O Livre e o preço do livro.
A versão anterior do programa preliminar do Livre propunha, na alínea 12.19.f, «Melhorar a regulação da edição e do livro» pela «a revisão da Lei do Preço Fixo no objeto do livro de forma a combater descontos abusivos que minam a competitividade e sustentabilidade do meio editorial», e isto em nome da «promoção da leitura». Eu propus uma alteração radical desta alínea para que, em vez de servir os interesses comerciais duma minoria de editores, passasse a defender a cultura e os direitos dos cidadãos:
«...fiscalizar o recurso a medidas tecnológicas de protecção (DRM) em obras no domínio público, cujo acesso não devia ser restringido; incentivar o uso de obras em domínio público no ensino; promover a publicação em acesso aberto e em formatos abertos [...]; apoiar a digitalização e disponibilização gratuita do património literário arquivado em museus e bibliotecas; promover o recurso a, e a criação de, materiais de apoio ao ensino disponibilizados sem restrições de cópia, utilização ou transformação [...]; reduzir os impedimentos legais à adaptação, citação e uso de obras literárias no ensino; e legalizar a partilha e transformação, sem fins lucrativos ...»(1)
Tinha consciência do carácter revolucionário desta minha proposta. Muitas pessoas pensam que devemos equilibrar os interesses dos “produtores” e dos “consumidores” de cultura esquecendo-se de que esta divisão nem faz sentido. Na cultura somos todos participantes e as ideias não se consomem. O equilíbrio que aqui procuram é entre, por um lado, o lucro de uma actividade comercial e, por outro, os direitos pessoais de expressão, educação e acesso à informação. É como defender um equilíbrio entre o preço do algodão e os direitos dos escravos. Não há nada aqui a equilibrar. Primeiro, deve-se garantir os direitos das pessoas. Depois, e só dentro da margem que isso permita, é que se pode regular o comércio de forma a beneficiar mais estes ou aqueles. Infelizmente, a retórica do equilíbrio de interesses faz com que se trate o comércio ao mesmo nível, ou mesmo a um nível superior, do dos direitos pessoais. Os livros escolares são um de muitos exemplos deste problema, com o direito à educação posto em causa para garantir rendas a quem vende estes livros.
Segundo a resposta do grupo coordenador do programa do Livre, esta minha proposta «não foi contemplada uma vez que alterava fundamentalmente a intenção expressa nesta alínea». Admito que a alterava fundamentalmente, porque era mesmo essa a ideia, e lamento que por isso não tenha sido contemplada. Ainda assim, a redacção da nova versão do programa omite a referência ao combate aos descontos (2), o que já é algum progresso. No entanto, persiste o problema fundamental que devia ter sido corrigido. Esta alínea revela claramente uma instrumentalização do programa do Livre ao serviço de interesses de uma minoria de editores. É falsa a premissa de que «A promoção da leitura pressupõe a existência de um setor livreiro pujante, capaz de garantir a qualidade da edição e a diversidade da oferta». A promoção da leitura exige, sobretudo, acesso fácil aos livros. Isto consegue-se mais recorrendo à possibilidade de os distribuir gratuitamente do que pela regulação dos preços, ainda por cima num sector já completamente regulado por monopólios sobre a cópia. Há algumas boas ideias nesta alínea, como «novos programas de intercâmbio literário e editorial entre os países de língua oficial portuguesa e a criação da Feira Internacional do Livro de Lisboa ou do Porto», mas estas não têm nada que ver com a Lei do Preço Fixo nem exigem iniciativas parlamentares.
Estou parcialmente satisfeito com o resultado deste processo. A minha proposta de eliminar o financiamento das touradas ficou abrangida pela alínea 13.17.e da nova versão, «Eliminar os subsídios a espetáculos que promovam maus-tratos aos animais» e, se bem que as restantes tenham sido rejeitadas em grande parte, parece-me que contribuíram para um pequeno desvio na direcção certa. Como isto é um trabalho em curso – e sê-lo-á sempre – o resultado é encorajador e tenciono continuar a pressionar. Mas escrevo este post, principalmente, para deixar dois apelos.
O primeiro é dirigido aos apoiantes, membros e subscritores do Livre. É possível ainda enviar pedidos de alteração até às 20:00 do dia 11 (amanhã), mas têm de ser apoiados, pelo menos, por cinco subscritores. Para evitar que a proposta seja rejeitada por “alterar fundamentalmente a intenção expressa nesta alínea”, queria propor simplesmente eliminar a alínea 13.19.f, «Melhorar a regulação da edição e do livro.» Se houver subscritores do Livre interessados em apoiar esta proposta, por favor contactem-me; quantos mais melhor, presumo.
O segundo é dirigido a toda a gente. Eu apoio o Livre, sobretudo, porque é o único partido cujas listas são decididas por eleições abertas e não pela direcção à porta fechada. É uma prática importante sem a qual vamos continuar com a política corrupta de favores e interesses que temos tido nas últimas décadas. Mas não estou comprometido com nenhum partido. Participar na democracia não se restringe a votar ou militar. Todos podemos participar tentando influenciar as ideologias, os programas e as decisões dos nossos representantes. Podemos, e devemos. Por isso, apelo a todos que não desistam nem se demitam desta responsabilidade. Leiam as propostas, apontem defeitos concretos, sugiram melhorias e pressionem alterações. Durante a campanha os candidatos andam mais atentos à opinião pública e é a altura ideal para lhes dizermos o que queremos que façam e o que lhes faremos se não nos ouvirem.
1- Se alguém tiver interesse, estão aqui as propostas todas que submeti durante a primeira revisão: Propostas_LK.pdf
2- O programa do Livre Tempo de Avançar está disponível na página do Formulário de proposta de emenda e aditamentos (segunda fase). Esta alínea agora é a 13.19.f.