É enganador dizer que a criminalidade diminuiu de 2000 para 2024 quando a diferença é de apenas 1.3%. É menor que a variação entre anos consecutivos e não é estatisticamente significativa. Será mais correcto dizer que hoje temos o mesmo nível de criminalidade que há 25 anos. O que é preocupante. No mesmo período, a população envelheceu de 24 para 38 idosos por cada 100 pessoas em idade activa e a percentagem de pessoas em idade activa com o ensino secundário ou superior aumentou de 21% para 61% (2). Esta evolução demográfica devia resultar numa redução significativa da criminalidade e fica por explicar porque isso não aconteceu.
Também a criminalidade geral não é o melhor indicador. Crimes contra as pessoas contribuem mais para o sentimento de insegurança do que a fuga ao fisco, por exemplo. E esses crimes aumentaram, especialmente em certas regiões como o Algarve. A figura abaixo representa a criminalidade em relação ao ano de 2009, o primeiro ano com dados desagregados por região (2), e mostra como faz diferença olhar para diferentes tipos de crime e regiões.

Outro aspecto importante é que, independentemente da diferença entre 2024 e 2000, o crime aumentou nos últimos anos. Ignorando os anos da pandemia, isto estava bem encaminhado até 2018 mas depois a tendência inverteu-se. E é razoável dar mais importância aos últimos anos do que ao que se passou há um quarto de século. Em suma, não se justifica concluir que o sentimento de insegurança é irracional só porque a criminalidade geral em 2024 foi ligeiramente menor que em 2000. Há razões objectivas para preocupação quando se considera diferentes tipos de crime, períodos mais recentes, e o que se passa em diferentes regiões. Além disso, há comportamentos anti-sociais que não constituem crime mas ainda assim contribuem para um justificado sentimento de insegurança.
Outra alegação é a de que «a amplificação mediática dos fenómenos criminais» é uma das causas desse sentimento de insegurança. Também esta alegação me parece questionável. Primeiro, o aumento de 130% da cobertura mediática dos crimes ocorreu nos cinco jornais seleccionados: Correio da Manhã, PÚBLICO, Diário de Notícias, Expresso, e Sol. Isto não contabiliza coisas como o fecho do jornal O Crime em 2014, ou outras publicações do género. Além disso, haver mais relatos de crimes nestes jornais pode dever-se à mudança nos hábitos dos leitores. Hoje menos gente vai comprar o seu jornal preferido. Em vez disso vai a vários sites e vê publicidade, o que força os jornais atrair o maior número de pessoas em vez de se focarem naquelas dispostas a pagar. Mais importante ainda, esta correlação entre sentimento de insegurança e cobertura mediática não nos permite concluir que é a cobertura mediática que faz aumentar o sentimento de insegurança. Pode bem ser o contrário, com um maior sentimento de insegurança a aumentar o interesse neste tipo de notícias e os jornais adaptarem-se a isso pela necessidade de vender publicidade.
Nada disto prova que todo o sentimento de insegurança é racional e objectivamente justificado. Há muita subjectividade e até irracionalidade nestas coisas. Mas não se justifica concluir que é tudo manipulação e que estas preocupações são fabricadas pela comunicação social ou pelo discurso dos políticos de direita. Eu suspeito até que o principal trunfo da direita é esta premissa de muita gente na esquerda, que as preocupações dos eleitores de partidos como o Chega são apenas burrice de quem se deixa manipular. Não me parece sequer que políticos como Ventura sejam bons a convencer as pessoas. O que me parece é que se aproveitam daquilo que as pessoas sentem na pele e que outros descartam como disparate invocando estatísticas manhosas. Depois ficam espantados como tanta gente no Algarve votou no Chega quando a criminalidade desceu 1.3% entre 2000 e 2024.
1- Público, Nos últimos 25 anos, a criminalidade desceu. Mas crimes nas capas de jornais duplicaram
2- Os dados foram obtidos da Pordata.
3- Jornal de Negócios, Fevereiro de 2014, "O Crime" deixa de ir para as bancas
Isto tem tudo a ver com o surgimento da televisão privada. Entre outras formas de arruinar o país, a televisão privada centrou os telejornais em histórias do crime.
ResponderEliminarE já nos anos 90 era assim. Na altura havia mais criminalidade comparativamente com hoje? Sim. Mas mesmo na altura Portugal já era dos países mais seguros do mundo, e esse "pico" de criminalidade não era *nada* em termos internacionais.
é, a criminalidade devia ter descido significativamente numa população envelhecida, mas também é verdade que os mais velhos têm sensações de estar mais inseguros do que quando eram jovens
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