Treta da semana: grande outra vez.
Tenciono, em breve, escrever o post costumeiro sobre as eleições. Mas, antes disso, queria dar destaque ao Partido Nacional Renovador (PNR) pelo seu slogan, que tem tanto de inteligível quanto de original: «Fazer Portugal grande outra vez» (1).
Olhando para os indicadores de prosperidade e qualidade de vida, não se percebe o “outra vez”. Não houve momento na história deste país com menor mortalidade infantil, maior esperança de vida, maior conforto material para a maioria da população ou maior liberdade para cada um viver a sua vida à sua maneira. Vou supor que a grandeza à qual o PNR quer voltar não é a da peste bubónica, da Inquisição, das sopas de vinho ou das crianças descalças pela rua.
Outra possibilidade é a justiça. Segundo o programa do PNR, «A Justiça, desvirtuada da sua nobre função e prostituída às mãos de criminosos, de corruptos e de toda a sorte de tratantes impunes, só serve os interesses dos poderosos.»(1) Talvez o PNR queira voltar aos tempos em que a justiça em Portugal servia o povo e não os poderosos. Isto também parece difícil. Durante séculos de monarquia a “justiça” (as leis, não necessariamente justas) serviam explicitamente quem estava no poder, que era quem as inventava. Entre 1911 e 1926 houve uma tentativa incipiente de criar uma sociedade mais justa mas Portugal não estava preparado ainda para essas modernices. Só da minha geração em diante é que nos temos aproximado desse ideal da lei ser também justiça. Ainda há muito que fazer mas qualquer regresso ao “outra vez” seria contraproducente.
Mas numa coisa Portugal foi inegavelmente grande. No tamanho, geográfico e demográfico. Por meios moralmente reprováveis mas eficazes, Portugal já foi do Brasil até Timor (Angola, Moçambique, Goa e Macau; bolas, agora a música não me sai da cabeça). Foi um país grande, com uma população numerosa, multiracial e multicultural. No entanto, seria hoje visto como má educação chegar aos países dos outros, desatar à paulada e declarar “isto agora é Portugal, vocês são portugueses e vamos levar já uns para a Madeira que há lá cana para cortar”. Além disso, não parece que o PNR queira que Portugal tenha outra vez essa grandiosidade de culturas e raças que teve outrora. Pelo contrário. Segundo o programa do PNR, «A imigração em massa constitui uma verdadeira invasão e traduz-se numa ameaça à identidade, à soberania, à segurança e à sobrevivência futura de Portugal», propondo por isso o partido «Alterar a Lei da Nacionalidade, baseando-se no jus sanguinis (nacionalidade herdada por descendência)». Se formos grandes outra vez terá de ser só com a prata da casa.
Não vejo no passado de Portugal onde o PNR possa ir buscar grandiosidade. Mas talvez o que o partido queira seja algo diferente. Durante boa parte do século XX, Portugal foi um pais pequeno, pobre nos recursos materiais e miserável nos humanos, de onde muita gente queria era fugir. Nesse Portugal, quem estava menos mal via à sua volta sempre miséria que bastasse para se sentir melhor que os outros. Julgo que é essa sensação de “grandeza” que o PNR quer que volte. Espero que não tenham sucesso nisso.
1- Programa do PNR para as legislativas de 2019