A burca.
A rábula da burca foi uma boa armadilha do Chega. A lei proposta não devia ser polémica. Proíbe forçar alguém «a ocultar o rosto por motivos de género ou religião»(1), o que é redundante porque coagir já é crime mas é difícil opor tal proibição. E proíbe ocultar a cara em público. Desde 2019 que é proibido «ostentar ou envergar qualquer utensílio ou apetrecho que oculte, total ou parcialmente, o rosto» em recintos desportivos (2) e isso nunca causou polémica. Essa lei surgiu na sequência de 50 adeptos encapuçados terem espancado jogadores do Sporting em Alcochete e ninguém quer homens de cara tapada em público. O projecto de lei do Chega, que proíbe «a utilização, em espaços públicos, de roupas destinadas a ocultar ou a obstaculizar a exibição do rosto», apenas generaliza a medida anterior. A armadilha foi o Chega justificar esta lei com a burca. Se a justificação fosse claques de futebol, manifestantes de extrema direita ou homens em geral não haveria polémica porque ninguém quer gente assim de cara tapada nas lojas, transportes públicos ou centros comerciais. Mas a burca fez boa parte da esquerda reagir por reflexo e tentar argumentar, sem sucesso, contra uma lei razoável.
Uma objecção é que esta lei não ajuda mulheres coagidas a usar burca. No imediato, concordo que não ajuda. Proibir a mutilação genital feminina também não adianta às vítimas e famílias que queiram mesmo fazer isso às raparigas vão arranjar forma de o fazer. No entanto, a longo prazo estas leis favorecem mudanças de comportamento, são leis justas que indicam a quem queira integrar-se na nossa sociedade o que não toleramos por cá e, mesmo que o efeito seja pequeno, é melhor que nada. Mas a razão principal para rejeitar esta objecção é que, apesar da armadilha que o Chega montou, esta lei não é acerca da burca. Tal como a lei de 2019 proibindo que se oculte a cara em recintos desportivos, é uma medida genérica para que não andem de cara tapada. O que ainda é raro, é verdade, mas a lei deve prevenir em vez de correr atrás do prejuízo.
Outra objecção é que a lei tem de ter excepções para casos em que se justifica tapar a cara. Por motivos de saúde, condições climáticas ou outros. É uma objecção curiosa porque implicitamente aceita que a lei é boa ideia. Seja como for, é comum haver excepções para medidas destas porque é preciso considerar o contexto. A lei que proíbe andar de faca na mão em público permite que as pessoas comam em esplanadas ou restaurantes. Mas há uma grande diferença entre ver várias pessoas de faca na mão num restaurante ou num autocarro. Esta lei visa o problema de se tapar a cara com o propósito de a ocultar. Se houver uma justificação razoável deve ser permitido.
Há também quem defenda um direito de não mostrar a cara em público. Como escreve Fernanda Câncio, esta lei nega «o direito ao anonimato no espaço público (o que, a ser levado à letra, teria de determinar o fim do anonimato em geral e na internet em particular)»(3). Eu concordo com um direito geral ao anonimato. Qualquer pessoa deve poder publicar opiniões anónimas, participar em video-chamadas com a câmara desligada ou dialogar online sem publicar a sua foto porque na Internet cada um só vê o que quer e desliga quando lhe apetece. A interacção voluntária não exige muitas restrições e, por isso, devemos poder andar nus na praia de nudismo, proferir discursos políticos nos comícios, celebrar missa na Igreja, cantar karaoke no bar ou organizar bailes de máscaras. Mas só se a interacção for voluntária. Não se aplica quando partilhamos um espaço público com quem precisa de lá estar e pode não querer aturar estas coisas.
Por isso não temos direito de praticar nudismo no autocarro, celebrar missa no supermercado ou proferir discursos contra o capitalismo nos centros comerciais. A situação particular de partilhar um espaço por necessidade impõe certos deveres, entre os quais o de não esconder a cara. Por um lado, porque esconder deliberadamente a cara é uma atitude ameaçadora. E, por outro, porque mostrar a cara faz parte dos mecanismos sociais e legais para dissuadir violações de direitos que podem ocorrer na presença de estranhos. Não é preciso que cada um diga o nome e o NIF mas a possibilidade de ser reconhecido desencoraja muitos comportamentos indesejáveis. Quem oculta o rosto priva os outros dessa capacidade de o reconhecer, que é uma ferramenta importante na defesa dos seus direitos.
Finalmente, a alegação que esta lei viola a liberdade religiosa das mulheres que usam burca assenta numa concepção errada de liberdade religiosa. A liberdade do crente deve ser igual à de qualquer outra pessoa. Isto implica que ninguém deve ser privado de uma liberdade por causa da sua religião mas também que a religião não concede ao crente direitos que os outros não tenham. E ninguém tem o direito de esconder a cara quando impõe a sua presença aos outros.
Para perceber que esta proibição faz sentido basta imaginar que os homens andavam todos de cara tapada. O problema de segurança é óbvio se não nos deixarmos enganar pelo o foco nas mulheres de burca, que levou muita gente de esquerda a cometer dois erros. O primeiro foi defender o suposto direito dessas mulheres se vestirem assim quando o fazem ou porque são coagidas ou porque foram doutrinadas na ideia de que, por serem mulheres, têm de tapar a cara. E o segundo foi exigir que todos abdiquemos de poder ver quem partilha connosco o espaço público só para acomodar uma pequena minoria de fanáticos religiosos. É certo que muitos no Chega são motivados por racismo e xenofobia mas se invocamos isto para opor até o que é razoável, deixa de surtir efeito. É um padrão recorrente. O Chega não tem uma boa equipa mas é fácil ganhar quando o adversário só marca golos na própria baliza.
1- Parlamento, Projeto de Lei nº 47/XVI/1.a
2- Diário da República, Lei 113/2019
3- DN, Falemos então da burqa.

Eu concordo com um direito geral ao anonimato. Qualquer pessoa deve poder publicar opiniões anónimas, participar em vídeo chamadas com a câmara desligada ou dialogar online sem publicar a sua foto porque na Internet cada um só vê o que quer e desliga quando lhe apetece...e ofender na internet sem que se saiba quem é o ofensor? denegrir o engenheiro sócrates chamando-lhe cousas por que ele não foi condenado? a anonimidade na rua ser crime mas na net não configura descriminação
ResponderEliminardiscriminação como isso não deu erro de digitação no corretor automático a polícia de intervenção anda com a cara tapada é contra a lei
Eliminarsão casos raros mas aqui a mulher de um pashtun afegão ou paquistanês usava burca ou hijab quando saia à rua, agora desapareceu provavelmente não a deixam sair ou mudaram de endereço
ResponderEliminarmas acho positivo a proibição de roupagens que tapem a cara como os tuaregues, há tuaregues a mais em portugal, eles já pensam que isto é o sahel
ResponderEliminare as tretas atheistas que enchiam este blog com centos de comentários?
ResponderEliminarolha um comentário negativo mesmo aqui em baixo
EliminarFaz de conta que não percebe o que está em jogo. Não há nenhum tipo de criminalidade que sugira sequer ser necessário este tipo de medida. Para quê legislar sobre isto? Andamos a restringir liberdades em nome da prevenção de um tipo de crime inexistente? Que tipo de liberdade estaria disposto a abdicar em nome de prevenir hipotéticos crimes? Já sei a resposta: certamente que está disposto a abdicar de todas as liberdades menos das suas.
ResponderEliminarMesmo no caso em que há um tipo de crime que pode ser mitigado restringindo liberdades, mesmo nesses casos, é preciso ponderar a relação custo/benefício.
Por exemplo. Há pessoas que matam outras pessoas quando conduzem um carro. A prevenção pode ser impedir toda a gente de conduzir carros. Por que razão náo está disposto a esta restrição de liberdade? E estamos a falar de um tipo de crime que existe, e de grande gravidade. Ao contrário do crime inexistente que subjaz à medida em apreço.
Normalmente perdem-se faculdades com o envelhecimento, mas o Ludwig, pelo contrário, ganhou a faculdade de estar cada vez mais burro.
falemos então da burca ou do hijab mais comum em portucale, mesmo assi são casos residuais e o seu uso em assaltos a bancos e supermercados tem sido inexistente nos últimos 25 anos, é algo que não devia ser transferido do afeganistão e do paquistão e alhures para a europa e é um atentado à liberdade das mulheres
ResponderEliminarDe sempre
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esta é nova um mês com quase 50 mil visitas num blog que nem tem posts como os krippahlianos será que os blogs tal como as burcas estão voltando à moda? ou é algo extemporâneo?
em contrapartida o pessoal das burcas deixou este para trás De sempre211948
EliminarHoje39
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o certo é que a polémica sobre a burca deu ainda mais visibilidade ao ventura e apaniguados
Eliminar3 jovens com niqab foram presas em frança por suspeita de ações terroristas
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