Treta da semana: o caso Relvas.
O Miguel Relvas foi ao ISCTE falar sobre jornalismo a convite da TVI. Alguns alunos, que a TVI não convidou para falar, vaiaram o ministro, gritaram e pediram que se demitisse. Após uns momentos de sorriso amarelo, o ministro foi-se embora (1). Para Santos Silva isto foi inaceitável, anti-democrático e uma «limitação ilegítima à liberdade de expressão»(2). Daquele que tinha sido convidado para subir ao pódio, é claro, que a liberdade dos outros era a de ouvir em silêncio. Segundo o líder parlamentar do PSD «Portugal precisa de políticas e políticos livres [que] gritam livremente pelas suas ideias» e o do CDS reforçou que «o direito de falar é um direito absoluto, mas não tão absoluto que iniba os outros de falar» (3). A conclusão óbvia destas premissas é que quando o Miguel Relvas fala os estudantes devem ficar inibidos de gritar livremente pelas suas ideias. Numa democracia, quem grita livremente são os políticos, não o povinho.
O Henrique Raposo ainda vai mais longe. Escreve que os «meninos e meninas [que] têm usado "Grândola Vila Morena" como forma de calar outras pessoas [...] revelam uma total intolerância em relação ao outro lado; [...], respiram e transpiram ódio, um ódio que escorre pelos cartazes, pelos rostos, pelas vozes. E, de forma mui fascista, esta malta tem orgulho nesse ódio»(4). Certamente que o fascismo aqui é uma alusão à táctica da PIDE de vaiar e apupar os detractores de Salazar que discursassem contra o governo, em universidades públicas, a convite de canais privados de televisão. Ou talvez até aluda à Alemanha nazi, quando agentes da Gestapo trauteavam Wagner sempre que alguém discursava contra Hitler perante a comunicação social.
Subjacente a este repúdio do protesto dos estudantes está a violação da liberdade de expressão. O Miguel Relvas tinha ideias importantes para exprimir. O Miguel Relvas foi ao ISCTE exprimir essas ideias e, certamente, muita gente as queria ouvir. Afinal, trata-se de um estudioso que consegue dominar num par de dias matérias que o estudante médio demora cinco anos a aprender. Fascistas, não o deixaram falar. O Miguel Relvas perdeu assim a única oportunidade que alguma vez terá de dizer o que pensa, e nós todos ficaremos para sempre privados da sua sabedoria. Se fosse preso, torturado ou até morto numa prisão oculta, ao menos ainda poderia escapar-se alguma obra sua que nos transmitisse o seu pensamento. Um ensaio sócio-político, um diário ou até um trabalho de fim de curso. Mas não. Nada de censurar com prisão, tortura ou morte, coisas de fascismo amador e ditaduras de meia-tigela. Estes estudantes do ISCTE são da raça fascista mais violenta e perigosa, aquela que grita “demissão!”, “a propina dói!” e chega até a cantar músicas do Zeca Afonso. Nem sequer Wagner. É logo Zeca Afonso.
Sobretudo, os estudantes foram mal educados. Não é assim que se resolve os problemas. Quando um governo afunda o país, ignora tudo o que prometeu para ser eleito e vende os bens do Estado ao desbarato, a forma correcta de intervenção é pôr o dedo no ar e esperar em silêncio que o Miguel Relvas ceda a palavra. Afinal, o Miguel Relvas só abandonou a carreira académica e dedicou-se ao poder político, a grande custo pessoal e financeiro, pela sua enorme vontade de servir o próximo e de zelar pelos nossos interesses. Por isso, há que confiar, dizer com licença e agradecer no fim.
1- Sol, Relvas vaiado impedido de falar
2- TVI, «É inaceitável que um ministro seja impedido de falar»
3- I online, Maioria condena censura a Relvas. Oposição rejeita demarcar-se
4- Henrique Raposo, O fascismo do "Grândola Vila Morena"