum poder especial que a torne impossível de falsificar e pronto, ficam equivalentes à do teu deus. Mas não é correcto dizer que a ciência apenas diz que não precisa de hipóteses impossíveis de testar. O mais correcto é dizer que a ciência rejeita essas hipóteses. Senão temos de considerar que a ciência não se pronuncia acerca de nenhum disparate, porque hipóteses impossíveis de falsificar é do mais fácil de arranjar... É isto que tu achas que a ciência deve fazer?
Ludwig,
Eliminar"Tu afirmas que o universo foi criado deliberadamente por um ser inteligente, uma pessoa, que é omnipotente e omnisciente"
Isso não tem que ser assim. Pode ser mais como dizia ontem Frei Bento Domingues: "num debate teológico devia sair vencedor quem provasse saber menos sobre Deus. Tomás de Aquino escreveu que acerca de Deus tanto mais sabemos quanto mais nos apercebermos que excede tudo o que dele compreendemos"
«num debate teológico devia sair vencedor quem provasse saber menos sobre Deus»
EliminarCaramba, eu não podia ilustrar melhor o grau de obscurantismo da teologia.
«Caramba, eu não podia ilustrar melhor o grau de obscurantismo da teologia»
Eliminar:-)
Ou obscurantismo ou humildade. Não é terra que não tenha sido lavrada por muita filosofia.
EliminarEntão e o David Eagleman? Já conhecias, João Vasco? O que te parece?
A vitória da ignorância é precisamente o que define o obscurantismo, mas não é nada disso que define a humildade.
EliminarNão conhecia o David Eagleman. Suponho que isso não me torna uma maior autoridade no campo da neuro-ciência ;)
Se tiver tempo e disponibilidade para saber mais sobre o seu trabalho, direi o que me parece.
"A vitória da ignorância é precisamente o que define o obscurantismo"
EliminarPois é, João Vasco. Mas falta perceber quem é mais ignorante: se aquele que sabe que não sabe, se aquele que julga saber e afinal não sabe nada.
O mais ignorante é aquele que sabe menos, o tal que deveria vencer os debates de teologia.
EliminarO que mostra saber mais pode ser aquele que afirma saber menos. Não consta que Sócrates seja lembrado por ter sido um dos maiores ignorantes da História. O que mostra ser mais ignorante pode ser aquele que afirma saber mais. Isso até é bastante comum. Sobretudo na ciência.
EliminarSe o Sócrates sabe mais por afirmar que não sabe, então não é ele quem vencerá os debates sobre teologia, onde vence quem sabe menos.
EliminarAliás, no caso dele, as dificuldades com a teologia da época custaram-lhe a vida...
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarCá está um gajo com quem já se pode conversar:
ResponderEliminarhttp://www.possibilian.com/
Alfredo Dinis,
ResponderEliminarO construtivismo refere-se a um processo individual e subjectivo de estruturação cognitiva, a forma como produzimos e operamos a nossa representação interior do exterior. É verdade que muitos “flavours” construtivistas têm sido debatidos em diversos departamentos da ciência, mas parece-me bastante atrevido encontrar neste debate a negação pela própria ciência de uma única realidade exterior. Não é disso que trata o construtivismo, nem é disso que trata Damásio na sua citação.
(se bem percebi o seu argumento)
Caro Bruce,
ResponderEliminarNão sou construtivista nem realista ingénuo.
Dito assim até parece verdade... :)
EliminarUm cientista,na acepção do Ludwig, não conhece Deus. Ou seja, ninguém conhece Deus. Deus não precisa e a ciência não precisa e a razão não precisa e a verdade não precisa que se confundam as coisas. Tolo será, e não cientista, quem afirmar que conhece Deus ou que Deus não existe. Se não erro, é da essência do cristianismo que o homem, enquanto ser deste mundo, não pode ver a Deus. Então por que é que os ateus chateiam os crentes? Porque estão completamente impossiblitados de provar que Deus não existe e não se conformam com o facto de até os mais analfabetos poderem dizer, sem que nisto possam ser refutados, que todo o bem do Universo é evidência de Deus.
ResponderEliminarSe alguém pretender testar Deus, que o faça e que não desanime, mas já toda a gente disse que não vai resultar. Se, por esta razão, alguém concluir que Deus não existe, então é porque admite somente a existência da matéria. Mas a matéria coloca-nos na senda das suas explicações e este desafio coloca-se à ciência. Ora, é sobre as explicações da matéria e da natureza, que nós esperamos ouvir a ciência físico-química, mas não sobre Deus. Já sei que o físico-químico não me vai ensinar nada sobre Deus. Vai ensinar-me sobre uma realidade (a tal realidade) de que ansiamos conhecer cada vez melhor. Mas não é com nenhuma lei matemática ou físico-química, que se manda no reino de Deus. Às vezes tenho a impressão desconfortável de que há pseudo-cientistas a quererem reinar como se estivessem acima das leis da natureza e do pensamento. E isto é deveras lamentável e faz pensar seriamente por que há tanta dificuldade em ser-se objectivo e imparcial, quando aparentemente seria o mais simples.
Não necessariamente. Existe, por exemplo, o que chamo "a prova fraca" da não-existência de um "deus" com os atributos que normalmente lhe são atribuídos (penso que quem a formulou primeiro foi Epicuro, 300 anos antes de Cristo ter nascido); com essa "prova fraca" mostra-se que esse "deus" não é digno de veneração porque não tem nenhum dos atributos que lhe são atribuídos. Isto não requer, de todo, qualquer postulação sobre se esse "deus" é ou não é material, mas apenas um raciocínio lógico.
EliminarO dualismo entre o que é material e o que não é é infinitamente mais sofisticado nas teorias hindus sobre deus e a sua alegada criação — muito mais sofisticado do que qualquer teoria ocidental a esse respeito — mas todas elas foram refutadas, uma por uma, mais ou menos pela mesma altura em que se escreveram no Ocidente os primeiros Evangelhos. E não foi preciso nessa altura ter acesso a uma ciência naturalista; bastou a razão e a lógica. Nem foi preciso postular que "só existe a matéria". Aliás, as respostas mais engenhosas (e mais decisivas) postulavam justamente que a matéria, com os atributos que normalmente lhe são atribuídos (ou que eram, nessa altura), também não podia "existir". E não estamos a falar de modelos simplistas do universo; na Índia de há dois mil anos atrás o que se discutia essencialmente era a forma como o universo era composto de partículas fundamentais e quais as características que estas deveriam ter para darem origem ao macrocosmos experimentado pelos sentidos...
O meu ponto de vista é que não é preciso que um físico-químico contemporâneo "ensine" sobre deus; basta um vulgar ser humano dotado de razão, o que já era possível de fazer há pelo menos há dois mil anos atrás ou mais, e que continua a ser possível hoje em dia.
Luís Miguel Sequeira,
ResponderEliminar«atributos que normalmente lhe são atribuídos»
o importante e engraçado é isto.
Mas será que ninguém estudou um bocado de Epistemologia? Ou Gnoseologia?
ResponderEliminarÉ que pelo que vi escrito, de cima a baixo, a vossa certeza é tão feroz e acesa que parece que tudo o que disseram é assim mesmo, quando, bem pelo contrário, não o é de todo.
Sabem tanto, os Sr.Dr., mas um pouco de leitura (e não falo de literatura, ou engenharias, leitura a sério) não vos faria mal nenhum.
Falsificacionismo? Percebo que Popper era um rapaz simpático, mas quem ainda não chegou à conclusão que o falsificacionismo é uma teoria auto-destruidora (e pior, usam-na como pilar da Ciência, Zeus nos livre se assim o fosse!), a sua "realidade intelectual" está virada do avesso.
Instrução, meus amigos. E deixem de pensar que o que dizem é novo (principalmente o Sr.Ludwing), humildade é sempre preciso. E se as disser, escolha as mais sustentáveis, para parecer menos mal.