sábado, dezembro 20, 2014

O melhor método.

Quando afirmo que a ciência é o melhor método para obter explicações e apurar factos, por vezes contrapõem que não porque a ciência não explica tudo. É uma objecção estranha. Ser o melhor método não implica que faça tudo; quer dizer apenas que as alternativas são piores. A física e a engenharia civil também não permitem construir uma ponte de Lisboa ao Funchal com apenas três palitos e meio quilo de farinha. No entanto, a melhor forma de construir pontes continua a ser usando estes conhecimentos. Não há alternativa que funcione tão bem.

A ciência é o melhor método para compreender a realidade porque aproveita o que os seus predecessores faziam bem e acrescenta o que lhes faltava. O primeiro passo para compreender a realidade, que se perde na pré-história, foi tentar criar narrativas inteligíveis. A maior parte dos modelos modernos são construídos em matemática em vez de língua natural, para quantificar com rigor, mas a ideia fundamental é a mesma. Queremos uma representação simbólica do que se passa “lá fora” que possamos, dentro do possível, entender “cá dentro” na nossa mente. Daqui vem, ainda hoje, a ideia confusa de que o que é inteligível é a realidade que está “lá fora”. Mas, em rigor, nós não compreendemos pedras, nem estrelas nem gravidade. O que pode ser mais ou menos inteligível, conforme outras restrições permitam, são os modelos que inventamos para descrever essas coisas. É somente através destes que compreendemos a realidade.

Mas esta confusão faz com que até narrativas como o Génesis ou os poemas de Homero criem facilmente a impressão de nos dar a compreender algo real apenas pela compreensão da narrativa. É uma sensação ilusória, porque nem sequer se tenta determinar se a narrativa corresponde à realidade que pretende narrar. Mas é uma ilusão tão forte que até acabou formalizada no “acreditar para compreender” de Agostinho e Anselmo, e sempre foi a base do pensamento religioso. Assim, a crença tornou-se o primeiro critério para apurar a verdade. Este problema foi o último a ser resolvido, não só pelo poder da ilusão de compreender quando se acredita mas porque, em geral, testar a correspondência entre modelos e realidade exige tecnologias de medição e técnicas de inferência que só surgiram nos últimos séculos. Aristóteles é muito criticado por julgar que as mulheres tinham menos dentes que os homens, mas não é nada fácil determinar essas coisas quando o número de dentes varia de pessoa para pessoa e se está ainda a séculos das primeiras noções de estatística.

Mas outro problema nas narrativas mitológicas tornou-se evidente mais cedo. É a tendência para acumular alegações ad hoc, o que não só dá origem a inconsistências mas exige que se acredite em tudo porque sim. Que as folhas caem porque Perséfone vai ter com Hades. Que o Sol nasce e se põe porque Hélio o transporta numa carroça ou que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são três e um só ao mesmo tempo. Para evitar estas coisas, alguns gregos inventaram a argumentação. É uma narrativa mais estruturada, na qual se pode alegar o que se quiser como ponto de partida mas, daí em diante, as coisas têm de encaixar. Não vale ir inventando conforme dá jeito. Daqui surgiram imensas ideias acerca do que é feita a matéria, de como as coisas funcionam e de porque é que as mulheres são inferiores aos homens. Mas surgiram também coisas impressionantes, como a lógica de Aristóteles ou a geometria de Euclides. Tão impressionantes que até o cristianismo aproveitou esta abordagem, mas talvez também pelas conclusões acerca das mulheres.

Durante séculos, teólogos dedicaram-se a detalhar argumentos rigorosos onde assentavam conclusões inabaláveis acerca do momento exacto em que Deus criou a Terra ou se o Espírito Santo provém apenas do Pai ou também do Filho. O problema era o raio das premissas. Assumindo uma coisa, concluía-se isto mas, assumindo outra, já se concluía aquilo e aquilo podia não dar jeito nenhum. Enquanto os filósofos gregos aceitavam o convívio de argumentos contraditórios como parte do jogo, uma religião precisa de organizar as coisas. A solução foi declarar heresia qualquer premissa inconveniente e complementar a argumentação com o extermínio sistemático de quem não concordasse. O resultado foi a fragmentação do cristianismo nas muitas variantes que hoje temos, trazendo-o de volta aonde estavam os gregos mas com o caminho lavado em sangue.

O problema das premissas só se resolveu, já nos últimos séculos, com a solução para o problema de aferir a correspondência entre as narrativas e a realidade. Com as técnicas e tecnologias necessárias para medir, registar e interpretar os dados, passou a ser viável testar a generalidade das alegações. Foi a revolução que faltava para a ciência. Manteve-se a ideia original de procurar narrativas inteligíveis, se bem que a inteligibilidade tenha, por vezes, de ser sacrificada em favor da correspondência à realidade. Nem sempre a explicação mais fácil de entender é a mais correcta. Preservou-se também lógica rigorosa da argumentação, mas levando-a mais longe. Em vez do argumento isolado, uma linha de inferências a unir uma verdade presumida à sua conclusão inevitável, os argumentos passaram a fazer parte de árvores de possibilidades. Cada argumento é um ramo que une uma hipótese a consequências observáveis e cada hipótese é apenas uma entre várias alternativas. Assim, cobre-se as várias possibilidades sem ter de assumir nenhuma como verdadeira à partida. É o que se infere de cada hipótese que, confrontado com a experiência, determina que ramos descartar e que ramos aceitar como parte das melhores explicações. Estas, por sua vez, abrem novas árvores de possibilidades, continuando a expansão do conhecimento. É por isso que a ciência é a melhor forma de compreender a realidade. Porque junta as abordagens anteriores num processo optimizado para se corrigir e para progredir como nenhuma das outras consegue.

6 comentários:

  1. Ludwig,

    Creio que embora esteja de certa forma implícito no texto, falta um ponto sobre o motivo porque é importante que a religião fique fora do âmbito científico. O motivo porque os primeiros filósofos gregos fundadores dos princípios base do pensamento racional (por oposição às crendices e ao misticismo), argumentavam que uma explicação válida tem de ser encontrada fora do pensamento religioso e da crença religiosa.
    Eu estou convicto de que os argumentos ainda são válidos. Pelo menos enquanto o obscurantismo e o fundamentalismo ainda persistir na cabeça de tanta gente.

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  2. Ludwig,

    «A ciência é o melhor método para compreender a realidade porque aproveita o que os seus predecessores faziam bem e acrescenta o que lhes faltava. O primeiro passo para compreender a realidade, que se perde na pré-história, foi tentar criar narrativas inteligíveis.»

    E há outro? Aonde queres chegar? Daqui a pouco ainda queres convencer de que foi o Ludwig quem criou e patenteou a ciência, se bem que apenas depois da realidade, incluindo o único método que...

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  3. LUDWIG KRIPPAHL (LK) ENCONTRA O FILÓSOFO SÓCRATES E DIALOGA COM ELE SOBRE A CIÊNCIA COMO MELHOR MÉTODO


    LK: Sabes Sócrates, estou convencido de que os micróbios se transformaram em microbiologistas ao longo de milhões de anos e que os criacionistas fazem alegações infundadas acerca dos factos.

    Sócrates: A sério? Grandes afirmações exigem grandes evidências!! Quais são as tuas? Se forem realmente boas, convencerão certamente os criacionistas!

    LK: É simples! O meu “método científico”, o meu “naturalismo metodológico”, o meu “empírico”, a minha “abordagem dos problemas” e o “consenso dos biólogos” são o melhor método. Se os criacionistas soubessem bioquímica, biologia molecular, genética, geologia, etc., poderiam observar que:

    1) moscas dão… moscas!

    2) morcegos dão… morcegos!

    3) gaivotas dão… gaivotas!

    4) bactérias dão… bactérias!

    5) escaravelhos dão… escaravelhos!

    6) tentilhões dão… tentilhões!

    7) celecantos dão… celecantos (mesmo durante supostos milhões de anos)!

    8) guppies dão… guppies!

    9) lagartos dão… lagartos!

    10) pelicanos dão… pelicanos (mesmo durante supostos 30 milhões de anos)!

    11) grilos dão… grilos (mesmo durante supostos 100 milhões de anos)!

    12) coelhos dão… coelhos!

    Sócrates: Mas, espera lá! Não é isso que a Bíblia ensina, em Génesis 1, quando afirma, dez vezes (!), que os seres vivos se reproduzem de acordo com o seu género? A ciência é um excelente método para confirmar a Bíblia!

    LK: Sim, mas os órgãos perdem funções, total ou parcialmente, (v.g. função reprodutiva) existem parasitas no corpo humano e muitos seres vivos morrem por não serem suficientemente aptos…

    Sócrates: Mas…espera lá! A perda total ou parcial de funções não é o que Génesis 3 ensina, quando afirma que a natureza foi amaldiçoada e está corrompida por causa do pecado humano? E não é isso que explica os parasitas no corpo humano ou a morte dos menos aptos? Tudo isso que dizes confirma Génesis 3!

    Afinal, a ciência, como "melhor método", livre de toda a especulação evolucionista, corrobora o que a Bíblia ensina!! Como queres que os criacionistas mudem de posição se os teus argumentos lhes dão continuamente razão?

    Não consegues dar um único exemplo que demonstre realmente a verdade daquilo em que acreditas?

    LK: …a chuva cria informação codificada…

    Sócrates: pois, pois… e as gotas formam sequências com informação precisa que o guarda-chuva transcreve, traduz, copia e executa para criar as máquinas que fabricam disparates no teu cérebro…

    …olha Ludwig, não passas de um sofista e de má qualidade… …o teu pensamento crítico deixa muito a desejar… … se fosses meu aluno em Atenas tinhas chumbado a epistemologia, lógica e crítica…

    …em meu entender, deverias parar para pensar e examinar a tua vida, porque uma vida não examinada não é digna de ser vivida…

    …e já agora, conhece-te a ti mesmo antes de te autodenominares “macaco tagarela”…


    P.S. Todas as “provas” da “evolução” foram efetivamente usadas pelo Ludwig neste blogue!

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  4. A BÍBLIA, A HISTÓRIA E A CIÊNCIA

    A Bíblia não é um livro científico, no sentido trivial do termo. Se fosse, estaria cheio de erros e precisaria de ser revisto periodicamente, como sucede com os livros científicos.

    A Bíblia é a revelação de Deus acerca da origem, o sentido e o destino do Universo e, por isso, o livro mais importante da história universal.

    A Bíblia é um livro de história. Quando se trata de história, quanto mais antigo for o relato, mais importante ele se torna. Ela conta a história do Universo, do Homem e da Terra nos seus momentos de criação, queda, corrupção e catástrofe e dispersão.

    Ela ensina que a energia foi criada por um Deus omnipotente, sendo que a lei da conservação da energia diz que a energia nunca surge do nada, permanecendo sempre constante.

    Ela ensina que a vida foi intencionalmente criada por Deus, sendo que a lei da biogénese e a teoria das probabilidades dizem que a vida nunca surge de químicos inorgânicos e que a probabilidade de isso acontecer seria virtualmente zero.

    A Bíblia ensina que o genoma foi criado intencional e racionalmente, sendo que a teoria da informação mostra que códigos e informação codificada têm sempre uma origem inteligente.

    A Bíblia ensina que a criação ficou sujeita à corrupção por causa do pecado, sendo que a literatura médica mostra que as mutações destroem o genoma causando doenças e morte.

    A Bíblia, juntamente com muitos outros registos da antiguidade, fala de um dilúvio global recente, sendo que a ciência mostra que 2/3 da Terra estão cobertos de água cuja origem a ciência não explica e que existem rochas sedimentares nos cinco continentes, cheias de fósseis de seres vivos abruptamente sepultados, sendo alguns deles fósseis de dinossauro com proteínas, ligamentos e mesmo DNA.

    Ela explica porque é que a ciência é um bom método para obter conhecimento, quando fundada na revelação e nos princípios bíblicos.

    A Bíblia ensina que, por ter sido criado racionalmente, o Universo é racional e inteligível e o ser humano inteligente para o estudar e compreender pelo menos parcialmente.

    Para fazerem ciência, os cientistas precisam de pedir emprestados axiomas sobre a regularidade e inteligibilidade do Cosmos a sua própria inteligência, que decorrem logicamente do que a Bíblia ensina.

    Para funcionar, a ciência necessita da regularidade do Cosmos e da universalidade das leis da lógica e da matemática. Elas aplicam-se a todo o Universo porque ele foi criado racionalmente pelo LOGOS!

    A Bíblia estabelece e explica a essência e a universalidade da razão, da matemática e da lógica, como atributos de um Deus omnisciente e omnipresente, escorando o seu fundamento ontológico numa Criação racional.

    A ciência só funciona se e na medida em que se apoie nestas premissas, mesmo quando isso não é expressamente reconhecido.

    Por isso, a Bíblia é o livro científico por excelência, quando se encara a ciência no seu sentido mais profundo.

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    1. Criacionista,

      "A Bíblia não é um livro científico, no sentido trivial do termo. Se fosse, estaria cheio de erros e precisaria de ser revisto periodicamente, como sucede com os livros científicos. "

      Mas acontece que a Bíblia está cheia de erros e precisa de ser revista.
      Não só no que diz respeito à ciência, mas também em relação à sociedade.

      É só procurar na net, p.ex. Errors in the bible. Até tem artigos da concorrência, do Islão, por exemplo.
      É um fartote! E ainda se atreve a dizer que só não vê quem não quer... Eu é que digo, "por amor de Deus!"

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    2. "A Bíblia não é um livro científico, no sentido trivial do termo. Se fosse, estaria cheio de erros e precisaria de ser revisto periodicamente, como sucede com os livros científicos. "

      * http://en.wikipedia.org/wiki/Revised_English_Bible
      * https://www.biblegateway.com/versions/Revised-Standard-Version-RSV-Bible/
      * http://biblia.com.br/joaoferreiraalmeidarevistaatualizada/

      http://www.christianpost.com/news/hebrew-bibles-errors-corrected-for-first-time-in-500-years-79803/ :
      "Israeli Judaic scholar Menachem Cohen, 84, revealed earlier this week that he had corrected about 1,500 grammatical blemishes in the Hebrew Bible."

      https://www.lhup.edu/~dsimanek/febible.htm :
      "When I first became interested in the flat-earthers in the early 1970s, I was surprised to learn that flat-earthism in the English-speaking world is and always has been entirely based upon the Bible. I have since assembled and read an extensive collection of flat-earth literature."

      Como é que se testa se um texto tem erros?

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