sábado, janeiro 30, 2016

Treta da semana (atrasada): tipos totalmente diferentes.

«Quando é que viveram os dinossauros?» é uma das perguntas num artigo do criacionista Ken Ham que o Mats traduziu para o seu blog (1). «Segundo os evolucionistas, os dinossauros “dominaram a Terra” durante 140 “milhões de anos”, morrendo há cerca de “65 milhões de anos”. No entanto, os cientistas nunca desenterram coisa alguma a dizer “Tem X milhões de anos”.» Isto é verdade. Não se encontra a idade escrita nos estratos rochosos ou nos fósseis. Mas, mesmo que se encontrasse, também não adiantaria de nada. Não é por estar escrito “tenho 60 milhões de anos” numa pedra que se justifica concluir que a pedra tem 60 milhões de anos. Era importante que os criacionistas percebessem isto, tanto os criacionistas assumidos que acreditam que a Bíblia é literalmente verdade quanto os criacionistas disfarçados que acreditam que a Bíblia é só metaforicamente verdade. Escrever coisas é fácil. O difícil, mas muito mais útil, é determinar se são verdade. Segundo Ham, «Se por acaso somarmos todas as datas, e aceitarmos que Jesus Cristo, o Filho de Deus, veio à Terra há cerca de 2000 anos atrás, chegamos à conclusão de que a criação da Terra e dos animais [ocorreu] há apenas 6,000 anos!» Será verdade?

Em 1994, na Pedreira do Galinha, um grupo de amigos descobriu um dos mais longos trilhos de pegadas de dinossáurios que se conhece. As pegadas estão marcadas numa laje de calcário que foi exposta após décadas de extracção de brita da pedreira. Os dinossáurios caminharam por uma praia ou lagoa rasa, deixando pegadas na lama. A sedimentação tapou as pegadas, a lama tornou-se em pedra calcária, dezenas de metros de sedimentos se acumularam por cima e se transformaram também em pedra e, pelo movimento das placas tectónicas, foi tudo empurrado para o cimo daquilo que é agora a Serra de Aire. Só depois de anos de extracção das camadas superiores é que as pegadas voltaram a ficar expostas (2). Nenhuma das pedras tem lá escrito se este processo demorou 175 milhões de anos ou seis mil. É só uma compilação de histórias tradicionais de uma tribo hebraica antiga que sugere que este processo terá demorado apenas seis mil anos. Mas, além desta tese ser pouco plausível, não há evidências de que os antigos hebreus conhecessem a Pedreira do Galinha ou sequer estivessem minimamente informados acerca da história geológica da Terra.

O autor alega também que «Os evolucionistas [imaginam] que um tipo de animal evoluiu lentamente para outro tipo de animal totalmente diferente.» Pessoalmente, parece-me ser este o erro mais interessante dos criacionistas. Uma condição fundamental para compreender a teoria da evolução é perceber como a noção de tipos de seres vivos é ilusória. Consideremos o exemplo dado neste artigo, «acreditam que os anfíbios foram lentamente mudando até passarem a ser répteis (incluindo dinossauros) através deste processo gradual.» Em rigor, se por “anfíbios” referirmos a classe Amphibia, então não é verdade que os répteis tenham evoluído dos anfíbios. Esta classe é um ramo diferente, descendente dos tetrápodes originais de onde os répteis também surgiram. Mas é verdade que, entre peixes e répteis, houve espécies intermédias de anfíbios no sentido mais coloquial do termo. Quando olhamos para peixes e répteis modernos, é fácil notar que diferem na locomoção, estrutura do esqueleto, órgãos respiratórios, impermeabilização dos ovos e uma data de outros atributos cuja correlação nos permite separá-los em tipos. O tipo dos peixes tem estes atributos; o tipo dos répteis tem aqueles atributos. Mas quando olhamos para os fósseis, essa correlação desaparece. O Tiktaalik foi um peixe mas a estrutura óssea dos seus membros anteriores era como a dos répteis e não como a dos peixes que reconhecemos hoje. O Acanthostega foi um peixe com patas em vez de barbatanas; as patas não conseguiriam suportar o seu peso fora de água mas serviriam para se deslocar pelo fundo ou entre a vegetação aquática. O Greererpeton foi um tetrápode aquático, que tinha brânquias e se locomovia impulsionado pela cauda mas cujas patas já permitiam que se deslocasse fora de água (3). A correlação entre atributos que observamos nas espécies modernas é consequência de estarmos a olhar apenas para uma imagem do filme. Quando olhamos para o que aconteceu no passado, notamos que a evolução dessas características é independente e que, por isso, deixa de ser possível separar os animais em “tipos”. Há organismos, populações de organismos, linhagens e variações nas distribuições de características ao longo do tempo mas o “tipo” é uma ilusão criada pela ignorância do processo.

A transição entre anfíbios e répteis também não consiste na mudança entre um tipo e outro “totalmente diferente”. O Gephyrostegus era um anfíbio, porque só se podia reproduzir na água, enquanto o Protoclepsydrops era um réptil porque já era um amniota, pondo ovos impermeáveis. No entanto, nas restantes características, diferiam muito pouco entre si e qualquer leigo diria serem ambos lagartos. A diferença entre répteis e anfíbios é tão pequena que, em casos como o do Westlothiana, nem sequer sabemos em que grupo colocá-los porque desconhecemos como eram os seus ovos (4).

Os criacionistas têm razão em criticar a ideia de que «um tipo de animal evoluiu lentamente para outro tipo de animal totalmente diferente». É uma ideia falsa. Não pela evolução, porque a evolução gradual pela variação de características ao longo das gerações é um facto perfeitamente evidente no registo fóssil. Mas é falsa porque isso do «tipo de animal totalmente diferente» é uma ficção. Os répteis de hoje parecem ser totalmente diferentes dos anfíbios e isso leva-nos a imaginar dois “tipos” muito diferentes. Mas conforme recuamos nestas linhagens, a correlação de características que cria essa ilusão vai-se desfazendo e, na origem, os grupos só se distinguem por diferenças pequenas. No caso dos anfíbios e dos répteis a diferença é literalmente tão fina quanto a casca de um ovo.

1- Mats (ou Lucas), Os dinossauros e a Bíblia
2- E vale bem a pena ir lá ver. Monumento Natural das Pegadas
3- Wikipedia, Tiktaalik, Acathostega, Greererpeton
4- Wikipedia, Gephyrostegus; Dinopedia, Protoclepsydrops; Wikipedia, Westlothiana

13 comentários:

  1. Ludwig,

    Tens noção do que acabaste de fazer?!?
    Vamos ter listas e listas de textos da Bíblia a provar como és um ignorante... E nós pobres leitores deste blog, temos de fazer scrolls intermináveis até chegar ao final, só para perceber que a culpa, essa, é mesmo do Darwin, esse fulano mesquinho, machista, racista e que pelos vistos usa ceroulas de malha...

    Queres saber uma coisa? Vou mas é voltar a repescar o manual de Prolog que tinha escondido desde o séc. XIV, e vou tentar iniciar-me nas artes da alquimia. "Nequaquam vacuum", porque "a noite é longa e cheia de perigos", e mais um conjunto de tretas para me intreter.

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  2. Já experimentaste isto?
    http://ktreta.blogspot.pt/2009/08/filtragem-de-comentarios.html

    É um script que fiz para filtrar comentários de quem não queiras ler. Penso que ainda deve funcionar (mas se não funcionar diz que actualizo).

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    1. Ludwig,

      se a ideia é ficares a falar sozinho, ou apenas com aqueles que pensam como tu, acho a solução excelente.
      Quanto ao resto, descartar a bíblia a propósito do Darwin, ou de outra coisa qualquer, revela tudo o que é preciso para descartar quem o faz.
      Pretensões de ciência e de espírito científico, há muito quem tenha e de tal se arvore, sem vergonha, que a devia ter. Ciência e espírito científico não estão ao alcance dos que já sabiam antes de aprenderem. São um domínio sagrado só acessível aos puros de coração, aqueles a quem a maldade não turva a inteligência.
      Andam por aí uns "iluminados", mais inteligentes e maiores "profetas" do que Darwin, que se tivessem nascido no tempo de Platão, teriam evitado cerca de 3 mil anos de "fucinhamento" na ignorância. Que pena! Como sabem profetizar o passado?! Orgulhem-se de serem inteligências (papagaios do sabido e do que tomam por tal).
      Tenham juízo!
      A vossa "ciência" é uma nuvem poluidora, uma verdadeira "leviandade" de quem toma a nuvem por Juno.
      Acredito na evolução. Não é isso que está em causa.
      Darwin, pode levar os créditos todos que lhe couberem na formulação do princípio, entretanto desenvolvido e aprofundado. Se ele receava desacreditar a bíblia, por mim, estava equivocado. E se pretendeu desacreditá-la, foi tramado, porque deu, involuntariamente, o maior contributo para iluminá-la. Deus criador aparece mais compreendido na sua inteligência e a criação, que era algo misterioso, aparece ainda mais misteriosa.Não obstante, mais de acordo com o que seria suposto ser a inteligência, mais coerente com os nossos sistemas de pensamento.
      O Deus criador da bíblia é um artesão prodigioso. O Deus criador, depois de Darwin, é a Sumidade da inteligência e do Poder.
      Todavia, não haja ilusões. Em nome da ciência e do espírito científico, nossos guardiões, mas pelos quais não sacrificaríamos tudo o que temos por importante, que há muito mais coisas importantes para além do conhecimento, é elementar dever/condição que mantenhamos sob escrutínio as questões que dizem respeito à observação, réplica, reprodução das "representações" evolutivas, as quais, aliás, não fazem mal a ninguém.
      Quando era criança, aprendi, simultaneamente, a teoria da evolução e da criação de Deus. Uma apelava à outra. A mais óbvia, mesmo para a minha imaginação infantil, era a da evolução. Longe estava eu de pensar que as "representações" são algo de platónico, como os "tipos"...
      A ideia "platónica" de evolução é incrivelmente interessante e "óbvia" como a do triângulo com três lados. À medida que fui pensando mais fui exigindo explicações para as minhas dúvidas crescentes. Acredito que há explicação para a evolução, do mesmo modo que acredito na evolução (crer sem ver). Mas todas as explicações ainda são poucas. Vai ser preciso mais, muito mais.
      E, por mais plausível que seja a minha crença na evolução, não tenho o direito de desmerecer ou de desdenhar daqueles que acreditam apenas quando virem (ver para crer).
      O Ludwig, só porque faz parte do grupo dos que crêem sem ver, sem observar, sem reproduzir... não tem melhores argumentos que aqueles que exigem ver para crer.

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    2. Não é uma questão de ver para crer, é uma questão de evidências.

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    3. Ludwig,

      Mas eu estou à espera dos posts repetitivos e sem imaginação! Eu estou à espera dos mesmos argumentos que são usados desde há 150 anos.
      Digamos que faz parte da piada... É só deixar a 2ª lei da termodinâmica actuar: fico quieto e espero. Entretanto, estou a seguir as tretas do B.o.B. São muito mais engraçadas que as traduções do Mats/Lucas/Miguel (será uma trindade, a mesma pessoa em 3 perspetivas diferentes?)

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  3. Carlos,

    O problema não o que uns e outros acreditam.Eu defendo a liberdade religiosa, bem como outras formas de liberdade.
    Mas esta gente (os "criacionistas") são tão fundamentalistas como os talibãs, e as corjas que governam na Arábia Saudita e Irão. A ideia deles é impor a sua iterpretação e as suas crenças a todos, sem sequer perceber que no mundo existem muitas mais variantes religiosas e formas de ver o mundo do que eles gostariam que existisse.
    O Ludwig já defendeu antes a ideia de que todas as variações religiosas são más, ao impedir que as pessoas possas perguntar, pensar e pôr em causa os ensinamentos dos tempos antigos. Eu não vou tão longe: cada um pode pensar e acreditar no que quiser, desde que respeite a liberdade de pensamento e de crença do outro.
    Por outro lado, é também uma questão de progresso: se ainda estivessemos a levar a Bíblia à letra, a nossa sociedade ainda estaria parada no séc. XV, um mundo em que tudo que seja contrário à palavra do livro é anátema, proibido e dá direito à fogueira.
    É em especial contra o obscurantismo que eu luto, porque lá diz o outro livro "a noite é escura e cheia de perigos"! (para quem não saiba é uma prece a R'hllor senhor da Luz e deus dos sacerdotes vermelhos)

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  5. Não se trata de ser fundamentalista. Trata-se de ser realista.

    Se os dinossauros viveram recentemente, compreende-se que se encontrem histórias de dragões em todas as culturas, representações de dinossauros em cavernas, rochas e templos e tecidos moles, ligamentos, células, vasos sanguíneos e DNA de dinossauro.

    Tudo isso pode ser encontrado hoje e tudo isso desmente a extrema antiguidade dos dinossauros.

    Trata-se apenas de examinar a evidência existente.

    Quem tiver dúvidas sobre o assunto, ou tiver certezas infundadas, veja o documentário sobre a existência recente dos dinossauros e tire as suas próprias conclusões.

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    1. Criacionista,

      "Não se trata de ser fundamentalista. Trata-se de ser realista."

      Quando existe algo, no caso a Bíblia, que nunca em caso algum pode ser posta em causa, pode dar a voltas que quiser, mas será sempre fundamentalismo. Tal como é escolher os casos que parecem estar de acordo com as crenças pessoais e ignorar tudo o resto.

      De qualquer forma, quererás apontou nada de novo, nada que já quererás faça parte das trapalhadas criacionistas que já quererás mais do que denunciadas e refutadas.

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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    3. Errata: o último parágrafo devia dizer

      "De qualquer forma, não apontou nada de novo, nada que já não faça parte das trapalhadas criacionistas e que já estão mais do que denunciadas e refutadas."

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    4. E já agora, que gosta tanto de links da web, cá vai um que devia ler: http://rationalwiki.org/wiki/Evidence_against_a_recent_creation

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  6. Vai-se e volta, e o Mats continua no fantástico mundo do Mats, de dragões aos nós, velociraptores vegeterianos armados com garras e dentes especiais pra dilacerar qualquer samambaia fujona, alienígenas demoníacos e hadrossauros cuspidores de fogo.
    Os criacionistas terra-jovem são os maiores comediantes. Perdão, os segundos maiores - à sua frente os terraplanistas e terra-ocas dividem a primeira posição.

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