sábado, abril 14, 2012

Treta da semana (passada): justificações.

A semana passada foi suspenso, de surpresa, o regime de reforma antecipada. Segundo o Primeiro Ministro, «A decisão que o Governo tomou teve apenas a preocupação de garantir que o efeito que o recurso a pensões antecipadas estavam a ter sobre o orçamento da Segurança Social não pusesse em risco a execução do nosso orçamento para este ano»(1). A menos que o mundo acabe mesmo em 2012, julgo que o Governo não se devia preocupar apenas com o orçamento deste ano. Em média, uma pessoa que tenha sessenta anos hoje viverá até aos 83 (2). Se se reformasse agora, cinco anos antes do tempo e com uma penalização de 30% na pensão de reforma, pouparia à Segurança Social o equivalente a dois anos da reforma original. A longo prazo, as reformas antecipadas poupam dinheiro ao Estado.

A justificação do ministro da Segurança Social é de que, sem esta medida, o Estado teria de pagar mais 450 milhões de euros nos próximos dois anos(3). Parece muito mas, por ano, isso dá duas milésimas do orçamento do Estado. É meio submarino ou um terço do que ganham alguns ex-políticos só por terem passado por lugares no poder (4). E, ao contrário dos outros exemplos, este seria um bom investimento para o Estado.

Pelas consequências económicas e sociais desta medida, seria de esperar que fosse discutida no Parlamento. Em vez disso, o Governo decidiu fazer tudo às escondidas e apanhar o pessoal de surpresa. Para evitar actos como este, Portugal tem um Presidente com a responsabilidade de remeter ao Parlamento qualquer medida que suscite dúvidas. Infelizmente, Portugal tem o Presidente que tem, e que só me abstenho de adjectivar por causa do artigo 328º do Código Penal. A justificação deste é que se devia fazer isto às escondidas por «interesse nacional» mas que «o acto de promulgação não significa o acordo do Presidente em relação a todas as normas de um diploma»(5). O que quer dizer que o Presidente não concorda com o interesse nacional, ou, mais provavelmente, é apenas demagogia sem sentido.

Um grande problema económico da política de austeridade, mesmo descontando os efeitos sociais e pessoais, é a incerteza. Medidas como as de facilitar os despedimentos, cortar apoios sociais e alterar unilateralmente os ordenados e horas de trabalho desencorajam o consumo, mesmo a quem ainda tiver algum dinheiro, porque não sabe o que o futuro lhe reserva. Por sua vez, isto deprime a economia, leva a mais cortes e despedimentos, e serve para justificar mais austeridade e incerteza. Quem está próximo da idade da reforma e vê o seu emprego em perigo tinha na reforma antecipada uma boa solução. Recebia menos, beneficiando a Segurança Social a longo prazo, mas sempre ficava com um rendimento mais certo. Teria menos incerteza e mais confiança. Com esta medida, o Governo não só negou esta possibilidade a algumas pessoas como também aumentou a incerteza a todos os outros que, apesar de não serem directamente afectados por esta medida, agora sabem que as leis podem ser alteradas instantaneamente, sem discussão pública nem aviso prévio. Agora todos temos mais incertezas e menos confiança.

Isto, é claro, se for para tramar quem vive do seu trabalho. Hoje, Passos Coelho justifica acabar com as reformas antecipadas de surpresa para não permitir uma “corrida” às reformas. Mas em 2010 votou contra a cobrança imediata de impostos sobre dividendos, apesar de assim permitir que empresas como a PT (6) e a Portucel (7) evitassem milhões de euros de impostos antecipando a distribuição dos seus lucros. Nessa altura, Passos Coelho considerou que aplicar a lei de imediato seria «cobrir um erro com outro erro»(8). O que até pode ser. Seria um erro, da parte dele, prejudicar potenciais empregadores. Afinal, ele não vai ser Primeiro Ministro para sempre e, com as reformas como estão, se não arranja uns lugares de administração em meia dúzia de empresas ainda se vai ver aflito para pagar as contas ao fim do mês. Como o nosso Presidente, coitado.

O problema fundamental da nossa política é que os governantes não são minimamente representativos da grande maioria dos governados. São pessoas para quem “austeridade” é apenas uma palavra. De apoios sociais, só precisam dos seus salários, pensões e benefícios, e esses estão garantidos. Por eles. Se alguém que lhes seja próximo precisar de subsídio de desemprego ou outro apoio, em vez disso podem arranjar-lhe um tacho, que é melhor e mais prático. Somos governados por pessoas que, quando não têm pão, comem brioches. Não têm contacto directo com os estragos que fazem nem qualquer incentivo para resolver os problemas. Precisam apenas de garantir o orçamento por mais um ano de cada vez enquanto fazem favores às pessoas certas. Ou, como eles lhe chamam, o “interesse nacional”.

1- DN, Passos quis evitar corridas às reformas antecipadas
2- Pontos e Vírgulas, Esperança de Vida (pdf).
3- TSF, Ministro justifica congelamento das reformas antecipadas
4- Expresso, Veja os rendimentos de 15 políticos portugueses antes e depois de passarem pelo Governo.
5- Económico, Belém justifica suspensão das pensões antecipadas com “interesse nacional”
6-Económico, Distribuição antecipada de dividendos na PT "é legal"
7- Público, Portucel paga dividendo antecipado a 27 de Dezembro
8- I online, PS e PSD vão chumbar proposta para taxar dividendos este ano

11 comentários:

  1. "Se se reformasse agora, cinco anos antes do tempo e com uma penalização de 30% na pensão de reforma, pouparia à Segurança Social o equivalente a dois anos da reforma original. A longo prazo, as reformas antecipadas poupam dinheiro ao Estado."

    Ficar-se-ia sem trabalhadores experientes e a pagar os 70% restante.
    Como não há dinheiro para fazer reformas significativas ao sistema ter-se-á que empregar mais gente*, o que já funcionava mal...

    * ou deslocar alguns para áreas em falta :D

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  2. Temos os políticos que temos porque somos como somos :)

    Se somos todos educados em pensar em nós primeiro, nos nossos familiares e nos amigos mais próximos a seguir, e cagar no resto do universo... porque haveríamos de ter (ou conseguir sequer eleger) políticos que pensassem exactamente da forma oposta? Parece-me pouco razoável assumir que numa sociedade que aposta no egoismo como forma de sobrevivência surjam, assim sem mais nem menos, políticos altruistas, em que todos queiram votar...

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  3. Não sei se, nem como, se poderá fazer alguma coisa, nem se vai ter que ser. Constata-se que o povo não tem o poder mas, em determinadas circunstâncias, só lhe resta conquistá-lo. A idosa doente que só tem o direito de voto para pagar medicamentos, renda e alimentação, não consegue converter esse direito em moeda, nem em géneros, nem em vantagens de qualquer espécie. A democracia foi subvertida. Se era uma marca que chegou a ter alguma reputação, é duvidoso. O princípio da legalidade e da igualdade perante a lei, na prática, é algo que as pessoas não identificam é um invólucro quebrado que não ressoa. Análises, com intenções benevolentes dirão que os direitos podem ser suspensos e retirados e negados por razões de força maior. Mas aqui começa o perigo a espreitar, a ameaça de tudo poder ter forçosamente uma justificação. As revoluções e os golpes de estado também se justificam...E onde estão as intenções benevolentes? É suposto que a vontade do povo seja auscultada, compreendida, representada, atendida e respeitada por quem se propõe politicamente a esse papel. Qualquer que seja a forma que essa vontade assuma, a engrenagem partidária e o sistema eleitoral assume uma ruptura e um risco ao ignorá-la e um risco ainda maior ao tentar impor ao povo a definição cada vez mais ambígua daquilo que o povo deve querer, sobretudo quando o povo já se cansou de lhes dizer e mostrar, de inúmeras formas, que está farto de ser traído e explorado e desgovernado. Os políticos até tentarão, quando tentam, representar e repercutir a voz da população, mas não podem deixar de, na sua acção, realizar os interesses e a vontade desta. O dito interesse nacional pode justificar muitas coisas, mas o problema está em definir o que é o interesse nacional e quem o define há-de estar legitimado para o fazer por algo mais consistente e credível do que sufrágios, cujos mecanismos e artifícios não garantam minimamente esse desiderato. Ou seja, o interesse nacional, em caso algum significará, por exemplo, que o povo se renda a quem quer que seja que o espolie e oprima sob pretexto de que tem de ser ou de que não há outro caminho.

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  4. Concordo na essência com tudo mas tenho de perguntar "E depois?";
    O que foi escrito, foi já escrito no passado.
    O que é dito, já foi dito no passado.
    Perdoem-me o simplismo mas tenho de concluir que se fosse político faria o mesmo.
    Que tem essa classe a perder, afinal? Quais os riscos?
    O pior que já aconteceu a um grupo de políticos em Portugal foi a remoção do poder à ponta de... cravos.

    Sou muito novo para conhecer uma revolução e não planeio incitar uma tão-pouco, mas questiono-me: Para que lutaram as gerações anteriores? Para sermos governados de modo incrementalmente totalitário? Somos cada vez mais governados por um mestre que nos é alheio - a Moeda.
    Decisões que a afectam são tomadas por líderes sobre os quais não temos palavra a dizer. Decisões essas que influenciam directamente a nossa vida - O Sr. PM Dr. Passos Coelho é, em certa medida, apenas um testa-de-ferro para essas medidas de maior amplitude que são decididas pelos indivíduos que ditam a economia - Alguns em Portugal apenas, outros a nível internacional.

    Isto leva é a um outro ponto mais interessante que é a existência de países que não são tão susceptíveis a este mestre-de-escravos como nós. Porquê? Como?

    Para possuirmos essa impermeabilidade, como a há em outros países, temos de a identificar, estudar, definir formalmente e implementar soluções cá que conduzam ao mesmo.
    Mas a premissa é errada por definição : O modo como o país é governado impede a existência de qualquer esforço concertado que promova uma solução para qualquer coisa pois é mais fácil a política do desdizer ou a da "picuinhez" das declarações.
    É mais fácil atacar o adversário pelas soluções incompletas ou erradas que apresentou que criar algo inteligente, publicá-lo, ganhar inércia por de trás de um projecto-lei de modo a passá-lo na assembleia.

    Existem exemplos gritantes disto.

    O líder da oposição é, para mim, o exemplo de tudo o que um político não deve ser;
    Não apresenta uma única ideia lúcida e construtiva para o País - apenas rejeita categoricamente tudo o que os adversários políticos fazem por princípio.
    Infelizmente não duvido da capacidade de AJS de conseguir o lugar. Não pelo seu discurso político, pelas ideias inovadores ou sequer pela capacidade de debate mas sim, somente, pela impopularidade das medidas do PSD/CDS e a consequente troca de ciclo de volta para o PS.
    Até posso dizer de ante-mão que vejo nele o mesmo que nos restantes : Nada.

    É infeliz viver num país nos quais os líderes políticos são escolhidos pelo produto entre os beijos a bebés e/ou idosos nos desfiles de rua e a impopularidade do adversário ao invés duma apresentação capaz de um projecto construtivo, iterativo, de avanço do país.


    Acredito que, no entanto, esta forma de ecossistema político vai acabar; Enquanto o tempo avança vão avançando as mentalidades e acredito que será, em breve, formulada uma nova ideia que atrairá os portugueses; Quem sabe, um facebook da política, onde possa existir uma eleição directa de ideias - ao invés de pessoas - e apresentadas opiniões por quem tem conhecimentos e experiência para as fundamentar como os grandes economistas, economicistas, advogados, juízes, médicos, etc, etc, etc, sobre a suas respectivas áreas. Em breve uma solução assim aparecerá;


    Em suma posso dizer que, pelo menos num ponto, concordo com o Dr. Passos Coelho: A solução é a emigração; Preferencialmente para sítios onde não só os pastos sejam mais verdes e as vacas mais gordas, mas o "cowboy" responsável por elas olhe mais para a grande imagem ao invés de só o seu umbigo ( e daqueles que o rodeiam ).

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  5. Estou com o Antonio Parente. O Ludwig ja escreveu coisas piores.

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  6. PROBLEMAS DO LUDWIG COM VALORES E NORMAS MORAIS

    Sempre que vemos o Ludwig a condenar os comportamentos morais dos outros devemos ter presente que:

    1) O Ludwig é naturalista, acreditando que o mundo físico é tudo o que existe. Sendo assim ele tem um problema, porque valores e normas morais não existem no mundo físico.

    2) O Ludwig diz que a observação científica é o único critério válido de conhecimento. Ora, nunca ninguém observou valores e normas morais no campo ou em laboratório.


    3) O Ludwig diz que a moral é subjectiva. Ora, se são os sujeitos que criam valores e normas, eles não estão realmente vinculados por eles, podendo cada um criar valores e normas a seu gosto.

    4) O Ludwig está sempre a dizer aos outros que não devem dizer aos outros o que devem ou não devem fazer. Ou seja, ele faz exactamente o que diz que os outros não devem fazer.


    5) De milhões de anos de processos aleatórios de crueldade, dor, sofrimento e morte não se deduz logicamente qualquer valor intrínseco do ser humano nem qualquer dever moral de fazer isto ou aquilo.
    Conclusão: sempre que fala em valores e normas morais o Ludwig é irracional e arbitrário.


    P.S.


    É claro que muitos ateus têm valores! Também eles foram criados à imagem de um Deus moral e muitos vivem com dignidade e liberdade numa civilização judaico-cristã.

    O problema é que os ateus não conseguem justificar logicamente esses valores a partir da visão do mundo naturalista e evolucionista a que aderem pela fé.


    Como diz a Bíblia (Romanos 1, 21ª e 22), “tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças…” “…dizendo-se sábios, tornaram-se loucos”.

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    1. “tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças…” “…dizendo-se sábios, tornaram-se loucos”."

      este louco nunca conheceu o teu deus

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  7. Nuno Dias,

    «Ficar-se-ia sem trabalhadores experientes e a pagar os 70% restante.»

    Quem tem um trabalho estável e está motivado não vai optar por uma reforma antecipada com as penalizações que estas têm. Por isso, acho que este problema não é relevante.

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  8. .: Anónimo :.

    «O líder da oposição é, para mim, o exemplo de tudo o que um político não deve ser»

    Eu penso que esta frase indica bem o problema, mas talvez não como pretendias :)

    O problema é que se vê a oposição como uma, e não como uma data delas. É por isso que a política portuguesa tem sido um ping-pong entre PS e PSD, jogo no qual cada um faz mais m**** do que o anterior porque sabe que um ou dois mandatos mais tarde volta a ser a sua vez. São ou o governo ou “a oposição”.

    Há uma data de partidos, e o nosso sistema político admite governos de coligação. Distribuam melhor os votos, tirem aos partidos a garantia de um poleiro façam o que fizerem, e eles forçosamente terão de dar mais ouvidos aos eleitores.

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  9. Ludwig,

    "...Distribuam melhor os votos, tirem aos partidos a garantia de um poleiro façam o que fizerem, e eles forçosamente terão de dar mais ouvidos aos eleitores"

    Tenho sérias dúvidas acerca desse forçosamente. Penso que a tua solução iria simplesmente reforçar e criar novos "laços" entre o poder politico e os grandes grupos económicos.
    Aliás, tenho mais uma certeza relativa de que o problema reside na crença de que um governo democráticamente eleito poderá mais justamente servir os interesses da maioria da população.

    Estes são os verdadeiros donos de Portugal

    Receio bem que, um pouco por todo o mundo, estejamos a aproximar-nos de uma nova ordem social :(

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