Treta da semana (atrasada): sim, mas não assim.
A propósito da disparatada licenciatura em “medicina” tradicional chinesa, David Marçal e Carlos Fiolhais apontaram «a falta de provas científicas» e de «fundamentação científica» dessa disciplina e que «É por causa da medicina baseada na ciência que hoje vivemos mais e melhor.» Esta «medicina científica» é melhor que a outra que «usa uma linguagem pré-científica»(1). Miguel Guimarães, bastonário da ordem dos médicos, fez o mesmo: «Em vez de [defenderem] a ciência com base na investigação e na metodologia científicas [, defendem que] a saúde e a ciência não necessitam de ter valor científico.» Com muito «validar cientificamente», «base científica», «fundamentação científica», «metodologia científica» e afins, conclui que «Sem validação científica, devidamente comprovada, é a saúde das pessoas que fica em sério risco.»(2).
Eu concordo que as “medicinas” tradicionais são uma treta perigosa e que não têm nada de científico. Mas esta abordagem está errada. Não apenas por se pôr jeito de críticas demagógicas como a de Leonor Nazaré, que denuncia o «paradigma científico […] do materialismo positivista», alega que «investigação científica séria e independente [...] propõe alternativas ao paradigma materialista da ciência» e outros disparates difíceis de desmontar quando se defende a ciência como fonte autoritária de conhecimento (3). Marçal, Fiolhais, Guimarẽs e, infelizmente, muita gente que tenta defender a ciência, erram porque invertem a direcção da relação causal. Dizer que a medicina é fiável por ser científica é como dizer que o atleta foi mais rápido porque lhe deram a medalha de ouro. É o contrário.
O teorema do “nenhum almoço grátis”, de Wolpert, Macready e Schaffer, diz, aproximadamente, que todos os métodos para tirar conclusões a partir de um conjunto finito de dados terão o mesmo desempenho, em média, se aplicados a todos os conjuntos de dados matematicamente possíveis (4). Ou seja, a priori, não há um método científico que seja melhor que qualquer outra coisa. Podia bem ser que a melhor forma de prever e manipular a realidade fosse lendo as folhas do chá, rezando ou lançando búzios. Pode haver um universo paralelo no qual a medicina tradicional chinesa é que funciona e a nossa ciência só dá respostas falsas. Acontece que a realidade em que vivemos não permite tudo o que é matematicamente possível e, nesta realidade, os métodos para tirar conclusões e fazer previsões não têm todos o mesmo desempenho.
É importante perceber que a diferença entre um método que funciona e um que não funciona é mera consequência da estrutura da realidade que estamos a descobrir. Não é característica intrínseca dos métodos. Por isso, aquilo a que chamamos “método científico” não é uma autoridade a priori de virtude epistémica e conhecimento. É um conjunto de técnicas que vamos aperfeiçoando para aproveitar as regularidades da realidade que nos calhou.
É por isso falso dizer-se que a medicina a sério é mais fiável porque é científica. O correcto é dizer que esta medicina é científica porque a sua metodologia foi aperfeiçoada para ser fiável. Muitos truques que compõem o método científico servem para combater a nossa tendência para a ilusão e o auto-engano. Não podemos fiar-nos nas respostas dos pacientes quando perguntamos se o medicamento funciona. Temos de os enganar, dando a uns comprimidos falsos para medir a diferença, porque todos desejam que o medicamento funcione. Quem avalia as respostas também não pode saber qual é o comprimido verdadeiro porque, se souber, será tentado a viciar o resultado. Mesmo acautelando tudo isto com ensaios duplamente cegos, temos de esperar por confirmação independente porque somos demasiado espertos para fazer ciência de forma fiável. E temos de recorrer a truques da estatística para não tomarmos como significantes resultados que são mero acaso. O que torna o método fiável é ser aplicado com atenção à forma como a realidade funciona, em particular a parte da realidade que somos nós, as nossas limitações e os nossos enviesamentos. O método não é fiável por ser científico. É científico porque é fiável.
Isto é muito importante quando se defende a ciência. Não só porque dar a entender o contrário é transmitir uma ideia falsa, o que é contraproducente, como também porque perceber que a ciência é produto da procura contínua por métodos mais fiáveis permite descartar tretas como a das “outras formas de conhecimento”, os espantalhos do “cientificismo” e do positivismo lógico, o falso conflito entre filosofia e ciência e tantos outros disparates que dependem da defesa – errada – da ciência como autoridade última que dita o que é válido e o que não é. Se percebermos que “ciência” é simplesmente o rótulo que colamos ao conjunto de métodos que se revelaram, até hoje, melhores do que as alternativas que já experimentámos, esses ataques perdem eficácia.
Assim, proponho aos defensores da ciência que descartem definitivamente a argumentação fácil, mas incorrecta, que se apoia em “provas científicas”, “validação científica”, “base científica” e afins. Não justifica nada e só induz em erro. É melhor explicar porque é que os métodos que a ciência vai adoptando são mais fiáveis do que as alternativas descartadas. No caso da medicina tradicional isso até é fácil. Antigamente, ninguém conseguia averiguar se as explicações que propunham estavam correctas. Especulavam acerca de humores, de yin e yang, de meridianos e da influência dos astros mas faltava-lhes os instrumentos e o conhecimento para ver quem tinha razão. Como é inevitável nesses casos, quase ninguém tinha razão e os restantes tinham pouca e só por sorte. Não se pode compreender infecções antes de inventar microscópios. É isso que interessa explicar. Ser científico ou não é uma mera consequência disto e não justifica nada.
1- Público, Terapias alternativas: quando as portarias substituem as provas.
2- Público, O ministro da “medicina tradicional chinesa”
3- Público, Biopolítica
4- Wikipedia, No free lunch in search and optimization
Ludwig,
ResponderEliminarSobre este tema, bem como para outros, em que a ênfase está na experiência pessoal e a crença que está enraizada, não há muito a fazer, a não ser tentar melhorar a informação e a formação das novas gerações. Pode ser que a prazo, as mentalidades mudem.
Por outro lado, vejo isto com uma perspectiva crítica à medicina que se ensina e se pratica. Parece-me (e pode ser uma visão enviesada) que a prática é de despachar o paciente, e não se dá importância suficiente à relação humana: um doente pode e deve ter direito ao chamado "care efect", os médicos e outros agentes tendem a não dar valor a este aspeto psicológico do doente, que espera ser atendido, ouvido e receber preocupação e cuidado da outra parte, pois é assim que a mente humana funciona. Neste aspeto, as "alternativas" trabalham melhor os doentes, e as pessoas até se sentem melhor, só pela "consulta".
Parece-me que, se as escolas passam essa informação aos novos médicos, em parte, isso não é aplicado no mundo real, e isso também leva à tal procura de alternativas, alguém que os oiça, os compreenda e os cuide.
«Sobre este tema, bem como para outros, em que a ênfase está na experiência pessoal e a crença que está enraizada, não há muito a fazer,»
ResponderEliminarA crença na MTC é uma opção pessoal. Mas não é esse o tema. O tema é a aprovação de uma licenciatura que se diz ser em medicina quando não é em medicina. Isso não é apenas uma questão de crença pessoal.
«Parece-me (e pode ser uma visão enviesada) que a prática é de despachar o paciente, e não se dá importância suficiente à relação humana»
Depende. Se fores a um médico privado e pagares 100€ por uma consulta até podes ser muito bem atendido, com consideração que baste à relação humana.
O problema surge quando temos de optimizar o uso de recursos limitados para garantir que toda a gente tem acesso a cuidados básicos de saúde. Ou aumentas o financiamento do SNS ou tens de aceitar que despachem os pacientes da forma mais eficiente mesmo que isso seja pouco satisfatório.
Ludwig,
ResponderEliminarEu até sou capaz de aceitar em parte o argumento da falta de recursos. Mas parece-me que estás a não ver o meu argumento.
Repara: há a ideia de que não há recursos, que há muitas pessoas nas salas de espera e temos de as atender a todas. Daqui, resulta uma medicina top-down: o médico determina e a pessoa faz. No entanto, é esta a base que leva as pessoas a procurar as alternativas.
A própria OMS diz que saúde "é o bem estar físico, psicológico e social". Esse tipo de prática, leva a só resolver 1/3 da saúde, e é nos outros 2/3 que as alternativas atuam e têm tido sucesso.
Então, é um problema de financiamento?, perguntas. Mas não é só isso. Os médicos até aprendem estas coisas todas na faculdade, mas quando vão para o terreno, fazem como os outros mais velhos, por vários motivos: não convém levantar muita poeira para não serem prejudicados, convém manter os chefes contentes, e depois, há ainda a velha ideia do poder, e um/a fulano/a com bata que ouve e depois ordena, mantém a distância e o poder. Mas são estas práticas, que mesmo que pagues os 100€/consulta, continuas a receber.
O problema continua nos 2/3 da saúde que os médicos não estão a atacar, quando só se centram na parte física, que sendo importante, não o todo e até pode nem ser a parte mais importante de um paciente.
Os "praticantes" de alternativas, ao ter uma postura diferente, mais psicológica e social (talvez já tenhas reparado quantos apresentam cursos de psicologia e similares), fazem com que as pessoas procurem essas alternativas. Isto por sua vez, leva a uma questão económica: se há quem procure, há quem ofereça. E finalmente, aos governantes, que querendo receber os impostos de uma prática até aí inexistente, tem de a regulamentar para depois poderem fazer a coleta.
Este caso tem tudo a ver com a forma de despachar os clientes, e tudo com leis de mercado e receitas de impostos. Ao ignorar a génese desta procura, a medicina não vai ter outra alternativa que não seja aguentar com a concorrência. Dizer mal, só vai fazer com que as pessoas procurem e tentem saber por si mesmas, se é assim tão mau, ou se até funciona. E uma vez que, quer o efeito placebo, quer o efeito care são muito fortes, as alternativas vão sempre ter muitos clientes - a experiência pessoal e o passa a palvra funciona bem.
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