domingo, maio 10, 2015

Treta da semana (atrasada): os representantes.

Na sexta feira, a maioria PSD e CDS votou novamente a favor da Proposta de Lei 246/XII, estendendo as taxas pela cópia privada ao suporte digital (1). A compensação pela cópia privada, imposta por tratados internacionais de copyright, é supostamente devida pelos danos económicos causados aos detentores dos direitos pela excepção legal ao seu monopólio. Isto acontece com a reprodução analógica, cujos exemplares é legalmente permitido ao comprador copiar, para uso pessoal, mesmo que o detentor de direitos não o autorize. Por exemplo, se eu compro um livro posso tirar fotocópias para uso pessoal e não há meio da editora tornar essa cópia ilegal. Por se assumir que essa excepção ao seu monopólio reduz os lucros do detentor dos direitos de distribuição, pagamos uma taxa pelas fotocópias. Mas, no domínio digital, a lei não permite que se contorne medidas de protecção de cópia sem autorização do detentor do copyright. Por isso, neste domínio, não temos direito à cópia privada, que é uma cópia legal mesmo contra a vontade dos detentores dos direitos. Portanto, seremos taxados por um direito que não podemos exercer. Além disso, e ao contrário das fotocópias, o armazenamento digital que vai ser taxado é necessário para comprar as cópias digitais. Estender a taxa aos discos rígidos estende-a muito além da cópia privada, taxando também o armazenamento de obras compradas e de obras criadas pelo próprio. O disparate é tão óbvio que até o nosso Presidente o percebeu e vetou a proposta. No entanto, com esta votação, será forçado a promulgá-la.

Esta lei é injusta, prejudica a generalidade dos portugueses e nem sequer é formalmente necessária. No Reino Unido, por exemplo, legalizaram recentemente a cópia privada mas decidiram que não havia prejuízo demonstrável e que, por isso, não era necessário compensar nada. Também não é particularmente benéfica para os autores portugueses, visto que a maior parte do dinheiro vai para empresas distribuidoras estrangeiras. Os beneficiários desta lei são praticamente só os tozebritos, aquelas pessoas que controlam os canais tradicionais de distribuição e a gestão deste dinheiro. Estes vão receber dinheiro pela compra de todos os suportes, seja para guardar as fotos das férias, cópias ilegais ou até ficheiros comprados. Entre outros propósitos, esta taxa servirá também para penalizar quem queira aproveitar as novas tecnologias para comercializar as suas obras sem ceder os seus direitos de autor a empresas de distribuição, porque todos os seus clientes terão de pagar taxa à concorrência.

Mas mais preocupante do que a injustiça desta lei é o processo pelo qual foi aprovada. Não é de estranhar que os principais beneficiários da lei, aqueles que gerem as sociedades de cobrança e empresas de distribuição, tenham influência junto do Secretário de Estado da Cultura. Também é compreensível que Barreto Xavier tenha conseguido convencer o Primeiro Ministro a apoiar esta proposta. Afinal, visa encher os bolsos de quem já tem dinheiro e o nosso Primeiro Ministro está sempre receptivo a essas iniciativas. Mas, se bem que não seja ideal propor leis com base no lobbying, amiguismos e favores pessoais, isto não seria um problema sério se depois a proposta precisasse do voto favorável de mais de uma centena de deputados que representassem os interesses dos seus eleitores, votando em consciência, com conhecimento e de acordo com os méritos da proposta. Seria a democracia a funcionar bem. Infelizmente, a nossa funciona muito mal.

O problema é que estes deputados não foram escolhidos pelos eleitores. O factor determinante para chegarem ao cargo foi a posição que lhes atribuíram nas listas de candidatura e essa foi determinada pela direcção do seu partido. Os votos contam pouco e nenhum deputado consegue garantir o lugar por representar bem os seus eleitores. A condição principal para continuarem na Assembleia da República é manterem os lábios em contacto firme com as nádegas de quem manda no partido. Somando a isto a aberração da disciplina de voto e basta meia dúzia de amigos nos sítios certos para se controlar a Assembleia da República.

A aprovação desta lei é um exemplo claro de como os nossos supostos representantes não nos representam, obedecendo apenas aos dirigentes dos partidos e, por meio destes, a pequenos grupos de interesse com os contactos certos. Este parece-me ser o maior problema da nossa democracia. É por causa destas coisas que os eleitores sentem que é fútil votar. É por causa deste sistema que quem é eleito não tem de cumprir o que prometeu. É por causa disto que a alternância dos partidos do governo adianta tão pouco.

A única forma de combater esta doença é votando em que tenha incentivos para representar os eleitores. Por isso, daqui em diante, quando estiver a decidir em quem votar, a primeira pergunta que farei é a quem os deputados que ajudar a eleger ficarão a dever o seu cargo. Se entraram nas listas por uma eleição aberta então posso confiar que, pelo menos, vão tentar representar quem votou neles. Mas se lá estiverem por decisão da direcção do partido então não merecem nem a minha confiança nem o meu voto, porque já sei que não serão os eleitores quem eles irão representar.

1- Exame Informática, Cópia privada: taxas aprovadas hoje com votos de PSD e CDS

3 comentários:

  1. Disciplina de voto numa assembleia da república democrática, e esta heim?

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  2. Ludwig,

    O teu argumento contra os políticos é que eles não nos representam, mas que antes obedecem à hierarquia partidária, e que por isso, concluis, «a única forma de combater esta doença é votando em que tenha incentivos para representar os eleitores.»

    Eu não concordo com a conclusão, embora me reveja na critica da representatividade.
    Por partes: a representatividade. Eu proponho antes, e parece-me mais interessante, que os deputados possam ser responsabilizados. Algo como acontece com o senado e o congresso dos EUA. O problema parece ser o desejo dos partidos mudarem as coisas. Isto porque infelizmente, seguindo a tua proposta, mudar "os porcos não significa que a pocilga vai mudar", pois continuam todos a alimentar-se da mesma "pia"!

    De resto esta lei, e o facto de andar de um lado para o outro devia ser sintomático, mas não é! A verdade é que por termos uma maioria que sente protegida pelo presidente da mesma facção, leva a que o próprio presidente seja (mais uma vez) desautorizado - afinal, ao vetar uma lei, está implicitamente a provocar uma revisão, coisa que não ocorreu. Foi bem diferente quando houve há uns anos a treta do estatuto dos Açores: nessa altura o presidente apareceu à hora do telejornal muito preocupado por causa de uma lei que tinha sido aprovada por unanimidade (quantas leis te lembras de serem aprovadas por unanimidade?!?), mas que depois foi alterada à pressa e por pressão do presidente.

    Mas voltando ao problema: como é que garantimos que uns fulanos depois de eleitos não se juntam ao marasmo? Basta ver a tragédia grega: aparecem uns gajos que são contra tudo e mais um par de botas, que como um D. Quixote moderno, lutam contra os gigantes europeus, e feitas as contas, a montanha pariu um rato!
    O problema de saírmos da cepa torta, i.é., fazer os políticos perceber que têm de representar os eleitores, parece ser realmente a questão do milhão de euros!

    Para já não tenho melhor proposta que ir preenchendo abaixo assinados que depois são submetidos à assembleia para pelo menos os obrigar ao frete de dizer umas palavras sobre o assunto. Pode ser que no meio algum artista deixe o subconsciente trabalhar e se enterre à frente do pessoal.

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  3. Não é só a nossa. Os Ingleses e os americanos (por ex.) têm os whips, profundos conhecedores dos podres de cada um, caso a amizade não seja suficiente.

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