domingo, outubro 01, 2017

Treta da semana (atrasada): a democracia não presta.

Em todas as eleições há quem declare que a democracia não funciona. E ainda bem. A democracia é muito mais do que o voto e é bom que haja discussão sobre todos os valores que nos orientam. Incluindo a própria democracia. Como dizia Mill, a liberdade de exprimir qualquer opinião é importante porque tanto serve para divulgar ideias boas como para percebermos que algumas ideias são más. Desta vez, as críticas pareceram-me dividir-se em três tipos: os candidatos não prestam; os eleitores são ignorantes; e muita gente vota por interesses menos nobres do que o bem colectivo. Mas nada disto justifica a abstenção nem são, em si, problemas graves para a democracia. A abstenção continua a ser o maior problema.

Para quem sempre votou num partido e agora reconhece que a sua equipa não está a jogar nada, a tentação de não votar é compreensível. Mas é má ideia. Para os candidatos, ganhar a autarquia com 20% de abstenção ou 80% de abstenção vai dar ao mesmo. E quem não vota conta menos. Não estou a dizer que não tenham o direito de se queixarem só porque não votaram. Toda a gente tem o direito de se queixar. Mas os políticos não dão grande importância a quem se abstém. Por um lado, porque é mais proveitoso aliciar eleitores dos outros partidos. Por cada voto que ganham assim é um voto que a concorrência perde, portanto esses valem o dobro. E, por outro lado, é mais fácil perceber como aliciar quem vota. Se um partido ecologista ganha muitos votos, a seguir os outros partidos começam a preocupar-se com o ambiente. Se um austeritário perde votos, os outros começam a opor mais a austeridade. A democracia não é uma eleição. São eleições regulares e cada uma informa os candidatos das seguintes. Quem não vota não diz o que quer e, por isso, ninguém lhe liga. Nem nestas eleições, nem nas próximas.

A ignorância é um problema mas é menos grave do que o pintam. É claro que seria preferível que todos os eleitores se informassem adequadamente acerca dos candidatos e dos seus projectos. Aumentava a probabilidade de obterem o resultado que desejam. Mas a eleição de representantes não é uma decisão técnica que tenha de se restringir a critérios objectivos. Também é legítimo preferir ser representado por uma certa pessoa porque se gosta da sua pinta, porque é simpática ou qualquer outra razão. A escolha do representante menos mau entre os que se candidataram tem um aspecto subjectivo irredutível que lhe dá legitimidade mesmo quando se desconhece quaisquer detalhes técnicos acerca da candidatura.

Finalmente, há o problema dos candidatos aldrabões e dos eleitores interesseiros. Curiosamente, este é um ponto importante a favor da democracia e da participação dos eleitores. Votar por interesse pessoal é racional. Eu votei na candidatura que me pareceu ter os projectos que mais me interessam. É verdade que há interesses menos legítimos, alguns até ilegais, mas a democracia é a melhor forma de conciliar todos os interesses. Qualquer alternativa acabaria simplesmente por impor os interesses da minoria à maioria dos outros. É também por causa dos aldrabões e dos interesseiros que importa que todos votem. Mesmo quem não tenha uma preferência clara por um candidato pode – e deve – contribuir para diluir o poder dos interesseiros e dos aldrabões. Esses vão votar de certeza, e cada abstenção faz contar mais esses votos.

É verdade que a democracia não é um sistema perfeito. Mas é o melhor que se arranja e se não votamos ainda fica pior. É de aproveitar que não estamos na Catalunha.

7 comentários:

  1. Yep. A democracia na realidade é um sistema de sociedade utópico, que funciona a 100% se 100% das pessoas votarem com 100% de informação disponível sobre 100% dos candidatos, que se assume que tenham explicado a 100% precisamente aquilo que pretendem fazer. Ora isto não acontece nem de perto nem de longe, claro está; mas isso não é um problema da «democracia» enquanto conceito, mas apenas dos cidadãos nessa democracia (que, sendo humanos, não são perfeitos).
    Eu voto sempre não na convicção de que vá, pessoalmente, «mudar» alguma coisa (que na linguagem da maioria das pessoas significa «arrecadar mais vantagens para mim pessoalmente»), mas simplesmente porque sei que tenho o direito de exprimir a minha opinião sobre quem é que deve estar a governar em meu nome. É um direito de que não abdico, e não se trata sequer de «ganhar» ou «perder», mas sim reconhecer que quanto menos pessoas votarem, mais vão estar representadas as opiniões de apenas uns poucos e não de todos (nomeadamente a minha!)
    Aliás, nestas autárquicas até me portei muito mal. Normalmente costumo ler os programas de todos os partidos e tento tomar uma decisão de acordo com o que acredito que seja possível implementar nesses programas (uma coisa bem diferente de dizer que prefiro mais umas coisas do que outras — mas a política é a «arte do possível», como dizia Bismarck, e nem sequer considero projectos «impossíveis» mesmo que me pareçam excelentes!). Desta vez, fui preguiçoso: acho que o actual presidente da câmara do concelho onde vivo fez um excelente trabalho em tudo o que me afecta pessoalmente e não conheço ninguém para além do meu sogro (que mora no mesmo concelho) que tenha alguma reclamação a fazer contra este presidente. Aliás, mesmo as reclamações reais que o meu sogro tinha foram, com o tempo, todas elas resolvidas, uma por uma (coisa que o meu sogro não irá admitir, claro está). Pode-se fazer sempre mais e melhor, e acredito que haja imensa corrupção por trás disto tudo, mas recordo-me sempre das palavras de um amigo meu que uma vez me visitou e qe disse: «é pá, mas isto aqui no teu concelho está tudo arranjadinho, com parques e jardins, isto é que é um luxo!» Eu fiquei pasmado porque nem sequer considero esta zona lá muito «arranjadinha», e acho que faltam sempre árvores e jardins comparado com outras zonas do país, mas percebi também que o meu amigo estava a relativizar — no concelho dele as coisas pelos vistos não funcionavam da mesma forma.
    Enfim, é uma razão válida como qualquer outra para ir votar. Quero lá saber se é «outra vez no mesmo», ou se o partido do dito cujo vai ter uma derrota sensacional à escala nacional, ou até mesmo se o candidato irá ser acusado um dia destes de corrupção (é bom sinal que estas coisas aconteçam, afinal de contas; mais vale sabermos quem é corrupto e metê-los na cadeia do que sermos hipócritas e acreditar que os candidatos são todos «uns anjinhos» que só querem o melhor para nós). Só sei que, do meu ponto de vista particular, fez um bom trabalho. Os restantes candidatos nem os conheço, nem sei o que fizeram pelo concelho, ou se sequer vivem nele. E não tem mesmo nada a ver com a côr política. Se vivesse em Oeiras, Porto, ou Lisboa, votava em cores políticas completamente diferentes e opostas: porque em todos esses casos há candidatos bem melhores com projectos plausíveis e com capacidade de os executar, e isto é verdade para cores políticas bem diferentes, dependendo onde se vive...

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  2. Ah. E devo reconhecer que a nossa democracia pode não ser de todo perfeita (falta, por exemplo, muito escrutínio por parte da sociedade civil, que não se devia esgotar nas urnas), mas um país que dá o direito a votar à Madonna que se estabeleceu como residente na cidade de Lisboa há poucos meses atrás merece pelo menos umas palmadinhas nas costas por ter uma atitude inclusiva para com todos os que por cá vivem :)
    Compare-se isto com os Estados Unidos, onde existem vastas zonas onde as pessoas são impedidas de se recensear para que não possam votar (mesmo que sejam cidadãos de nascença, residindo sempre no mesmo sítio) — um problema endémico que é vergonhoso naquele país que se intitula «a maior democracia do mundo». Por cá, desde que se esteja inscrito como residente (e qualquer pessoa pode fazer isso desde que tenha uma casa e viva nela), nós damos logo o direito ao voto. Além de que todos os cidadãos nacionais são automaticamente recenseados quando atingem os 18 anos — assim como alguns cidadãos que têm estatutos especiais (como é o caso dos brasileiros que pedem esse estatuto). Os outros residentes não são recenseados automaticamente, mas basta irem à Junta de Freguesia com a autorização de residência e pronto!

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  3. Ludwig,

    do muito que se poderia dizer sobre pensamento crítico e democracia, preferes alinhar com a malta da boa e tudo ao monte, fé em Deus. Democracia é o endeusamento demagógico do politicamente correto. Se houvesse heresia, atualmente, seria criticar a democracia e, não obstante, todos a detestam. Digo-o porque, perante as críticas, respondem, invariavelmente, e tens alternativa?
    Seria bom que a democracia fosse uma festa tipo tudo ao molho e fé em deus, porque é assim que o povo vive as coisas, com alegria e sentido de humor.
    Mas a democracia é uma ideia muito bonita (que o povo adora até à embriaguez) nas mãos de organizações que, legitimamente, "conspiram" e manipulam o poder dos votos.
    Os poderes económicos e financeiros e outras conspirações não encontram oposição nem obstáculos na democracia, pelo contrário, esta é o terreno fértil, por excelência, para a conspiração e a tramoia e a corrupção.
    Há que tomar consciência, sem pudores nem tabus bacocos, de que nenhum sistema ou regime político resiste por muito tempo à metamorfose imposta pelos detentores do poder económico.
    Em democracia a conspiração é um meio legítimo de manter, alcançar ou derrubar o poder.
    Primeiro é preciso dizer às pessoas o que é e como funciona o poder. Façam uma sondagem para perceberem a gravidade da situação.
    Falam em representatividade, em contrato social...Quem sabe o que isso é?
    Nem sequer isso é uma opção, é o que há.
    E nem sequer se apresenta como um típico contrato de adesão, que o cidadão subscreve ou não, porque ao cidadão não é dada a possibilidade de não contratar o sistema.
    Um cidadão que não tenha aceite, sequer tacitamente, ou que, expressamente, repudie os poderes instituídos, democráticos ou não, não deixa de estar sujeito aos mesmos, nas mesmas condições em que o estão aqueles que os aceitam.
    Isto é democracia?
    Assim, até o significado e os efeitos da abstenção são estabelecidos ou convencionados pelo sistema (democrático?), ou seja, não significam o que realmente são (não subscrição da representatividade de nenhum dos candidatos), mas o que o sistema assimila no seu interesse, ou seja, aceitação tácita dessa representatividade.
    Ludwig, não vou maçar-te mais, neste dia tão emocionante de bonacheironas eleições democráticas, tanto quanto o foram as campanhas, mas o povo, os votos, são, para não pensar muito, um instrumento nas mãos de quem toda a gente sabe.
    Eu acredito em teorias da conspiração. E tu?

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  4. Miguel,

    «A democracia na realidade é um sistema de sociedade utópico, que funciona a 100% se 100% das pessoas votarem com 100% de informação disponível sobre 100% dos candidatos»

    Isso é como dizer que os antibióticos são um medicamento utópico que funcionariam a 100% se curassem 100% das doenças a custo zero e sem efeitos secundários... Utópico é esse critério de satisfação :)

    Tal como os antibióticos, a grande vantagem que a democracia tem em relação às alternativas é que funciona melhor.

    «Enfim, é uma razão válida como qualquer outra para ir votar.»

    Sim, e esse é o ponto principal. O melhor da democracia não é dar garantias que, colectivamente, possamos tomar as decisões mais sensatas logo da primeira vez. O melhor da democracia é que se vota regularmente e que qualquer asneira óbvia será corrigida da próxima. Por exemplo, o problema da Alemanha nos anos 30 não foi o resultado das eleições de 1932. Foi ter acabado a democracia a seguir. Porque se continuasse a haver democracia (liberdade de crítica, imprensa independente, eleições regulares, liberdade de oposição política, etc) não tinha acontecido o que aconteceu.

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  5. Carlos,

    «Em democracia a conspiração é um meio legítimo de manter, alcançar ou derrubar o poder.»

    Sim. Mas enquanto que noutros sistemas políticos essa conspiração pode limitar-se à família real, à nobreza, aos generais, ao comité central do partido ou algo assim, conforme o caso, numa democracia a conspiração tem de se estender à maioria da população. É daí que vem a enorme vantagem da democracia.

    É certo que se pode manipular os eleitores, prometer coisas que não se vai cumprir e assim. Mas, seja como for, é preciso aliciar milhões de pessoas a participar na conspiração e, mais importante ainda, depois é preciso mantê-los regularmente a votar no mesmo. Isso torna a democracia bem mais benigna do que as alternativas.

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  6. A democracia é como a ciência. Não prestam, não são lógicas (uma é uma variante do ad populum e a outra practicamente assume a indução como valida) mas não há nada melhor. Nem perto.

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