domingo, janeiro 18, 2015

Não é do extremismo.

Segundo a comunicação social, o terrorismo islâmico é causado pelo extremismo e não se pode confundir com o “Islão moderado”. Realmente, o terrorismo é um extremo na gama de comportamento que vai do pacifismo à violência. Mas isso é o efeito e não a causa. A causa do terrorismo está nos valores dos terroristas e, nisso, a distinção entre extremista e moderado não faz sentido. No resto do post tento explicar porquê e porque isto importa.

Não há nada de errado em ser extremista, fundamentalista ou radical nos valores. Eu acredito que não se deve torturar crianças e sou extremista nesta crença, aceitando até que se mate o torturador se for necessário para o deter. Nem compreendo como poderia ser moderado nisto. Acreditando só segundas, quartas e sextas? É verdade que outros podem discordar. Por exemplo, julgando legítimo torturar uma criança se for absolutamente necessário para salvar milhares de vidas. Mas esse será um valor diferente e não uma versão moderada do meu. É sensato acreditar em factos com diferentes graus de confiança, incerteza ou margens de erro, conforme as evidências, mas os valores são critérios de decisão e só servem esse propósito se forem claros. Temos de saber o que é importante. Por isso, mesmo quando conciliamos vários valores, temos de encontrar um extremo no espaço de possibilidades que nos sirva de orientação. Considerando o direito de cada um se vestir como quer, de recusar relações sexuais e outros valores, eu defendo que a condenação da violação não deve depender da roupa da vítima. Outros podem achar que a violação só deve ser condenada se a vítima se vestia modestamente ou até que a mulher violada é sempre culpada porque provocou. Todas estas posições são extremistas. Distinguem-se apenas por estarem em extremos diferentes.

Outro erro na ideia do Islão moderado e extremista é sugerir uma gama de possibilidades contíguas e ordenadas. Como o consumo de álcool, que vai da abstinência ao copo de vinho ao jantar e à garrafa de vodka ao pequeno almoço. Mas não dizemos que o terrorismo dos cartéis da droga no México é uma forma extremista do “mexicanismo” moderado porque é óbvio que os bandidos não têm variantes mais extremistas dos valores da maioria dos mexicanos. Têm é valores diferentes. Também “o Islão”, na verdade, é uma catrefada de “islões”. Alguns muçulmanos integram-se na cultura ocidental e adoptam os valores de liberdade e respeito pelo indivíduo dos seus concidadãos. Outros imigrantes muçulmanos não se integram e mantém valores diferentes. As mulheres andam de burka, não querem as filhas na escola, não aceitam a liberdade religiosa e assim por diante. Os países de maioria muçulmana têm outros “islões”, muitos ainda piores, e grupos como Al-Qaeda, Boko Haram e ISIL têm as suas variantes do Islão, que não são nem mais nem menos extremistas, fundamentalistas ou radicais. Baseiam-se apenas em partes diferentes do Corão.

A ideia de uma gama de muçulmanos que vai do moderado ao extremista engana por sugerir que a maioria dos muçulmanos é “moderada” por não andar de metralhadora a matar gente. Mas centenas de milhões de muçulmanos que não são terroristas também estão muito longe de partilhar os valores que nós consideramos fundamentais e acerca dos quais somos extremistas, como o respeito pela liberdade religiosa e pela igualdade de direitos entre os sexos. A maioria dos muçulmanos é a favor de coisas como criminalizar a apostasia (1) ou punir qualquer crítica à religião (2). Não são mais extremistas do que nós, mas estamos em extremos opostos. Os muçulmanos a quem podemos chamar “moderados” por serem extremistas nos mesmos valores em que nós o somos são uma minoria muito pequena e com pouca influência nos demais.

Principalmente, a ideia do Islão moderado e extremista engana por fazer parecer que a solução para o terrorismo é reduzir o fervor da crença quando, na verdade, exige uma conversão radical entre dois tipos de ideologia. Por um lado, o das ideologias que impõem valores que visam perpetuar a ideologia e preservar o poder de alguns em prejuízo de todos os outros. É o que acontece na generalidade das religiões, em regimes totalitários, nos países de maioria muçulmana e nos cartéis da droga no México. Por outro lado, a ideologia da liberdade individual, que rejeita qualquer obrigação ou proibição que não sirva para prevenir restrições maiores. A que proíbe a tortura em vez de proibir ofensas a vacas sagradas, por exemplo. É para esta ideologia que convergem as pessoas informadas e que se sentem livres de contribuir para a construção da sua sociedade, mas é muito difícil converter a isto pessoas ignorantes, oprimidas, revoltadas e treinadas para não pensar criticamente.

Portanto, este não é um problema que se resolva com apelos à “moderação”. É um problema que tem de ser resolvido investindo nas próximas gerações. Em melhor educação, em escolas livres de pressões religiosas, em maior igualdade económica, mais democracia, mais laicidade. Mais liberdade. O que é muito difícil pela oposição constante de quem esteja no poder, seja a família real da Arábia Saudita, os chefes da Al-Qaeda, quaisquer líderes religiosos e até os nossos próprios políticos, sempre dispostos a aproveitar qualquer desculpa para criar leis que violam os nossos direitos alegando ser para nosso bem. A única possibilidade de conseguirmos progredir nisto é continuarmos a ser extremistas nos nossos valores de liberdade individual, igualdade de direitos, direito à educação e a condições dignas de vida. Direitos pelos quais já milhões de pessoas morreram nos últimos séculos, tal foi o extremismo com que os tiveram de defender.

1- Wikipedia, Apostasy, countries
2- BBC, Saudi blogger Badawi 'flogged for Islam insult'

2 comentários:

  1. Há povos como os bororos e os primitivos australianos que a certa altura do campeonato deixaram de evoluir e tornaram-se naquilo que os sociólogos chamam de sociedades frias. Isto é cada vez mais na mesma.

    A exemplo do celacanto ou de sua excelência o snr présidente da República ficam imunes à evolução.

    Os primitivos australianos descobriram o catamaran, o Bumerang e foram os argunautas do Pacífico.

    Depois , como o cela canto e Cavaco Silva amaram e dali ninguém os tirou.

    O Islão foi mais ou menos assim. A dada altura fixaram-se no tempo e adoptaram valores para aí do séc XIII.

    Nós evoluímos e eles não.

    Agora ficam tão zangados connosco como ficaria um europeu do século XIII.

    Quando há eleições livres ganham os islâmicos.

    No fundo os que não dão o cu e dois tostões por uma boa lapidação acham a coisa natural.

    Os ocidental irados são minorias e piram-se para cá.

    Se não fosse politicamente incorrecto diria que o importante era ficarmos com o petróleo e depois que se enrabassem uns aos outros e que alla os enrabe a todos....

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  2. De salientar que o Ocidente muito tem feito para que aqueles povos vivam cada vez mais na ignorância e sob o jugo das teocracias ditatoriais ou vice versa... aí por volta de meados do século passado vários países islamizados iniciavam uma trajectória rumo a laicização onde o Egipto de Nasser tinha um papel de relevo...a interferência Ocidental em prol dos seus interesses petrolíferos e geoestratégicos tudo fez para derrubar tais arrufos (por exemplo:a humilhação do Egipto na guerra dos 6 dias)...é assim que no meio de toda estas desgraças convém aprender alguma coisa com a história...só com apoio sério e comprometido e continuado se conseguirá que estes povos - pois só eles mesmos o podem fazer e não nós a tiro de míssil – se descartem do fanatismo religioso que os sufoca…Islão extremista como bem diz é apenas um rótulo...em vez de rotular ismos conviria intervir efectivamente em prol dos que se tentam libertar deles…a Tunísia seria um bom começo onde o nosso belo Ocidente podia e devia actuar de forma concreta e não de ‘língua’ como habitualmente…enfim por em marcha pelo menos a ‘fraternidade’ afinal seguir-se-á a igualdade e liberdade…

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