Lições e eleições.
A eleição de Trump, e a trapalhada subsequente, deu-me boas lições acerca dos critérios que devo usar quando voto. A primeira é que integridade e competência não são variáveis binárias. Estão num contínuo cujo extremo negativo pode ser mesmo muito mau. Nos EUA, os democratas também fizeram asneiras e a campanha de Harris recebeu dinheiro de pessoas ricas, com os seus interesses próprios. Mas o grau de incompetência e corrupção na administração de Trump torna evidente que a alternativa teria sido melhor. Além disso, as escolhas dos eleitores vão influenciando para onde neste eixo contínuo os políticos se vão deslocando. Isto dá duas boas razões para que integridade e competência pesem na nossa decisão de voto. Primeiro, o argumento de que não há santos é irrelevante porque o que importa é o grau e há sempre uns piores que outros. E, segundo, o nosso voto não escolhe apenas o próximo mandato. Também transmite aos políticos o que queremos deles e, por isso, tolerar desonestidade e incompetência tende a agravar o problema de não haver políticos de jeito. Com estas considerações consigo descartar da minha lista partidos como o Chega, Erge-te e ADN. Nem sequer preciso de ver o que propõem porque não me dão razões para crer que iriam servir bem o país como legisladores ou membros de um governo.
Chamo a atenção para isto a quem decida não votar por achar que é tudo o mesmo. Não é tudo o mesmo. Há maus mas há piores. Se nenhum partido merece o vosso apoio votem contra os que mais merecem o vosso repúdio. Para mim, basta imaginar o André Ventura como primeiro ministro, a Joana Amaral Dias como ministra da Saúde, ou o Rui Fonseca e Castro na justiça para ir votar. Mesmo que eu não soubesse em quem votar escolhia um outro qualquer só para votar contra estes.
Este mandato de Trump mostra também o erro de procurar empresários para a política. Apesar dos conflitos de interesse e de gerir o que é seu para obter lucro ser diferente de gerir o que é público para benefício de todos, até recentemente também eu pensava que uma carreira exclusivamente política, de activismo, juventudes partidárias, sindicatos e autarquias, deixava um candidato menos preparado do que alguém com experiência de liderança no "mundo real". Mas vendo o que Trump e Musk fazem noto que a política em democracia exige uma capacidade de considerar diferentes valores e procurar consensos que é difícil de adquirir por quem se habitua a mandar. Seja empresário ou almirante. Ter políticos com experiência política já não me parece mau.
Finalmente, as políticas de Trump também me ajudaram a estabelecer prioridades pela gravidade das suas asneiras. As três prioridades para mim são a economia, o clima e a segurança internacional. Trump tem tentado criar folgas no orçamento para beneficiar os ricos. Eu acho que se tem de fazer o contrário. O progresso tecnológico está a tornar cada vez mais difícil obter capital vendendo trabalho e cada vez mais fácil investir capital sem comprar trabalho. Isto está a desequilibrar a economia e a dificultar a redistribuição pelo trabalho. Nestas condições é preciso reforçar o papel do Estado na redistribuição. A administração de Trump está mais interessada em voltar a uma economia de fábricas, petróleo e poluição sem regras do que em progredir para soluções sustentáveis. Isto é asneira. Mesmo quem julga que se vai dar bem com um aumento da temperatura global deve notar que há muitos milhões de pessoas vulneráveis às alterações climáticas em países que têm armas nucleares. A possibilidade da China, Índia e Paquistão se encherem de refugiados desesperados deve preocupar até quem não se rale com o sofrimento dos outros. Finalmente, Trump tem contribuído para enfraquecer mecanismos internacionais de estabilidade, desde ajuda humanitária à dissuasão militar. Isto não é só culpa de Trump, mas é mais uma coisa em que ele dá um exemplo extremo de irresponsabilidade, incompetência e egoísmo. É importante travar as ambições imperialistas de regimes como o da Rússia e da China e isso exige um esforço coordenado a nível diplomático e militar. Sem podermos contar com os EUA, pelo menos enquanto não se curarem do cancro político de que padecem, terá de ser a Europa a liderar.
Das opções que tenho, parece-me que o Livre é o que melhor corresponde às minhas preocupações. O BE também tem propostas alinhadas comigo na economia e no clima mas desculparem a invasão russa com a "expansão" da NATO obriga-me a penalizá-los, ou por incompetência intelectual ou por desonestidade. E agora que é o Rui Tavares a encabeçar a lista do Livre pelo meu distrito, em vez de uma Joacine, sinto-me confortável em votar neste partido.
Se não concordam com a minha escolha, votem noutro para diluir o meu voto. Mas votem. Vejam o exemplo dos EUA. Por muito mal que as coisas estejam, podem sempre ficar pior se não fizermos nada para o impedir.