Na União Europeia, a Bélgica, Holanda, Portugal, Espanha e Suécia reconhecem o casamento homossexual como legalmente equivalente ao casamento heterossexual. Destes cinco países, só Portugal impede a adopção por casais homossexuais(1), contra jurisprudência europeia (2). Por causa de uma lei pouco clara, no nosso país os homossexuais só podem adoptar se forem solteiros. O DL 195º de 1993 estipula, no artigo 1979º, que podem «adoptar plenamente duas pessoas casadas há mais de quatro anos […] se ambas tiverem mais de 25 anos» e que «Pode ainda adoptar plenamente quem tiver mais de 30 anos»(3). A Lei nº 9 de 2010, que permite o casamento homossexual, aponta que «As alterações introduzidas pela presente lei não implicam a admissibilidade legal da adopção, em qualquer das suas modalidades, por pessoas casadas com cônjuge do mesmo sexo» (4), o que é interpretado como impedindo a adopção por casais homossexuais mas não o afirma explicitamente. Uma pessoa solteira com mais de 30 anos pode adoptar sem que a lei se importe com as suas preferências sexuais. No entanto, se estiver casada com cônjuge do mesmo sexo, não é claro que efeito tem o seu estado civil “não implicar a admissibilidade legal da adopção” visto que, tendo mais 30 anos, já cumpre o requisito para poder adoptar qualquer que seja o seu estado civil. Aparentemente, os homossexuais podem casar e podem adoptar, só não podem é adoptar como casal, o que é difícil de justificar.
A proposta de lei 7/XI (5) explica que o casamento homossexual não deve permitir a adopção para «garantir o respeito pelos superiores interesses do adoptando. [O Código Civil estabelece] taxativamente que a adopção «apenas será decretada quando apresente reais vantagens para o adoptando». É esse critério, que tem em conta o interesse superior de um terceiro - a criança - que deve nortear o legislador na determinação de quem «pode adoptar». Nessa medida, [...] justifica-se estabelecer que a adopção não esteja disponível por parte das pessoas casadas com cônjuge do mesmo sexo.» Mas isto não justifica nada. Deve-se proteger os interesses da criança mas, para justificar a exclusão categórica de «pessoas casadas com cônjuge do mesmo sexo» era preciso que a adopção por estas pessoas fosse sempre lesiva dos interesses da criança. Sempre. Porque, se houver excepções, então será preciso avaliar cada caso individualmente em vez de proibir tudo à partida. E é fácil pensar em exemplos contrários. Vamos supor que uma criança ficou órfã e a tia, que sempre ajudou a cuidar da criança, está disposta a adoptá-la. À partida, é claramente no interesse da criança ser adoptada pela tia em vez de ir para o orfanato e, se a tia for solteira e tiver mais de 30 anos de idade, a lei nem quer saber se é lésbica. O que o legislador precisava de justificar é que, se esta tia fosse legalmente casada com uma mulher, então já passava a ser melhor para a criança ficar no orfanato independentemente das condições socio-económicas da tia, dos laços afectivos que tivesse com a criança ou da sua capacidade para continuar a criá-la. É de notar que a lei também não proíbe categoricamente a adopção por quem tenha sido condenado por crimes violentos, odeie crianças ou não tenha onde morar, por exemplo, problemas mais graves do que o sexo do cônjuge e que, no entanto, são avaliados caso a caso.
Outro problema neste impedimento é que a Constituição proíbe que qualquer um seja «privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão»(6) do seu sexo ou orientação sexual. Argumenta-se contra isto que não existe um direito de adoptar que esteja a ser violado mas, mesmo sem haver tal direito, é óbvio que esta lei prejudica algumas pessoas conforme o sexo ou orientação sexual. Pior ainda, ao excluir «pessoas casadas com cônjuge do mesmo sexo», a lei prejudica uns com base no sexo de outros, dos cônjuges, o que além de injusto é absurdo. Talvez seja por isso que o texto da lei é tão pouco explícito.
Tudo isto tresanda a preconceito. Começa pela justificação da proposta de lei, que diz defender os interesses da criança mas não explica que males lhe viriam por ser criada por duas pessoas do mesmo sexo. Passa pelo texto da lei, um obscuro «não implicam a admissibilidade legal da adopção» que depois é interpretado, muito além do seu sentido literal, como excluindo a adopção por casais homossexuais. E revelou-se novamente nas justificações dos partidos que chumbaram os projectos de lei que visavam corrigir esta situação (7). Telmo Correia chegou a dizer que era sensível ao argumento de que alargar a adopção aos casais homossexuais poderia, em alguns casos, permitir que «crianças que não têm outra solução pudessem ter melhores condições de vida» mas «não pensamos que seja esse o factor decisivo». Isto apesar de reafirmar o supremo interesse da criança(8). Julgo que até um político experiente devia perceber a contradição. Segundo o PCP, o problema de permitir a adopção por casais homossexuais é ser «preciso pensar nas condições de aplicabilidade da lei» e que «neste momento, continuamos a não ter esta questão suficientemente debatida e sedimentada na sociedade»(9). Quando se legisla a proibir algo é realmente preciso pensar se a sociedade aceita essa proibição e se é possível aplicar a lei. Não queremos uma lei que todos ignorem. Mas tratando-se de eliminar uma proibição não faz sentido duvidar das “condições de aplicabilidade” nem exigir sedimentação. Basta permitir.
Há cada vez menos famílias dispostas a adoptar (10), há imensos riscos para as crianças em instituições – até a Igreja Católica «reconhece a dimensão do problema»(11) – e não há evidências de que ter dois pais ou duas mães seja prejudicial. Sobra apenas o preconceito e a cobardia dos políticos que, certamente cientes da falta de fundamento para esta lei, a mantém com desculpas transparentes e sem sentido. E depois os maricas são os outros...
1- Wikipedia, LGBT rights in the European Union
2- DN, Paulo Albuquerque, (2010), Casamento homossexual
3- Decreto-Lei n.º 185/93, de 22 de Maio.
4- DRE, Lei nº 9 de 2010
5- Parlamento,Proposta de Lei 7/XI.
6- Parlamento, Constituição da República Portuguesa, artº 13º.
7- O 126/XII e o 178/XII.
8- Intervenção de Telmo Correia sobre adoção por casais do mesmo sexo.
9- PCP, Sobre a Procriação Medicamente Assistida, a adoção e o apadrinhamento civil por casais do mesmo sexo
10- Expresso, Há menos famílias a querer adotar crianças.
11- PTJornal, Fátima: Igreja anuncia diretrizes de combate a abusos sexuais contra menores nas suas instituições.