Contas da treta.
Um artigo recente no Times Online avisa que ir às compras a pé é pior para o ambiente que ir de carro (1). Ir a pé consome 160 calorias, que são 100g de bife, e criar vacas liberta 36kg de Carbono por cada quilo de carne produzida. Por isso ir a pé liberta 3,6kg de carbono ao passo que ir de carro, em média, liberta 0,9kg de carbono. Ou seja, que grande treta.
Ninguém vai comer mais meio bife por ter ido a pé às compras. Apenas gasta 160 das muitas calorias em excesso que vai consumir de qualquer forma. E se quer compensar o gasto basta comer uma batata pequena. Tem as mesmas calorias, e cultivar uma batata não liberta três quilos de carbono.
A mensagem central do artigo faz sentido. O que comemos tem um impacto grande no ambiente, e faz diferença comer sopa de legumes ou cabrito assado no forno. Mas o artigo está cheio de contas mal feitas e estatísticas enganadoras. E isto engana mesmo, a julgar pela reacção no Insurgente (2) («Os ambientalistas fazem mal ao ambiente») e no Speaker’s Corner Liberal Social (3) («Ser ambientalista da forma tradicional é completamente inútil»).
A propagação de erro também não ajuda. O artigo diz «Catching a diesel train is now twice as polluting as travelling by car for an average family». O Miguel Duarte no Speaker’s Corner (3) traduz «É preferível a um camponês andar de Land Rover que andar de comboio, no que toca ao ambiente». Uma família e um combóio a diesel passa a um camponês em qualquer comboio, mesmo que seja eléctrico e polua apenas um terço. E o Land Rover vem de «If ten or fewer people travel in a Sprinter [train], it would be less environmentally damaging to give them each a Land Rover Freelander and tell them to drive». Não admira, mas também não faz sentido ter um combóio para cada dez passageiros.
Se temos o combóio a funcionar o aumento de poluição por passageiro é praticamente nulo. E se deixarmos de ter combóio não temos mais dez carros, mas centenas. E estradas de alcatrão, e estacionamentos, e gasolina a queimar durante horas de fila. O combóio é preferível.
Pior ainda é ignorar que se pode poluir menos sem perder qualidade de vida. Segundo o artigo, importar dois pacotes de legumes gasta a energia que se poupa num ano por substituir uma lâmpada incandescente por uma de baixo consumo. Mas substituir a lâmpada poupa energia, poupa dinheiro, e dá luz à mesma. Se um Finlandês quer fruta no inverno vai fazer o quê? Plantar bananeiras na neve?
Há coisas em que é difícil poupar, mas noutras não custa nada. Eu vou de transportes para o trabalho. Demoro uma hora de caminho em vez da meia hora que seria de carro. Mas além de poluir menos (o metro e o autocarro andam quer eu lá vá ou não) é uma hora que posso usar para ler, ouvir alguma coisa ou até para pensar. Acabo por poupar essa meia hora que teria que dedicar à condução.
Voltando às contas mal feitas, o Miguel Duarte escreve:
«Viva a economia de mercado! [...O]s custos energéticos estão reflectidos nos custos de produção e transporte dos produtos. Por exemplo, leite biológico é mais caro que leite não biológico porque as vacas do primeiro produzem menos leite, logo ao serem menos produtivas o gasto de carbono por litro produzido é maior.» (3)
Não. É mais caro porque vacas a pastar produzem menos leite e mais tarde que se alimentadas a rações, hormonas e antibióticos. É o tempo da demora que se tem que pagar em cada litro. Mas grande parte do carbono emitido na produção biológica é recapturado pela erva a crescer. Em contraste, fabricar rações queima recursos não renováveis e liberta muito mais carbono. Só parece mais barato porque o produtor safa-se do custo da poluição, que distribui por todos nós, e do custo de consumir um recurso limitado, que passa às gerações futuras que vão ficar sem petróleo. O mercado livre só funciona bem se estes custos forem pagos pelo produtor. Nesse caso a produção industrial de alimentos vai encarecer bastante.
Para terminar, propunha que se deixasse de passar a roupa a ferro. Gasta-se imensa electricidade e não se ganha nada com isso. E sempre deixava de ouvir «não deixes a roupa assim que fica toda amarrotada!»....
1- Times Online, 4-8-07, Walking to the shops ‘damages planet more than going by car’
2- Carlos G. Pinto, 6-8-07, Os ambientalistas fazem mal ao ambiente.
3- Miguel Duarte, 5-8-07, Argh! Desisto!
Por falar em contas da treta, li algures que a China ultrapassou recentemente os EUA nos indicies de poluição mas esquecendo referir que a China tem mais 1000 milhões de habitantes que os EUA. MIL MILHÕES de habitantes de diferença!
ResponderEliminarCaro BR
ResponderEliminarCom contas bem ou mal feitas, per capita ou não, os chineses têm um problema muito sério a resolver que diz respeito a todos (http://siteresources.worldbank.org/INTEAPREGTOPENVIRONMENT/Resources/China_Cost_of_Pollution.pdf)
Ludi,
estive a ler o artigo da Time, não vem nada sobre a relação do feijão e a flatulência per capita no aumento da poluição. ;)
Não irei comentar o «não deixes a roupa assim que fica toda amarrotada!» porque quero continuar a frequentar a tua casa. ;)
Não sei se deva comentar aqui, uma vez que de acordo com o Ludwig, nuns posts abaixo, devia ser considerado criminoso.
ResponderEliminarDe qualquer modo, arrisco: as questões ambientais interessam-me e acredito pouco em resposta centralizadas, seja em matérias ambientais ou religiosas.
Neste momento estou particularmente interessado em perceber como funcionam as energias renováveis, em particular a eólica. Gostaria de montar um moinho de vento, de preferência sem riscos de electrocussão ou explosão. :)
Já encontrei alguns conteúdos faça-você-mesmo. Mas gostava de perceber porque é que se faz assim, de dominar as variáveis desta tercnologia.
Alguém pode aconselhar bibliografia ou conteúdos digitais? Agradecido!
Ludwig,
ResponderEliminarEsta questão da desinformação, parece-me ser o ponto fulcral das questões ambientais actualmente.
Existem desinformações e abusos por todo o lado, especialmente provenientes de pessoas que querem defender o seu modo de vida, e não conseguem sem essas desculpas. Basta vêr a minha conversa com o Jorge Buescu num dos posts sobre o aquecimento global do De Rerum Natura. Aquilo é mesmo tentativas de atirar areia para os olhos. É verdade que o carbono atmosférico acompanha as fluuações de temperatura naturais, com umas dezenas de anos de atraso, e é verdade que é de esperar um aumento do carbono como resultado do aumento de temperatura actual, mas só dentro de 160 anos. O que ele se esqueceu foi de explicar como é que o aumento de carbono antecipou a subida da temperatura, pois até há 160 anos atrás o ciclo era de descida ligeira. Os gráficos que ele mostra no post são de milhares de anos, mas, não mostra o detalhe especifico dos ultimos 500 anos numa escala mais elevada para mostrar o detalhe. É desinformar, escarrapachando a verdade com a cosmética da escala. Não sei se era por vontade de parecer intelectual por ir contra a corrente dominante, mas, aquele foi para mim o fim do interesse naquele blog...
Eu trabalho longe de onde vivo e onde vivo não há empregos na minha área, por isso o carro não é uma opção, mas, uma imposição. Perco 2h30m por dia e de transportes públicos nem vale a pena fazer as contas. Em compensação vejo de tudo um pouco, em termso de abusos. Ninguém me consegue explicar porque é que alguém faz 5Kms de carro para ir trabalhar. Já trebalhei na C.M.Lisboa e nessa altura vendi o meu carro. Eram 15 Kms de comboio ou autocarro conforma a disposição desse dia.
Hoje em dia vê-se demasiado esta situação... Qualquer nabo prefere ir de carro, estacionar selvaticamente, e exibir a viatura do que poupar o que quer que seja indo de transportes. Quando vêm com a história de que sai mais barato o combustivel que o passe social, só dá para rir. Se fizerem 10Km por dia são 220 ao fim do mês. Que num carro a gasolina são 22 litros de combustivel. Sim, um carro que ande sempre frio gasta mais de o dobro da média. Mas, depois temos peneus, manutenção, parquimetros, etc. Em custos de manutenção, mesmo o mais barato dos carros fica em 1 Euro por 100 Kms, e de pneus o mesmo. Por isso são 27 Euros mês. O passe mensal custa 21.75Euros... Se alguem morar a 10Kms do emprego é só duplicar os custos, e se for a 15 já podemos reduzir o consumo em cerca de 25%, mas, ainda assim não é comparável.
Meus caros
ResponderEliminarEu sou a primeira a dizer que poder andar de transporte público é uma medida de qualidade de vida. Dito isto, moro nos arredores do Porto e fiz a Faculdade numa altura em que não havia metro. Num pequeno parênteses, mais tarde, e dada a demora, construiu-se uma discoteca chamada "metro" e a publicidade era: o Porto já tem metro.
Tirei carta aos 18 anos. Vaidade? Não: necessidade! Mais: tive a sorte de poder fazer o curso a ir e vir de transporte público, o que hoje não sei se conseguiria dada a despesa (o preço do autocarro em que eu ia disparou e já era caro) e a falta de conveniência. Juntar 2 melros para ir para a Faculdade foi opção dos meus primitos mais novos. Quer dizer, "opção" é como quem diz!
Usava o carro para as borgas e, dada a minha condição de abstémia dava muito jeito. Mais tarde vim a descobrir que beber não era impedimento para ninguém além de mim para conduzir. Mas isso é outra história!
Depois também temos os idiotas que iam proibir o óxido de diidrogénio porque tinha uma série de contra-indicações... até se terem apercebido que era águinha!
ResponderEliminarSe olharem para um frasco de reagentes contendo cloreto de sódio, umas das indicações é "não ingerir". Ora eu ponho algum cloreto de sódio em alguma comida!
Fora a brincadeira e o exagero, a desinformação (quer deliberada quer a que resulta de uma falta de bom senso e sensibilidade para os números e a realidade) pode ser muito perigosa. Arriscar-me ia a dizer que mais perigosa que o aquecimento global e bem menos discutível!!!
E ser vegetariana faz com que não tenha que me preocupar com essas cenas das vacas biológicas ou químicas. Mas é uma opção, não uma imposição!
ResponderEliminarÓpá, mato já o ambientalista que me vier dizer que não posso comer cabrito assado!!!!
ResponderEliminarJoaninha
ResponderEliminarVegetariana ou não, não vais ouvor isso de mim nunca. Mesmo porque é delicioso (eu sei isso! Sou vegetariana, não sou parva!). Nem isso nem mais nada: não devemos ter que desistir de uma série de coisas que a civilização nos proporcionou. Claro que posso mandar uma piada acerca de o cadáver do pobre cabrito estar delicioso (mas há mais que muitas maneiras de me mandar pastar alegremente depois de uma dessas).
A solução é contribuir para a cidade viver de modo sustentável e aqui é o povo quem mais ordena (acho eu...).
A primeira medida é fazer um enforcamento público com pessoas que não sabem fazer contas... ooops... quer dizer... bem... não era isso... era algo menos radical... Quero dizer: qualquer punição para os contra-informadores (excepção feita às Produções Fictícias, porque a Contra-informação é mais que genial). Agora sem regar, as coisas já são suficientemente discutíveis sem ter esta gente a confundir. São prejudiciais para o ambiente!
A segunda coisa já tem vindo a ser feita, que é controlar a indústria e outras actividades humanas de modo a que sejam menos prejudiciais à natureza (e por consequência, ao Homem). Neste particular, temos os transportes públicos (para quem pode, não para quem quer!), carros com combustíveis tradicionais mas muitíssimo mais eficientes (e mais potentes ainda!). Seguem-se os bio-combustíveis e todos os outros.
O problema é que estão sempre a surgir novas variáveis e uma delas foi referida logo no início: China e outros mercados emergentes. Na China (embora haja a correcção para a população que se fala), há níveis de poluição que impedem que se veja um céu limpo!!! Parecendo que não para muita gente, os chineses também são pessoas! E merecem qualidade de vida!
Mas isto... dava muita coisa... e estás a ver que o cabrito assado nem é grave (e é delicioso).