Treta da semana (passada): na maior.
Soube recentemente da publicação de um livro que pretende ensinar aos alunos universitários como tirar o curso. «Faz o curso na maior – Estuda o mínimo, vive ao máximo», de Nuno Ferreira e Bruno Caldeira. O Francisco Delgado já dissecou várias alegações do livro ou, pelo menos, do primeiro capítulo e da forma como o livro foi apresentado (1). Eu gostava de abordar um problema mais geral.
A ideia fundamental do livro parece ser minimizar o tempo de estudo recorrendo a apontamentos de colegas que se dedicaram a identificar a matéria mais importante, concentrando-se na resolução de exames de anos anteriores e estudando na véspera das avaliações. Parece-me uma ideia muito pouco original. Talvez um título mais adequado fosse “Como descobrimos a roda e como a podes descobrir também”. E não merece ser tão generalizada como os autores propõem.
Resolver exames de anos anteriores é boa ideia. Como o exame visa testar o conhecimento do aluno tem de cobrir, pelo menos, a matéria mais importante e não pode variar muito de ano para ano. Estudar de véspera também dá para safar. Fica tudo amontoado no cérebro, desmorona uns dias depois mas, se mantiver alguma coerência até a dia da prova lá fica a disciplina feita. O problema é que mecanizar exercícios em cima da hora dá trabalho, é chato e não satisfaz. Depois do exame só sobra uma baralhada de truques para resolver alguns exercícios e não fica nada que faça sentido. Penso que qualquer pessoa com um curso superior conhece a sensação mas, se queremos optimizar o retorno do investimento, é má ideia fazer disto a norma.
Mas o maior erro dos autores parece-me ser a premissa de que «O importante é passar às disciplinas com boas notas», seja por que truque for. O autor até dá um exemplo: «Tive colegas de curso que sabiam muito mais do que eu sobre determinada cadeira mas no final acabaram por chumbar ou por ter uma nota mais baixa do que a minha.» Que tansos, subentende-se. Mas o que é importante depende da pessoa e da disciplina. Para mim também houve disciplinas de fazer e esquecer, como química orgânica ou mecanismos das reacções químicas. Hoje guardo apenas uma vaga memória de umas setinhas nas fórmulas que pareciam surgir mais por magia do que por ciência. Na maioria fiz precisamente o contrário do que este autor que «Raramente estudava pelos livros recomendados, porque sabia que alguém já os tinha lido e havia algures uns apontamentos resumidos com a matéria que era preciso saber». Eu preferia ler os livros. Em alguns casos, como química inorgânica e química física, com livros do Atkins, até os lia de ponta a ponta sem me importar se era matéria da disciplina ou não. Gostei imenso do que aprendi e fiquei com uma ideia muito mais clara do que se tivesse estudado por apontamentos dos colegas ou decorado exercícios e as disciplinas em que tive boas notas, quer na licenciatura quer no mestrado, foram aquelas que não me custou estudar porque gostava da matéria. Nessas não fazia sentido minimizar o tempo de estudo. Em geral, sempre me pareceu mais importante perceber o que estava a aprender do que treinar para o exame. Isto prejudicou-me as notas em muitos casos, admito, mas deixou-me muito mais satisfeito do que ficaria se tivesse optado pelo método recomendado neste livro. E deu-me muito menos trabalho porque ler coisas com interesse não é trabalho nenhum.
Mas isto sou eu. Outros terão outras experiências e preferências. É precisamente esse o maior problema deste livro. Não há uma receita para o “sucesso académico”. Não só pela complexidade de factores que condicionam o percurso do estudante e pelas diferentes prioridades e objectivos que cada um tem mas até, mais fundamentalmente, pela subjectividade do conceito de sucesso. A entrevista para a Visão dá uma ideia do que é sucesso segundo este livro: «Ir a festas e fazer muitos amigos, pois, no futuro, essas pessoas podem ser determinantes - eis uma das ideias-chave do livro. "Há uns anos, fui convidado para fundar uma revista de economia, por um colega de turma; é assim que as coisas acontecem"». Talvez sim, e mais vezes do que deviam. Mas não é correcto assumir que fazer as coisas “na maior” é necessariamente isto.
1- Francisco Delgado, Uma ova. Ver também a entrevista na Visão e o capítulo online.