Treta da semana (atrasada): Trump e os ofendidos.
Donald Trump teve sessenta e dois milhões de votos, mais dois milhões de votos que John McCain e Mitt Romney quando perderam para Barack Obama. Obama teve 69 milhões de votos em 2008, 66 milhões em 2012 e, agora, Hillary Clinton teve 64 milhões de votos. Nestas três eleições os Democratas caíram cerca de 7% em proporção aos eleitores, com os Republicanos a manterem a sua fatia aproximadamente constante. A menos de surpresas nas recontagens, esta eleição parece ter sido mais uma derrota dos Democratas do que uma vitória dos Republicanos (1).
Boa parte do problema foi Clinton. Ganhou a candidatura graças ao apoio da cúpula do partido Democrata, dos superdelegados ao comité nacional, e da gente importante que queria afastar Sanders. Mas, ao contrário de Sanders, não ofereceu nada de novo que entusiasmasse eleitores fartos do vira o disco e toca o mesmo. Por outro lado, factores sociais e económicos alteraram a demografia do eleitorado republicano e isto acabou por dar a vitória a Trump mesmo ficando atrás no voto popular. Beneficiou também dos votos de protesto contra Wall Street e contra a crescente desigualdade de rendimentos nos EUA (2). Quem sofre injustiças tem mais vontade de partir tudo do que de optimizar racionalmente os seus benefícios. Isto foi importante na vitória de Trump como já tinha sido no Brexit e como será novamente enquanto não resolvermos as injustiças económicas que ameaçam a nossa democracia.
Mas o aspecto mais saliente da vitória de Trump foi o seu populismo racista e xenófobo. Custou-lhe alguns votos, ao alienar a franja menos insana do eleitorado republicano. Mas, feitas as contas, compensou. Ainda que muitos eleitores não tenham votado em Trump por serem racistas ou xenófobos, o facto é que sessenta e dois milhões de pessoas lhe deram o seu voto apesar dele defender políticas obviamente imorais e perigosas, de deportações em massa a perseguição religiosa. A popularidade destes disparates sugere um erro grave na forma de os combater e eu suspeito que esse erro é a crescente intolerância daqueles que, em nome da igualdade, atropelam a liberdade de pensar de forma diferente. Um mal do qual também sofremos por cá.
Se um barbeiro só atende homens, invadem-lhe a barbearia (3). Se um comentador diz mal dos ciganos, fazem uma petição para o proibir de aparecer na TV (4). Se o dono de um hotel pede a homossexuais para não pernoitarem lá, é caso para a ASAE e exige-se legislação à medida para proibir tais pedidos (5). Esta luta pela igualdade não reconhece a diferença entre o que é incorrecto e o que é legítimo proibir. Além de não respeitar a liberdade de consciência dos outros – mesmo quem erra tem o direito de ser como é e de dizer o que pensa – esta atitude é estúpida. Racismo, misoginia, xenofobia e afins são ideias. São sensações, preferências, disposições íntimas que não se pode combater pela força. O ladrão preso não rouba mas o racista censurado ou coagido continua a ser tão racista quanto era. Vai apenas disfarçar até estar sozinho com o boletim de voto.
Para combater ideias más é preciso persuasão, o que exige vontade de dialogar e respeito pela liberdade de discordar. Infelizmente, muita gente que defende a igualdade de direitos fá-lo sob a impressão errada de que a indignação e a força têm mais virtude do que o diálogo. O problema tem-se agravado com a crescente dependência de negócios de venda de publicidade a que chamam “redes sociais”. Para maximizar o tempo que as pessoas lhes dedicam, estes serviços encorajam, e até automatizam, a filtragem de tudo o que possa desagradar ao utilizador. Muita gente até se gaba com orgulho de “limpar” as suas listas de contactos para se isolar de quem pensa de forma diferente. Se bem que, individualmente, esta intolerância é legítima – cada um tem o direito de decidir onde gasta o seu tempo – a morte do diálogo pela indignação do virtuoso é uma oportunidade perdida de esclarecer, de explicar e de vencer este combate onde ele tem de ser vencido. Na mente do outro. Não se consegue persuadir toda a gente com diálogo. Há muita gente demasiado casmurra. Mas sem diálogo o resultado é ainda pior e, como Trump demonstrou, não é preciso persuadir toda a gente. Basta alguns, no sítio certo.
Pior ainda, quando esta atitude de intolerância se manifesta colectivamente, a tendência é estender o filtro para a coerção e censura. Não basta mudar de canal. É preciso proibir o racista de aparecer na televisão, ou banir o vídeo do YouTube, ou retirar a página da Internet, fechar a barbearia e assim por diante. A mensagem que isto transmite a quem tem opiniões politicamente incorrectas é clara. Só terá liberdade para dizer o que pensa quando estiver no poder quem partilhe dessas opiniões. Isto praticamente força as pessoas a eleger alguém como Trump só para poderem dizer o que lhes vai na mente.
Quem usar o diálogo para opor o racismo, a misoginia e demais formas de discriminação tem a vantagem de ter razão. Ter razão não garante sucesso mas ajuda muito. No diálogo. Na coacção e na repressão tanto faz porque aí só conta a força. Nisso, ter razão não adianta de nada. É esta vantagem que perde quem “desamiga” o intolerante, quem assina a petição para censurar o racista e quem exige leis que proíbam hoteleiros de pedir clientes heterossexuais. Barafustar de indignação pode dar likes mas, se querem mesmo combater estas ideias parvas, têm de deixar de se fazer de ofendidos e começar a falar com as pessoas. E admitir que elas discordem.
E aqui fica a versão TL;DR deste post:
1- CNN, Voter turnout at 20-year low in 2016; ver também aqui as contagens actualizadas e aqui o perfil dos eleitores.
2- Wikipedia, Income inequality in the United States
3- Público, 2015, Activistas invadem barbearia de Lisboa onde só entram homens e cães
4- Petição Pública, Afastar Quintino Aires da TV
5- DN, Hotel no Minho veda entrada a "gays e lésbicas"
Concordo! Se obrigarmos as pessoas a não serem racistas, misóginas ou homofóbicas elas vão votar em politicos demagogos e depois é que são elas!
ResponderEliminarLudwig,
ResponderEliminarTrump é antes de mais um fulano que está habituado a negociar - é o que ele sempre fez, negociar e tentar obter o máximo por menos!
Seguindo esta lógica, ele preparou três fases:
1) ganhar a candidatura do partido.
2) ganhar as eleições.
3) depois de obter o poder, logo se vê.
Se reparares, tudo o que ele fez foi tentar um objectivo de cada vez. O objectivo final é para outras núpcias.
Os meios justificam os fins, e isso parece ser a pedra angular da sua forma de pensar, ainda que não tenha um objectivo final claro além da presidência em si (pelo menos é que parece, pois não consigo ler os pensamentos dele).
De certa forma, os anúncios que tem vindo a fazer sobre os primeiros cem dias, parecem seguir esta forma de pensar e de agir: não há um grande objectivo, há uma série de medidas para se implementar e avaliar à medida que o tempo passa. Uma coisa é certa: a presidência é dele.
A cena da intolerância, racismo, proteccionismo exacerbado e tudo o mais, foram os meios para obter o prémio.
O perigo, não creio que venha do "The Donald"; creio que é mais provável que venham de uma cambada de "artistas", que agora se sentem impunes e com à vontade suficiente para se assumirem publicamente como trogloditas retrógrados e assim tentarem impor a sua visão do mundo, sem qualquer respeito. Não deixa de ser interessante que uma boa parte dessa gente, se afirme como cristãos: lá se foi a base moral de que tanto se vangloriam.
“... esta eleição parece ter sido mais uma derrota dos Democratas do que uma vitória dos Republicanos”
ResponderEliminarBelo jogo de palavras inócuo, uma vez que derrota e vitória são interdependentes. E ninguém aqui está falando de Vitória de Pirro, porque não foi uma vitória com prejuízos irreparáveis.
“Mas, ao contrário de Sanders, não ofereceu nada de novo que entusiasmasse eleitores fartos do vira o disco e toca o mesmo”
Sanders, um socialista que desejava quebrar os EUA com seu ridículo “medicare for all”; usar a força bruta do governo para aumentar impostos em quase 20 trilhões de dólares – sim, porque decertos governos sabem como gastar dinheiro dos outros... isso faria com que os mais ricos simplesmente abandonassem o país, investiriam dinheiro e emprego em outros locais; usar a força bruta do governo para dividir bancos grandes em vários, e refazer milhões de contratos mundo afora, sem falar que bancos pequenos não conseguem financiar empreendimentos de grande porte, necessários, nem financiar capital de giro de grandes companhias, etc; Sanders, que amava Fidel Castro, o facínora assassino; que achava que os negadores das mudanças climáticas deveriam ser processados, como os negadores do holocausto; que queria expandir a seguridade social, quiçá para transformar os EUA na decadente Europa, cuja população de vagabundos hedonistas perdeu a fibra, nem filhos quer ter mais; queria tornar todas as faculdades gratuitas; queria abolir o Uber; queria acabar com as prisões privadas nos EUA... Isso para listar apenas dez ideias disparatadas. Mas é isso aí... Como é um socialista, a simpatia fala mais alto para você. É o que me parece.
“...dar a vitória a Trump mesmo ficando atrás no voto popular.” “Mas o aspecto mais saliente da vitória de Trump foi o seu populismo racista e xenófobo.”
A Europa contém ainda, dormentes, todos agentes responsáveis pelo seu vergonhoso histórico de insanidade nacionalista, totalitária, xenófoba. Não têm como ensinar democracia aos EUA, país que em quase 250 anos nunca teve um ditador. Ensiná-los o melhor método de contagem dos votos chega a ser patético. Assista aí: https://www.youtube.com/watch?v=V6s7jB6-GoU
Descuidem um pouquinho mais e verão novamente seus Salazares, Francos, Hitlers, Mussolinis, Stalins, etc., a promoverem mais uma vez a destruição em seu continente. E depois, como nas duas grandes guerras, serão salvos pelos malditos americanos (ou estadunidenses, como os chamam os esquerdistas mais ressentidos), aqueles que não entendem muito de democracia... rsrs
Por que Trump é racista? Islamismo é raça? Sou contra ele propor vetar a entrada de islâmicos “até descobrirmos que diabos está acontecendo”. É inconstitucional e ele não conseguirá fazer isso (e sou contra suas ideias protecionistas; mas nada que se compare à Hillary Maligna Clinton). Trump é xenófobo porque deseja deportar imigrantes ilegais? E o Obama, que já deportou, sozinho, mais do que todos presidentes americanos do séc. XX, juntos? E não estou falando daqueles capturados na fronteira. Clinton já construiu mais de mil km de muro entre EUA e México, e Hillary afirmou ser a favor de aumenta-lo – antes da corrida eleitoral, obviamente. Trump não quer acabar com a imigração legal. Apenas com a ilegal. Por que premiar quem quebra a lei? Seria o mesmo que dar de presente ao ladrão o carro roubado, para ele deixar de ser ladrão... rsrs. Que sigam os trâmites normais. O país é soberano para defini-los. E os EUA sempre receberam milhões de imigrantes – a Europa totalitária e xenófoba que o diga... Quanto ao fato de ser misógino, ora bolas! Comentários em vestiário... Era uma eleição para Papa?
De resto, saudações! Escreva mais frequentemente!
descerto*
ResponderEliminarKkk
ResponderEliminarAgora que vi. Fui corrigir o "decertos governos" por "decerto governos" e foi um "s" que não fora convidado... abs!
Catellius,
ResponderEliminar«Belo jogo de palavras inócuo, uma vez que derrota e vitória são interdependentes.»
Para determinar quem ganha é indiferente. Mas para diagnosticar as causas do resultado, é importante distinguir entre sofrer golos marcados pela equipa adversária ou perder por ter marcado na própria baliza.
«Sanders, um socialista que desejava quebrar os EUA com seu ridículo “medicare for all”»
Gostava de ver as contas em que te baseias para concluir que um sistema nacional de saúde acessível a todos iria “quebrar os USA”. É estranho que a economia dos EUA não aguente com um sistema como há no Canadá ou no norte da Europa.
«Trump é xenófobo porque deseja deportar imigrantes ilegais?»
Se aquilo que torna a pessoa ilegal é o simples facto de ser estrangeiro, parece-me que encaixa bem na xenofobia.
Mas não é só por isso. A xenofobia, o racismo e o desprezo completo pela decência foram bandeiras da campanha de Trump. Essa foi a grande diferença.