domingo, julho 08, 2012

Censurar a poupança.

Na sequência de um post de 2011 sobre uns produtos Moletech, que alegadamente fazem poupar combustível (1), os autores do site Poupar Melhor foram obrigados a remover referências à Moletech devido a uma queixa dos vendedores portugueses desta coisa (2). O site até esteve temporariamente offline (3) porque alguém dizendo ser «Rui Salvador, COO da Moletronic Portugal Lda.» alegou que «www.pouparmelhor.com está a usar imagens e marcas registadas como "Moletech" sem autorização», que «de boa fé crê que o uso em disputa não está autorizado pelo dono, seu agente ou pela lei» e mais jurou, sob pena de perjúrio, ser «ou dono ou autorizado pelo dono a agir em seu nome»(4).

Do ponto de vista legal, e falando estritamente em abstracto, este tipo de acção tem implicações interessantes. Segundo a legislação dos EUA, um takedown notice ao abrigo do DMCA exige que o queixoso tenha razões para crer, em boa fé, que ocorreu uma infracção e que seja ou o dono do material em causa ou autorizado pelo dono a agir em seu nome (5). Se uma pessoa, por hipótese, falsamente se fizer passar por dono, ou agente autorizado do dono, de uma marca ou obra protegida incorre num crime de perjúrio. Por cá, pode incorrer no crime de denúncia caluniosa, ao abrigo do Art. 365º do Código Penal:

«Quem, por qualquer meio, perante autoridade ou publicamente, com a consciência da falsidade da imputação, denunciar ou lançar sobre determinada pessoa a suspeita da prática de crime, com intenção de que contra ela se instaure procedimento, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.»

Não querendo lançar quaisquer suspeitas sobre o Rui Salvador, penso que seria interessante averiguar se este senhor é mesmo o detentor dos direitos exclusivos sobre a marca Moletech e a imagem em causa na sua queixa, ou se tem autorização dos detentores desses direitos para agir em seu nome. Não só pela questão do perjúrio na legislação americana, mas também porque a legislação portuguesa concede estes direitos exclusivamente aos seus detentores. Parece-me que se, por hipótese, alguém se fizer passar, falsamente, por detentor destes direitos com o intuito de impedir a distribuição de uma obra protegida pode incorrer num crime de usurpação de direitos de autor, punível com até 3 anos de prisão.

Além da questão de quem tem o direito de proibir, há também a alegação de que o Poupar Melhor usou ilicitamente «marcas registadas como "Moletech" sem autorização». O uso de uma marca registada só requer autorização do detentor da marca se houver risco do consumidor julgar que a marca promove algum produto ou declaração. Se eu escrever que gosto de Coca-Cola, acho os sapatos da Nike caros e não vou comprar nada à Moletech não preciso de autorização nenhuma. Não havendo perigo de julgarem que eu represento estas marcas não é ilícito nenhum escrever estes nomes, com ou sem autorização. A legislação da marca registada visa a proteger o consumidor. Não é uma ferramenta de censura.

O que me traz ao mais importante. Sem querer tecer considerações sobre este caso particular, e salientando que não sou jurista, penso que, em geral, deve ser possível instaurar um processo crime contra quem se fizer passar por detentor de direitos que não tem, ou alegar ser ilegal algo que obviamente não é, só para censurar críticas legítimas. Além da denúncia caluniosa e da usurpação de direitos de autor, pode incorrer também no crime de injúria por alegar, perante terceiros, que o visado cometeu um crime. No entanto, penso que isto seria um desperdício de recursos judiciais. É melhor resolver este problema por outras vias.

O problema fundamental da “tecnologia” Moletech é científico. Alegações como «O dispositivo Moletech™ tem a capacidade de mudança em três áreas dentro do espectro do combustível pela absorção de CH (benzeno) de hidrocarbonetos saturados e insaturado» ou «a cerâmica absorve a energia térmica a partir do seu ambiente circundante, em seguida, liberta-o em comprimento, quebrando a força intermolecular de “van der Waals”» são disparate (6). Mas se esta cerâmica liberta uma energia que altera ligações de carbono e forças de van der Waals, é crucial que descrevam as evidências que têm. Não só pela revolução que representaria na química e mecânica quântica mas também pelo perigo de usar esta cerâmica. Muito nos tecidos biológicos depende de ligações de carbono e de forças de van der Waals. Não seria nada saudável apanhar com radiações que alterassem isto. Esta questão resolve-se com evidências e discussão livre. Não se resolve nos tribunais nem com ameaças.

O outro problema é a atitude censória dos vendedores destes aparelhos. Mas esse é fácil de resolver. Quanto mais ameaçarem mais se fala do assunto, até perceberem que tentar censurar críticas na Internet é tão sensato como tentar poupar combustível com cerâmicas Moletech. A atitude do Rui Salvador e da Moletronic diz muito acerca da honestidade destas pessoas e da qualidade do seu produto. Por razões legais, não posso escrever explicitamente o quê, nem sequer vou adiantar se é bom ou se é mau. Mas penso que nem é preciso.

1- Poupar Melhor, Equipamentos que não poupam combustível
2- Poupar Melhor, Poupar Melhor: Pedido de remoção de conteúdo
3- Álvaro Ferro, Pedido de remoção de conteúdos do blog Poupar Melhor: quebra de serviço
4- Binrand, Take down notice Pouparmelhor.com
5- EFF, Intellectual Property
6- Podem encontrar estas alegações no site da Moletronic, Como Funciona, Quanto se Poupa?, mas o melhor é ler logo o post da Palmira sobre isto.

1 comentário:

  1. estritamente em abstr(c)to

    ou em vulgata estrictamente em abstracto com estricnina...

    chama-se a isto ser coed rente...

    Poupar o que quer que seja numa depressão é péssimo para a economia e para a arrecadação de imposturas que te pagam o sal ário...e o solário

    por isso gasta que ódespois arrecebes..
    mais seguro que ser um doutor da treta
    só um dottore de afundações...

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