Treta da semana (atrasada): Sexualização.
Silvana Lima é a melhor surfista do Brasil e foi duas vezes vice-campeã do mundo. Apesar disso, como não é “bonitinha”, não consegue patrocínios (1). A sexualização feminina é muito comum. Enfatiza-se atributos que estimulam a atracção sexual no sexo oposto e usa-se esses atributos para avaliar as mulheres. As mini-saias das jogadoras de ténis, as poses sugestivas das raparigas nos anúncios e a atenção dispensada à roupa da ministra ilustram esta prática que muitos dizem ser machista. Ironicamente, o machismo está no diagnóstico.
A atracção sexual é um impulso irracional que nos chega, como muitos impulsos, pela eliminação gradual das linhagens com menos descendentes. A selecção natural. E o factor mais importante no sucesso reprodutivo de um homem é o acesso sexual exclusivo a mulheres férteis. Todos os outros factores só serão relevantes se o homem ultrapassar este primeiro obstáculo. Por isso, a atracção sexual masculina orienta-se por critérios relativamente simples. Por um lado, o aspecto físico da mulher, que permitia, até à cosmética moderna, avaliar a sua idade e fertilidade. Por outro lado, atributos e circunstâncias que maximizem a sua fidelidade sexual. Este aspecto é menos óbvio mas crucial na diferença entre o mero estímulo sexual e a atracção sexual. É a diferença entre ver pornografia e ficar apaixonado. Até recentemente, o homem só podia confiar que os filhos eram seus se garantisse que a mulher não tinha relações sexuais com outros homens. E isso é mais fácil se a mulher for dependente do homem, se for sua subordinada, precisar da sua protecção e essas coisas que inspiram tantos romances baratos.
Antecipando os comentários indignados, devo frisar que estes impulsos não são boa receita para uma vida feliz. Mas a evolução rege-se por uma álgebra simples: os nossos antepassados foram tendencialmente os que mais sucesso reprodutivo tiveram e nenhum dos nossos antepassados falhou na tarefa de se reproduzir. A felicidade, a realização pessoal e o prazer de uma relação duradoura entre iguais nunca entraram nessa equação. Não recomendo que se guiem por estes critérios mas é importante perceber a origem destes impulsos para compreender a sexualização das mulheres e por que Lima, apesar de ser campeã (ou por causa disso), é sexualmente menos atraente do que uma rapariga “bonitinha” que não faça nada de jeito.
Mas esta parte é trivial. Toda a gente sabe o que os homens procuram quando pensam com a extremidade errada. O que falta é fazer o mesmo exercício da perspectiva das mulheres. Constituem metade dos nossos antepassados e os seus critérios de selecção sexual foram tão importantes como os dos homens. Mas são diferentes. O acesso sexual exclusivo a homens férteis e jovens não contribui para o sucesso reprodutivo da mulher. Espermatozóides há muitos. O que a mulher tem de optimizar é o retorno do investimento, e custos de oportunidade, de nove meses de gravidez e uns anos de amamentação. Para isso, tem de obter os recursos necessários para criar os filhos e maximizar as vantagens que os seus filhos terão para sobreviver e reproduzir-se. Começando pelos genes do pai, que convém serem jeitosos. Isto exige avaliar o seu aspecto, da largura dos ombros à firmeza dos glúteos e simetria facial, mas também outros atributos. Destreza, sentido de humor, personalidade, capacidade de expressão e imensas coisas. Procurar um parceiro com genes bons é uma tarefa mais complexa do que procurar uma parceira jovem e fértil.
Além disso, os filhos também herdam os recursos e o estatuto dos pais. É isto que motiva os homens a investir nos filhos que julgam serem seus mas, como o sucesso reprodutivo dos homens é dominado pela necessidade de garantir o acesso sexual exclusivo a uma mulher fértil, tudo o resto fica em segundo plano nos seus impulsos de atracção sexual. A mulher, tendo pouco a ganhar em aturar vários homens e mais vantagem em convencer um a investir nos filhos dela, está sob pressão para encontrar o melhor*. Ele pesca à rede; ela com o arpão.
Por isso é que se vende cerveja com jovens bonitas de biquíni mas não se vende cápsulas de café com homens de cuecas. Para o café é preciso um George Clooney. Não é novo mas tem bons genes, estatuto e recursos. Considerando os critérios de atracção sexual das mulheres, percebe-se como toda a carreira do George Clooney contribuiu para o sexualizar. Os papeis de galã ou herói, a fama, os prémios, o dinheiro que ganhou, tudo isso acresce à sexualidade considerável dos seus genes e torna-o, enfim, num George Clooney.
O azar da Silvana Lima não foi as mulheres serem sexualizadas no desporto. São, mas, no desporto, os homens são-no ainda mais. A competição desportiva é toda ela um exercício de sexualização masculina. Competem para ver quem é melhor, mais rápido ou mais forte. Os vencedores ganham fama, fortuna e, naturalmente, por muito feios que sejam, namoradas lindíssimas. Para grande inveja dos outros homens, tão obcecados pelo desporto como as mulheres pela moda e cosmética. E exactamente pelas mesmas razões: as preferências sexuais do sexo oposto. O azar de Lima foi ser excelente em algo que sexualiza os homens.
A sexualização é ubíqua. É motor da moda, da publicidade, do desporto, do cinema, e até do capitalismo. O que leva tantos homens a dedicar tanto da sua vida a lutar por mais dinheiro do que conseguem gastar é evidente quando se vê as mulheres que casaram com o Donald Trump. A treta é ver a atracção sexual apenas da perspectiva masculina e julgar que só as mulheres são sexualizadas. As preferências sexuais das mulheres também contam e, para bem ou para mal, determinam muito do comportamento dos homens e do valor que a sociedade lhes atribui.
* Pode ir buscar bons genes a um lado e recursos e estatuto a outro. É uma estratégia mais comum do que muitos homens julgam. Mas tem riscos, porque essa opção também criou uma pressão selectiva nos homens para reagirem violentamente a essas situações. Por isso, em geral, a melhor estratégia reprodutiva para as mulheres tende a ser ter todos os filhos do mesmo pai.
1- DN, Melhor surfista do Brasil não arranja patrocínio: "Não sou bonitinha"