quinta-feira, junho 25, 2015

Ceteris paribus.

O Pedro Romano publicou (mais) um bom post sobre a trapalhada económica que se vive na Europa. Sintetizando, «No final de 2014, a Grécia tinha uma situação orçamental controlada [e] não tinha de carregar mais no travão para atingir saldos primários na casa dos 4-5% do PIB. As taxas de juro estavam altas, mas em valores minimamente comportáveis». Porém, «O Syriza […] ostracizou os credores, o que fez subir os juros e tornou o país ainda mais dependente da Troika; e colocou em cima da mesa a possibilidade do Grexit, que gerou uma fuga de capitais cuja principal consequência foi tornar um crescimento robusto de 2,9% numa míngua pouco acima dos 0%»(1). O Pedro explica estas coisas sempre de forma clara e bem fundamentada e estas análises são úteis porque permitem quantificar os efeitos das várias alternativas. Olhando para as finanças da Grécia, e assumindo que o resto permaneceria constante, parece que o Syriza fez asneira. O problema é que, para se poder quantificar e prever algo a partir do modelo, é preciso assumir que o que não está quantificado no modelo ou não importa ou é constante. Mas isso nem sempre é verdade e, em casos extremos, até costuma ser falso.

Vamos imaginar que o Pedro tem problemas orçamentais e dívidas. A cada dia que passa pede mais dinheiro emprestado e os amigos já começam a torcer o nariz. Tem de consolidar as suas finanças. Se o Pedro decidir deixar de ir ao cinema podemos usar um modelo quantitativo considerando o que o Pedro ganha e o que o Pedro gasta e comparar com o que aconteceria se ele continuasse a ir ao cinema. Isso é fiável porque podemos assumir que, além do que poupa em deslocações, pipocas e bilhetes, mais nada de relevante vai mudar na vida do Pedro por deixar de ir ao cinema. Mas vamos imaginar que isso não chega para acertar as contas e o Pedro decide também não comprar mais comida. Na primeira semana come o que tem na dispensa e a coisa corre bem. Vai rolando as dívidas, os amigos começam a confiar mais nele por devolver algum dinheiro e vai-se aguentando. À parte do pão bolorento e a comida de gato que tem de comer no Domingo, é uma boa semana. A segunda semana é pior. Financeiramente, o Pedro consegue manter a consolidação. Mas jantar chá sem açúcar sete dias de seguida começa a dar-lhe muito apetite. Na terceira semana o Pedro desiste. Vai às compras, enche a barriga e aborrece os amigos porque já não tem o dinheiro que lhes prometeu devolver nessa semana. Do ponto de vista financeiro parece ser uma má opção. Quando tudo estava a correr bem e já nem era preciso «carregar mais no travão para atingir» os objectivos orçamentais, o Pedro deu numa de Syriza e estragou tudo. Agora terá de aguentar mais austeridade ainda para conseguir pagar aos amigos. O erro dessa análise é que a ideia de que bastaria manter as coisas como estavam assume que tudo o que estava fora do modelo se manteria tão constante como os aspectos orçamentas que o modelo considerava. O que é falso porque, mais cedo ou mais tarde, o Pedro tem de comer.

Parafraseando Passos Coelho, o Pedro não é a Grécia. Mas a situação é análoga no que importa. Quando se corta subsídios de desemprego e se aumenta o desemprego, as pessoas ainda se aguentam por uns tempos vivendo das poupanças ou da ajuda de familiares. O mesmo com instituições como hospitais e universidades. Adia-se as obras menos urgentes. Se metade das casas de banho estão avariadas usa-se as outras. Se não há compressas esterilizadas do tamanho certo corta-se as maiores. E assim por diante. Mas, nestas circunstâncias, o que está fora do modelo financeiro deixa de ser constante. É variável e com efeitos potencialmente perigosos. Por exemplo, quando os desempregados começam a ficar sem meios de se sustentarem é inevitável que a criminalidade aumente, especialmente com o desemprego jovem rondando os 50%. E se o crime ultrapassa a capacidade da polícia o reprimir, rapidamente dispara para níveis incomportáveis. A receita do Estado também pode cair a pique se as pessoas perdem a confiança no Estado e o medo de serem sancionadas por não pagar impostos. Ao contrário do que acontece quando se decide poupar deixando de ir ao cinema, o nível de austeridade imposto à Grécia – e a Portugal – desencadeia processos caóticos que podem deitar tudo a perder mesmo sem «carregar mais no travão».

Neste momento, há uma data de gente séria no ECB, na UE e no FMI a ponderar gráficos e modelos como os do Pedro, mas muito mais complicados, onde contabilizam todos os euros e com os quais traçam todos os cenários quantificáveis. E, em todos estes modelos, assumem que tudo o que está fora do modelo se irá manter constante. Em geral, isto é o mais correcto porque costuma ser verdade – esses modelos incluem muitas variáveis e, normalmente, abrangem tudo o que importa – e porque não se pode prever nada sem assumir que o modelo contém tudo o que varia e é relevante. Mas, neste caso, a premissa é falsa e enquanto os senhores engravatados traçam gráficos e discutem cêntimos corremos o risco, cada vez maior, de um maluco incendiar o parlamento, ou um grupo de fascistas desatar a partir lojas, ou algum disparate do género, e se desencadear uma chatice das grandes. Como já aconteceu várias vezes na Europa. Infelizmente, parece que a missão mais importante e fundamental da União Europeia agora é manter a inflação nos 2% em vez de evitar que essas desgraças se repitam.

1- Desvio Colossal, Pior era impossível

2 comentários:

  1. Pelo que entendi do post, na opinião de Pedro Romano, os problemas da Grécia agravaram-se pela quebra de confiança causada pela eleição do Syriza. Travou a actividade económica e promoveu uma corrida aos bancos. Concordo que o problema actual é muito mais de gestão de confiança e expectativas do que outra coisa. É raro ver com tanta clareza a volatilidade dos mercados financeiros responder obedientemente a cada comunicação que prenuncie um desfecho ou a sua alternativa. Mas nessa quebra de confiança acho que as instituições credoras e os governos europeus, especialmente os ibéricos, não são menos culpados do que o Syriza. Os pronunciamentos de desafio e falta de solidariedade, quando não hostilidade, significam que esta é a Europa do cada um por si onde é ingénuo esperar compaixão dos parceiros na dificuldade, sobretudo se defendem políticas próprias distintas Já sabiamos que era assim mas a eleição do Syriza veio ilustrar essa tragédia com mais intensidade. Se outros méritos não tivesse, a crise grega veio ajudar a perceber melhor os equívocos actuais do projecto europeu.

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