quarta-feira, agosto 06, 2025

O pré-acordo.

O acordo anunciado por Trump e Von der Leyen foi duramente criticado como capitulação da UE, um mau acordo, um acto de submissão e afins. À primeira vista parece terrível. Os EUA cobram 15% de taxas de importação aos produtos europeus e a UE compromete-se a comprar armamento aos EUA e, nos próximos 3 anos, comprar 750 mil milhões de dólares de gás natural liquefeito (GNL) e investir 600 mil milhões de dólares nos EUA. Mas antes de concluir que isto foi uma asneira da UE vale a pena considerar os detalhes e as circunstâncias.

Primeiro, os números não são tão maus quanto parecem (1). Como os EUA pagam as importações em dólares – uma vantagem enorme que Trump não sabe apreciar – todas as empresas europeias que exportarem para os EUA vão receber dólares que acabarão investidos em acções ou obrigações nos EUA. Os 600 mil milhões de dólares de investimento são apenas a contabilização de parte do dinheiro que empresas europeias põem a render em Wall Street. Também a compra de 250 mil milhões de dólares de GNL por ano é fictícia porque é um volume cinco vezes maior que a capacidade de exportação dos EUA. Estes números são só para Trump se pavonear e não têm implicações concretas. Na prática, não mudam nada.

A compra de armas aos EUA tem a desvantagem de competir com o investimento na indústria europeia de defesa. Seria desejável que a Europa fosse mais autónoma nisto, além dos benefícios económicos de usar a prata da casa. Mas dissuadir Putin de fazer novas asneiras exige aumentar rapidamente a capacidade europeia de projecção militar, o que é difícil se tivermos de esperar pela expansão da indústria militar europeia. Além disso, Trump mudou muito a atitude dos EUA. Desde a primeira guerra mundial que os EUA têm contribuído para a segurança europeia por afinidade ideológica pelas democracias de cá. Mas para Trump tudo é negócio e este compromisso cria um incentivo económico forte para os EUA continuarem a defender a Europa. Quanto mais importante for a Europa para a indústria americana de armamento mais alinhados ficarão os EUA com nossos interesses de segurança.

Quanto à treta das “tarifas”, há pouco a fazer. Trump quer tirar dinheiro dos contribuintes americanos mais pobres para dar aos ricos, quer que as grandes empresas lhe paguem para ter isenções e gosta de exercer poder arbitrário. Seja o julgamento do Bolsonaro, o apoio do Canadá à independência da Palestina, ou para aparecer no boneco com uma cartolina cheia de números, tudo serve para disparar “tarifas”. E não faz sentido a UE retaliar porque taxas aduaneiras do nosso lado apenas seriam impostos cobrados aos contribuintes europeus. Mais vale deixar a asneira só do lado dos americanos até os trumpistas descobrirem que são eles que a pagam.

Este é um aspecto importante das circunstâncias deste pré-acordo. Uma taxa de 15% dificulta a exportação europeia mas pior ainda é a incerteza acerca das quantias porque impede o investimento e o planeamento destes negócios. Com Trump a alterar as taxas de forma imprevisível o prejuízo seria maior. Assim, pelo menos há uma expectativa da taxa estabilizar enquanto se negocia os detalhes.

E este é outro aspecto importante. Há muita negociação ainda a fazer antes deste pré-acordo se tornar um acordo, não só pela complexidade de um acordo comercial desta magnitude mas também porque será negociado entre os vários Estados membros da UE até ser ratificado. Se for. Até lá muita coisa pode mudar nos EUA. No próximo ano vai haver eleições legislativas e o poder de estabelecer estas taxas pertence ao Congresso e não ao Presidente. A situação presente do Congresso americano estar dominado por uma massa acéfala de republicanos que só faz o que Trump manda não deve resistir à revolta dos eleitores contra as medidas tomadas até agora. O que Trump está a fazer aos preços e à economia americana é politicamente insustentável e não dá para disfarçar despedindo os responsáveis pelas estatísticas.

Por estas razões, acho que Von der Leyen e a sua equipa fizeram um bom trabalho. O resultado é desagradável, admito, mas é o que se consegue dadas as circunstâncias. Aparenta ser uma grande vitória de Trump mas o efeito prático é apenas mitigar o caos nas taxas aduaneiras. E se bem que Trump não mereça as honras e obséquios que lhe têm conferido, o país mais poderoso do mundo ser governado por uma criança mimada de 79 anos levanta problemas que não têm uma solução elegante. É preciso esperar que os eleitores americanos sintam na carteira o que a Fox News não deixou chegar-lhes ao cérebro.

1- Mais detalhes neste post de Warwick Powell, The Great Entanglement