Terceiro grau.
Seria bom encontrarmos uma civilização extraterrestre? O João Carlos Silva responde com optimismo (1). Rejeita «a forma tradicional de imaginar a existência de vida e inteligência extraterrestre [como] deuses [ou] demónios», seres insondáveis e de poder inimaginável e, em vez disso, propõe extrapolar «daquilo que conhecemos da biologia, etologia e psicologia terrestres», em particular dos seres mais inteligentes. Assim, tendo a hipotética raça extraterrestre surgido por processos evolucionários semelhantes aos que nos formaram e sendo uma civilização avançada, o João Carlos defende que não deverá ter «motivos puramente interesseiros de ambição, expansão e conquista territorial» e preferirá «um contacto pacífico e uma relação de mútuo acordo cooperativo» connosco, seja por traços civilizacionais, valores morais ou mero interesse racional. Por isso, conclui o João Carlos, «procurar activamente entabular um contacto via rádio com os nossos eventuais vizinhos galácticos é muito bem capaz de compensar o risco e justificar a aposta.»
Eu concordo com parte do raciocínio e também penso que vale a pena tentar descobrir se temos vizinhos e contactá-los se for esse o caso. Mas a extrapolação do João Carlos descura um detalhe crucial e julgo que, por causa desse detalhe, a ideia dos extraterrestres como deuses ou demónios é mais realista do que esta hipótese de que serão seres parecidos connosco. Os processos evolucionários terão de ser sensivelmente os mesmos por todo o universo e concordo que não será plausível que os ET queiram vir de outro sistema solar roubar vacas, ou energia, ou conquistar este planeta. A tecnologia necessária para que isso seja viável permitirá certamente que aproveitem os recursos mais à mão para fazerem o que quiserem com muito menos esforço. Também a conquista de território e impulsos análogos serão pouco plausíveis como motivação. Até no nosso nível tecnológico conseguimos desligar muitos instintos das suas consequências e evitar uma catástrofe malthusiana. Parece-me que a reacção de uma civilização ET será muito mais ditada pela sua tecnologia e decisões racionais do que por instintos que lhe tenham ficado da sua evolução biológica. E aí é que está o problema.
Vamos supor que neste momento, a uns setenta anos luz daqui, astrónomos alienígenas descobrem indícios conclusivos de que neste sistema solar há uma civilização com tecnologia nuclear e electrónica. Suponhamos que esses ET vivem no seu planeta original mas já sabem construir naves robóticas capazes de viajar entre as estrelas perto da velocidade da luz. Daqui a uns oitenta anos poderia chegar cá uma sonda dessas. Mas uma nave com centenas de toneladas colidindo com a Terra quase à velocidade da luz esterilizaria o planeta. Os ET sabem disso, sabem que nós certamente o saberemos, e sabem também que, mais século menos século, teremos a mesma capacidade que eles têm para os detectar e para os obliterar. Por muito decentes e civilizados que sejam, o dilema é tramado. Ou dão cabo de nós antes que o façamos a eles ou apostam a sua existência na boa vontade de uma raça da qual só conhecem as bombas nucleares e o discurso de Hitler que apanharam nos radio-telescópios (2). Neste cenário, temo que o primeiro contacto com os ET seria também a última coisa que nos aconteceria, e tão rápida que nem daríamos por ela.
Mas vamos supor, em contraste, que estes alienígenas desenvolveram robôs auto-reprodutores. A multiplicação exponencial de máquinas de construção rapidamente lhes permitiria espalhar-se pelo seu sistema solar, desmantelando asteróides ou planetas inteiros e construindo o que quisessem no espaço. Uma civilização assim não poderia ser eliminada com algum bombardeamento relativista do seu planeta natal e não teria praticamente nada a temer de um vizinho como nós. Nesse caso, a reacção mais racional talvez fosse dirigirem para cá as antenas mais potentes e enviar-nos as instruções para construirmos esse tipo de robôs e espalharmos também a nossa civilização por este sistema solar. Sendo o resto igual, é preferível não ter um vizinho com medo de ser exterminado e que, por isso, se ponha a fazer asneiras.
Nenhum destes cenários é particularmente provável. Servem apenas para ilustrar como a reacção dos hipotéticos alienígenas dependerá fortemente da tecnologia que dominem. O ponto a que quero chegar é outro. Este universo tem cerca de treze mil milhões de anos. Se a tal civilização ET estiver apenas uma milésima disso à nossa frente, terá treze milhões de anos de avanço. Mesmo descurando a evolução biológica (há treze milhões de anos viviam os antepassados comuns de humanos, chimpanzés, gorilas e orangotangos), isto é duas mil vezes o tempo que passou desde a invenção da escrita à invenção da Internet e à exploração espacial. Tendo em conta a aceleração do progresso tecnológico, a melhor estimativa é que uma civilização treze milhões de anos há nossa frente – ou um milhão que seja – será tão avançada que poderá fazer tudo o que é possível fazer. Para todos os efeitos, da nossa perspectiva serão como deuses ou demónios.
Partilho da conclusão do João Carlos, de que vale a pena tentar descobrir se temos vizinhos neste canto da galáxia e contactá-los se existirem. Mas não é por estimar que serão porreiros, semelhantes a nós ou que desejarão colaborar connosco por interesse mútuo. É por estimar que, se nos quiserem mal, nada poderemos fazer e nem adiantará tentarmos passar despercebidos. E, se não nos quiserem exterminar, talvez consigamos despertar neles interesse suficiente para nos ligarem alguma coisa. Entretanto, à cautela, vou praticando: Klaatu barada nikto.
1- João Carlos Silva, Devemos tentar ou temer um contacto extraterrestre?
2- Admito que a transmissão da abertura dos Jogos Olímpicos de 1936 terá chegado muito fraquinha a 70 anos luz daqui. Mas, teoricamente, é possível. Will Hitler Be the First Person That Aliens See?