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domingo, julho 26, 2015

Treta da semana (atrasada): Dragões aos nós.

O Mats tem defendido regularmente a coexistência histórica entre humanos e dinossauros, até agora sempre com fundamentos questionáveis. Mas, desta vez, apresenta evidências sólidas. Nomeadamente, que «Plínio o Velho escreveu sobre dragões» (1). Perante isto, será difícil insistir na ideia, contrária ao registo audiovisual, de que os dinossauros se extinguiram milhões de anos antes do nascimento dos Flintstones.

Esta evidência é sólida, em primeiro lugar, porque foi Plínio o Velho quem a escreveu. Como salienta o artigo que Mats traduziu, Plínio o Velho «foi um autor, naturalista, e filósofo natural [...] e passou a maior parte do seu tempo a estudar, a escrever ou a investigar os fenómenos naturais e geográficos in loco» Ora, como todos sabemos, um naturalista que passe o seu tempo a estudar fenómenos naturais não vai escrever falsidades. A menos que seja Darwin, é claro, que os evolucionistas e as suas «sempre flutuantes opiniões» nunca são de fiar. Por isso, Plínio o Velho nunca iria escrever sobre dragões se os dragões não existissem. É óbvio que não existem mas, como o Mats aponta e muito bem, Plínio o Velho falava de dragões referindo-se a dinossauros. Plínio o Velho é como a Bíblia: é uma fonte infalível e totalmente fiável de informação, mas é preciso que seja correctamente interpretado por pessoas como o Mats.

Em segundo lugar, Plínio o Velho descreveu dragões da Índia, onde Plínio o Velho nunca esteve mas de onde recebia notícias por viajantes que conheciam quem conhecesse a região. O relato de um viajante que tem um conhecido cujo primo viu um dragão nunca será exagerado – por que razão haveriam de exagerar tais histórias? – pelo que, se alegavam existir dragões gigantes que atacavam elefantes, isto é evidência sólida para a existência de dinossauros na Índia nos tempos do Império Romano. Curiosamente, o hinduísmo não parece contar dinossauros entre as suas divindades. Tem vacas, cavalos com penas, elefantes, cágados, bois, ratos, pavões, bodes e cães (2) mas, aparentemente, os hindus acharam que um dinossauro comedor de elefantes não era algo que merecesse sequer ser mencionado neste contexto. Talvez por o hinduismo não ser a Única e Verdadeira Religião™.

Em terceiro lugar, temos o detalhe e o realismo das descrições de Plínio o Velho quando relata a forma como estes dinossauros atacavam os elefantes: «com tal grandiosidade que eles podem facilmente se envolver e se enrolar em torno dum Elefante, e com tudo isto, agarrá-los com um nó. Neste conflicto, eles morrem, tanto um como o outro. O Elefante cai morto como se tivesse sido conquistado, e com o seu enorme peso esmaga o dragão que se encontra envolvido e agarrado a ele.» Plínio o Velho não só descreve com rigor o que hoje sabemos ser o comportamento típico dos predadores mais perigosos, que é enrolar-se à volta da presa, dar um nó e morrer esmagado, como é exactamente assim que imaginamos um dinossauro – um tiranossauro, por exemplo – a atacar um elefante. Enrola, dá nós, caem os dois e morrem.

Perante isto, comenta Mats que «Um animal que seja capaz, sozinho, de atacar um elefante, e matá-lo, tem que ser um animal com um tamanho e/ou força considerável. A alegação evolucionista de que todos os outros animais citados por Plínio são animais reais, mas o dragão é “mitológico”, é difícil de ser logicamente sustentada. A explicação mais económica para estes “dragões” é que eles são os animais que hoje em dia chamamos de “dinossauros”.» Na verdade, é pouco plausível que um mesmo texto tenha referências a animais reais, como um rato, um coelho e um gato sorridente, mas também inclua seres fictícios, como um chapeleiro louco ou uma carta falante da rainha de copas. E também se pode rejeitar a hipótese de um «naturalista, e filósofo natural» que passe «a maior parte do seu tempo a estudar, a escrever ou a investigar os fenómenos naturais» se vá enganar ou ser enganado. Por isso, temos de descartar a obra de Darwin como errada, face aos relatos de Plínio o Velho sobre animais que claramente teriam de ser dinossauros visto que teriam de ter tamanho e-barra-ou força considerável para se enrolarem à volta de elefantes e morrerem esmagados.

1- Mats, Plínio o Velho escreveu sobre dragões
2- Animal Deities

domingo, julho 12, 2015

Treta da semana (atrasada): justiça.

A justiça portuguesa está finalmente a progredir no sentido de proteger um dos direitos humanos mais fundamentais. Refiro-me, naturalmente, ao direito de proibir terceiros de divulgar ligações para sites na Web onde alguém partilhe descrições numéricas de obras comercialmente disponíveis mas sujeitas a monopólios legais de distribuição. Na defesa deste direito humano básico, a Polícia Judiciária e o Ministério Público conseguiram descobrir que o site WarezTuga estava alojado na Roménia e, numa colaboração internacional, fizeram com que encerrasse. Podemos agora dormir todos mais descansados, seguros de que, do milhão de sítios onde os portugueses podem encontrar episódios do Breaking Bad, já só sobram uns 999.999. Enquanto não aparecerem mais. Os mais cínicos – e há-os sempre – poderão criticar esta acção das nossas forças de investigação policial como uma má aplicação de recursos. Admito que poderiam ter razão se Portugal fosse um país qualquer. Se, por exemplo, houvesse por cá problemas com burlas financeiras ou corrupção, crimes no combate aos quais a investigação policial pudesse beneficiar mais a sociedade. Mas não é o caso. Nem Zeinal Bava guarda qualquer memória de problemas desses.

No entanto, há ainda um longo caminho a percorrer. Paulo Santos, o presidente da FEVIP, está naturalmente desiludido porque as investigações ainda não revelaram quem são os culpados deste terrível crime de facilitação de downloads: «Se fosse um caso de terrorismo ou pedofilia, teriam tido sucesso e teriam conseguido identificar os donos do site. Como era pirataria, o processo não teve sucesso, apesar de termos fornecidos elementos suficientes para se fazer a investigação» (1). Isto é incompreensível. É certo que violar crianças ou rebentar pessoas com bombas são coisas más. Ninguém defende que não se deva investigar essas infracções. Mas é errado dar prioridade a esse tipo de delitos em detrimento do combate ao download ilegal, um crime que pode pôr em causa uma fatia nunca devidamente estimada do lucro de alguns distribuidores.

O problema não está só na formação de quem faz cumprir a lei e que não compreende a gravidade de se permitir o descarregamento não autorizado de filmes ou séries de TV. A própria legislação está muito aquém do ideal. Por exemplo, tanto quanto sei, ainda é legal mencionar publicamente que sites como www.yourserie.com ou www.tumovie.net permitem descarregar material ilícito, pondo assim – impunemente – muita gente em perigo de conseguir ver aquele episódio que perdeu na televisão ou o filme que não foi ver ao cinema. Este enorme buraco na lei tem de ser tapado. A liberdade de expressão e o direito de acesso à cultura são coisas muito bonitas mas é em teoria. Na prática, temos de considerar também o dever universal de maximizar o lucro dos negociantes da distribuição e, acima de tudo, o perigo que é «tornar indiscriminado o acesso a conteúdos até agora protegidos», como há tempos mencionou, e bem, o Secretário de Estado da Cultura Barreto Xavier (2). Que raio de sociedade teríamos se até os pobres pudessem ver filmes?

1- Exame Informática, Wareztuga: foi a indústria do cinema que fechou o maior site pirata de Portugal
2- Público, A cópia privada

domingo, fevereiro 22, 2015

Treta da semana (passada): especial é pouco.

«A Romilda é especial. Desde muito nova começou a ver as pessoas para além da pele. Vê o corpo à transparência, como um raio X, onde as zonas problemáticas se apresentam em tons diferentes de acordo com a gravidade da situação.»(1)

É assim que se apresenta Romilda Costa, curandeira brasileira que já há 18 anos dá consultas em Portugal. Eu penso que esta descrição peca pela modéstia porque a Romilda tem de ser muito mais do que meramente especial. Para começar, um raio X apenas mostra a densidade dos vários tecidos e é preciso depois um médico com anos de formação e experiência para fazer daí um diagnóstico, normalmente usando também informação de outros exames. O raio X da Romilda indica automaticamente onde estão os problemas. Mas faz mais do que isso. No vídeo que Romilda apresenta no seu site, aos 14 minutos, ela diz a uma voluntária que a sua serotonina “trabalha muito rápido”. A serotonina é uma pequena molécula orgânica, libertada pelos neurónios nas sinapses, onde o espaçamento entre as células é de cerca de vinte milionésimas de milímetro. A transmissão sináptica demora menos de uma milésima de segundo (2). E a Romilda não só vê isto a olho nú como consegue perceber, só de olhar, quando a serotonina “trabalha muito rápido”. Mas isto nem é o mais fascinante. Ao diagnosticar aquela senhora, a Romilda viu um quistozinho “entre o ovário e o colo”. O extraordinário é que o quisto tinha sido removido dois anos antes. A visão da Romilda não se restringe ao tempo presente mas transcende as limitações espácio-temporais que a natureza impõe aos meros mortais.

Romilda Costa parece ter também uma vida extraordinária. Em 2003 foi instaurado um inquérito pelo Conselho de Administração do Serviço Regional de Saúde da Madeira pela morte de um paciente após uma visita pouco ortodoxa: «O inquérito refere que uma das duas mulheres que se encontravam no quarto particular do Centro Hospitalar do Funchal, estaria a vestir uma camisa da noite, em frente ao doente, um empresário do Porto Moniz, enquanto a outra, identificada como sendo Romilda, mas da qual o hospital não tem registo, estaria deitada num colchão com pouca roupa vestida.»(3)

Em 2011, o médico Paulo Jorge Coelho fez uma participação à Entidade Reguladora da Comunicação Social contra essa edição do programa A Tarde é Sua. No entanto, a ERC considerou a participação improcedente alegando que «não está habilitada, nem detém as devidas competências, para avaliar e manifestar-se sobre as questões de ordem médica que podem resultar do referido programa». Aparentemente, é preciso grande competência técnica para concluir que "serotonina trabalha muito rápido" e «muita esqueriose» são diagnósticos da treta.

Eu penso que à Romilda só falta um pouco mais de confiança nos seus dons. No mês passado, Romilda desapontou os pacientes a quem tinha prometido deslocar-se a Jersey, no Reino Unido, para dar consultas. Num comentário no Facebook, Romilda pediu desculpa mas, afinal, não poderia ir «Pelo simples fato de já varias pessoas me terem dito, que corro o risco de ser expulsa do pais, ou ate mesmo presa»(5). Parece que as autoridades britânicas têm uma certa aversão a quem vai lá trabalhar sem autorização nem intenção de pagar impostos. Gostava de deixar aqui uma palavra de encorajamento à Romilda para que confie mais na sua missão e na protecção divina. Que não tenha receio de levar os seus dons para outros países. E quantos mais e mais longe, melhor.

1- RomildaCosta.com, Centro de Tratamento Natural (obrigado ao leitor que me enviou um email com este link).
2- Wikipedia, Chemical synapse
3- Tribuna da Madeira (via saudinha.pt), MP mantém investigação do caso que envolve o hospital e Romilda
4- ercs, Deliberações adoptadas pelo conselho regulador a 25, 26 e 27 de outubro de 2011
5- Romilda Costa, 22 de Janeiro de 2015 (Facebook)

terça-feira, janeiro 13, 2015

Treta da semana (atrasada): O ataque.

Resolvido o problema com o Facebook, encontrei um artigo de Marden Carvalho, no seu blog sobre coisas como Eficiência Pessoal e Espiritualismo, que aponta muitas inconsistências na narrativa oficial do ataque ao Charlie Hebdo (1). Realmente, algumas coisas já me tinham incomodado logo de início. Por exemplo, querem que acreditemos que dois homens, após uns meros meses de treino com terroristas, alcançaram tal perícia com as metralhadoras que conseguiriam matar à queima roupa dez pessoas numa sala pequena. Isto não é credível. O famoso documentário “Comando”, que contou com a participação do Governador da Califórnia, USA, demonstra claramente que os soldados maus não conseguem acertar nos bons com metralhadoras. A menos que sejam maus especiais. É isto que Carvalho esclarece. «Nas minhas pesquisas acabei descobrindo o blog Aangirfan onde o autor afirma que o atentado em Paris foi um trabalho interno, que a MOSSAD atacou Charlie Hebdo.»(1) Ora se o blog Aangirfan, da autoria de Anon, o afirma, e ainda por cima numerando vários itens e escrevendo algumas frases a encarnado, certamente é porque se trata de um facto (2).

Com esta explicação, podemos compreender outros detalhes intrigantes. Partilho aqui as minhas próprias pesquisas, feitas há pouco no sofá da sala enquanto aguardava o efeito do ibuprofeno. Primeiro, é de notar o cuidado com que os agentes da Mossad deixam falsas pistas para dar uma ideia de amadorismo e incompetência. Começam por entrar na porta errada, no número 6, antes de fingir perceber o erro e dirigirem-se ao número 10. Depois, deixam cair uma sapatilha do carro como se tivessem mudado de roupa à pressa e sem cuidado. Tudo em preparação para deixar no chão da viatura o cartão de identidade de um tal Said Kouachi, que mais tarde seria culpado, com o irmão, pelo crime.

Outra incongruência é evidente no vídeo dos jornalistas que fugiram para o telhado do edifício. Inexplicavelmente, nesse vídeo vê-se «uma pessoa com um colete à prova de balas»(1). A história “oficial” é a de que um dos jornalistas teria regressado recentemente da Síria e haveria dois coletes à prova de balas nos escritórios (3). Mas isso não é credível porque sabemos que os jornalistas nunca usam coletes à prova de balas, nem mesmo em situações perigosas como moderar o Prós e Contras. A Fátima Campos Ferreira nem sequer parece usar um espartilho à prova de faca, quanto mais um colete à prova de bala. A única explicação plausível é o homem com o tal colete ser mais um agente da Mossad, infiltrado no jornal com o propósito de vir para o telhado vestido com o tal colete e, assim, lançar a confusão em quem tenta perceber o que se passou. Os judeus sempre tiveram destas coisas. Basta ver a confusão que é o Antigo Testamento ou o que fizeram ao líder da Alemanha nos anos quarenta. Tantas foram as calúnias e histórias que inventaram que o coitado acabou por se suicidar.

Tendo fugido do local do crime e deixado na viatura a identificação incriminatória, estes agentes tiveram então de capturar os irmãos Kouachi, vesti-los, armá-los, convencê-los a assaltar um posto de abastecimento, a dar uma entrevista telefónica confessando o crime e depois a resistirem à polícia até à morte. É evidente que tal domínio da vontade e dos actos de terceiros não está ao alcance da pessoa comum. Só organizações secretas como a Mossad é que têm acesso aos recursos necessários para este tipo de manipulação, como raios electromagnéticos de controlo mental ou enguias de Ceti. Outro dado importante, como aponta Marden Carvalho, é o de que «O primeiro carro abandonado pelos terroristas foi em frente de um restaurente (judaico) Kosher.» Coincidência? Claro que não. Eles abandonaram o carro porque estavam com larica e foram rapidamente almoçar antes de continuar a fuga.

Apesar das evidências sólidas e incontestáveis de que foi Israel quem cometeu estes atentados, talvez o leitor se questione acerca do motivo. Esta parte é fácil de compreender considerando a história que urdiram. Os protagonistas são dois irmãos, órfãos de um casal argelino. Crescem num bairro violento de Paris, conhecem jihadistas franceses, treinam no Iémen e atacam um jornal satírico francês financiados pela Al-Qaeda. Qual é a única reacção instintiva e emocional que as pessoas podem ter perante isto? Obviamente, odiar os palestinianos. É esse o plano de Israel.

Há certamente quem queira contestar as minhas conclusões, ofender as minhas crenças e impor-me a sua verdade. Não posso admitir esses actos inaceitáveis de superioridade cultural. Citando o Professor José Carlos de Paula Carvalho, trata-se «daquilo que Pierre Bourdieu chama “violência simbólica”, que é o “colonialismo cognitivo” na antropologia de De Martino»(4). E contra os vossos raios electromagnéticos estou precavido com o meu chapéu de folha de alumínio.

PS: Não sou Charlie. Estou muito aquém da coragem e perseverança daquela malta. Mas talvez, quando for grande, fique mais perto disso. Entretanto, queria deixar um pedido a todos aqueles que se sentem ofendidos por bonecos, ideias, expressões ou palavras. Deixem de ser estúpidos.

1- Marden Carvalho, Tem coisas que não encaixam no atentado contra a revista Charlie Hebdo.
2- Aangirfan, PARIS PSYOP - INSIDE JOB - MOSSAD ATTACKS CHARLIE HEBDO
3- The Irish Times, Charlie Hebdo: ‘People were on the floor, huddled, sobbing’
4- José Carlos de Paula Carvalho, Etnocentrismo: inconsciente, imaginário e preconceito no universo das organizações educativas(pdf, obrigado pelo link no Facebook).

quarta-feira, dezembro 31, 2014

Treta da semana (atrasada): Umbiguismo.

Algumas pessoas, raras, são tão geniais e têm um pensamento tão avançado para a sua época que muitos dos seus contemporâneos, não conseguindo alcançar tal visão, as julgam palhaços. Pessoas como Copérnico, Galileu, Darwin e Batatinha, por exemplo. Gustavo Santos é mais um nome a acrescentar a esta lista. É difícil perceber isto à primeira porque Gustavo Santos é um homem modesto. Logo no seu perfil, pede aos leitores «Não me chamem "famoso" ou "vedeta da televisão"»(1) e apresenta-se simplesmente como «um homem que sabe quem é e o que anda aqui a fazer». Parece pouco, mas as aparências enganam. O pensamento de Santos não só é revelador, avassalador e revolucionário como toca várias áreas distintas daquilo que preocupa a humanidade.

Durante milénios, pessoas relativamente inteligentes como Platão, Kant e Mill procuraram soluções para o problema de avaliar actos, guiar decisões e encontrar a melhor forma de viver. Pelo caminho inventaram conceitos confusos como virtudes, deveres, imperativos, utilidades, contratos sociais e noções de justiça. Uma enorme baralhada que não ajuda ninguém. Num rasgo de genialidade, Gustavo Santos revela-nos que a resposta esteve sempre ali, mesmo à nossa frente. No umbigo. «O amor da minha vida sou eu, ponto final parágrafo […] O amor da tua vida és tu.»(2) «Ser feliz é saber quem somos e respeitar o que desejamos, materializando. É sermos a pessoa mais importante da nossa vida»(3).

Também na etimologia o trabalho de Gustavo Santos sobressai. A palavra “presente”, que muita gente julgava vir do Latim praesum, do “é perante”, afinal separa-se em “pré” e “sente”. Portanto o presente, afinal, é o que ocorre antes de sentirmos, que Gustavo Santos separa do agora que é o que ocorre depois de sentirmos (2). Por exemplo, o período de aproximação rápida entre o martelo e o polegar é o presente, enquanto o agora é o período durante o qual o incauto martelador grita “F***-se! M**** para isto! Quem me mandou a andar a pregar coisas à p*** da mobília! C******!” É supreendente como a análise etimológica cuidada e bem fundamentada dá novos sentidos à nossa vida.

Mas o génio de Gustavo Santos não se limita à ética ou a questões linguísticas. Mostra-nos também como terminar, de uma só vez, com todo o sofrimento da humanidade. A doença, a fome, a miséria, as guerras, o ódio e a sede de poder assolam muitos milhões de pessoas tornando a sua vida num inferno. Não é preciso que assim seja e, graças a Gustavo Santos, já sabemos como resolver este problema. «Descobri que era um homem feliz quando percebi que a minha felicidade apenas dependia de mim»(4). É esta mensagem importante que temos de transmitir a toda a gente. A quem tiver perdido a casa e a família num bombardeamento e esteja agora a fugir de uma guerra. A quem tenha os filhos a morrer de sede. Aos órfãos esfomeados e abandonados e a quem a vida se esvai em pus e sangue numa cubata. A todos esses, que se julgam infelizes vítimas das circunstâncias, temos de dizer que a felicidade só depende deles. Que a fome não é uma tragédia. É uma oportunidade. Que a guerra não é um mal. É um desafio. Que se a morte dos filhos os entristece é porque, incautos, não decidiram amar-se a si próprios acima de tudo.

Gustavo Santos diz-se um “life coach”, alguém que treina os outros para viver. Na sua modéstia, aponta que apesar de ter «formação segundo as normas da ICF, International Coaching Federation», o que lhe dá «verdadeiras habilitações para trabalhá-lo com as mais variadas pessoas [...] é o facto de ser um homem verdadeiramente feliz.»(4) E qual é o segredo dessa felicidade? Que ideia invulgar permite a Gustavo Santos dizer tanta coisa genial sem corar de vergonha? É talvez a mais importante de todas, e aquela que dá a Gustavo Santos o lugar merecido no fecho de mais um ano de tretas:

«Tudo o que vale a pena nesta vida é aquilo que sentimos; o que pensamos [...] é mau entretenimento.»

Sigam o conselho de Gustavo Santos. Não pensem. Sintam apenas. Senão, se se metem nesse mau entretenimento que é pensar, não sentirão a genialidade de Gustavo Santos e ainda podem acabar confundindo-o com um palhaço. Até par ao ano, e bom 2015.

1- Gustavo Santos, Arrisca-te a viver, perfil.
2- Gustavo Santos, Quanto tempo esperarias pelo amor da tua vida?
3- Revista Progredir, Entrevista a Gustavo Santos
4- Gustavo Santos, Arrisca-te a Viver.
5- Gustavo Santos, Arrisca-te a Viver, Coaching.

domingo, maio 25, 2014

Treta da semana (passada): o combate da FEVIP.

Para desenjoar de posts sérios, este é dedicado às páginas de combate à pirataria da Associação Portuguesa de Defesa de Obras Audiovisuais, também conhecida por FEVIP. A sigla vem de se ter chamado originalmente Federação de Editores de Videogramas, mas o nome não era bom. É importante deixar claro que esta organização se preocupa com os interesses dos autores e do público. O outro nome dava ideia de serem só negociantes a meter-se no meio para cobrar pela cópia. Por isso, sabendo o bem que o copyright faz ao património cultural (1), usam-no para defender as obras do perigo da partilha. Deve gastar os bits ou coisa que o valha.

Explicando que «a tecnologia digital […] está cada vez mais ubíqua em todos os dispositivos electrónicos que coabitam com o público», a FEVIP manifesta-se «interessada em promover e proteger todas as obras audiovisuais para que estas sejam usadas nos mais diversos meios com o fim de beneficiar o consumidor»(2). É uma linguagem cuidadosa que, nos detalhes, esclarece muito e ajuda a desfazer mal entendidos. Como, por exemplo, a ideia de que será ilegítimo que sejam os senhores da FEVIP a dizer o que podemos fazer com a nossa propriedade. Com os nossos computadores, os nossos tablets, telemóveis e leitores de música. Seria realmente estranho quererem mandar no que é nosso, mas nada disso é nosso. Os dispositivos electrónicos apenas coabitam connosco. Estão nas nossas casas, mas é a FEVIP quem melhor poderá dizer que uso é legítimo darmos a esse equipamento. Também corrigem a ideia caluniosa de que só fazem isto porque querem ganhar dinheiro a vender mais cópias. Claro que não. São movidos por puro altruísmo. Imaginem só o que é descarregar um ficheiro de graça e ver logo o filme onde se quiser. Uma miséria, porque priva o público do prazer de pagar caro pelas maravilhosas restrições do DRM ou por uma magnífica rodela de plástico que, além de vir com o Ratatui a dissertar sobre a pirataria, ainda serve para pousar o copo depois de ver o filme.

Mas a FEVIP não descura o aspecto económico: «Em Portugal, o sector da indústria audiovisual alberga milhares de postos de trabalho e contribui com 1 por cento de todo o PIB nacional.» É muito dinheiro, perto de 160 milhões de euros. No entanto, talvez por descuido, esqueceram-se de indicar qual o sinal desses 1% que a indústria contribui para o PIB. É que as importações são subtraídas ao PIB e a maior parte dos audiovisuais que se compra por cá é importada. Em livros e revistas, por exemplo, o défice da balança cultural ronda os 70 milhões de euros (3). Se gastarmos mais em filmes e discos do que em livros, o que não me parece improvável, esses 160 milhões podem estar a ir todos lá para fora. Fica então a sugestão para quem se preocupar com a economia nacional: em vez de irem ao cinema ou comprarem um DVD, vão antes jantar fora e depois saquem o filme. Como bónus, ainda se safam do Ratatui a inventar tretas acerca da qualidade das “cópias pirata”.

Noutra página, fazem uma pergunta interessante: «Gostaria que um projecto seu, no qual tivesse investido milhares de horas, milhares ou milhões de euros e muitos meios humanos, se encontrasse disponível em meios completamente alheios ao seu controlo, e sem qualquer possibilidade de recompensa pecuniária legítima e honesta que pudesse compensar o seu esforço?»(4) A pergunta parece um pouco enviesada, mas vamos por partes.

Já investi milhares de horas a criar conteúdos e a transmiti-los aos alunos para depois ficar tudo completamente fora do meu controlo. Este blog já conta com 1807 posts, e também tenho disponibilizado gratuitamente sem controlo software que me levou bastante tempo a criar. Por isso, quanto às horas e ao esforço, resposta é sim. Milhares ou milhões de euros nunca investi, nem meios humanos ou humanos inteiros, mas imagino que se alguma vez o fizesse não o faria às cegas. Por exemplo, se realizasse um filme e depois descobrisse que o andavam a partilhar no Bittorrent só me surpreenderia haver alguém a querer ver o meu filme. A tecnologia em si não seria novidade. Finalmente, quanto à «recompensa pecuniária» só vejo três opções. Ou trabalho sem a querer nem exigir, como é o caso deste blog, ou trabalho com um contrato e então tenho direito, de forma legítima e honesta, a exigir que paguem o meu esforço, ou então arrisco e logo se vê. Se ganhar ganhei, mas se não ganhar não tenho nada que chorar porque só arrisquei o que quis. De resto, não sou de fazer trabalho que não me encomendem e depois ficar zangado se não mo pagarem.

Para terminar, deixo-vos este conselho da FEVIP. Não o acho especialmente útil mas revela bem a atitude destes defensores das obras culturais. «A Internet é uma ferramenta que possibilita ao ser humano alcançar formas incríveis de comunicação e aprendizagem, além de estar apta a estimular e a desenvolver práticas laborais e lúdicas como nunca possíveis em épocas passadas. Todavia, para que o utilizador possa dar um uso adequado à Internet, e usufrua desta em segurança, existe uma forma bem simples de o fazer: Quando está online não faça nada que não fizesse quando se encontra offline.»(5). Ou seja, não partilhem ficheiros nem descarreguem ficheiros. Nem naveguem na Web, nem vejam o email, nem joguem, nem nada que não fizessem se estivessem offline. Talvez assim a Internet se vá embora e os senhores da FEVIP possam voltar a rebolar em recompensas pecuniárias.

1- Por exemplo, impedindo a restauração de filmes e dificultando a reedição de livros.
2- FEVIP, Combate à Pirataria
3- Jornal de Negócios, Exportações de bens culturais cresceram 30% em 2012
4- FEVIP, Sou um pirata.
5- FEVIP, Sites Maliciosos

quinta-feira, março 20, 2014

Treta da semana (passada): “Abra os olhos”

A CARRIS e a Metropolitano de Lisboa lançaram uma campanha com o slogan “Abra os olhos e combata a fraude”. Algumas pessoas criticaram esta campanha julgando que era um apelo a que todos os passageiros se tornassem revisores não remunerados. Realmente, mesmo que me bastasse “abrir os olhos” para ver se alguém viaja sem bilhete válido, não é claro o que tipo de combate querem que eu faça. Mas, olhando com mais atenção para a campanha, parece-me que a crítica assenta num mal entendido.

Segundo a página da campanha, «A primeira fase de campanha iniciou-se a 25 de fevereiro com o lançamento de um teaser composto, apenas, pela imagem da campanha, sem qualquer claim associado, procurando gerar algum buzz e curiosidade para o tema, tendo a imagem sido aplicada em suportes próprios de comunicação de ambas as empresas. A segunda fase de campanha tem início com a concretização da imagem, associada ao claim e a um texto explicativo da campanha.»(1) Talvez por quererem criar um buzz com um teaser sem claim associado, muita gente percebeu mal a intenção. Vejamos então como o “texto explicativo” nos esclarece: «A falta de validações pode sair-lhe caro: menos carreiras; menos comboios; maior tempo de espera; degradação do serviço»(2) Obviamente, a fraude e a “falta de validações” não se refere a haver quem ande sem bilhete porque esse problema fica muito aquém do que seria necessário para haver menos carreiras, menos comboios ou uma degradação no serviço. A fraude para a qual nos querem abrir os olhos é certamente mais grave.

O Relatório e Contas de 2012 do Metropolitano de Lisboa dá umas pistas importantes. Por exemplo, na página 16, consta que «A oferta em 2012 diminuiu 19,4%, em termos de número de carruagens x km, permitindo o ajustamento à procura e o aumento da eficiência operacional». A diminuição deveu-se à circulação de comboios só com três carruagens em vez de seis em algumas linhas e horários, e a terem ocorrido «oito greves ao longo do ano» (3). Porquê oito greves? Uma razão pode ser outra fonte de “eficiência operacional”. A figura abaixo mostra a evolução do perfil dos contratos dos trabalhadores do Metro e o número de efectivos comparado com o total de quilómetros de linha. O que se pode ver é que não só o número de efectivos tem sido reduzido ao mesmo tempo que aumenta o tamanho da rede, como a empresa tem reduzido principalmente os trabalhadores com contratos estáveis, substituindo-os por contratos precários. Com menos pessoas a trabalhar mais e mais precariedade não admira que haja problemas com os trabalhadores. Nem a redução da oferta compensa isto, se se deve à circulação de comboios com menos carruagens.



Isto explica a degradação do serviço, a falta de comboios e os maiores tempos de espera mas ainda não cobre explicitamente o “claim” que esta fraude «pode sair-lhe caro». Se cortam nos comboios, nos empregados e no serviço, até nos devia sair mais barato. Mas é verdade que sai caro. E na página 42 temos uma indício do porquê: «No seu conjunto, as responsabilidades com IGRF aumentaram 378 milhões de euros, representando 20% do passivo total.» Estes IGRF são “instrumentos de gestão de risco financeiro”, também conhecidos como “swaps”. São contratos complexos entre estas empresas e os bancos que fazem juros e pagamentos variarem em função de certos factores. Graças a estes contratos, feitos sabe-se lá por quem, porquê e em que condições – mas certamente em gabinetes sóbrios como gosta o José Gomes Ferreira (4) – esta empresa que teve 148 milhões de receitas e 150 milhões de gastos operacionais acabou num buraco 378 milhões mais fundo do que já estava, e isto depois do Estado emprestar, a juros mais baixos, «648,6 milhões de euros [para] satisfazer os compromissos decorrentes do serviço da dívida».

É isto que nos sai caro. Os bancos privados emprestam dinheiro a entidades públicas cobrando juros elevados, alegadamente, pelo risco de incumprimento. No entanto, o governo nunca admite sequer a reestruturação dessas dívidas e paga tudo. É só lucro para os bancos. Pior ainda, esses empréstimos são negócios obscuros feitos sempre de forma a que os bancos acabem por receber – e nós acabemos por pagar – muito mais do que inicialmente seria de prever.

Queria por isso aplaudir esta campanha da CARRIS e do Metropolitano de Lisboa. Motivou-me a abrir os olhos e procurar perceber porque é que estes serviços nos saem tão caros, porque é que há menos comboios e porque é que o serviço se degrada. Infelizmente, continuo ainda sem saber como combater isto. Talvez se deixar de pagar bilhete e passar a viajar à borla sempre vá um pouco menos do meu dinheiro para os IGRF e negociatas afins...

1- Metropolitano de Lisboa, CARRIS e Metropolitano de Lisboa lançam campanha de combate à fraude nos transportes públicos
2- Dinheiro Vivo, Carris/Metro lança campanha para combater fraude nos transportes públicos
3- Metropolitano de Lisboa, Relatório e Contas
4- Post anterior: O manifesto

domingo, fevereiro 24, 2013

Treta da semana: o caso Relvas.

O Miguel Relvas foi ao ISCTE falar sobre jornalismo a convite da TVI. Alguns alunos, que a TVI não convidou para falar, vaiaram o ministro, gritaram e pediram que se demitisse. Após uns momentos de sorriso amarelo, o ministro foi-se embora (1). Para Santos Silva isto foi inaceitável, anti-democrático e uma «limitação ilegítima à liberdade de expressão»(2). Daquele que tinha sido convidado para subir ao pódio, é claro, que a liberdade dos outros era a de ouvir em silêncio. Segundo o líder parlamentar do PSD «Portugal precisa de políticas e políticos livres [que] gritam livremente pelas suas ideias» e o do CDS reforçou que «o direito de falar é um direito absoluto, mas não tão absoluto que iniba os outros de falar» (3). A conclusão óbvia destas premissas é que quando o Miguel Relvas fala os estudantes devem ficar inibidos de gritar livremente pelas suas ideias. Numa democracia, quem grita livremente são os políticos, não o povinho.

O Henrique Raposo ainda vai mais longe. Escreve que os «meninos e meninas [que] têm usado "Grândola Vila Morena" como forma de calar outras pessoas [...] revelam uma total intolerância em relação ao outro lado; [...], respiram e transpiram ódio, um ódio que escorre pelos cartazes, pelos rostos, pelas vozes. E, de forma mui fascista, esta malta tem orgulho nesse ódio»(4). Certamente que o fascismo aqui é uma alusão à táctica da PIDE de vaiar e apupar os detractores de Salazar que discursassem contra o governo, em universidades públicas, a convite de canais privados de televisão. Ou talvez até aluda à Alemanha nazi, quando agentes da Gestapo trauteavam Wagner sempre que alguém discursava contra Hitler perante a comunicação social.

Subjacente a este repúdio do protesto dos estudantes está a violação da liberdade de expressão. O Miguel Relvas tinha ideias importantes para exprimir. O Miguel Relvas foi ao ISCTE exprimir essas ideias e, certamente, muita gente as queria ouvir. Afinal, trata-se de um estudioso que consegue dominar num par de dias matérias que o estudante médio demora cinco anos a aprender. Fascistas, não o deixaram falar. O Miguel Relvas perdeu assim a única oportunidade que alguma vez terá de dizer o que pensa, e nós todos ficaremos para sempre privados da sua sabedoria. Se fosse preso, torturado ou até morto numa prisão oculta, ao menos ainda poderia escapar-se alguma obra sua que nos transmitisse o seu pensamento. Um ensaio sócio-político, um diário ou até um trabalho de fim de curso. Mas não. Nada de censurar com prisão, tortura ou morte, coisas de fascismo amador e ditaduras de meia-tigela. Estes estudantes do ISCTE são da raça fascista mais violenta e perigosa, aquela que grita “demissão!”, “a propina dói!” e chega até a cantar músicas do Zeca Afonso. Nem sequer Wagner. É logo Zeca Afonso.

Sobretudo, os estudantes foram mal educados. Não é assim que se resolve os problemas. Quando um governo afunda o país, ignora tudo o que prometeu para ser eleito e vende os bens do Estado ao desbarato, a forma correcta de intervenção é pôr o dedo no ar e esperar em silêncio que o Miguel Relvas ceda a palavra. Afinal, o Miguel Relvas só abandonou a carreira académica e dedicou-se ao poder político, a grande custo pessoal e financeiro, pela sua enorme vontade de servir o próximo e de zelar pelos nossos interesses. Por isso, há que confiar, dizer com licença e agradecer no fim.

1- Sol, Relvas vaiado impedido de falar
2- TVI, «É inaceitável que um ministro seja impedido de falar»
3- I online, Maioria condena censura a Relvas. Oposição rejeita demarcar-se
4- Henrique Raposo, O fascismo do "Grândola Vila Morena"

domingo, fevereiro 19, 2012

Treta da semana: essa é que é essa...

No Jornal de Negócios desta semana, o João Cândido da Silva expõe o problema da pirataria e dos downloads de uma forma tão inteligente quanto original: «Milhares de pessoas que jamais assaltariam um supermercado, uma livraria ou uma loja de discos consideram legal e legítimo fazer descarregamentos de música ou filmes a partir da Internet, sem pagarem um tostão.»(1)

Na verdade, é espantoso como as pessoas podem ser tão inconsistentes e inconscientes. Quando descarregam uma música – ou, pior ainda, quando fazem um descarregamento – e não pagam o tostão, estão a obter informação que lhes permite recriar algo pelo qual talvez pagassem se o quisessem comprar e se não tivessem conseguido obter essa informação. Isso é o mesmo que roubar uma data de tostões. E não é só um problema nas músicas, filmes e livros.

Há também muitas pessoas que jamais assaltariam um restaurante ou uma pastelaria mas que consideram legal e legítimo fazer descarregamentos de páginas de receitas a partir da Internet, sem pagarem um tostão. Recebem assim a informação necessária para recriar, no conforto dos seus lares, aquelas refeições e sobremesas que tanto trabalho dão a confeccionar nos restaurantes e pastelarias circundantes. Com isto, roubam aos cozinheiros, empregados de balcão e investidores da restauração a remuneração que lhes é devida pelo seu trabalho.

O problema, como o JCS aponta, «tem vindo a ganhar a dimensão de um pesadelo», dimensão esta que, presumo, seja grande, a menos que seja a quinta. Diz o JCS que «Um computador, uma ligação à Internet e memória bastante num disco rígido para acomodar o fruto dos "downloads" é o que basta», mas o problema é ainda pior do que isso. Pior do que os descarregamentos é a partilha. Por exemplo, tenho visto muitas vezes pessoas na rua a perguntar as horas a outras que, como se fosse algo legítimo e inocente, lhes dizem imediatamente que horas são. Se esta pirataria se generaliza muita gente deixará de usar relógio e toda a indústria da relojoaria será prejudicada. Como escreve o JCS «É suposto os bens e serviços produzidos por uns serem pagos por quem os consome.» É quem consome a informação acerca das horas que são que deve pagar esse consumo aos relojoeiros que produzem a informação. A partilha indiscriminada de receitas, horas, dicas de como tirar nódoas, álgebra, gramática, história e tanta coisa que se pirateia – até em escolas públicas – é um roubo descarado a todos aqueles que poderiam ganhar fortunas se todos lhes pagassem por esta informação.

E isto tem consequências: «As fortes quebras de receitas registadas pelos sectores que se dedicam aos "bens culturais" ameaçam transformar-se numa sentença de morte». A tragédia que assolou a culinária, o Xadrez e a filosofia, ameaça agora a música, a escrita e o audiovisual. Sem a protecção legal da sua propriedade intelectual, as receitas, jogadas de Xadrez e ideias filosóficas praticamente desapareceram. Se não é possível ganhar dinheiro proibindo a circulação dessa informação, é óbvio que ninguém irá inventar receitas, jogar Xadrez ou filosofar. É isso que vemos acontecer com a cultura. Quem conhece a Internet certamente notou como se torna cada vez mais difícil encontrar textos para ler, músicas para ouvir ou vídeos para ver. Até o Jornal de Negócios se vê obrigado a publicar artigos como o do JCS, tal é a desertificação cultural à qual a pirataria nos levou.

Para terminar, queria manifestar a minha total concordância com o JCS em que todos «têm direito a receber a contrapartida pela sua criatividade e pelo seu labor.» E vou mais longe. Proponho ao JCS que lhes pague. A todos. Que não me venha com a desculpa de que só paga a quem cria as músicas de que ele gosta ou os filmes que ele vê porque isso não faz qualquer sentido. Se quem cria tem o direito de ser remunerado, esse direito não desaparece em função dos gostos do JCS. É um direito, e ele tem de o respeitar, quer goste quer não goste.

Até pode começar já por mim. Fico então à espera do cheque por este post, que muito labor e criatividade levou a produzir para que agora o consumam.

1- Jornal de Negócios, Tributem as facas. Obrigado pelo email com o link.

segunda-feira, dezembro 05, 2011

“ludwigs asquerosos”

Alguém assinando “Nuno Pereira , Acapor” comentou isto no Público, a propósito do vandalismo electrónico do site do PS:

«Do que está o PS á espera para propor ao Governo a erradicação de todo o tipo de criminosos e piratas da internet portuguesa? Do que está o Governo á espera para erradicar "partidos pirata", tugaleaks, anonymous adolescentes ou adultos, de paulas não sei quantas e ludwigs asquerosos cujas mentes apenas servem para desestabilizar a nossa muito fragilizada sociedade uma vez que são eles os mentores da criminalidade informática que aterroriza o nosso País? Esses animais precisam de ser punidos exemplarmente. Senão é o descalabro declarado. Quem manda em Portugal afinal?»(1)

Sinto-me honrado por este comentador me agrupar com o partido pirata e “as paulas”, que presumo ser a Paula Simões (2). Também concordo com os princípios defendidos pelo Tugaleaks (3), se bem que não conheça o suficiente deste grupo para avaliar o que fazem. E, se for mesmo o Nuno Pereira da ACAPOR, fico satisfeito por ter causado uma impressão tão forte, e aproveito para lhe deixar um abraço, na esperança de causar ainda mais asco.

Mas não me parece competência legítima do governo erradicar partidos políticos nem impedir que os cidadãos os formem. E erradicar adolescentes anónimos não é muito prático. Quanto a ser mentor de criminosos, isso depende do que consideramos crime. Por exemplo, quando distribuíram os emails da ACAPOR, eu escrevi que «Concordo que a ACAPOR se queixe de quem lhes copiou e partilhou a correspondência, violando a privacidade das pessoas envolvidas.»(4) e até defendi a imoralidade desse acto no Torrentfreak, onde muitos manifestavam aprovação por esta violação dos direitos de pessoas (5). Afinal, não considero que pessoas como o Nuno Pereira sejam «animais [que] precisam de ser punidos exemplarmente», mesmo que queiram ganhar dinheiro à custa dos direitos dos outros.

Também não concordo com esta moda dos ataques indiscriminados. Há dias divulgaram dados pessoais de uma centena de polícias sem haver razão para castigar aqueles indivíduos em particular. Mais útil, e justo, seria divulgarem os detalhes, as ordens e os responsáveis por mandar para as manifestações polícias à paisana bater na polícia de choque (6). No entanto, ao contrário do que alega o Nuno Pereira, não é esta «criminalidade informática que aterroriza o nosso País». Mais preocupante é o desrespeito, irresponsabilidade e abuso da parte de quem tem o poder. Como o chefe da PSP que tinha a lista com os contactos dos polícias num documento Word no seu portátil, provavelmente numa pasta partilhada e sem firewall (7), à mercê de qualquer pessoa com conhecimentos básicos de informática. Desculpam-se dizendo que os “piratas” “invadem” os computadores, mas quem deixa o computador configurado para dar acesso a qualquer um também devia ser responsabilizado.

Nestas coisas não sou mentor de criminalidade nenhuma. Mas, a julgar pela conversa que tive com o Nuno Pereira, para ele o crime mais asqueroso é o de lesa-videoclube. É isso que está a «desestabilizar a nossa muito fragilizada sociedade». Não é a ganância, nem os lobbies, nem os abusos de poder, nem a corrupção, nem a burocracia opaca, nem as leis feitas à medida de interesses como os do Nuno. Claro que não. O grande problema é a privacidade dos cidadãos e a partilha gratuita de ficheiros.

1- Público, Site do PS atacado, Sócrates é o alvo (primeiro comentário, último da lista). Obrigado pelo email com a deliciosa notícia.
2- Blog da Paula Simões.
3- Tugaleaks, Sobre
4- Treta da semana (passada*): A ACAPOR, a partilha e a pirataria.
5- Comentários no Torrentfreak, Movie Rental Outfit Hacked, Emails Leaked, Redirected to The Pirate Bay
6- 5 Dias, O DILEMA DO MACEDO: DEMITIR OU DEMITIR-SE!, via Esquerda Republicana
7- I Online, Chefe da PSP violou segurança e facilitou a vida aos piratas

quinta-feira, junho 16, 2011

Legal, 14.

Nos EUA, agentes da polícia que vigiavam vendas de armas aos traficantes de droga mexicanos não tiveram autorização para prender ninguém. Centenas de armas de fogo foram parar às mão dos cartéis (1). Possivelmente, uma das razões para isto é a justiça estadunidense estar a perseguir criminosos mais perigosos, como o canadiano que partilhou filmes pornográficos. Alan Phillips foi processado nos EUA e, por estranho que pareça, não se deslocou do Canadá para se defender em tribunal. Acabou condenado a pagar $63.867 por partilhar dois filmes pornográficos (2). Isto é importante porque, ao contrário do problema dos cartéis armados no México, as ameaças à industria cultural põem empregos em risco. Escusado será dizer que, se alguma vez for possível encontrar pornografia de graça na Internet, o negócio entrará em colapso e não haverá pornografia para ninguém. Todos sairemos a perder. É por isso indispensável que a sociedade proteja, a todo o custo, os monopólios de distribuição destes filmes.

Outro marco importante foi a clarificação legal do acesso, por parte dos advogados que defendem os prisioneiros em Guantanamo Bay, à “informação potencialmente secreta” que a WikiLeaks divulgou. A decisão, razoável, foi que podiam aceder a essa informação desde que não usassem computadores fornecidos pelo governo dos EUA e que não criassem cópias locais do material consultado. Alguns críticos dizem que isto é inconsistente, porque qualquer consulta de material na Internet implica que o computador descarregue o documento, criando uma cópia local (3). Mas julgo que o objectivo é obrigar os advogados a espreitar pelo cabo de rede e ler rapidamente as letras enquanto passam, sem usar o computador. Afinal, os juristas que inventam estas regras sabem perfeitamente como funcionam os computadores e a Internet.

E estas restrições são indispensáveis para que não se arrisque a aplicar um processo judicial correcto a presos perigosos como Faris Muslim al-Ansari, detido em 2001 com 16 anos por ser “provavelmente membro dos Taliban” (4). Um risco, aliás, desnecessário, visto que o libertaram logo em 2007. Estes advogados são uns picuinhas.

Há dias roubaram 25.000 bitcoins (5). Alguém guardou as suas moedas virtuais numa carteira sem encriptação e bastou ao larápio ter acesso ao computador para transferir tudo para outro endereço. Apesar de se saber exactamente por que endereços bitcoin o dinheiro anda, não se consegue saber quem os controla. É o grande problema dos sistemas anónimos de troca. O Pentágono também levou 12 mil milhões de dólares para o Iraque e agora só sabem de metade do dinheiro (6). É o que dá estas modernices de usar moedas e notas em vez de pagar tudo com o cartão de crédito, que deixa sempre o nome e a morada guardados.

Mais ou menos guardados. Outro problema que a justiça enfrenta são os malvados hackers que roubam até os dados mais bem protegidos. O Citigroup, por exemplo, tinha um sistema de segurança praticamente à prova de bala. Para se ter acesso aos dados pessoais de um cliente, era preciso pôr no browser um URL que incluía o número do cartão de crédito do cliente (7). Mas os hackers fizeram algo impensável. Olharam para a barra de endereços (ninguém olha para a barra de endereços), descobriram este segredo e fizeram um script para experimentar números diferentes, recolhendo os dados todos dessas pessoas. Obviamente, os responsáveis pela segurança destes dados são inocentes. Fizeram o melhor possível. É a justiça, paga pelos contribuintes, que deve agora apanhar estes génios do crime que experimentaram URLs.

Por cá, a coisa também vai bem encaminhada. Os futuros magistrados que copiaram e cometeram fraude nos exames tiveram um castigo exemplar. Passaram todos com 10 valores (8). É para aprenderem. E agora estão a considerar obrigá-los a repetir os exames (9). Assim, cada vez que forem apanhados a copiar terão mais uma oportunidade para evitar que sejam apanhados. Noutra faculdade que conheço, os alunos que cometem fraude numa avaliação são reprovados à disciplina. Mesmo que seja no primeiro trabalho. Mas no CEJ sabem bem que, sendo pessoas de rectidão impecável e integridade sem mácula, o pior castigo para os nossos futuros magistrados é serem aprovados sabendo que não o mereciam. Isso, sim, irá mostrar-lhes cabalmente que o crime não compensa, tais serão os remorsos.

1- BBC, Mexico drug war: US sting 'let cartels buy guns', via o Friendfeed do Henry Winckelmann
2- Torrentfreak, Canadian BitTorrent User Fined $60,000 By U.S. Court.
3-Josh Gerstein, Under the Radar Feds' policy on reading WikiLeaks docs 'incoherent,' critics say
4- Andy Worthington, WikiLeaks and the 22 Children of Guantánamo
5- Joe Falkoner, Close to US$500k stolen in first major Bitcoin theft
6- Jacob Sioan, Pentagon Admits $6 Billion In Cash Was Stolen In Iraq
7- Mail Online, Revealed: How Citigroup hackers broke in 'through the front door' using bank's website
8- Expresso, Justiça: Futuros magistrados apanhados a copiar em teste "punidos" com nota 10, via o Hugo Monteiro no Facebook.
9- Público, Alunos do CEJ serão avaliados de novo

quarta-feira, dezembro 29, 2010

Apoio ao cliente.

A Maria João Nogueira teve uma desventura com a Ensitel, que recusou trocar um telemóvel avariado apesar do estipulado na garantia. Mas o que me interessa nesta saga, que já dura desde Fevereiro de 2009, é que agora a Ensitel intimou a Maria João com um procedimento cautelar, para que o tribunal mande apagar os posts que ela escreveu sobre o assunto. Podem ler os detalhes no blog jonasnuts.com, neste post: Ensitel.

O que aconteceu à Maria João é chato, mas sinto-me solidário com a Ensitel. Obviamente, os administradores desta empresa são pessoas sensíveis que ficaram muito incomodadas com as críticas da Maria João. Se assim não fosse, não tentariam censurá-la. Temos de ter consideração por essa sensibilidade. Assim, o melhor será que os clientes da Ensitel evitem dar destas ralações à empresa e passem a comprar os telemóveis a outros revendedores. Proponho que dêem preferência aqueles cujo apoio ao cliente não seja feito na barra do tribunal.

Obrigado ao Bruno pela referência no FaceBook

Adenda: está aqui um bom resumo do sucedido (via o Helder Sanches, no FaceBook):



Segunda adenda (2011-1-1): A Ensitel reconsiderou e decidiu retirar o processo.

sexta-feira, novembro 19, 2010

Mais intolerância.

Eis mais um acto de intolerância e repressão da parte de ateus fundamentalistas e agressivos. Agora no Canadá. É incrível este ataque vil e gratuito aos fiéis seguidores do Bigfoot.



Via Jugular.

domingo, outubro 31, 2010

Treta da semana: de tudo um pouco.

Aristóteles escreveu sobre quase tudo, da física à ética. Hipátia de Alexandria foi uma matemática, filósofa e astrónoma de renome. Tendo em conta que era mulher, deve ter sido verdadeiramente excepcional para que lhe reconhecessem algum mérito. Leonardo da Vinci foi um artista da ciência e um cientista da arte. Einstein deu contributos importantes à teoria atómica e à mecânica quântica, além de ter concebido a teoria da relatividade. John von Neumann foi um nome de relevo em campos tão diversos como a teoria de conjuntos, computação, economia e modelação de explosões. Pessoas como estas há poucas e, até recentemente, julgava que Portugal não teria sido agraciado com nenhuma. Mas, graças à Heloisa Miranda e ao seu canal Sapo Zen, descobri o José Antunes.

José Antunes (1) é o autor do livro “Consciência: Um Percurso Singular”, participou no I Congresso Internacional de Sincronização com o Planeta Terra e no congresso “Jornadas Quânticas” por Amit Goswami. Fez também o curso da “Parapsicologia enquanto Estudo da Comunicação Anómala”, e vários cursos no Instituto Internacional de Projeciologia e Conscienciologia e também no Centro de Altos Estudos da Consciência. E tem uma «Pós-Graduação em Psicologia da Consciência na UAL, pela ALUBRAT». Ou seja, o curso decorreu nas instalações da Universidade Autónoma de Lisboa (UAL), mas foi concedido pela prestigiada Associação Luso-Brasileira de Psicologia Transpessoal (ALUBRAT).

Foi com base nesta formação diversificada, «no âmbito da sua pesquisa sobre a psique humana», que José Antunes contribuiu para elucidar a natureza da consciência e criar poderosas ferramentas conceptuais para lidar com este fenómeno até agora tão elusivo. No vídeo abaixo deixo a explicação pelas palavras do próprio, mas queria salientar algumas das suas descobertas mais importantes.

Primeiro, consciência é uma energia. Isto dá imenso jeito porque assim podemos medi-la em joule e sabemos que é igual ao produto da massa pelo quadrado da velocidade da luz. Em segundo lugar, nós somos consciências e, conclui o José Antunes, por isso somos um espírito. Em terceiro lugar, por «um ciclo reencarnativo vamos ganhando cultura de uma alma porque vamos mexendo nas energias do amor». Mas o que é a alma? perguntará o leitor. O José esclarece isso também. «A alma é, digamos, fracções do amor... entra connosco... que nós conseguimos adquirir.»

(Deixo só a ligação para o vídeo, porque não parece haver maneira de o calar se o incluo aqui)

Tem de tudo. Tem amor, energia, consciência, alma e espírito. Penso que só lhe falta a imanência transcendente, ou a transcendência imanente, para ter uma teologia completa. Mas, confesso, não consegui ver os vídeos todos (2). Se calhar também tem disso, ou algo equivalente.

Tenho defendido aqui que uma diferença importante entre o conhecimento e as várias especulações infundadas que por ele se fazem passar é que o primeiro forma um todo consistente enquanto as últimas vão cada uma para seu lado, desligadas das outras e muitas vezes contradizendo-as. No entanto, em certos aspectos sinto que tenho de rever a minha posição acerca disto. Tenho de admitir que, pelo menos no que toca ao discorrer prolongado em verborreia sem sentido, a treta parece cada vez mais ser toda o mesmo.

1- Consciência 21
2- Sapo Zen, Psicologia da Consciência 1

terça-feira, agosto 31, 2010

Passa com a esponja.

O Orlando Braga respondeu ao meu post (1). Inicialmente sucinto, escrevu apenas «Este gajo não sabe ler inglês, e ainda arrota postas de pescada»(2), citando de seguida o trecho do artigo original, sobre o genoma da esponja, onde está escrito que esta tem quase o mesmo número de genes que nós. Comentei então que era melhor ele ler o que eu tinha escrito antes de dizer que eu não sei ler. Porque no meu post não disputo o número de genes; aponto é que não se pode inferir daí, como faz o Orlando, que a diferença entre um humano e uma esponja esteja na forma platónica e essas tretas.

Em resposta, o Orlando apagou o meu comentário e escreveu uma adenda ao seu post, sem mencionar sequer a minha chamada de atenção. Isto pode parecer aquela arrogância de quem mantém a sua certeza metafísica mesmo tendo metido o pé na argola. Mas no caso do Orlando julgo tratar-se de humildade. Ser humilde é admitir os seus próprios erros, e a adenda do Orlando demonstra claramente os erros que ele comete. Além disso, revela também que o Orlando tem muito por que ser humilde.

Depois de deambular por uma introdução, ironicamente, sobre a crítica de António Sérgio às introduções deambulantes que nada adiantam, o Orlando reitera que as esponjas têm sensivelmente o mesmo número de genes que nós, que os genes se alinham da mesma forma e que as esponjas partilham alguns genes com os humanos. Finalmente, aponta que os investigadores não sabem porque precisam as esponjas de 705 genes de enzimas de fosforilação. Infelizmente, o Orlando também não esclarece este enigma, concluindo apenas que compreende «o desespero do naturalista em causa (naturalista = darwinista + ateísta)». Penso que fala de mim, aqui.

Eu não estou desesperado. Talvez só um pouco desiludido por seiscentos milhões de anos de evolução, desde a esponja ancestral, terem feito tão pouca diferença a alguns ramos da família. Mas não vejo razão para duvidar dos mecanismos propostos para essa evolução. A selecção natural de alterações aleatórias e hereditárias.

Os genes controlam toda a bioquímica celular e a nossa é muito parecida com a da esponja. E se desenharmos a árvore da vida à escala das gerações ficamos juntos à esponja num raminho pequenino. Por isso da evolução não se espera diferenças tão grandes como as que exige o ego de quem sonha ser criado à imagem de um deus. E quando se diz que a esponja partilha genes com os seres humanos quer-se dizer que são parecidos. Não se quer dizer que sejam os mesmos, exactamente iguais, como se um criador tivesse feito copy-paste.

O alinhamento semelhante dos genes também não é mistério. Um gene não é uma unidade independente do resto. Os genes operam em conjunto, guiando a síntese de proteínas que interagem em redes metabólicas, na regulação do desenvolvimento e assim por diante. Muitos genes que operam em conjunto são parentes próximos, descendendo de um gene ancestral recente. E estes grupos tendem a ser regulados em conjunto, activados e reprimidos em grupo. Factores como estes levam a que os grupos de genes sejam preservados pela selecção natural, mantendo o tal alinhamento que tanto intriga o Orlando.

Noutro post onde o Orlando imagina ter muita razão, mesmo nunca dizendo em quê, afirma que: «Quando se pergunta, por exemplo, a um naturalista porque é que a esponja tem aproximadamente o mesmo número de genes do que o ser humano, o que pressupõe um desenho biológico e não apenas o império das forças do acaso na organização do universo, o naturalista invariavelmente responde: “a ciência ainda não sabe, mas vai saber”.»(3)

Não sei a que “naturalista” o Orlando perguntou isto. Talvez tenha confundido a palavra e passado a tarde numa praia de nudismo a perguntar por esponjas a quem passava. Porque os biólogos têm uma explicação bem fundamentada para isto. A bioquímica da esponja é muito parecida com a nossa e é preciso muitos genes para a controlar. Em geral, os organismos têm mais genes do que do que precisariam se fossem criados de forma inteligente, precisamente porque são produto de um processo cego de acumulação de características hereditárias. À esponja não calhou ficar com 705 cinases por criação inteligente, por exemplo. E aquilo que temos de especial como mamíferos, a nossa inteligência, vem principalmente da interacção com o ambiente. Ao contrário da esponja, nós temos de aprender para saber.

E talvez seja esta a lição mais importante aqui. A esponja nasce sabendo tudo o que pode saber. Está tudo de forma robusta nos seus genes; faça frio ou calor, luz ou escuro, a esponja cresce esponja. Nós precisamos dos estímulos certos. E precisamos de experimentar, pensar, duvidar, questionar e testar ideias para aprender. Podemos ir muito mais longe do que a esponja. Mas se passarmos o tempo a olhar para o nosso umbigo – ou a ler os ensinamentos de quem passou a sua vida a olhar para o seu – nos poucos instantes em que olharmos em volta tudo vai parecer um grande mistério. Talvez acontecesse o mesmo à esponja se tivesse umbigo e olhos mas continuasse desprovida de cérebro.

1- Treta da semana: a esponja do O.B.
2- Orlando Braga, Esta gente vota.
3- Orlando Braga, O eterno argumento naturalista: “A ciência ainda não sabe, mas vai saber”

domingo, julho 18, 2010

Treta da semana: droga digital.

A guerra contra as drogas tem sido um grande sucesso. Tem enfiado muitos jovens na cadeia, aumentado o preço e os lucros dos vendedores, até impedido que se plante cânhamo. E tudo isto sem afectar o consumo. Agora abre-se uma nova frente de batalha, prenhe de possibilidades para mais sucessos assim e sem sequer precisar de droga a sério. As drogas digitais.

Desde o final do século XIX que se sabe enganar o cérebro dando a cada ouvido um som diferente. Controlando o tempo e intensidade a que o som chega a cada ouvido podemos criar uma ilusão de direcção (1). E se um ouvido recebe um som de frequência ligeiramente diferente da frequência do som que chega ao outro o cérebro inventa uma batida onde nenhuma existe (2). E enquanto o primeiro efeito é bom para filmes e jogos, o segundo dá para sacar dinheiro dos mais crédulos, com alegados efeitos desde “focar energia” a “projecção astral”, tudo isso por ouvir um som monótono e irritante durante uma hora. E depois de pagar $39.95, claro (3). Mas, ao que parece, o problema não é a aldrabice. É o alegado perigo para os jovens, aliciados a drogar-se com estes sons que os podem desencaminhar, levando-os a drogas mais fortes.

Eu admito que também ficava preocupado se um dos meus filhos se metesse nisto das drogas digitais. Não por medo que ficasse pedrado ou viciado, mas por demonstrar ter ficado parvo. Supostamente, o som que se segue deve ser ouvido com auscultadores para fazer efeito. Mas, pelo que tive paciência de experimentar, vai dar ao mesmo...



Infelizmente, não são só os miúdos que enfiam o barrete. São os pais, os professores e os jornalistas:



A propósito de notícias como esta:




Threat Level, Report: Teens Using Digital Drugs to Get High, Via o FriendFeed do Marcos Marado.

1- Um exemplo é o Virtual Barber Shop. Devem ouvir com auscultadores; ao contrário da treta das drogas digitais, este funciona.
2- Wikipedia, Binaural beats.
3- Musicmefree.com

quarta-feira, junho 23, 2010

Manifesto.

A União Portuguesa dos Técnicos de Higiene Doméstica e a Associação de Empresas de Limpeza ao Domicílio fundaram um movimento popular espontâneo para representar os muitos cidadãos preocupados com o grassar da pirataria na lide doméstica. O Movimento Anti-Pirataria em Lavatórios, Esfregonas e Toalhas, MAPiLET, pretende assim educar os cidadãos, esclarecer os legisladores, lutar por leis mais eficazes e por uma fiscalização que, finalmente, proteja eficazmente esta indústria essencial ameaçada pela limpeza ilícita.

Infelizmente, é cada vez mais prática corrente entre os portugueses que os membros de cada agregado familiar executem gratuitamente, sem regulação profissional e sem qualquer licenciamento, trabalhos de limpeza que ficariam de outra forma a cargo de técnicos especializados que merecem ser ressarcidos por estes serviços e pelo seu trabalho. Os números, mesmo por alto, mostram a enormidade do problema. Se cada agregado familiar despender nem que seja uma hora por dia em trabalhos domésticos, com cerca de três milhões de famílias em Portugal e uma média salarial de 5€ por hora neste sector, temos uma perda económica de quinze milhões de euros por dia! Isto são mais de cinco mil milhões de euros por ano, ou 2% do PIB português! É evidente que esta situação não pode continuar, pois não só ameaça toda uma classe profissional como rouba ao Estado mais de mil milhões de euros por ano em impostos que ficam por cobrar a esta economia paralela e imoral.

O MAPiLET pretende assim chamar a atenção para este problema e consciencializar os muitos portugueses que, estamos convictos, lavam a sua loiça, roupa e chão sem intenção de prejudicar ninguém mas apenas por mau hábito, porque nunca consideraram o mal que fazem aos profissionais desta área ou porque julgam tratar-se de um “crime sem vítimas”. Que mal terá, perguntará o português médio, que eu lave o prato que sujei? Pois cada prato que lava rouba uma lavadela aos legítimos profissionais da lavagem. Pessoas que, como qualquer trabalhador, merecem receber ou pelo trabalho que fazem ou pelo valor da licença para se fazer trabalho como o que eles poderiam fazer se fossem pagos para isso.

Há também a questão importante do usufruto ilegítimo das ideias alheias. Lavar os copos primeiro, quando a água está limpa, escorrer a esfregona torcendo-a ou lavar a roupa de cor separada da branca são algumas de muitas técnicas importantes das quais tantos tiram partido sem ressarcir os autores. Os autores ou, mais propriamente, os gestores dos direitos de cobrar licenças sobre estas coisas. O consumo não remunerado destas técnicas não só prejudica a economia como é um acto claramente imoral. Há que combater a aceitação social dos piratas que “partilham” estas coisas permitindo que muitos consumam este conhecimento sem respeitar o esforço e o trabalho de quem desenvolveu estas técnicas (ou os seus representantes legais).

Mas o problema não é só de consciencialização. É também um problema de legislação. Porque há grandes interesses financeiros escondidos por trás da limpeza não autorizada. Empresas que vendem aspiradores e máquinas de lavar, detergentes e outros utensílios de limpeza, têm todo o interesse em perpetuar este regime anárquico no qual cada um lava o que quer e limpa o que lhe apetece, chegando até a insinuar na publicidade que quem compra uma esfregona pode limpar o chão as vezes que quiser sem dar satisfações a ninguém.

O MAPiLET faz assim ouvir os inúmeros cidadãos e cidadãs revoltados contra esta situação, e exige do sistema judicial medidas eficazes no combate à pirataria da limpeza. Registos completos da venda de equipamento de limpeza e utensílios multi-usos, como escovas de dentes e sabonetes, que possam ser usados na limpeza doméstica, para permitir identificar os prevaricadores. Um regime de avisos e notificações que, à terceira infracção, corte o fornecimento de material de limpeza aos que se recusem a respeitar estes direitos. Eliminar as lacunas legais que permitem piratear impunemente a higiene doméstica invocando a “privacidade” do lar. E, acima de tudo, acabar com os sites de “dicas” que proliferam na Internet e onde se distribui sem autorização informação proprietária acerca de como lavar chão encerado, abrilhantar talheres ou limpar cortinados.

Estamos certos que com o apoio popular o MAPiLET atingirá os seus objectivos sem que as associações fundadoras se zanguem e se vão embora. Em data a anunciar planeamos provar a todos que se pode limpar com impunidade organizando uma demonstração pública onde varreremos o chão e limparemos vidros de automóveis sem pagar as licenças devidas.

Por lares livres da Pirataria e uma sociedade limpa com justiça, porque combater a Pirataria é um sinal de cultura e Civilização!

domingo, novembro 01, 2009

Treta da semana: Centro Lusitano de Unificação Cultural

O Centro Lusitano de Unificação Cultural (CLUC) é uma associação que tem por objectivo nada menos que «estabelecer em bases sólidas e correctas uma Biosofia - Sabedoria da Vida - abarcando todos os campos de pensamento, de actividade e de esforço humano, nomeadamente filosóficos, científicos, religiosos, políticos, sociais, pedagógicos, artísticos e éticos.» Com um objectivo tão ambicioso, não admira que estas pessoas estejam a sondar o insondável e a responder ao irrespondível. Sabem, por exemplo, que de Deus «ciclicamente promana um raio (um fragmento da sua inesgotável e perpétua Essência) que dá origem a todos os Universos em manifestação» e que «existem universos físicos com matéria mais velha, digamos assim, com maior número de anos de evolução, e que possuem elementos químicos ainda não gerados nesta». Sabem também interpretar correctamente os textos sagrados. Ao contrário de muitos que, por ignorância, acham que a Bíblia foi inspirada por Deus, no CLUC sabe-se que «Jeová é um nome atribuído ao Espírito de Raça do povo judeu, isto é, a uma entidade suprafísica, do Reino Dévico (um deus mas, não, Deus), que tutela (e, ao mesmo tempo, se alimenta com) as energias do referido povo.»(2) Fica assim corrigida mais uma leitura demasiado literalista do Antigo Testamento.

Aos que não foram iniciados no esoterismo pode ocorrer perguntar como sabem estes senhores tanta coisa acerca do que promana de Deus, dos outros universos, de quem é quem no Reino Dévico e assim. Mas aos iniciados não ocorre perguntar. Os estudiosos estudam e, como estudam, logo sabem. É assim que isto funciona e quem disser o contrário é ignorante. O presidente do CLUC explica bem isto. Ou, ainda melhor que explicar, não explica. Interpreta. Num texto intitulado «Esoterismo?», José Manuel Anacleto afirma que o verdadeiro esoterismo, como o verdadeiro escocês, não é superstição nem crendice, negócio, sensacionalismo, charlatanice, puerilidades, alienação ou autocentramento. Não fica claro o que é. Mas deve ser bom:

«um conjunto sistemático e coerente de princípios e de valores mais abarcantes; uma Sabedoria Universal que integra, fundamenta e sintetiza as múltiplas expressões científicas, filosóficas, religiosas, éticas e, mesmo, estéticas...[etc]»(3)

Além da investigação, o CLUC ministra cursos de ciência esotérica, como «A Árvore da Vida e as 10 Sephiroth Cabalísticas» e «O Cristianismo à Luz da Sabedoria Esotérica» (4). E, em Junho de cada ano, celebram o Ritual da Circulação de Luz, «uma cerimónia ritualística e um trabalho de irradiação espiritual, que constituem um evento mundial único e de capital importância nesta época.»(5)

Isto demonstra cabalmente como o estudo legítimo do espiritual e do divino se distingue da superstição, crendice e charlatanice. Primeiro, é um estudo. Não é apenas por crença que nos falam de outros elementos químicos em universos mais antigos e que os universos são criados por raios que saem regularmente de Deus. Dizem-no porque sabem. Porque estudam estas coisas. É a sério.

Depois, afirmam claramente que isto não é superstição nem charlatanice. Ora, se fosse, claro está, não iam dizer que não era. E há que tratar de forma diferente aquilo que (dizem que) é diferente.

Finalmente, dizem defender um conjunto coerente e sistemático de princípios. Ainda por cima, segundo eles, mais sofisticado que os outros. Certamente que tudo o que é coerente, sistemático e sofisticado tem mesmo de ser verdade. Se não fosse assim andava por aí muita gente a acreditar em tretas...

1- CLUC, Acerca do Centro Lusitano
2- CLUC, Perguntas com Resposta
3- CLUC, Esoterismo?
4- CLUC, Cursos de Ciência Esotérica
5- CLUC, Ritual da Circulação de Luz

domingo, outubro 18, 2009

Treta da semana: Terapia da Música do Cristal.

Por alguma razão (deve ser karma), recebo regularmente emails da Indian Rose (1). Esta semana vinha a anunciar «o regresso de Bradford W. Tilden a Portugal ». Segundo o email, «De Outubro a Dezembro, vai dar continuidade aos trabalhos já iniciados com cristaloterapia e som, e dar inicio a novos cursos. […] Para além de todas as actividades já mencionadas, Bradford vai realizar, pela primeira vez em Portugal, dois concertos de piano, que terão lugar em Dezembro, e prometem ser uma experiência única.» O tipo é fantástico. Não é qualquer um que proporciona uma experiência única duas vezes.

No site do, segundo o próprio, talentoso Bradford, podemos ver uma «condensação dos muitos talentos do Bradford que incluem Música de Piano Original, Cura por Cristais e Pedras Preciosas, Cura por Som, Supercomidas e mais.»(2) Vem até com a explicação como estas terapias funcionam, segundo a tão famosa disciplina de física-quântica-da-treta:

«O Tempo Branco Universal ensina uma abordagem científica às terapias por pedras preciosas baseada em como as frequências emitidas por cristais diferentes, pedras preciosas e várias combinações afectam as nossas vibrações ao nível sub-atómico do nosso ser. A este nível, os cientistas descobriram que os átomos são feitos de cordas de energia a vibrar a várias velocidades. Isto significa que toda a matéria é simplesmente som cristalizado criando uma estrutura que pode conter luz.» (3)

Alguns neo-físicos, também conhecidos como ultra-físicos, chegam a dizer em público que isto é um disparate e alegam haver um conflito entre a Cristaloterapia Musical e a ciência. Isto começa logo por ser a falácia comum da técnica de Dizer que Há Conflito. É muito fácil de refutar. Considerem o seguinte diálogo, perfeitamente realista e nada inventado.

NEO-FÍSICO: Há aí um conflito porque essa coisa do som cristalizado contendo luz não faz sentido nenhum na física moderna.
REFUTADOR: Ah, mas você pode PROVAR que não faz sentido NENHUM?
NEO-FÍSICO: Sim... o som são ondas de choque que se propagam na matéria, pelo movimento de partículas, enquanto que um cristal é uma estrutura ordenada de átomos ou moléculas. E a luz não tem nada a ver com isso...
REFUTADOR: Sim, você prova que não tem ESSE sentido. Mas pode provar que não tem sentido NENHUM? NENHUM MESMO? HEIN?
NEO-FÍSICO: O quê?... Mas...
REFUTADOR: AHA! Está refutado!

Como se vê, a refutação é automática e nem é preciso saber nada de física. Basta ir insistindo até o outro desistir. Além disso, estes ultra-físicos, ao tentar destruir a visão do mundo dos cristaloterapeutas musicais, cometem o erro de não reconhecer como a subjectividade é o mais importante nas teorias acerca da realidade. Não interessa se os cristais curam mesmo ou não. O que interessa é adiarmos uns meses a ida ao oncologista e ficar a ouvir os CD deste senhor com um cristal na mão até ser tarde demais. Porque se alguém morrer desta maneira, no hospital, obviamente, só dá mais um exemplo de como a ciência e a medicina convencional não resolvem tudo.

Para quem estiver interessado, aqui fica o anúncio da workshop na próxima sexta-feira.

O Bradford é um músico com formação académica na área do piano, que enveredou depois pela área da cura através da formação em massagem, cura pelo som, Cristaloterapia com Tempo Branco e Cura com Tempo Branco. Hoje em dia abraça também o projecto de criar a Escola Lemuriana de Cura Natural Intuitiva.»

Tendo formação na área do piano e na área da cura, presumo que a escola seja na área da Lemúria ou arredores...

1- www.indianrose.pt.
2- Crystal Music Healing
3- Crystal Music Healing, Universal White Time Gemstone Healing & Lemurian Intuitive Crystal and Sound Healing

sexta-feira, junho 12, 2009

Treta da semana: O santo tacho.

Os professores do ensino público são colocados por concurso nacional. Quase todos. Os professores de Educação Moral e Religiosa (EMR) podem lá chegar por um atalho religioso, sendo nomeados pela organização religiosa que os apadrinha, sejam mais ou menos competentes que os candidatos excluídos. Além disso, a santa cunha permite-lhes também acumular tempo de serviço dando aulas sobre o Adão e a Eva e, com isto, passar à frente dos colegas quando concorrem a disciplinas mais sérias.

E há mais. Os professores menos abençoados dão aulas dentro do grupo de disciplinas ao qual concorrem. Mas os de EMR podem dar aulas noutros grupos também. São licenciados em história, psicologia ou filosofia, e como entraram por obra e graça do espírito santo consideram ser seu direito dar aulas pelos colegas que, sem esta ajuda divina, foram excluídos no concurso público. Isto serve não só para colmatar o parco horário desta disciplina impopular como permite acumular ainda mais horas de serviço.

Mas agora o governo quer tirar-lhes este direito divino. «"Só podem dar outra disciplina ou ter um cargo na escola quando o horário não estiver totalmente preenchido com aulas de moral." Para a [Conferência Episcopal Portuguesa], isto é uma forma de limitar os professores às aulas de moral e "impedi-los de participar na gestão activa da escola, o que não acontecia".»(1) Uma injustiça. Se o senhor Bispo os escolheu para dar aulas de religião, obviamente que são tão competentes como qualquer outro para dar outras disciplinas e para gerir a escola. Se não fossem, o senhor Bispo não os teria escolhido.

Além disso, «acusam a tutela de empurrar as aulas para horas "que levam os alunos a desistir, como antes do início das aulas ou ao final do dia".» Outra injustiça. É certo que mais de metade das crianças não frequenta esta disciplina (2). Mas não tinha mal nenhum que a maioria tivesse um furo a meio da manhã ou da tarde, evitando assim o inconveniente aos colegas com pais mais devotos. E até ficavam todos a entrar uma hora mais cedo ou sair uma hora mais tarde, melhorando o espírito de grupo. E «No ensino básico [...] "a maioria das escolas nem disponibiliza esta disciplina"»(1). É incrível. Como se as crianças dos seis aos dez anos não tivessem já bem definida a sua dedicação à religião dos pais.

O raciocínio que suporta estas reivindicações está patente nesta entrevista, no passado mês de Janeiro, ao presidente do Secretariado Nacional da Educação Cristã. «”É sensato e justo que todas as confissões religiosas tenham os mesmos direitos perante o Estado português”, refere, clarificando que “ter os mesmos direitos não significa ser tratado da mesma maneira”.»(2) Ora aí está. Todos os professores também devem ter os mesmos direitos. Mas isso não quer dizer que os professores de religião e moral tenham de comprovar o seu mérito num concurso público. Especialmente os da religião católica. «Para o responsável, tal justifica, por exemplo, que os professores de [Educação Moral e Religiosa Católica] tenham a possibilidade de aceder a lugares de quadro nas escolas públicas, ao contrário dos de outras confissões, devido ao número superior de alunos inscritos na disciplina face aos matriculados em outras confissões.»(2) Como é que se sabe qual é o deus verdadeiro? Como? Pelo número de inscritos, claro.

Resumindo. Podem ir lá parar nomeados pelo Bispo mas querem dar outras disciplinas, ter lugar no quadro, participar na gestão da escola e não querem mais direitos que os outros. Mas agora o estado quer tratá-los da mesma maneira que trata os colegas, exigindo que entrem por concurso público se querem ser como os outros. Por isso, segundo o «responsável do departamento de educação moral e religiosa católica da Conferência Episcopal Portuguesa [..., aos] professores, resta defender os seus direitos em tribunal». É estranho. O deus deles não pode resolver isso?

Isto é uma fantochada. E é mais uma razão para deixar estas coisas nas igrejas ou, se querem mesmo ensinar religião na escola pública, que o façam de forma igual para todos. Ensinem várias religiões, os seus aspectos históricos e sociais, e contratem professores que demonstrem a sua competência em concursos nacionais. Como os outros.

Via Diário Ateísta.

Editado para corrigir o link anterior (obrigado ao João Vasco pelo aviso) e deixar aqui a ligação para o Comunicado da Associação Ateísta Portuguesa sobre ERMC.


1- Professores de moral ameaçam Estado com tribunal
2- IOL diário, 25-1-09, Educação: menos de metade tem aulas de moral católica