O género.
Eu não sou do género masculino. Eu sinto-me do género masculino como eu o concebo, e sinto como enquadro os outros nas minhas categorias de género. Mas não existem géneros objectivos. Os géneros são algo que cada um sente acerca de si, acerca dos outros e acerca de como se relaciona com os outros. Sendo subjectivos, variam muito de pessoa para pessoa. Por exemplo, eu sinto-me do género masculino porque nasci com pénis e testículos, e sinto que quem nasceu com vulva e ovários é do género feminino. Isto é apenas uma descrição grosseira porque eu não defini nada disto de forma explícita e deliberada. Estou a tentar exprimir o que sinto. E é óbvio que outras pessoas poderão sentir isto de forma diferente. Por exemplo, em 2020 a actriz Ellen Page declarou ser do género masculino e mudou de nome para Elliot. Claramente, Page tem uma concepção dos géneros diferente da minha, tal como as outras pessoas terão as suas.
Não devia ser necessário mencionar isto, mas o fervor ideológico em torno deste tema obriga-me a deixar explícito que não desejo mal algum a pessoas transgénero. Defendo incondicionalmente a liberdade de viverem, de se exprimirem e de se relacionarem com os outros de acordo com as categorias de género que sentem. E condeno sem reservas quem as coagir, ameaçar ou agredir só porque discorda dessas categorias de género. Mas isto não é apenas para pessoas trans. É um direito humano. Ninguém deve ser obrigado a fingir categorias de género diferentes daquilo que sente ou a exprimir-se e relacionar-se com os outros de forma que não lhe seja natural.
Infelizmente, a subjectividade das categorias de género choca com os objectivos políticos de quem quer impor umas aos outros. Uma vez mencionei esta subjectividade num grupo de Facebook e a administradora acusou-me de “violência simbólica”. Para me castigar, decidiu referir-se a mim com pronomes femininos para eu sentir o terrível sofrimento que a minha tese estaria a causar. Não teve o efeito desejado. Mas vamos supor que em vez desta infantilidade alguém sinceramente me categorizava no género feminino. Nem seria muito descabido. Eu não sei conduzir, não ligo ao futebol, não cumpri o serviço militar e não sei caçar. Por outro lado, tenho muita experiência a mudar fraldas, a dar banho a bebés, a cantar para adormecerem e a coser peluches lesionados. Quem conceber os géneros em função destes estereótipos em vez dos genitais pode bem achar que eu sou mais mulher que homem. É-me indiferente. Estou satisfeito com o que sou e não me ralo com as categorias dos outros. E esta talvez seja a maior diferença entre pessoas como eu e pessoas como Page, porque alguém que se submete a cirurgias e tratamentos hormonais para alterar o aspecto do seu corpo provavelmente nem está bem consigo nem é indiferente ao que os outros pensam.
É aqui que surge o argumento da empatia: as pessoas transgénero sofrem tanto que temos o dever de fingir que pensamos nelas no género que elas preferem. Mas ter empatia e pena não implica o dever de ser hipócrita. Elliot Page tem todo o direito de dizer-se a si e a mim no género masculino e colocar Ellen Page no género feminino, de acordo com os géneros como Page os concebe. Mas eu tenho o mesmo direito de sentir que Elliot e Ellen estão ambas no género feminino, como eu o concebo, e que é diferente do masculino em que me categorizo, e ambos diferentes dos que Page concebe. Lamento que Page não se sinta bem com o seu corpo mas isso nada tem que ver com a liberdade de termos categorias de género diferentes. Além disso, esta abordagem da “empatia” é prejudicial porque não distingue entre o normal e o patológico. Que uma pessoa de um sexo sinta que o seu género é outro não é doença nem merece pena. É um sentimento subjectivo. Mas amputar partes saudáveis do corpo, tomar hormonas só para mudar a aparência e viver obcecado com os pronomes que os outros usam são sintomas de patologia. É um erro grave fingir que isto é tudo normal e saudável, ao ponto de se dar hormonas a crianças para impedir a puberdade. Isto não é empatia e até devia ser crime.
À direita, os mais conservadores querem impor categorias de género baseadas no sexo alegando que o sexo é objectivo. Se bem que as características sexuais sejam objectivas, é subjectivo se as usamos para conceber os géneros. Eu uso, mas é legítimo não o fazer. E à esquerda querem dar a certas pessoas o poder de ditar aos outros como categorizar os géneros. Assumem que uma pessoa é objectivamente de um género se disser que é desse género. Mas quando Page diz ser do género masculino está a referir-se a esse género como Page o concebe. Isso não tem nada que ver com o meu conceito de género masculino, que é diferente do de Page. Cada pessoa sente estas coisas de forma diferente e ninguém consegue definir objectivamente o que é ser masculino ou feminino. Portanto, se alguém se referir a mim como “a Ludwig” não está a dizer nada acerca do meu género como eu o concebo. Está apenas a exprimir-se de acordo com as suas categorias de género, que nada têm que ver com as minhas. Não há por isso qualquer justificação para ser eu a ditar-lhe que pronomes pode usar ou como me deve categorizar.
Se admitirmos que as categorias de género são subjectivas todos os problemas parvos que se tem inventado desaparecem. Quando é necessário objectividade, ignora-se o género. Exames à próstata são para quem tem próstata, seja de que género for. No desporto, tal como as categorias de peso dependem do que está na balança e não do atleta se sentir esbelto ou rechonchudo, também as provas femininas devem ser para atletas do sexo feminino seja qual for o seu género. Resta o problema real de quem sofre demasiado com o seu corpo e com que os outros pensam, mas esse é um problema de saúde para os médicos resolverem. Nós temos é de resistir a qualquer tentativa de nos impor conceitos de género ou restringir como os exprimimos. O que cada um sente é consigo e mais ninguém tem legitimidade para mandar nisso.