terça-feira, abril 17, 2007

Ciência, Filosofia e Religião.

Há uns posts atrás (1) descrevi o papel da filosofia como sendo formular perguntas que, a ser respondidas, são respondidas pela ciência. O António Parente considerou isto um ataque à filosofia:

«defendo a filosofia tal como defendo a religião. Vencida a religião, o alvo seguinte é a filosofia. Morta a filosofia, viveremos no mundo perfeito de Richard Dawkins»

Estranha interpretação. Ao contrário do que defendem muitos crentes, não se pode obter respostas sem perguntas. A minha descrição não era um ataque. Era o reconhecimento do papel fundamental da filosofia na investigação antes de esta ser científica. E o António demonstrou não compreender o processo:

«Se o Ludwig deparar com um sapo num charco não precisa que um filósofo venha perguntar "Que animal é aquele?" ou "O que é um sapo?" para começar o estudo da espécime. O Ludwig pega no animal, retalha-o, disseca-o, cobre-o de químicos, atira-o ao ar para ver se a lei da gravidade actua e no fim conclui, sem ajuda de ninguém: "é um sapo e é fruto do acaso»

Encontro um sapo. Peso-o, disseco-o, cubro-o de químicos. Atiro-o ao ar, apanho-o do chão (aos pedaços, porque o dissequei primeiro), limpo do cabelo os químicos com que o tinha coberto antes de o atirar e concluo... nada. Sem uma hipótese a testar, sem uma pergunta para responder, a experiência é inútil. A ciência começa antes de retalhar o sapo, formulando uma hipótese concreta e testável. E para ser concreta e testável tem que ser uma hipótese bem compreendida. Sem uma boa pergunta não posso encontrar uma boa resposta.

«O sapo está vivo?» é uma pergunta científica porque é testável. «O sapo sente dor?» está entre a filosofia e a ciência. A ciência dá uma ideia do tipo de estruturas neuronais associadas à dor, mas a filosofia mostra que a pergunta é difícil de responder porque sentir dor é subjectivo. Não pergunta se o sapo reage como se sentisse dor mas se a sente, e disso sabemos pouco. O suficiente para uma opinião provisória (não tem córtex, não deve sentir nada), mas longe de ter uma hipótese testada que mereça confiança. E «como será ser um sapo?» é uma pergunta filosófica. Está tão desligada do que conhecemos que ainda falta perceber a pergunta antes de a tentar responder.

Mas da filosofia à ciência o processo é contínuo, e já foi repetido em muitos domínios. «De que é feita a matéria?» era uma pergunta filosófica até se compreender o suficiente para formular hipóteses testáveis e, eventualmente, um modelo científico bem fundamentado. Há séculos que andamos nisto, avançando mais nuns domínios que noutros. E cada avanço levanta mais perguntas que é preciso compreender, e, uma vez compreendidas, tentar responder. Perguntas filosóficas que se transformam em perguntas científicas que dão respostas científicas e levantam novas perguntas filosóficas.

Nem a filosofia pode vencer a ciência nem a ciência vencer a filosofia. São ambas parte do mesmo processo de compreensão. Mas o António tem razão em se preocupar com a religião, que sempre foi a roda quadrada desta carroça. A religião assume que já sabe as respostas e nem sequer gosta de perguntas. Enquanto as outras se ajudavam e avançavam a religião ficou na mesma, cada vez mais isolada da realidade.

Há quem aplique o rótulo de «filosofia» a tudo desde a teologia à psicanálise, como há quem chama «ciência» à astrologia ou ao estudo do espírito santo. E há quem proponha que a ciência, a filosofia, e a religião sejam três dimensões diferentes da razão. É tudo treta. A filosofia e a ciência são uma só «dimensão» da razão, com a qual compreendemos a realidade. As outras «dimensões» só servem para o resto.

1- 16-4-07, Dimensões da Razão.

8 comentários:

  1. Caro António,

    Segundo a legislação Portuguesa, se alguém detem os direitos autorais sobre os seus comentários que aqui coloca é o António. No entanto, note que direitos autorais não são direitos de propriedade. Segundo o artigo 75º do código de direitos de autor, é lícita mesmo sem autorização do autor «A inserção de citações ou resumos de obras alheias, quaisquer que sejam o seu género e natureza, em apoio das próprias doutrinas ou com fins de crítica, discussão ou ensino, e na medida justificada pelo objectivo a atingir;»


    Neste caso particular, pode mesmo ser que os seus comentários (e os meus posts) sejam excluidos da protecção pelo artigo 7º. que exclui os textos propostos «em debates públicos sobre assuntos de interesse comum;»

    Seja como for, agradeço o seu gesto de solidariedade.

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  2. Obrigado pela clareza com que falas de "coisas" complexas, Ludwig.

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  3. Bravíssimo.
    Realmente, um excelente post.

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  4. Caro António,

    Não é generosidade. Este tema interessa-me mesmo e penso que é bom que haja uma percepção mais correcta do que são os direitos de autor e para que servem.

    Muita gente pensa que tem direitos porque é dono das suas ideias. O que não admira, pois o futuro de algumas empresas depende de propagar esta noção, e fazem-no com sucesso. Mas é um erro. Os direitos de autor são um incentivo, e não uma questão de respeito pela propriedade alheia.

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  5. Ainda por cima hoje em dia,em que já não nos deixam queimar ninguém na fogueira da inquisição...


    Bons velhos tempos.

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  6. http://www.stephenjaygould.org/ctrl/news/file021.html

    provavelmente já leu, e provavelmente acha incompleto. mas mesmo assim aqui deixo o link

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  7. A simetria dos seres vivos é um desafio ao naturalismo, porque seria muita coincidencia as duas mãos evoluirem com cinco dedos se não é nescessário para a sobrevivencia alem da da similaridade dos seres vivos como todas as aranhãs milhares de especies tem 8 patas
    quanto os sete dias da criação NÃO sãO LITERAIS, porque Jesus falava em parabolas e dizia que tinha a mesma natureza de Deus, isto indica que Deus tambem fala em parabolas isto é figuras de linguagem que não se entendem ao pé da letra e Jesus disse que falava em parabolas porque era para muitas pessoas não entenderem
    alem disso a biblia diz que um dia para Deus é como mil anos e mil anos como um dia
    a evolução teista eu creio nela e creio que se tem animais carnivoros e morte é porque existe um ser maligno que trouxe isto para o mundo a Biblia diz que o pecado afasta o homem de Deus, ele tem tanta aversão ao mal que tem que se afastar se você lesse Genesis no inicio a decisão de ter conhecimento do bem e do mal comendo simbolicamente da arvore do bem e do mal trouxe a morte e a unica coisa que Deus o proibiu porque Deus não queria que entrasse em contato com o mal que é uma essência do qual ele tem que fugir

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  8. A religião não tem a propensão de explicar a realidade apenas falar sobre Deus e o plano de salvação para o plano da salvação não importa saber como o mundo foi criado nem o funcionamento da natureza sobre o Adão ser criado da terra significa que nós somos feitos dos elementos quimicos que são tirados da terra pelos vegetais e comemos
    A simetria dos seres vivos é um desafio ao naturalismo, porque seria muita coincidencia as duas mãos evoluirem com cinco dedos se não é nescessário para a sobrevivencia alem da da similaridade dos seres vivos como todas as aranhãs milhares de especies tem 8 patas
    quanto os sete dias da criação NÃO sãO LITERAIS, porque Jesus falava em parabolas e dizia que tinha a mesma natureza de Deus, isto indica que Deus tambem fala em parabolas isto é figuras de linguagem que não se entendem ao pé da letra e Jesus disse que falava em parabolas porque era para muitas pessoas não entenderem
    alem disso a biblia diz que um dia para Deus é como mil anos e mil anos como um dia
    a evolução teista eu creio nela e creio que se tem animais carnivoros e morte é porque existe um ser maligno que trouxe isto para o mundo a Biblia diz que o pecado afasta o homem de Deus, ele tem tanta aversão ao mal que tem que se afastar se você lesse Genesis no inicio a decisão de ter conhecimento do bem e do mal comendo simbolicamente da arvore do bem e do mal trouxe a morte e a unica coisa que Deus o proibiu porque Deus não queria que entrasse em contato com o mal que é uma essência do qual ele tem que fugir
    a religião não tem a pretensão de ser ciencia tanto que esta escrito no velho testamento "as coisas encobertas são para Deus e as reveladas para vós e vossos filhos para que cumpram as palavras da lei" este é o objetivo da religião aproximar o homem de Deus através da lei porque ele foi afastado por causa do pecado

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