sábado, fevereiro 16, 2019

Treta da semana: aumentar a vibração.

Nos próximos anos, entre 2019 e 2024, irá ocorrer o Evento. «O Evento é o avanço por compressão [...] quando as forças da Luz acima e abaixo da superfície do planeta se encontram na superfície do mesmo». Várias coisas vão suceder nesse Evento. Algumas à escala galáctica, como «uma grande onda de Luz ou flash, de Energia Divina, de luz do Sol Central Galáctico diretamente para a superfície do planeta. (O Sol Central Galáctico é um objecto na constelação de Sagitário)». Outras mais modestas, como «Detenções e desmantelamento das organizações criminosas que operam a nível planetário (prisão em massa da cabala)» (1). Mas atenção: «O planeta irá passar de um planeta de 3.ª para 4.ª densidade (daí as alterações climáticas, terramotos, etc), portanto irá elevar a sua frequência, portanto os humanos também terão de o fazer, se desejarem permanecer cá, sendo que a Época Dourada começará na Terra». Não podemos deixar que o planeta passe para a quarta densidade sem aumentarmos nós próprios a nossa frequência. Felizmente, não é preciso comprar um martelo pneumático ou uma cadeira de massagens. O autor, informado pelos seres de Luz, diz-nos o que fazer e não fazer. Não devemos comer açúcar, nem beber água da torneira (porque tem químicos, principalmente H2O) e sobretudo evitar «Água ácida». É importante também saber que «as pessoas depressivas sugam-nos a energia, portanto diminuir o contacto com elas». Se tiverem algum amigo que se sinta mais em baixo, cortem relações. Um suicídio a mais ou a menos faz pouca diferença nas estatísticas e sempre poupam o incómodo de aturar gente deprimida. Ironicamente, nessa página está também este aviso: «Internet: se a mesma for usado de forma consciente é bem-vinda, mas a maioria usa a internet obviamente para aquilo que não interessa e ocupa muito do seu tempo livre.»(2)

No YouTube há muitos vídeos a explicar como se pode aumentar as vibrações e até que frequências são boas para vários efeitos. 432Hz cura, aumenta a vibração e energia positiva e ainda traz amor, força e poder (3). Com 963Hz activa-se imediatamente a “Glândula PINEAL” o que, suponho, é bom, mas não explica porque é que o vídeo dura quase quarenta minutos se a activação é imediata (4). Mas parece que o mercado das frequências na nossa língua está dominado por brasileiros. Encontrei apenas dois mestres portugueses desta disciplina do aumento vibracional e um deles, Jorge Silva, parece estar agora ainda menos activo do que estava quando fazia vídeos. Deixo aqui as suas recomendações para aumentar a vibração do corpo ou, pelo menos, para dormir uma sesta:



O outro, achado graças ao Facebook, é Ivo Artur, aparentemente um português que vive no Brasil e que tenta conciliar as duas pronuncias com resultados fascinantes. Sem menosprezar o contributo de Jorge Silva, julgo que Artur causa mais vibrações, especialmente na região abdominal.



Eu gosto de terminar os meus posts frisando a mensagem principal, em jeito de conclusão, mas neste caso não sei o que fazer disto. Deixo-vos apenas mais um vídeo de Artur, que penso ilustrar bem o que conta como explicação e conhecimento nestas andanças. Muitas vibrações para todos, mas só das positivas, uma boa dose de namastés e não bebam água ácida que é só químicos.



1- oevento.pt, O que é o Evento
2- oevento.pt, O que nos faz subir ou descer a nossa Energia, Frequência e Vibração
3- YouTube, Clube de Meditação para Pensamentos Poderosos, 432Hz Frequência de Cura | Aumentar Vibração e Energia Positiva | Atrair Amor, Força e Poder
4- YouTube, Outro Mundo, Glândula PINEAL| 963Hz | ATIVAÇÃO IMEDIATA | Meditação |

segunda-feira, fevereiro 11, 2019

Tipos de treta.

Apesar da oposição da ministra da cultura, foi aprovado no Parlamento o IVA a 6% para a tourada, beneficiando assim da redução reservada a espectáculos culturais. Parece estranho. A tourada não é um espectáculo cultural. Lutas de cães e de galos já foram proibidas e até a matança do porco tem de respeitar a legislação vigente para a «proteção dos animais de abate, quanto à contenção, atordoamento, sangria e demais disposições aplicáveis»(1). Trazer um porco para a praça, ou qualquer outro animal, e fazer o espectáculo espetando-lhe ferros seria repudiado até pelos aficionados da tourada. Invocar a preservação do touro “bravo” também não faz sentido. Não só porque a conservação ecológica não se faz espetando ferros nos animais como porque o touro “bravo” é gado doméstico, uma casta seleccionada pelo seu comportamento previsível (2). A justificação para a tourada é treta mas as tretas não são todas a mesma coisa.

Algumas tretas afectam apenas como cada um usufrui das suas liberdades. Se vai muitas vezes à missa, se consulta o horóscopo, se anda à caça de fantasmas ou se acredita que um deus criou cada vespa, varejeira e víbora de acordo com a sua espécie. Esses disparates não exigem grande preocupação acerca de como as pessoas vão reagir à crítica. Por exemplo, alguns crentes têm dito que as minhas críticas à sua religião só lhes reforçam a fé. Bom para eles. Não é coisa que me preocupe porque o meu interesse é nas ideias e no diálogo, pelo fascínio que tenho por estas tretas. Cada um que acredite no que lhe der mais gozo e use os crucifixos ou cristais que quiser.

Outras tretas levam pessoas a exigir que a sociedade imponha restrições à liberdade dos outros. Mas, felizmente, são restrições que não conseguem impor sozinhas. Por exemplo, exigem que um casamento tenha um homem e uma mulher ou que uma administração de uma empresa tenha pelo menos 40% de pessoas de cada sexo. Que seja crime dizer certas coisas ofensivas ou partilhar ficheiros na Internet. Neste caso, temos de ter atenção ao poder que essas pessoas possam ter para influenciar a legislação, ou para encontrarem outras formas de impor a sua vontade. Não é treta para encarar com a mesma leviandade que as do primeiro tipo. Mas, como o defensor da treta, sozinho, nada pode fazer, desde que se acautele a imposição da treta o problema fica resolvido. Por exemplo, uma vez abolidas as quotas de género no casamento tanto faz que fique muita gente irritada por os homossexuais poderem casar. Passa a ser uma treta inofensiva.

As piores tretas são aquelas que fazem uma pessoa cometer injustiças. Mutilar os genitais de crianças, não as vacinar, bater na mulher ou até matar os filhos, durante a gestação ou depois. Por exemplo, várias etnias tribais no Brasil praticam o infanticídio (3). Apesar de ser crime, não é viável prender tribos inteiras por causa disso. Medidas coercivas só são aceitáveis quando o acto a reprimir é suficientemente raro. Caso contrário, a lei não adianta. Por cá temos problemas semelhantes. O aborto foi despenalizado até às 10 semanas, na premissa de que isso resolvia o problema, mas continua a haver aborto ilegal pois nem todos os fetos são abortados até essa idade. Tal como antes da despenalização, não se vai prender quem o faça e despenalizar o aborto até aos 9 meses seria, mais uma vez, apenas disfarçar o problema. A mutilação genital de crianças, principalmente do sexo masculino, é uma prática tão comum que a justiça tem de a considerar excepção à regra evidente de que não se deve mutilar crianças. O mesmo com os castigos corporais. Teoricamente são crime mas só são punidos se o castigado for o cônjuge. Se for um filho faz-se de conta que não importa. Foi este aspecto da tourada que a ministra descurou. O “espectáculo” de espetar ferros num animal é indefensável. Mas este tipo de treta exige convencer as pessoas. Enquanto tantos acharem bem espetar ferros nos touros não há muito que se possa fazer.

Por isso, sem prejuízo da liberdade (e gozo) de desancar verbalmente quem defende tretas deste tipo, nestas tretas não podemos ignorar o que as pessoas pensam. Nas outras tretas não há problema. Tanto faz se o caçador de OVNI teima que Vénus é uma nave extraterrestre. E basta que quem queira proibir os homossexuais de casar não tenha poder para isso que não vale a pena ralarmo-nos com a sua opinião. Mas as tretas do terceiro tipo exigem considerar os factores que levam as pessoas a abraçá-las. Não se vai acabar com o infanticídio nas tribos do Brasil, ou a mutilação de crianças por crendice religiosa, só a escrever leis. É preciso compreender o que faz as pessoas agir assim e dar-lhes alternativas que elas prefiram. Só depois de reduzir a prática o suficiente é que se pode reprimi-la pela força. No caso da tourada, não sei ao certo o que se poderá fazer. Talvez incentivos económicos que facilitem a mudança de negócio a quem se dedica à criação dos touros. Talvez haja alterações graduais que se possa introduzir para reduzir o sofrimento do animal. Seja como for, com tretas deste tipo, se queremos resolver o problema é preciso engolir uns sapos e ser mais pragmático. Não podemos ficar só pelo escárnio e maldizer.

1- DRE, Despacho n.º 7198/2016, de 1 de junho de 2016.
2- Como os próprios aficionados admitem: «As ganadarias de toiros bravos surgem com a profissionalização do toureio a pé nos meados do século XVIII. Antes desta época o toiro era um animal silvestre, que vivia nos bosques da península ibérica. O touro bravo que hoje conhecemos é o resultado de mais de três séculos de cuidadosa selecção dos ganadeiros (pessoas que criam os toiros), que ao longo deste tempo foram selecionando caracteres comportamentais e morfológicos (aspecto) deste animal, numa busca constante pela bravura. Deste modo, hoje, podemos dizer que o toiro é cultura, ou seja, é o resultado da mistura entre as características naturais deste animal extraordinário e a acção do homem, na sua selecção.» Touradas.pt.
3- «Ainda praticado por cerca de 20 etnias entre as tribos brasileiras, o infanticídio indígena leva à morte não apenas gêmeos, mas também filhos de mães solteiras, crianças com problema mental ou físico, ou doença não identificada pela tribo.», INFANTICÍDIO INDÍGENA

sábado, fevereiro 02, 2019

Treta da semana: sermão ao ateu fundamentalista.

No blog do Público, Henrique Pinto Mesquita escreveu um sermão dedicado ao ateu fundamentalista. Como esse fundamentalismo me é imputado com frequência tenho desculpa para responder. Mas, antes, queria explicar porque é que a imputação é incorrecta. É natural que quem acredita ter uma relação pessoal com o criador do universo a veja como fundamental na sua vida. Mas eu não me preocupo com o que Bastet pensa da minha alergia aos gatos, o que Alá opina sobre o que como durante o Ramadão ou se Jeová se zanga quando trabalho ao Sábado. O meu ateísmo não é fundamento para nada. É apenas um efeito de eu valorizar a imparcialidade quando considero hipóteses e viver num universo que mostra claramente não existirem deuses. Não houvesse tanta gente a insistir que isto só vale para os deuses dos outros e eu nem seria chamado de ateu. O tema só dá para tanta conversa porque muitos julgam que preferir a Marvel à DC faz o Homem-Aranha tornar-se real.

Mesquita aduz aos ateus uma acusação vaga que se pode concretizar em três mais específicas: pensam que o crente «peca no intelecto»; que «Não pensa pela própria cabeça»; e que os crentes são «menos inteligentes»(1). Naturalmente, não me parece que os crentes sejam todos igualmente inteligentes. E, como de Mesquita conheço apenas este texto, vou abster-me de julgar a sua inteligência. Poderia sair desfavorecida. Mas não acho que ser crente implique ser menos inteligente. Por exemplo, tive o prazer – e guardo saudades – de conversar sobre isto com Alfredo Dinis, que era sacerdote católico e que sempre revelou ser uma pessoa inteligente. Também não considero que seja pecado tentar acreditar (com mais ou menos sucesso) na existência de algum deus. É um erro epistémico mas cada um é livre de usar os seus neurónios como entender. Eu não condeno a fé como intrinsecamente imoral. Ao contrário dos crentes, não considero que opinião seja delito.

Da acusação do meio é que me admito culpado. Realmente, parece-me que esforçar-se por acreditar num deus exige delegar o raciocínio a terceiros. Até Dinis o admitiu, confessando que a sua religião seria outra se tivesse outra cultura, sendo católico apenas por ter nascido onde nasceu. Mesquita parece admitir o mesmo, narrando ser «Oriundo de uma família católica e educado num colégio como tal», tendo voltado, após um cepticismo passageiro, a essa fé que descreve como «um sentimento, uma crença pessoal. Que em nada se pode confundir com a razão». Precisamente. Pela razão nunca chegaria lá.

Pensando por si, qualquer pessoa informada pode concluir que Odin não é um deus verdadeiro. Não precisa de ter fé na opinião de terceiros, nem em dogmas revelados, para perceber que aquilo que sabemos sobre Odin se explica melhor assumindo que é uma invenção humana e não um ser real. Passa-se o mesmo com o electrão, se bem que a conclusão seja a oposta. O que sabemos de coisas como electricidade, tempestades e reacções químicas encaixa perfeitamente quando assumimos que os electrões existem mas fragmenta-se num monte de mistérios desconexos sem essa premissa. Isto também se compreende usando a razão.

A fé, como a de Mesquita, não o permite. A fé não é conclusão de um raciocínio. É o ponto de partida, um dever ou desejo de acreditar em algo previamente determinado. E aquilo em que o crente acredita por fé vem de alguém que lhe diz que é assim. Mesquita assume-se «como um homem de fé» por opção sua mas é católico porque calhou. Noutro lado do mundo seria de outra religião qualquer porque a crença a que a fé o obriga é importada de quem estiver à sua volta, sem compreender como se pode concluir que aquilo é verdade.

Mais, esta falta de compreensão não é mera lacuna. É deliberada. Se o “homem de fé” usa a razão depara-se inevitavelmente com problemas como a arbitrariedade das crenças que quer adoptar e a inconsistência entre aquilo que quer acreditar e aquilo que observa. Por exemplo, um deus infinitamente bom e crianças a morrer de cancro. A solução é abster-se de pensar «pela própria cabeça» e dizer que são mistérios da fé. Como reconhece Mesquita, é algo que «em nada se pode confundir com a razão». Se é para acreditar nisso é melhor nem pensar no assunto. Isto é o contrário do que acontece com o ateu. Como o ateu pensa por si e pensa acerca da realidade, que é comum a todos, chega à mesma conclusão quer seja de família judaica, católica, muçulmana ou qualquer outra. Se tiver azar e nascer num sítio onde o ateísmo é reprimido pode ter de disfarçar. Mas, fora isso, ateu é ateu, venha de onde tiver vindo.

O ateísmo tem isto em comum com a ciência porque o ateísmo, tal como a ciência, não vem da vontade de crer em algo decidido a priori. Vem da vontade de seguir as evidências para perceber a realidade como ela é. Se apagássemos da memória colectiva todo o conhecimento da química, da física, ou da biologia, eventualmente seria possível recuperá-lo. Era só juntar novamente as peças do puzzle. O mesmo com o ateísmo. Todas as razões e raciocínios do ateísmo podem ser recuperados seguindo novamente o caminho que leva à conclusão de que os deuses são treta. Mas nenhuma religião é assim. Se apagássemos o cristianismo da memória humana a teologia cristã, com as suas idiossincrasias infundadas, desapareceria para sempre. Não seria possível reinventar as mesmas histórias, os mesmos dogmas da assunção, da trindade, da conceição imaculada e milagres. Haveria outras histórias para as substituir. Nisso a imaginação humana é prolífica. Mas nunca seriam as mesmas porque é tudo inventado, com muito pouco raciocínio e sem qualquer suporte em evidências.

1- Henrique Pinto Mesquita, O ateu fundamentalista