De novo os limites.
Em comentários ao post sobre os limites da liberdade de expressão, a Cristina Sobral argumentou que a ofensa não deve ser permitida. As razões que apresentou foram a protecção constitucional da «dignidade da pessoa humana» e do «direito ao bom nome e reputação, à imagem, à dignidade e identidade pessoal» bem como o artigo 181º do Código Penal que pune «Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração» (1). Propôs também que, sendo a crença religiosa algo com o qual o crente se identifica tão fortemente, se deve considerar uma crítica insultuosa à religião como um insulto pessoal a cada crente dessa religião.
Eu concordo que a difamação está fora da liberdade de expressão, em parte pelo direito à dignidade e imagem pessoal. Se entendermos a difamação como a imputação pública, a alguém, de algo que é falso ou do foro privado, então esta expressão estará a violar direitos igualmente fundamentais e não deve ser permitida. Mas a ofensa é diferente da difamação porque, além de ser mais um problema de forma do que de conteúdo, os seus efeitos são determinados exclusivamente pelo visado. Se alguém disser à polícia que eu bato na minha mulher eu posso sofrer consequências disto independentemente da minha opinião acerca do assunto. Mas se alguém me chamar imbecil ou gozar com quem usa óculos isso só me afectará se eu deixar que me afecte.
Qualquer um é livre de se identificar tão fortemente com uma doutrina que se ofenda quando troçam dessa doutrina. Qualquer um é livre de se ofender por ver mulheres sem burka na rua. Qualquer um é livre de ter nojo dos homossexuais, de odiar os imigrantes e de ficar zangado por lhe chamarem nomes ou maldizerem o seu deus. Mas isso é lá consigo. Mais ninguém tem que ver com isso e não se justifica proibir nada por causa disso. A própria lei acaba por ser condicionada por este problema. Sendo impossível criminalizar tudo o que qualquer pessoa diga ofender-lhe e não havendo critérios objectivos para categorizar ofensas, o que é ofensivo será simplesmente o que o senhor doutor juiz julgar ofensivo. O resultado é uma das leis mais imbecis que temos e não admira que Portugal seja constantemente condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem por violar a liberdade de expressão (2).
Não faz sentido que a ofensa seja proibida porque ofender-se é apenas uma variante do beicinho e da birra. E quem estiver preocupado com a sua dignidade e bom nome deve ter em conta que, ao declarar-se ofendido, revela apenas falta de inteligência e de maturidade.
1- Treta da semana (atrasada): limites
2- TVI, Portugal condenado por violar liberdade de expressão
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