sexta-feira, janeiro 30, 2015

Treta da semana (passada): a teoria da confusão.

O Orlando Braga discordou da definição de evolução como sendo a variação nas características hereditárias ao longo das gerações. Em vez disso, propôs que «No sentido biológico, “evolução” designa um processo pelo qual a vida emerge da matéria não-animada e se desenvolve depois por meios exclusivamente naturais. Foi esse o sentido que Darwin emprestou à palavra e foi retido pela comunidade científica.» (1)

É curioso. Na primeira edição de “A Origem das Espécies”, Darwin usou o termo “evolução” exactamente zero vezes (2). Em vez disso, falou sempre em descendência com modificação, que é, aliás, o significado que a biologia moderna atribui ao termo “evolução” (3). Se bem que na sexta edição já tivesse mencionado “evolução”, fê-lo praticamente só no contexto das objecções à sua teoria (4). Quanto à origem da vida em si, Darwin foi bastante claro: «a ciência, por enquanto, não esclarece o problema muito maior da essência ou origem da vida»(4). A definição de evolução que Braga atribui a Darwin, «processo pelo qual a vida emerge da matéria não-animada», teria surpreendido e chocado o próprio Darwin.

Braga discordou também da minha explicação de que os mecanismos da evolução podem ser mais ou menos aleatórios (5). Aparentemente, julga que ser aleatório é como estar grávida. Ou está, ou não está. Mas isto é errado. O resultado de lançar um dado equilibrado é aleatório, com uma probabilidade de um em seis para cada número. Se o dado estiver viciado e a probabilidade de sair 6 for 50%, o resultado continua a ser aleatório mas será menos aleatório porque é mais previsível. E se lançarmos ambos os dados um milhão de vezes, é praticamente certo que o dado viciado terá um resultado médio superior ao do dado equilibrado. É isto que acontece na evolução. O acaso tem alguma influência. Por exemplo, a retina dos vertebrados desenvolve-se como uma extensão do cérebro e acaba por ficar ao contrário, com os receptores atrás dos nervos e dos vasos sanguíneos. Nos invertebrados, a retina desenvolve-se a partir de uma invaginação da cabeça e fica orientada da forma mais conveniente. Alguma mutação menos feliz num ancestral dos vertebrados deu neste azar. Mas a aleatoriedade não é total, e os enviesamentos causados pela pressão da selecção natural fizeram com que os olhos dos vertebrados acabassem por ser quase tão eficientes quanto os dos invertebrados.

Além de persistir nas confusões sobre a informação e o teorema de Gödel, Braga acrescenta agora que eu estou «a misturar a micro-evolução com a macro-evolução» enquanto que ele só está a falar desta última. Este é um truque comum entre os “cépticos” da evolução. A ideia é a de que aceitam que as populações se vão modificando com o passar das gerações mas não aceitam que a alteração seja muito grande. Exactamente o que isso quer dizer ou porque defendem isso nunca é explicado. É como aceitar que uma pessoa pode envelhecer um ou dois anos mas nunca setenta, porque o macro-envelhecimento é impossível.

Na verdade, existem várias distinções entre micro-evolução e macro-evolução. Uma é a distinção entre a evolução de elementos microscópicos do organismo, como enzimas e células, e elementos macroscópicos como ossos e escamas. Isto é relevante em paleontologia, por exemplo, onde normalmente só os macroscópicos são visíveis. Outra distinção é a da evolução dentro de uma mesma população e a evolução que envolve formação de novas espécies. No entanto, tudo isto refere ao mesmo processo de evolução e, por isso, muitos autores simplesmente ignoram essa distinção como pouco relevante. Mas há um sentido no qual a diferença entre micro-evolução e macro-evolução pode ser importante. Como Ernst Mayr apontou, a teoria da evolução descreve apenas o que acontece às populações, ao longo das gerações, sob pressão dos outros organismos com quem coexistem e do ambiente onde vivem. No entanto, esta teoria é omissa acerca do impacto que os organismos têm sobre o ambiente. Que normalmente é negligenciável mas por vezes não é.

Por exemplo, há coisa de dois mil milhões de anos começaram a proliferar bactérias capazes de aproveitar o hidrogénio da água durante a fotossíntese. Sobrava o oxigénio, que deitavam fora. Este poluente foi reagindo com os iões metálicos dissolvidos no oceano formando óxidos insolúveis e, assim, retirando gradualmente este iões da água. Pior ainda, quando se esgotaram os iões metálicos nos oceanos, o oxigénio começou a escapar-se para o ar e alterou profundamente a atmosfera da Terra. A teoria da evolução permite modelar como é que as populações foram sendo pressionadas a adaptar-se a estas condições mas, por si só, não nos permite prever o que iria acontecer aos iões metálicos nos oceanos ou à composição química da atmosfera. Quando a evolução decorre durante muito tempo, os organismos podem ter grande impacto no ambiente e esse impacto tem de ser modelado por outras teorias que não a da evolução. Pela química, geologia, física e assim por diante. É essa a diferença mais importante entre micro-evolução e macro-evolução. No entanto, do ponto de vista da evolução, o processo é o mesmo. É sempre o lento acumular de mutações hereditárias sob pressão selectiva. Dizer que se aceita a micro-evolução mas que a macro-evolução é impossível é apenas uma forma rebuscada de admitir que não se percebe nada do assunto.

1- Orlando Braga, Ludwig Krippahl: mistura, baralha, confunde, e diz que é ciência 2- Project Gutenberg, On the Origin of Species, first edition.
3- Wikipedia, Evolution.
4- Project Gutenberg, On the Origin of Species, sixth edition
5- Treta da semana (atrasada): Impossível.

quinta-feira, janeiro 29, 2015

De novo os limites.

Em comentários ao post sobre os limites da liberdade de expressão, a Cristina Sobral argumentou que a ofensa não deve ser permitida. As razões que apresentou foram a protecção constitucional da «dignidade da pessoa humana» e do «direito ao bom nome e reputação, à imagem, à dignidade e identidade pessoal» bem como o artigo 181º do Código Penal que pune «Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração» (1). Propôs também que, sendo a crença religiosa algo com o qual o crente se identifica tão fortemente, se deve considerar uma crítica insultuosa à religião como um insulto pessoal a cada crente dessa religião.

Eu concordo que a difamação está fora da liberdade de expressão, em parte pelo direito à dignidade e imagem pessoal. Se entendermos a difamação como a imputação pública, a alguém, de algo que é falso ou do foro privado, então esta expressão estará a violar direitos igualmente fundamentais e não deve ser permitida. Mas a ofensa é diferente da difamação porque, além de ser mais um problema de forma do que de conteúdo, os seus efeitos são determinados exclusivamente pelo visado. Se alguém disser à polícia que eu bato na minha mulher eu posso sofrer consequências disto independentemente da minha opinião acerca do assunto. Mas se alguém me chamar imbecil ou gozar com quem usa óculos isso só me afectará se eu deixar que me afecte.

Qualquer um é livre de se identificar tão fortemente com uma doutrina que se ofenda quando troçam dessa doutrina. Qualquer um é livre de se ofender por ver mulheres sem burka na rua. Qualquer um é livre de ter nojo dos homossexuais, de odiar os imigrantes e de ficar zangado por lhe chamarem nomes ou maldizerem o seu deus. Mas isso é lá consigo. Mais ninguém tem que ver com isso e não se justifica proibir nada por causa disso. A própria lei acaba por ser condicionada por este problema. Sendo impossível criminalizar tudo o que qualquer pessoa diga ofender-lhe e não havendo critérios objectivos para categorizar ofensas, o que é ofensivo será simplesmente o que o senhor doutor juiz julgar ofensivo. O resultado é uma das leis mais imbecis que temos e não admira que Portugal seja constantemente condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem por violar a liberdade de expressão (2).

Não faz sentido que a ofensa seja proibida porque ofender-se é apenas uma variante do beicinho e da birra. E quem estiver preocupado com a sua dignidade e bom nome deve ter em conta que, ao declarar-se ofendido, revela apenas falta de inteligência e de maturidade.

1- Treta da semana (atrasada): limites
2- TVI, Portugal condenado por violar liberdade de expressão

domingo, janeiro 25, 2015

Treta da semana (passada): água fluidificada.

A Associação Espírita de Évora oferece um serviço gratuito de fluidoterapia. «Esta transferência de fluidos é feita através de um trabalhador da Casa Espírita, preparado e seleccionado para o efeito, que serve de mediador entre o mundo espiritual e o mundo material; os espíritos canalizam seus fluídos através do passista, combinando ambos e dando ao fluído humano as qualidades que lhe faltam e que são adequadas àquele receptor.»(1) Se bem que pareça pouco higiénico à primeira vista, não há nada a temer porque são fluidos espirituais. Não molham, não colam e não deixam mancha quando secam. Também é importante salientar que «No Centro Espírita não se deve tocar no receptor.» Não há poucas vergonhas.

Mais interessante ainda do que a passagem dos fluidos espirituais para um receptor é a sua transferência para a água. «A água é um dos corpos mais simples e receptivos da Terra. É como que a base pura, em que a medicação Espiritual pode ser impressa.»(2) Pela acção dos espíritos, obtém-se a água fluidificada: «A água fluidificada é a água normal, acrescida de fluidos curadores. Em termos de Espiritismo, entende-se por água fluidificada aquela em que fluidos medicamentosos são adicionados à água. É a água magnetizada por fluidos.» Esta água magnetizada por fluidos medicamentosos curadores espirituais tem como efeitos, entre outros, «aceleração dos processos de fagocitose, incremento na produção de linfócitos (células de defesa); […] efeito rejuvenescedor no organismo […] captura e precipitação do cálcio em excesso no meio celular».

Como as doenças transmitidas pela água matam quase trêm milhões e meio de pessoas por ano (3), a possibilidade de fluidificar a água com esta magnetização espiritual medicamentosa tem um potencial imenso para a saúde mundial. Mesmo que os espíritos não consigam inactivar os agentes patogénicos, fluidificar a água consumida pelas pessoas que não têm acesso a água potável ajudaria imenso por fortalecer as suas defesas, rejuvenescer os seus organismos e até capturar o cálcio em excesso, se fosse caso disso.

Infelizmente, as terapias espirituais e alternativas só servem para quem usufrua de boa infraestrutura sanitária, acesso a vacinas e antibióticos e a um sistema de saúde que resolva os problemas sérios. Para essas pessoas, a água fluidificada pode ser um bom complemento para a «Reposição da energia espiritual, renovando a estrutura perispiritual». Seja lá o que isso for. Para quem precisa de ajuda a sério não há milagres.

1- Associação Espírita de Évora, Fluidoterapia Espírita
2- Centro Espírita Adolfo Bezerra de Menezes, O Que é Água Fluidificada?
3- Voice of America, WHO: Waterborne Disease is World's Leading Killer

quarta-feira, janeiro 21, 2015

Treta da semana (atrasada): limites.

A liberdade de expressão é um direito simples de compreender. É o direito de não ser forçado a calar o que se quer dizer. É um direito negativo, como o direito de não ser torturado, de não ser violado ou de não ser preso, porque é um direito que se garante simplesmente deixando a pessoa em paz. Não é preciso fazer nada por alguém para garantir a sua liberdade de expressão. Basta não o castigar pelo que exprime. No entanto, como qualquer direito, tem de acabar na fronteira a partir da qual infringiria outros direitos tão ou mais importantes. Por isso, o direito de me exprimir por gestos não me autoriza a bater nos outros, o direito de falar não me autoriza a burlar ou a ameaçar e o direito de escrever não me autoriza a fazer denúncias falsas. Em todos estes casos podemos identificar um direito que seria desrespeitado se permitíssemos à liberdade de expressão ultrapassar estes limites, como o direito à integridade física, à auto-determinação e a não ser perseguido por crimes que não se cometeu, por exemplo. E em todos esses casos podemos identificar também a fronteira onde acaba um direito para não interferir no outro.

No entanto, dizer que a liberdade de expressão é um direito fundamental só que não se pode insultar é análogo a dizer que a violação é condenável mas não se pode andar vestido de forma provocante. Primeiro, porque ambos os casos deixam deliberadamente vaga a fronteira que insinuam. Não é claro se defendem que a violação passa a ser aceitável por a vítima vestir uma mini-saia ou se é legítimo coagir alguém ao silêncio para evitar que outros se sintam insultados. Em segundo lugar, ambos pretendem limitar um direito importante para a autonomia do indivíduo em favor de algo que, em rigor, não passa de um capricho. O direito de não ser silenciado e o direito de não ser forçado a ter relações sexuais são parte do que permite a cada pessoa ser ela própria em vez de um mero objecto da vontade dos outros. Este respeito pela autonomia do indivíduo tem de ser uma preocupação ética fundamental. Se bem que isto inclua reconhecer que cada um tem o direito de se sentir ofendido ou provocado com o que bem quiser, este direito só se estende até colidir com os direitos dos outros. Tal como o meu direito de me sentir provocado não me autoriza a violar quem quer que seja, também o meu direito de me sentir ofendido não me autoriza a fazer calar ninguém. Eticamente, a ideia de limitar a liberdade de expressão para proibir a ofensa, o escárnio ou o ridículo não tem fundamento.

Mesmo numa perspectiva prática, é fácil de ver as vantagens em permitir estas formas de expressão. Eu e o Papa podemos coexistir pacificamente numa sociedade que me permita dizer que o Papa é estúpido e que lhe permita a ele dizer que o estúpido sou eu. O exercício deste direito por cada um de nós não impede o outro de exercer direitos equivalentes. Mas se adoptarmos a receita que o Papa sugeriu, de agredir quem nos insulta, deixamos de poder coexistir de forma civilizada e caímos na bestialidade da lei do mais forte.

Outra vantagem da liberdade de insultar e ridicularizar é ser selectivamente corrosiva de más ideias. Quem tentar ofender os físicos ridicularizando a termodinâmica ou a teoria da relatividade irá apenas fazer figura de parvo ou revelar a sua ignorância. Em contraste, é muito fácil ofender quem acredita que o criador do universo encarnou num palestiniano para fazer meia dúzia de milagres e assim nos indicar que quando morrermos podemos ir para o céu. Essa ideia é tão descabida e ridícula já de si que qualquer piada que se faça vai ofender. Quando o rei vai bem vestido, dizer que ele vai nu é ridículo. É só quando todos se esforçam por ignorar o abanar evidente dos seus testículos engelhados que a mais leve menção de algo “ofensivo” arrisca desmoronar o embuste. Não admira por isso que pessoas como o Papa sejam tão avessas à liberdade de ridicularizar e ofender, principalmente quando o alvo são crenças religiosas.

Por causa desta corrosão selectiva das tretas, nenhum regime autoritário pode permitir que os seus cidadãos sejam livres de ofender e ridicularizar o que quiserem. Nenhum Hitler, Estaline ou Kim se aguentaria no poder se o insulto e o escárnio fossem permitidos. Logo por isso já se justifica prezarmos esta liberdade como uma das mais importantes da nossa civilização. É o canário na mina. É a primeira a morrer quando as coisas começam a dar para o torto, e é de desconfiar sempre que alguém defende que o respeitinho é mais importante que a liberdade de dizermos o que nos vai na cabeça.

domingo, janeiro 18, 2015

Não é do extremismo.

Segundo a comunicação social, o terrorismo islâmico é causado pelo extremismo e não se pode confundir com o “Islão moderado”. Realmente, o terrorismo é um extremo na gama de comportamento que vai do pacifismo à violência. Mas isso é o efeito e não a causa. A causa do terrorismo está nos valores dos terroristas e, nisso, a distinção entre extremista e moderado não faz sentido. No resto do post tento explicar porquê e porque isto importa.

Não há nada de errado em ser extremista, fundamentalista ou radical nos valores. Eu acredito que não se deve torturar crianças e sou extremista nesta crença, aceitando até que se mate o torturador se for necessário para o deter. Nem compreendo como poderia ser moderado nisto. Acreditando só segundas, quartas e sextas? É verdade que outros podem discordar. Por exemplo, julgando legítimo torturar uma criança se for absolutamente necessário para salvar milhares de vidas. Mas esse será um valor diferente e não uma versão moderada do meu. É sensato acreditar em factos com diferentes graus de confiança, incerteza ou margens de erro, conforme as evidências, mas os valores são critérios de decisão e só servem esse propósito se forem claros. Temos de saber o que é importante. Por isso, mesmo quando conciliamos vários valores, temos de encontrar um extremo no espaço de possibilidades que nos sirva de orientação. Considerando o direito de cada um se vestir como quer, de recusar relações sexuais e outros valores, eu defendo que a condenação da violação não deve depender da roupa da vítima. Outros podem achar que a violação só deve ser condenada se a vítima se vestia modestamente ou até que a mulher violada é sempre culpada porque provocou. Todas estas posições são extremistas. Distinguem-se apenas por estarem em extremos diferentes.

Outro erro na ideia do Islão moderado e extremista é sugerir uma gama de possibilidades contíguas e ordenadas. Como o consumo de álcool, que vai da abstinência ao copo de vinho ao jantar e à garrafa de vodka ao pequeno almoço. Mas não dizemos que o terrorismo dos cartéis da droga no México é uma forma extremista do “mexicanismo” moderado porque é óbvio que os bandidos não têm variantes mais extremistas dos valores da maioria dos mexicanos. Têm é valores diferentes. Também “o Islão”, na verdade, é uma catrefada de “islões”. Alguns muçulmanos integram-se na cultura ocidental e adoptam os valores de liberdade e respeito pelo indivíduo dos seus concidadãos. Outros imigrantes muçulmanos não se integram e mantém valores diferentes. As mulheres andam de burka, não querem as filhas na escola, não aceitam a liberdade religiosa e assim por diante. Os países de maioria muçulmana têm outros “islões”, muitos ainda piores, e grupos como Al-Qaeda, Boko Haram e ISIL têm as suas variantes do Islão, que não são nem mais nem menos extremistas, fundamentalistas ou radicais. Baseiam-se apenas em partes diferentes do Corão.

A ideia de uma gama de muçulmanos que vai do moderado ao extremista engana por sugerir que a maioria dos muçulmanos é “moderada” por não andar de metralhadora a matar gente. Mas centenas de milhões de muçulmanos que não são terroristas também estão muito longe de partilhar os valores que nós consideramos fundamentais e acerca dos quais somos extremistas, como o respeito pela liberdade religiosa e pela igualdade de direitos entre os sexos. A maioria dos muçulmanos é a favor de coisas como criminalizar a apostasia (1) ou punir qualquer crítica à religião (2). Não são mais extremistas do que nós, mas estamos em extremos opostos. Os muçulmanos a quem podemos chamar “moderados” por serem extremistas nos mesmos valores em que nós o somos são uma minoria muito pequena e com pouca influência nos demais.

Principalmente, a ideia do Islão moderado e extremista engana por fazer parecer que a solução para o terrorismo é reduzir o fervor da crença quando, na verdade, exige uma conversão radical entre dois tipos de ideologia. Por um lado, o das ideologias que impõem valores que visam perpetuar a ideologia e preservar o poder de alguns em prejuízo de todos os outros. É o que acontece na generalidade das religiões, em regimes totalitários, nos países de maioria muçulmana e nos cartéis da droga no México. Por outro lado, a ideologia da liberdade individual, que rejeita qualquer obrigação ou proibição que não sirva para prevenir restrições maiores. A que proíbe a tortura em vez de proibir ofensas a vacas sagradas, por exemplo. É para esta ideologia que convergem as pessoas informadas e que se sentem livres de contribuir para a construção da sua sociedade, mas é muito difícil converter a isto pessoas ignorantes, oprimidas, revoltadas e treinadas para não pensar criticamente.

Portanto, este não é um problema que se resolva com apelos à “moderação”. É um problema que tem de ser resolvido investindo nas próximas gerações. Em melhor educação, em escolas livres de pressões religiosas, em maior igualdade económica, mais democracia, mais laicidade. Mais liberdade. O que é muito difícil pela oposição constante de quem esteja no poder, seja a família real da Arábia Saudita, os chefes da Al-Qaeda, quaisquer líderes religiosos e até os nossos próprios políticos, sempre dispostos a aproveitar qualquer desculpa para criar leis que violam os nossos direitos alegando ser para nosso bem. A única possibilidade de conseguirmos progredir nisto é continuarmos a ser extremistas nos nossos valores de liberdade individual, igualdade de direitos, direito à educação e a condições dignas de vida. Direitos pelos quais já milhões de pessoas morreram nos últimos séculos, tal foi o extremismo com que os tiveram de defender.

1- Wikipedia, Apostasy, countries
2- BBC, Saudi blogger Badawi 'flogged for Islam insult'

terça-feira, janeiro 13, 2015

Treta da semana (atrasada): O ataque.

Resolvido o problema com o Facebook, encontrei um artigo de Marden Carvalho, no seu blog sobre coisas como Eficiência Pessoal e Espiritualismo, que aponta muitas inconsistências na narrativa oficial do ataque ao Charlie Hebdo (1). Realmente, algumas coisas já me tinham incomodado logo de início. Por exemplo, querem que acreditemos que dois homens, após uns meros meses de treino com terroristas, alcançaram tal perícia com as metralhadoras que conseguiriam matar à queima roupa dez pessoas numa sala pequena. Isto não é credível. O famoso documentário “Comando”, que contou com a participação do Governador da Califórnia, USA, demonstra claramente que os soldados maus não conseguem acertar nos bons com metralhadoras. A menos que sejam maus especiais. É isto que Carvalho esclarece. «Nas minhas pesquisas acabei descobrindo o blog Aangirfan onde o autor afirma que o atentado em Paris foi um trabalho interno, que a MOSSAD atacou Charlie Hebdo.»(1) Ora se o blog Aangirfan, da autoria de Anon, o afirma, e ainda por cima numerando vários itens e escrevendo algumas frases a encarnado, certamente é porque se trata de um facto (2).

Com esta explicação, podemos compreender outros detalhes intrigantes. Partilho aqui as minhas próprias pesquisas, feitas há pouco no sofá da sala enquanto aguardava o efeito do ibuprofeno. Primeiro, é de notar o cuidado com que os agentes da Mossad deixam falsas pistas para dar uma ideia de amadorismo e incompetência. Começam por entrar na porta errada, no número 6, antes de fingir perceber o erro e dirigirem-se ao número 10. Depois, deixam cair uma sapatilha do carro como se tivessem mudado de roupa à pressa e sem cuidado. Tudo em preparação para deixar no chão da viatura o cartão de identidade de um tal Said Kouachi, que mais tarde seria culpado, com o irmão, pelo crime.

Outra incongruência é evidente no vídeo dos jornalistas que fugiram para o telhado do edifício. Inexplicavelmente, nesse vídeo vê-se «uma pessoa com um colete à prova de balas»(1). A história “oficial” é a de que um dos jornalistas teria regressado recentemente da Síria e haveria dois coletes à prova de balas nos escritórios (3). Mas isso não é credível porque sabemos que os jornalistas nunca usam coletes à prova de balas, nem mesmo em situações perigosas como moderar o Prós e Contras. A Fátima Campos Ferreira nem sequer parece usar um espartilho à prova de faca, quanto mais um colete à prova de bala. A única explicação plausível é o homem com o tal colete ser mais um agente da Mossad, infiltrado no jornal com o propósito de vir para o telhado vestido com o tal colete e, assim, lançar a confusão em quem tenta perceber o que se passou. Os judeus sempre tiveram destas coisas. Basta ver a confusão que é o Antigo Testamento ou o que fizeram ao líder da Alemanha nos anos quarenta. Tantas foram as calúnias e histórias que inventaram que o coitado acabou por se suicidar.

Tendo fugido do local do crime e deixado na viatura a identificação incriminatória, estes agentes tiveram então de capturar os irmãos Kouachi, vesti-los, armá-los, convencê-los a assaltar um posto de abastecimento, a dar uma entrevista telefónica confessando o crime e depois a resistirem à polícia até à morte. É evidente que tal domínio da vontade e dos actos de terceiros não está ao alcance da pessoa comum. Só organizações secretas como a Mossad é que têm acesso aos recursos necessários para este tipo de manipulação, como raios electromagnéticos de controlo mental ou enguias de Ceti. Outro dado importante, como aponta Marden Carvalho, é o de que «O primeiro carro abandonado pelos terroristas foi em frente de um restaurente (judaico) Kosher.» Coincidência? Claro que não. Eles abandonaram o carro porque estavam com larica e foram rapidamente almoçar antes de continuar a fuga.

Apesar das evidências sólidas e incontestáveis de que foi Israel quem cometeu estes atentados, talvez o leitor se questione acerca do motivo. Esta parte é fácil de compreender considerando a história que urdiram. Os protagonistas são dois irmãos, órfãos de um casal argelino. Crescem num bairro violento de Paris, conhecem jihadistas franceses, treinam no Iémen e atacam um jornal satírico francês financiados pela Al-Qaeda. Qual é a única reacção instintiva e emocional que as pessoas podem ter perante isto? Obviamente, odiar os palestinianos. É esse o plano de Israel.

Há certamente quem queira contestar as minhas conclusões, ofender as minhas crenças e impor-me a sua verdade. Não posso admitir esses actos inaceitáveis de superioridade cultural. Citando o Professor José Carlos de Paula Carvalho, trata-se «daquilo que Pierre Bourdieu chama “violência simbólica”, que é o “colonialismo cognitivo” na antropologia de De Martino»(4). E contra os vossos raios electromagnéticos estou precavido com o meu chapéu de folha de alumínio.

PS: Não sou Charlie. Estou muito aquém da coragem e perseverança daquela malta. Mas talvez, quando for grande, fique mais perto disso. Entretanto, queria deixar um pedido a todos aqueles que se sentem ofendidos por bonecos, ideias, expressões ou palavras. Deixem de ser estúpidos.

1- Marden Carvalho, Tem coisas que não encaixam no atentado contra a revista Charlie Hebdo.
2- Aangirfan, PARIS PSYOP - INSIDE JOB - MOSSAD ATTACKS CHARLIE HEBDO
3- The Irish Times, Charlie Hebdo: ‘People were on the floor, huddled, sobbing’
4- José Carlos de Paula Carvalho, Etnocentrismo: inconsciente, imaginário e preconceito no universo das organizações educativas(pdf, obrigado pelo link no Facebook).

domingo, janeiro 11, 2015

Treta da semana (atrasada): Impossível.

Demonstrando mais uma vez a extensão do seu conhecimento científico, Orlando Braga argumenta que «A evolução darwinista é impossível quando é concebida como “evolução aleatória e não guiada”, porque se não existe informação prévia (se não existir uma condução do processo que pressupõe a existência de informação), as hipóteses de algo acontecer sem essa informação tornam a evolução darwinista impossível.»(1). Há aqui alguns detalhes que não estão inteiramente correctos.

Em primeiro lugar, a evolução não é concebida como “evolução aleatória e não guiada”. Em biologia, o termo refere-se à variação da distribuição de características hereditárias numa população conforme novas gerações substituem as anteriores. O que se propõe ser mais ou menos aleatório são os mecanismos que influenciam a evolução de uma população. No caso da selecção artificial, a evolução é guiada pela acção propositada dos criadores de animais ou plantas. No caso da selecção natural, a evolução é guiada pelo efeito das características herdadas na probabilidade de reprodução de cada organismo. Noutros casos, o acaso pode ser muito importante. Quando um pequeno grupo de escaravelhos chega a uma ilha num tronco à deriva, muitas características da nova espécie de escaravelho que existirá nessa ilha uns milhões de anos mais tarde serão determinadas por acontecimentos fortuitos como cruzarem-se aqueles escaravelhos em vez dos outros que deambularam pelo areal sem encontrar parceiro. Com populações pequenas ou características sob fraca pressão selectiva o acaso é importante, mas com populações grandes e forte pressão selectiva este tende a diluir-se e é a tendência média que domina.

Em segundo lugar, o que Braga diz ser impossível seria meramente improvável se fosse um acontecimento único. E nem isso é, devido ao número de repetições. Braga dá «como exemplo a procura do tesouro na ilha: ou temos informação prévia da área onde pode estar o tesouro, ou prosseguimos escavando a terra de forma aleatória (sem informação). No segundo caso, a probabilidade de encontrarmos o tesouro é muito baixa se a ilha for grande.» Isto depende de quantos formos. A probabilidade de uma dada formiga, algures em Portugal, encontrar o açucareiro que deixei aberto na tenda é muito baixa. Mas como há muitas formigas, a probabilidade de alguma o encontrar é muito alta. Passa-se o mesmo com as mutações benéficas. Individualmente, têm uma probabilidade baixa, mas a evolução é um processo que ocorre em populações e ao longo de muitas gerações.

Finalmente, Braga alega que a evolução é impossível porque «não existe informação prévia» para se encontrar o tal tesouro. Mas a evolução não procura um tesouro ou qualquer alvo predeterminado. Em retrospectiva, sabemos que estes quatro mil milhões de anos de evolução fizeram uma de muitos milhões de linhagens desembocar no Homo sapiens. Mas é presunção crer que era esse o plano inicial e que a evolução andava à procura deste tesourinho deprimente. Para mais, a pesquisa não precisa guiar-se apenas por informação “prévia”, como um mapa do tesouro. Pode ser guiada por qualquer coisa que, a cada passo, indique se está “mais quente” ou “mais frio”. É o que faz a selecção natural. Se uma mutação for desfavorável tende a ser eliminada. Se for favorável tende a propagar-se pela população. É isto que, ou vai moldando a população num aperfeiçoamento contínuo de características que, a cada momento, conferem vantagens competitivas, ou então leva à sua extinção. Este último é, de longe, o desfecho mais comum. Mas isto nem tem uma direcção fixa nem tem um tesouro em mente e muito menos precisa de um mapa. Vai-se espalhando por todas as soluções de sucesso, dos vírus à baleia azul e a caldeirada toda que há pelo meio.

Braga alega que também o teorema de Gödel demonstra que a “evolução darwinista” é impossível. Infelizmente, a sua explicação não esclarece nada: « um computador suficientemente complexo para simular o trabalho cerebral [...] não permite calcular, em um tempo t, o que ele (computador) será num tempo t+1». O teorema de Gödel mostra que qualquer sistema formal suficientemente expressivo admite proposições verdadeiras que não podem ser demonstradas a partir dos axiomas desse sistema formal. Isto é importante para alguns problemas lógicos, matemáticos ou de computação mas não tem nada que ver com a teoria da evolução. Nem é relevante para a formalização matemática da teoria nem é preciso os escaravelhos saberem que o teorema de Goodstein sobre sequências de números naturais não pode ser demonstrado na álgebra de Peano para que os mais camuflados se escapem melhor dos predadores.

Braga conclui alegando que «Não se quer dizer que a teoria de Darwin seja falsa; o que se quer dizer é que é impossível.» A teoria de Darwin está, em alguns aspectos, ultrapassada. Talvez a teoria da evolução que temos hoje, que uniu a biologia molecular à genética de populações, um dia venha a ser substituída também. Até agora demonstrou ser, de longe, a melhor explicação para a origem das espécies mas nunca se sabe o que o futuro reserva. No entanto, não recomendo ao Orlando Braga que conte para já com o dinheiro do prémio Nobel.

1- O. Braga, A evolução darwinista é impossível


PS: Desta vez não posso por o link no Facebook. Por alguma razão, o Facebook decidiu que o meu nome não é verdadeiro e suspendeu a minha conta. Talvez a coisa se resolva em breve. Ou talvez não...

PPS: O problema com o Facebook já está resolvido.