terça-feira, novembro 04, 2025

A burca.

A rábula da burca foi uma boa armadilha do Chega. A lei proposta não devia ser polémica. Proíbe forçar alguém «a ocultar o rosto por motivos de género ou religião»(1), o que é redundante porque coagir já é crime mas é difícil opor tal proibição. E proíbe ocultar a cara em público. Desde 2019 que é proibido «ostentar ou envergar qualquer utensílio ou apetrecho que oculte, total ou parcialmente, o rosto» em recintos desportivos (2) e isso nunca causou polémica. Essa lei surgiu na sequência de 50 adeptos encapuçados terem espancado jogadores do Sporting em Alcochete e ninguém quer homens de cara tapada em público. O projecto de lei do Chega, que proíbe «a utilização, em espaços públicos, de roupas destinadas a ocultar ou a obstaculizar a exibição do rosto», apenas generaliza a medida anterior. A armadilha foi o Chega justificar esta lei com a burca. Se a justificação fosse claques de futebol, manifestantes de extrema direita ou homens em geral não haveria polémica porque ninguém quer gente assim de cara tapada nas lojas, transportes públicos ou centros comerciais. Mas a burca fez boa parte da esquerda reagir por reflexo e tentar argumentar, sem sucesso, contra uma lei razoável.

Uma objecção é que esta lei não ajuda mulheres coagidas a usar burca. No imediato, concordo que não ajuda. Proibir a mutilação genital feminina também não adianta às vítimas e famílias que queiram mesmo fazer isso às raparigas vão arranjar forma de o fazer. No entanto, a longo prazo estas leis favorecem mudanças de comportamento, são leis justas que indicam a quem queira integrar-se na nossa sociedade o que não toleramos por cá e, mesmo que o efeito seja pequeno, é melhor que nada. Mas a razão principal para rejeitar esta objecção é que, apesar da armadilha que o Chega montou, esta lei não é acerca da burca. Tal como a lei de 2019 proibindo que se oculte a cara em recintos desportivos, é uma medida genérica para que não andem de cara tapada. O que ainda é raro, é verdade, mas a lei deve prevenir em vez de correr atrás do prejuízo.

Outra objecção é que a lei tem de ter excepções para casos em que se justifica tapar a cara. Por motivos de saúde, condições climáticas ou outros. É uma objecção curiosa porque implicitamente aceita que a lei é boa ideia. Seja como for, é comum haver excepções para medidas destas porque é preciso considerar o contexto. A lei que proíbe andar de faca na mão em público permite que as pessoas comam em esplanadas ou restaurantes. Mas há uma grande diferença entre ver várias pessoas de faca na mão num restaurante ou num autocarro. Esta lei visa o problema de se tapar a cara com o propósito de a ocultar. Se houver uma justificação razoável deve ser permitido.

Há também quem defenda um direito de não mostrar a cara em público. Como escreve Fernanda Câncio, esta lei nega «o direito ao anonimato no espaço público (o que, a ser levado à letra, teria de determinar o fim do anonimato em geral e na internet em particular)»(3). Eu concordo com um direito geral ao anonimato. Qualquer pessoa deve poder publicar opiniões anónimas, participar em video-chamadas com a câmara desligada ou dialogar online sem publicar a sua foto porque na Internet cada um só vê o que quer e desliga quando lhe apetece. A interacção voluntária não exige muitas restrições e, por isso, devemos poder andar nus na praia de nudismo, proferir discursos políticos nos comícios, celebrar missa na Igreja, cantar karaoke no bar ou organizar bailes de máscaras. Mas só se a interacção for voluntária. Não se aplica quando partilhamos um espaço público com quem precisa de lá estar e pode não querer aturar estas coisas.

Por isso não temos direito de praticar nudismo no autocarro, celebrar missa no supermercado ou proferir discursos contra o capitalismo nos centros comerciais. A situação particular de partilhar um espaço por necessidade impõe certos deveres, entre os quais o de não esconder a cara. Por um lado, porque esconder deliberadamente a cara é uma atitude ameaçadora. E, por outro, porque mostrar a cara faz parte dos mecanismos sociais e legais para dissuadir violações de direitos que podem ocorrer na presença de estranhos. Não é preciso que cada um diga o nome e o NIF mas a possibilidade de ser reconhecido desencoraja muitos comportamentos indesejáveis. Quem oculta o rosto priva os outros dessa capacidade de o reconhecer, que é uma ferramenta importante na defesa dos seus direitos.

Finalmente, a alegação que esta lei viola a liberdade religiosa das mulheres que usam burca assenta numa concepção errada de liberdade religiosa. A liberdade do crente deve ser igual à de qualquer outra pessoa. Isto implica que ninguém deve ser privado de uma liberdade por causa da sua religião mas também que a religião não concede ao crente direitos que os outros não tenham. E ninguém tem o direito de esconder a cara quando impõe a sua presença aos outros.

Para perceber que esta proibição faz sentido basta imaginar que os homens andavam todos de cara tapada. O problema de segurança é óbvio se não nos deixarmos enganar pelo o foco nas mulheres de burca, que levou muita gente de esquerda a cometer dois erros. O primeiro foi defender o suposto direito dessas mulheres se vestirem assim quando o fazem ou porque são coagidas ou porque foram doutrinadas na ideia de que, por serem mulheres, têm de tapar a cara. E o segundo foi exigir que todos abdiquemos de poder ver quem partilha connosco o espaço público só para acomodar uma pequena minoria de fanáticos religiosos. É certo que muitos no Chega são motivados por racismo e xenofobia mas se invocamos isto para opor até o que é razoável, deixa de surtir efeito. É um padrão recorrente. O Chega não tem uma boa equipa mas é fácil ganhar quando o adversário só marca golos na própria baliza.

1- Parlamento, Projeto de Lei nº 47/XVI/1.a
2- Diário da República, Lei 113/2019
3- DN, Falemos então da burqa.

43 comentários:

  1. Eu concordo com um direito geral ao anonimato. Qualquer pessoa deve poder publicar opiniões anónimas, participar em vídeo chamadas com a câmara desligada ou dialogar online sem publicar a sua foto porque na Internet cada um só vê o que quer e desliga quando lhe apetece...e ofender na internet sem que se saiba quem é o ofensor? denegrir o engenheiro sócrates chamando-lhe cousas por que ele não foi condenado? a anonimidade na rua ser crime mas na net não configura descriminação

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    1. discriminação como isso não deu erro de digitação no corretor automático a polícia de intervenção anda com a cara tapada é contra a lei

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  2. são casos raros mas aqui a mulher de um pashtun afegão ou paquistanês usava burca ou hijab quando saia à rua, agora desapareceu provavelmente não a deixam sair ou mudaram de endereço

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  3. mas acho positivo a proibição de roupagens que tapem a cara como os tuaregues, há tuaregues a mais em portugal, eles já pensam que isto é o sahel

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  4. e as tretas atheistas que enchiam este blog com centos de comentários?

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  5. Faz de conta que não percebe o que está em jogo. Não há nenhum tipo de criminalidade que sugira sequer ser necessário este tipo de medida. Para quê legislar sobre isto? Andamos a restringir liberdades em nome da prevenção de um tipo de crime inexistente? Que tipo de liberdade estaria disposto a abdicar em nome de prevenir hipotéticos crimes? Já sei a resposta: certamente que está disposto a abdicar de todas as liberdades menos das suas.

    Mesmo no caso em que há um tipo de crime que pode ser mitigado restringindo liberdades, mesmo nesses casos, é preciso ponderar a relação custo/benefício.

    Por exemplo. Há pessoas que matam outras pessoas quando conduzem um carro. A prevenção pode ser impedir toda a gente de conduzir carros. Por que razão náo está disposto a esta restrição de liberdade? E estamos a falar de um tipo de crime que existe, e de grande gravidade. Ao contrário do crime inexistente que subjaz à medida em apreço.

    Normalmente perdem-se faculdades com o envelhecimento, mas o Ludwig, pelo contrário, ganhou a faculdade de estar cada vez mais burro.

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  6. falemos então da burca ou do hijab mais comum em portucale, mesmo assi são casos residuais e o seu uso em assaltos a bancos e supermercados tem sido inexistente nos últimos 25 anos, é algo que não devia ser transferido do afeganistão e do paquistão e alhures para a europa e é um atentado à liberdade das mulheres

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      esta é nova um mês com quase 50 mil visitas num blog que nem tem posts como os krippahlianos será que os blogs tal como as burcas estão voltando à moda? ou é algo extemporâneo?

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    2. em contrapartida o pessoal das burcas deixou este para trás De sempre211948
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    3. o certo é que a polémica sobre a burca deu ainda mais visibilidade ao ventura e apaniguados

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    4. 3 jovens com niqab foram presas em frança por suspeita de ações terroristas

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    5. a cláudia chegou e não traz burca, o certo é que ventura continua a capitalizar com meia dúzia de chaves frase

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    6. já o hijab tirando marrocos a argélia e a tunísia é global

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  7. ah a burca essa malvada, dava um bom nome de filme a burca

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  8. o PCP vai organizar umas entrevistas aos candidatos de esquerda o do livre incluído, nem uma orientaçãozinha de voto? é que são 40 candidatos

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  9. chamam às entrevistas debates apesar de ser um de cada vez, o do livre incluído

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  10. ainda a burca? a burca eu conheci-a era leve e fugidia

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    1. a burca até é quentinha neste novembro frio frio frio

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  12. viva a burca e os caretos que também andam de cara tapada

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    1. a burca nas comemorações dos 50 anos do 25 de novembro

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    2. rui tavares
      @ruitavares
      “Numa linguagem que se calhar o João Cotrim de Figueiredo percebe melhor: a transição ecológica o que é esta transição seu kripphal? vem com burca para proteger do calor como os tuaregues? vamos transitar para o quê mesmo? tanta treta...

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    3. a flor do 25 de novembro é uma rosa branca, multidões desfilaram no 25 para festejar o dia

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    4. costa rejeita a burca e seguro junto, livre apoia um palerma 40 candidatos sem indicação de voto de krippahl

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    5. ainda a burca? felizmente o mês está a acabar e vem a treta do natal De sempre215490
      Hoje77
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      Mês Anterior8400

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    6. 21h
      Só para eu entender. Há um candidato que já http://tempo.de antena e direito a debates e ainda não arranjou as assinaturas necessárias para ser candidato? É isto, não é? livra-te que treta hein e inda por cima e por baixo é um demagogo

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  13. e ninguém quer homens de cara tapada e o corpo de intervenção da psp?

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    1. ou provos irlandeses com balaklavas e se estiver muito frio ficamos em casa?

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    2. e o pessoal do anonymus com as suas máscaras do guy fawkes?

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    3. Total de precipitação muito superior ao normal,
      correspondendo a cerca de 180% do valor médio
      no período 1991-2020 (114.1 mm).
      • Novembro mais chuvoso de sempre em 1963 com
      332.6 mm
      •Registados 15 novos extremos do maior valor de
      precipitação para novembro, dos quais 5
      correspondem a extremos absolutos

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    4. tanto candidato a presidente e nem uma treta? sinceramente

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    5. curiosamente algumas tretas são mais vistas que outras FOURTH EDITION.


      LONDON:
      CHAPMAN AND HALL, 193 PICCADILLY.
      1876.

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    6. se o do livra-te pcp e bloco desistissem seguro seguramente passaria à 2ª volta mas na falta de previsões krippahlianas fica tudo na 1ª

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      estranho né

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    8. Maria João Marques
      @mjoaomarks
      ·
      2h
      Sobre as presidenciais e as várias sondagens (muito diferentes mas que mesmo assim mostram alguns padrões).
      1. António José Seguro é o típico candidato que até era simpático enquanto estava calado. Depois falou, e mostrou que pode ter sido mandado borda fora por Costa que as ideias são exatamente as mesmas, e os eleitores fugiram a sete pés. Ficaram os indefetíveis do PS (que por agora são a magra porção que as várias sondagens oferecem) e meia dúzia de passistas, que de facto nunca se salientaram por ter juízo.
      2. O Almirante é um caso de estudo. Uma pessoa com uma enorme popularidade, a quem os eleitores até descontariam a falta de cintura para a televisão, mas que também resolveu falar. Neste caso não se sabe se o que diz é o que pensa, ou se segue os guiões que as luminárias que o apoiam lhe passam. Também não interessa. O Almirante podia ter feito uma campanha baseada na necessidade dos serviços públicos responderem às necessidades da população, da necessidade de competência na administração pública. Ao invés, começou a inventar mil cenários em que dissolveria o parlamento - isto enquanto dá como mau exemplo os mini governos da Primeira República. E, pior, achou por bem ir buscar Mário Soares (que não entusiasma ninguém com menos de 65/70 anos) e reproduzir narrativas de esquerda. Os eleitores não gostaram nem da conversa nem da propensão para os ziguezagues e as sondagens dão uma descida aos subterrâneos do submundo.
      3. Marques Mendes é um candidato para lá de fraco e, se for eleito (e tem boas possibilidades disso já que é provável ir à segunda volta com Ventura) vai ser o PR mais fraco e com menos autoridade política própria da democracia. E, usualmente, os presidentes fracos têm a mania de esbracejar de mais para mostrar força. Lembremos como Sampaio dissolveu uma maioria absoluta no parlamento e abriu as portas a Sócrates. Marques Mendes é um advogado de negócios (e não é daqueles de província, como Montenegro), os seus comentários faziam uso da informação que tinha como insider do regime, não de uma posição de observador, e tanto Cotrim de Figueiredo como Ventura têm razão no que dele dizem.
      Das duas, uma: ou o PSD não quis ganhar estas presidenciais, e julgou que Gouveia e Melo tinha as favas contadas, e por isso escolheu Marques Mendes; ou as bolhas partidárias são mesmo assassinas para a capacidade estratégica dos políticos. Vamos terminar com um PR sofrível, quando podíamos ter um Durão Barroso, um Passos Coelho ou um Paulo Portas (todos poderiam ter sido convencidos).
      4. Ventura está com ótimos valores nas sondagens e nesta campanha, até ver, e calhando por isso mesmo, nem tem mentido extraordinariamente nem explorado doenças nem outras coisas muito esquisitas. Como já tenho escrito, se os outros candidatos não mostram perceber quais os problemas da população - concretamente com a imigração, mas não só - os eleitores escolhem quem pelo menos reconhece a existência dos problemas, dê-lhe uma boa solução ou uma má, seja num estilo educado ou boçal. Em termos de governo, a AD tem tido a inteligência de responder aos problemas (imigração, habitação) ou pelo menos reconhecê-los (SNS) e isso contém a extrema direita. Nas presidenciais não se passa o mesmo. Marques Mendes não é carne nem peixe e Gouveia e Melo e Seguro estão muito decididos a perder votos com os disparates sobre imigração.
      5. Cotrim de Figueiredo tem feito a melhor campanha. Nem há nada a dizer. Pelo menos ficamos a saber que será um excelente ministro num possível futuro governo de coligação PSD-IL.
      6. O Livre é tanto um partido unipessoal quanto o Chega. A única coisa boa do candidato Jorge Pinto é não levar para os debates o keffieh que costuma usar no parlamento, em representação dos seus eleitores palestinianos. e krippahl que diz krippahl

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    9. e o homem do leme por este andar há burcas até ao natal

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    10. e foram mortos 16 em sydney sem burca

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    11. nem um post sobre a agressividade natalícia ou futrebolística? isto vai mal só 5 posts em 2025

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    12. nem uma treta natalícia ou de ano novo? amanhã chove em odivelas, krippahl vendeu as bitcoin's a preço de saldo, hoje seria um bitcoinlinário

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    13. De sempre
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      o que leva a estes picos de burcas? só allah o sabe

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