Mais mulheres.
Há menos mulheres que homens nas tecnologias de informação e comunicação (TIC). Assumindo ser um problema, propõe-se coisas como «banir a ideia de “empregos de raparigas” versus “empregos de rapazes”, promover a importância das disciplinas STEM, educar os jovens sobre as possibilidades de carreira dentro destas áreas, chamar a atenção para as mensagens com preconceito de género» (1). Penso que quem defende isto falha no diagnóstico e subestima a dificuldade de convencer as mulheres a fazer o que outros julgam ser melhor para elas.
O gráfico abaixo mostra a distribuição de inscritos pela primeira vez no primeiro ano de um curso superior em 2021, por área de estudo e sexo. Mais esbatidos estão os valores para os anos de 2016 a 2020 (2). As mulheres são minoria em TIC mas são a maioria na saúde, educação, humanidades, artes e direito. E são a maioria no ensino superior, diferença que tem diminuído mas que ainda é de seis porcento a favor das mulheres. Suspeito que não há muitas mulheres à espera que lhes digam que curso tirar. Por isso, trazer mulheres para as TIC implica convencê-las a desistir de outros cursos que tenham escolhido ou então apanhá-las ainda crianças, antes de decidirem por si. E como se tem de atrair mulheres sem atrair os muitos homens de outras áreas, o que iria estragar as estatísticas, é preciso tomar medidas discriminatórias como prémios (3) ou programas de formação (4) que excluem quem não tem os genitais seleccionados.
O primeiro problema desta empreitada é o diagnóstico errado. Muitas mulheres em jornalismo, sociologia, direito e outras profissões alegam que as mulheres não vão para TIC por causa do sexismo e estereótipos como o dos «“empregos de raparigas” versus “empregos de rapazes”». Mas esta alegação nunca vem na primeira pessoa. Refere sempre mulheres hipotéticas e anónimas, sendo difícil encontrar uma advogada, médica ou escritora que lamente não ter sido engenheira informática ou de telecomunicações por culpa do sexismo e estereótipos. Também não é plausível que as jovens universitárias acreditem que as TIC são só para homens. A racionalização é que são enviesamentos inconscientes que, tal como Deus, sabemos que existem porque não os vemos. Mas nada disto é consistente com os dados. As mulheres estão em maioria em direito e medicina, profissões mais conservadoras que as TIC e que foram dominadas por homens durante séculos, enquanto as TIC, disciplinas recentes vindas da matemática, tinham muito mais igualdade de género antes de despertarem o interesse dos homens. A tese de que o sexismo impede as mulheres de irem especificamente para as TIC quando não as impede de dominar outras disciplinas outrora exclusivas para homens não faz sentido.
A distribuição de géneros pelas áreas dos cursos sugere que trabalhar com máquinas atrai mais homens e trabalhar com pessoas atrai mais mulheres. O pequeno número de mulheres em TIC explica-se mais facilmente por estar no extremo desta gama. Há poucos homens que gostam de passar o dia a olhar para linhas de código, e mulheres ainda menos. Mas apesar de se invocar diferenças entre os sexos para justificar que é preciso mais mulheres em TIC, não é politicamente correcto admitir que essas diferenças possam fazer as mulheres preferir outras profissões. É isto que obriga a presumir que as mulheres precisam de ajuda para escolherem o curso certo.
O outro problema de «trazer mais mulheres» (5) para as TIC é ético. Há poucos homens em ensino e enfermagem mas, não sendo impedidos de ingressar nesses cursos, se não há é porque não querem. Ninguém tenta "trazer" os homens para curso nenhum, nem para o seu bem, nem para promover diversidade genital nem para beneficiar a indústria. Cada homem decide por si. As mulheres não. No caso delas não é uma escolha individual; «é uma questão de igualdade de género mas também é uma questão económica e social» (5). E, como são mulheres, não se pode assumir que saibam o que é melhor para elas. Tem de se insistir que «escolham de entre todo o leque de áreas que existem, porque não há áreas exclusivamente femininas ou masculinas» até escolherem opções que garantam a tal igualdade nas estatísticas. É uma perversão do valor ético da igualdade.
A igualdade que devemos promover é a da liberdade de cada um escolher por si em vez da igualdade dos números. E é uma violação grosseira deste dever pressionar as mulheres em função da suposta conveniência da indústria, de igualdades estatísticas ou por presumir saber melhor que elas o que elas querem. Isto é tão óbvio que não se faz com os homens, e muito menos se aceitaria que uma faculdade de direito ou medicina criasse bolsas exclusivas para homens em nome da igualdade e da diversidade. Mas este truque de criar tachos, comissões e publicidade à custa de um falso problema está a trocar o feminismo justo da mulher como pessoa, com a mesma autonomia e responsabilidade de um homem, por uma caricatura da mulher como vítima indefesa que tem de ser protegida de tudo, desde «mensagens com preconceito de género» até às suas próprias preferências.
1- Experis.pt, Atrair as Mulheres Para a Tecnologia e Reduzir a Desigualdade de Género
2- Dados da DGEEC, Vagas e Inscritos. Há dados desde 2013, mas nos primeiros anos a categorização das áreas é diferente e mesmo tentando fazer a correspondência por cursos ficam uns milhares de alunos sem área identificada, por isso usei só os dados de 2016 em diante.
3- Por exemplo, Medalhas de Honra L’Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência ou Feedzai Women in Science
4- Technovation Challenge Portugal
5- SAPO Tek, “As mulheres criam valor e reforçam áreas TIC que precisam de talento e diversidade”