quarta-feira, julho 16, 2025

Desalinhamento.

Segundo um estudo do Observatório de Segurança e Defesa da SEDES, há «um preocupante desalinhamento entre a realidade objectiva da criminalidade em Portugal e a percepção subjectiva da insegurança». Não encontrei o estudo mas nas notícias as evidências apresentadas são que, enquanto a criminalidade participada diminuiu 1.3% entre 2000 e 2024, as referências a crimes na primeira página dos jornais Correio da Manhã, PÚBLICO, Diário de Notícias, Expresso e Sol aumentaram 130% (1). E nos comentários que os algoritmos me têm apresentado o consenso parece ser que as pessoas se sentem inseguras porque são facilmente manipuladas por políticos e pela comunicação social. Discordo desta conclusão.

É enganador dizer que a criminalidade diminuiu de 2000 para 2024 quando a diferença é de apenas 1.3%. É menor que a variação entre anos consecutivos e não é estatisticamente significativa. Será mais correcto dizer que hoje temos o mesmo nível de criminalidade que há 25 anos. O que é preocupante. No mesmo período, a população envelheceu de 24 para 38 idosos por cada 100 pessoas em idade activa e a percentagem de pessoas em idade activa com o ensino secundário ou superior aumentou de 21% para 61% (2). Esta evolução demográfica devia resultar numa redução significativa da criminalidade e fica por explicar porque isso não aconteceu.

Também a criminalidade geral não é o melhor indicador. Crimes contra as pessoas contribuem mais para o sentimento de insegurança do que a fuga ao fisco, por exemplo. E esses crimes aumentaram, especialmente em certas regiões como o Algarve. A figura abaixo representa a criminalidade em relação ao ano de 2009, o primeiro ano com dados desagregados por região (2), e mostra como faz diferença olhar para diferentes tipos de crime e regiões.



Outro aspecto importante é que, independentemente da diferença entre 2024 e 2000, o crime aumentou nos últimos anos. Ignorando os anos da pandemia, isto estava bem encaminhado até 2018 mas depois a tendência inverteu-se. E é razoável dar mais importância aos últimos anos do que ao que se passou há um quarto de século. Em suma, não se justifica concluir que o sentimento de insegurança é irracional só porque a criminalidade geral em 2024 foi ligeiramente menor que em 2000. Há razões objectivas para preocupação quando se considera diferentes tipos de crime, períodos mais recentes, e o que se passa em diferentes regiões. Além disso, há comportamentos anti-sociais que não constituem crime mas ainda assim contribuem para um justificado sentimento de insegurança.

Outra alegação é a de que «a amplificação mediática dos fenómenos criminais» é uma das causas desse sentimento de insegurança. Também esta alegação me parece questionável. Primeiro, o aumento de 130% da cobertura mediática dos crimes ocorreu nos cinco jornais seleccionados: Correio da Manhã, PÚBLICO, Diário de Notícias, Expresso, e Sol. Isto não contabiliza coisas como o fecho do jornal O Crime em 2014, ou outras publicações do género. Além disso, haver mais relatos de crimes nestes jornais pode dever-se à mudança nos hábitos dos leitores. Hoje menos gente vai comprar o seu jornal preferido. Em vez disso vai a vários sites e vê publicidade, o que força os jornais atrair o maior número de pessoas em vez de se focarem naquelas dispostas a pagar. Mais importante ainda, esta correlação entre sentimento de insegurança e cobertura mediática não nos permite concluir que é a cobertura mediática que faz aumentar o sentimento de insegurança. Pode bem ser o contrário, com um maior sentimento de insegurança a aumentar o interesse neste tipo de notícias e os jornais adaptarem-se a isso pela necessidade de vender publicidade.

Nada disto prova que todo o sentimento de insegurança é racional e objectivamente justificado. Há muita subjectividade e até irracionalidade nestas coisas. Mas não se justifica concluir que é tudo manipulação e que estas preocupações são fabricadas pela comunicação social ou pelo discurso dos políticos de direita. Eu suspeito até que o principal trunfo da direita é esta premissa de muita gente na esquerda, que as preocupações dos eleitores de partidos como o Chega são apenas burrice de quem se deixa manipular. Não me parece sequer que políticos como Ventura sejam bons a convencer as pessoas. O que me parece é que se aproveitam daquilo que as pessoas sentem na pele e que outros descartam como disparate invocando estatísticas manhosas. Depois ficam espantados como tanta gente no Algarve votou no Chega quando a criminalidade desceu 1.3% entre 2000 e 2024.

1- Público, Nos últimos 25 anos, a criminalidade desceu. Mas crimes nas capas de jornais duplicaram
2- Os dados foram obtidos da Pordata.
3- Jornal de Negócios, Fevereiro de 2014,
"O Crime" deixa de ir para as bancas

14 comentários:

  1. Isto tem tudo a ver com o surgimento da televisão privada. Entre outras formas de arruinar o país, a televisão privada centrou os telejornais em histórias do crime.

    E já nos anos 90 era assim. Na altura havia mais criminalidade comparativamente com hoje? Sim. Mas mesmo na altura Portugal já era dos países mais seguros do mundo, e esse "pico" de criminalidade não era *nada* em termos internacionais.

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  2. é, a criminalidade devia ter descido significativamente numa população envelhecida, mas também é verdade que os mais velhos têm sensações de estar mais inseguros do que quando eram jovens

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  3. e o crime continua a vender jornais, já a publicidade nos jornais cm inclusive é cada vez mais escassa logo as receitas baixam e colocam cada vez mais pressão nos títulos dos jornais que vendem

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    1. depois há a percepção de idosos como eu de que uma ida à baixa da cidade se pode revelar insegura, os velhos têm medo e ainda compram jornais duas cousas que contribuem para o aumento de tais notícias

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    2. ozzy osborne morreu hoje, fui até à baixa e nenhum drogado me assaltou o que é uma melhoria em relação aos anos 90, o pessoal já não vai tanto para a dose de cavalo consome mais drogas sintéticas

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    3. o meu primo tem uns minimercados no algarve e não passa um dia sem roubos e sem idas ao tribunal e não vota chega, mas há um aumento de criminalidade no algarve particularmente em albufeira e são crimes contra as pessoas e não contra a propriedade

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    4. crime fiscal a julgar pelos jornais é pouco significativo, assim como o crime informático apanham uns de tempos a tempos como os hackers que se divertiram a passar receitas e certificados de óbito

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    5. pela 2ª decapitação em portugal depois da protagonizada pelo GNR há uns anos para destruir provas, as guerras de droga por lugares de venda aumentaram e dão uma perceção de aumento do crime talvez desajustada da realidade, o consumo era muito mais visível na década de 80 e 90 e agora faz-se discretamente e mais à base de drogas sintéticas do que de coca e heroína

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    6. o certo é que há membros do crime organizado sul-americano e asiático em portucale cousa que era rara há 20 anos De sempre175850
      Hoje698
      Ontem384
      Este mês14049
      Mês Anterior14523 um bom mês que chegou ao fim

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    7. o certo é que não foram máfias que decapitaram em lisboa e sim um estudante africano que já se entregou com cabeça e tudo para provar o crime, tirando alguns homicídios entre vizinhos e um latrocínio no norte temos ainda poucos homicídios em portugal

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  4. mas há a percepção sabe-se lá porquê que o crime violento aumentou De sempre178019
    Hoje483
    Ontem2384 máximo
    Este mês483
    Mês Anterior15735

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  5. essa do verniz educacional reduzir a criminalidade também tem o que se lhe diga, alunos com ensino superior também praticam crimes o nigeriano que decapitou em lisboa era aluno pretensamente de doutoramento, porque haveria uma população mais educada rejeitar o crime como modo de vida? a cleptomania e os problemas mentais continuam a existir numa pop mais educada e que não consegue ter uma remuneração à altura da sua pretensa educação foram cometidos 1700 e poucos crimes de assalto a transeuntes na área da gnr com 2 milhões e duzentos mil de proventos é uma remuneração potencial muito alta por assalto mais de mil euros porque iriam taes proventos só interessar quem ficou atrás no ensino secundário?
    há provavelmente mais crimes ditos de colarinho branco do que havia há 30 anos, o portugal de salazar tinha menos criminalidade violenta pois havia menos para roubar, prendia-se por roubos de lenha e comida, os assaltos a bancos eram raros e a pessoas também não eram muito frequentes pois poucos tinham mais que uma nota de 20 ou de 50 no bolso, um professor primário ganhava 1250$ ao mês, a sociedade tinha menos educação que a atual e o crime cujas estatísticas não existiam e eram raras as notícias nos jornais devido à censura parece ter sido de menor monta, só me lembro dum homicídio com desmembramento na minha juventude e de dois homicídios por rixas

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  6. fogo posto, pirómanos somos campeões europeus neste crime, ainda hoje foi preso em águeda um que já tinha cumprido duas penas de prisão pelo mesmo crime e só com 37 anos, um jovem agricultor

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  7. e há crimes económicos em barda, o maior é esta especulação imobiliária que se está a promover desde que a última bolha implodiu

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