Lei Natural, Aborto e coiso e tal...
Segundo declarações da Conferência Episcopal Portuguesa:
«o aborto provocado é um pecado grave porque é uma violação do 5º Mandamento da Lei de Deus, “não matarás” [...] Mas este mandamento limita-se a exprimir um valor da lei natural, fundamento de uma ética universal.»
É errado falar de leis naturais em questões de facto, e é absurdo fazê-lo em questões de valor. Em ambos os casos qualquer conclusão é provisória e qualquer premissa pode estar errada, mas em questões de valor nem podemos reduzir o efeito da subjectividade. Somos seres falíveis a escolher o que é bom e mau numa Natureza que é indiferente a estes conceitos. Os católicos erram em não reconhecer a possibilidade de erro nem a natureza provisória destas escolhas, mas principalmente por não reconhecer a subjectividade inerente a qualquer juízo de valor. Infelizmente, este é também o erro de muitos ateus.
O erro está em ignorar a subjectividade da escolha de um critério que distinga o bem do mal. A maior felicidade da maioria, os direitos deste ou daquele, o embrião não é pessoa, a dignidade da pessoa humana, a vontade dos deuses, e assim por diante. Todos são treta pois todos se apresentam como critérios universais quando não passam da manifestação das preferências subjectivas dos seus defensores.
Felizmente, a sociedade tem evoluído (nalguns sítios) da aplicação de regras absolutas do bem e do mal para formas de mediar conflitos entre diferentes noções de moral, bem visível na protecção estendida aos mais indefesos. A escolaridade obrigatória, as leis do trabalho infantil, a regulação da sexualidade de menores, entre outras, protegem os interesses das crianças mesmo antes de elas os poderem compreender. Os pais podem achar-se no direito de fazer o que quiserem dos filhos, mas os filhos podem vir a discordar, e aí a sociedade intervém para minimizar as consequências deste conflito de interesses. A presente lei do aborto, apesar dos seus problemas, tem esta virtude de mediar interesses da mãe e do embrião.
Preocupa-me que muitos dos que se pronunciam acerca deste tema regridam ao absolutismo. Seja pela dignidade humana, seja pelos direitos da mulher, esquecem-se que a melhor maneira de resolver estas coisas é mediando o conflito de interesses, e não decidindo arbitrariamente por um dos lados em detrimento do outro.