A entrevista de Cathy Newman a Jordan Peterson impressionou-me por coincidir tão bem com várias experiências que tenho tido ao discutir estes temas com defensores da igualdade estatística. Não é vulgar encontrar tudo numa só pessoa, mas Newman conseguiu destilar na perfeição as inconsistências, as deturpações, a cegueira ideológica e a demagogia desonesta que tenho encontrado espalhadas por vários interlocutores. E Peterson foi uma descoberta curiosa. Cristão existencialista de direita, aparentemente fã da psicanálise de Freud e Jung, tem muita coisa que deveria afastar-nos. Na verdade, apesar de gostar das palestras que tenho visto dele, o livro não me parece tão bom. É demasiado místico e metafórico para o meu gosto. Mas ambos vemos a ética como assente na responsabilidade pessoal e no dever de cada um respeitar a liberdade de cada um dos outros. A aplicação consistente deste princípio dá-nos muita coisa em comum, como a compreensão de que o propósito da vida é precisamente a construção de propósito na vida e não tretas como a felicidade; o respeito pelo direito dos outros pensarem e dizerem o que pensam mesmo quando discordamos da sua opinião; o respeito pelo direito de cada um ser único e diferente dos demais; e a rejeição cabal da pseudo-ética identitária que presume avaliar indivíduos pelo grupo e por estatísticas. Não há injustiça nenhuma em haver poucos homens em enfermagem ou poucas mulheres em informática. Injustiça é impedir uma criança de participar num curso de informática só porque nasceu com testículos em vez de ovários. Desconfio que é por isto ser tão óbvio que quem defende o contrário se vê forçado ao contorcionismo demagógico que Newman demonstra.
Já vos deixo com a entrevista, que vale bem a pena. Não é por acaso que tem mais de sete milhões de visualizações quando os restantes vídeos da Channel 4 News andam pelos milhares ou dezenas de milhares. Mas, antes, gostava de chamar a atenção para alguns truques recorrentes. Newman passa grande parte do tempo a dizer “So you’re saying…” seguido de algo completamente diferente do que Peterson está a dizer. Pede a Peterson que justifique a diferença média de salários entre homens e mulheres mas quando ele aponta diferenças médias entre homens e mulheres diz que discorda disso porque as mulheres são todas diferentes. Pois são, mas também não ganham todas o mesmo salário. Passa o tempo a correr com a baliza de um lado para o outro.
É também fascinante a trajectória da conversa sobre a igualdade no trabalho. Newman começa por defender que as mulheres são impedidas de progredir. Peterson aponta que as pessoas que chegam ao topo têm de ser obsessivamente empenhadas na carreira e extremamente competitivas, algo que é menos raro nos homens. Newman acaba por admitir ter chegado ao topo precisamente porque agiu como um homem competitivo e agressivo. Isso parece-me igualdade. Quem quer ganhar o salário do Cristiano Ronaldo tem de jogar como o Cristiano Ronaldo. E dá para ver que Newman percebe isto porque, após algumas tentativas de deturpar o que Peterson disse, vira o assunto ao contrário. O problema deixa de ser o suposto tratamento desigual de homens e mulheres e passa a ser exigirem que as mulheres se comportem como homens, o que não é agradável. Isto não faz sentido nenhum mas mostra bem como se consegue partir do “é mau discriminar” e chegar ao “vamos impor quotas”.
Mas a minha parte preferida começa a meio do minuto 21. Newman pergunta porque é que o direito de Peterson dizer o que pensa há de ter precedência sobre o direito dos outros não se sentirem ofendidos. É delicioso ver a reacção de Newman quando Peterson explica que isso é o que ela está a fazer e porque é bom que o faça. Até se ouve a moeda a cair.
E pronto, deixo-vos em paz para verem a entrevista. Mas fica já a ameaça de voltar a estes assuntos, porque cada vez me parece haver mais para dizer.
1- DI, FCT/NOVA, Technovation Challenge