tag:blogger.com,1999:blog-29251019.post8815798915879107671..comments2024-03-23T14:41:42.801+00:00Comments on Que Treta!: Dinheiro, take 2 (ou 3).Ludwig Krippahlhttp://www.blogger.com/profile/12465901742919427145noreply@blogger.comBlogger62125tag:blogger.com,1999:blog-29251019.post-29506202917886934582011-01-04T00:02:50.336+00:002011-01-04T00:02:50.336+00:00Sobre a questão do dinheiro, percebo agora o probl...Sobre a questão do dinheiro, percebo agora o problema.<br /><br />Tu acreditas que a comunidade deve ter limites em relação às convenções que estabelece para regular a propriedade, em nome do "direito fundamental" à propriedade privada. Mas, se acreditas que não deve impôr um meio de troca como o único formal legal, então faz sentido que acredites que podem existir regras diferentes para a regulação destes meios de troca, pois o seu uso é sempre voluntário.<br /><br />Nesse sentido, o estado pode cunhar moeda, e é mais legítimo tributar todo o rendimento em moedas do que seria tributá-lo em bens, pois, segundo entendo, as pessoas usam tais moedas volutariamente, consicentes de que estão sujeitas às regras de quem as regula.<br /><br />Se assim é, acredito que seja coerente fazeres a distinção que fazes. Mas, por essa mesma razão, ela é irrelevante. <br /><br />Se o estado de facto tributasse o rendimento na sua moeda de forma diferente do rendimento em pepitas <br />de ouro, muito rapidamente se estabeleceria um mercado paralelo de pepitas de ouro - ou outro meio de troca prático qualquer - por forma a que as pessoas só usariam a moeda estatal se a tributação acrescida fosse tão baixa que as vantagens práticas associadas compensassem. <br />Como deves imaginar, não estamos a falar de um valor muito elevado. <br /><br /><br />Não é por acaso que, ao contrário desta situação imaginária, o estado obriga a que grande parte das transacções sejam feitas na moeda que cunha. Uma empresa não pode vender em pepitas nem pagar aos seus funcionários em sal, mesmo que queira. <br />O estado tem o monopólio dos meios de troca formais. Tirar-me 100e ou os bens que lhes equivalem é basicamente a mesma coisa nesta circunstância.João Vascohttps://www.blogger.com/profile/14810948198773329192noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-29251019.post-22152826483132216632011-01-03T23:50:24.551+00:002011-01-03T23:50:24.551+00:00Ludwig:
Quando te pedi que explicasses o que cons...Ludwig:<br /><br />Quando te pedi que explicasses o que consideras um direito fundamental, limitaste-te a dizer uma característica que acreditas que devem ter - serem direitos negativos.<br /><br />Como deves imaginar isso está longe de explicar devidamente o conceito de direito fundamental, até porque como percebeste é possível definir direitos negativos que se opõem em relação ao que quisermos. E tanto podemos ver a instituição da propriedade como uma forma de proteger direitos negativos, como uma forma de os violar.<br /><br /><br />Além de voltar a perguntar o que é que entendes por direitos fundamentais, faço uma proposta.<br /><br />A minha proposta é que o direito à igualdade perante a lei, ou o direito à integridade física, merecem uma protecção diferente dos direitos de propriedade. São direitos que devem ser implementados da mesma forma em diferentes contextos sociais e culturais. São direitos que não devem estar sujeitos a negociação, às vontades conjunturais da maioria da população. São verdadeiramente universais.<br /><br />A propriedade é diferente. Uma macieira tem raiz no quintal do Joaquim, mas um ramo com uma maçã está no quintal do Joel. Se na Nova Zelândia a maçã seria do Joel, mas cá é do Joaquim, não creio que em nenhum dos casos exista nenhuma violação de um direito fundamental. Esta convenção social - a propriedade - é dependente do contexto social, da negociação entre os intervenientes da comunidade a respeito de qual o arranjo que melhor serve os seus interesses.<br /><br />E para melhor explicar esta distinção, repito um exemplo que ignoraste, mas que me parece muito importante.<br /><br /><br /><br />«Mesmo na nossa cultura ocidental conhecerás casos de comunidades hippies em que não existe propriedade. <br />Podes dizer que é um mau sistema, ou que não se pode aguentar muito tempo, e eu estou de acordo. <br /><br />Mas imagina que um conjunto de amigos funda uma comunidade onde partilham tudo. Têm filhinhos e esses filhinhos crescem a aprender que se partilha tudo, e acham bem. E a coisa perpetua-se por gerações.<br /><br />Por oposição, imagina que um conjunto de pessoas funda uma comunidade em que as mulheres não podem saír de casa, e se saírem são agredidas fisicamente. Têm filhinhos, e esses filhinhos crescem a aprender que assim está certo, e a coisa perpetua-se por gerações.<br /><br />No primeiro caso, não vejo nenhum direito fundamental violado. Quem não gosta sai da comunidade, mas se eles continuarem a viver assim, está tudo óptimo. <br /><br />No segundo caso existem direitos fundamentais violados. »João Vascohttps://www.blogger.com/profile/14810948198773329192noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-29251019.post-34236258529088258842010-12-30T10:36:07.902+00:002010-12-30T10:36:07.902+00:00(continuação)
«Quando um consumidor — que tem o d...(continuação)<br /><br /><i>«Quando um consumidor — que tem o desejo de copiar tudo o que lhe aparece pela frente — subitamente se vê na situação em que se torna produtor, passa a ter o desejo de impedir que os outros usufruam gratuitamente do seu trabalho.»</i><br /><br />O que não nos diz nada acerca da ética de concretizar esse desejo. Quando está com fome quer comer, quando chega à puberdade quer ter relações sexuais, e quando se irrita quer bater em alguém. Mas as situações em que isso é adequado não são função apenas desse desejo.<br /><br /><i>«Até hoje, ainda não encontrei nenhuma pessoa que dependa do fruto do seu trabalho de criação de conteúdos digitais que fosse a favor da abolição dos direitos da propriedade intelectual. »</i><br /><br />Claro. Porque exiges que dependa “do fruto”. Ou seja, que dependa directamente do monopólio que a lei lhe concede, que torna artificialmente escasso esse tal fruto.<br /><br />Mas se mudares um pouco a frase, e disseres “pessoa que dependa do seu trabalho de criação de conteúdos digitais” verás que há muita gente contra os monopólios que a lei concede nesta matéria. Principalmente se considerares que, hoje em dia, quase toda a produção científica e todo o ensino acabam por ser codificados em documentos digitais.<br /><br /><i>«Em que medida é que a minha conclusão está errada?»</i><br /><br />À partida, pela noção de propriedade intelectual. Não existe tal coisa. Ninguém pode ser dono de ideias. Não te podem proibir de cantar no duche, de contar o final do filme a um amigo ou de emprestar o livro que compraste, mesmo que digam que a história lá escrita não é tua. O que a lei concede são apenas monopólios específicos sobre certos actos, e não um direito de propriedade sobre o intelecto.<br /><br />E, depois, porque estás a tentar resolver um problema ético apelando apenas para a opinião de um conjunto selecto de pessoas que têm um interesse manifesto numa das alternativas. Isso é como defender a escravatura dizendo que todos os que são donos de escravos são a favor da ideia. Não tem qualquer valor.<br /><br />A questão, fundamentalmente, reduz-se a isto: Se eu pego num papel quadrado, numa régua e desenho um traço na diagonal, isso torna-me o proprietário da equação x=y e deve dar-me o direito legal de proibir o uso dessa equação a quem não me pagar o dinheiro que eu pedir?<br /><br />Se defendes que sim, proponho que defendes um absurdo.<br /><br />Se defendes que não, então defendes o fim dos monopólios sobre o uso e a cópia, sem fins comerciais, da informação digital que seja voluntariamente publicada. Porque a questão de propriedade sobre qualquer representação digital se reduz a um problema análogo ao da propriedade sobre a equação da recta.<br /><br />É claro que restam os problemas de privacidade, uso indevido de informação pessoal, restrições sobre actividades comerciais e afins, mas isso não tem nada que ver com propriedade.Ludwig Krippahlhttps://www.blogger.com/profile/12465901742919427145noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-29251019.post-19466234439442779962010-12-30T10:35:57.531+00:002010-12-30T10:35:57.531+00:00Miguel (LMS)
«A tua passagem "para o mundo r...Miguel (LMS)<br /><br /><i>«A tua passagem "para o mundo real" é curiosa ou irónica ;) porque pressupões que informação não tem valor...»</i><br /><br />Pelo contrário. Por formação, por profissão e por vocação, sou um defensor acérrimo do enorme valor da informação. Não cometo é o erro de confundir valor com preço. O oxigénio que usas constantemente, por exemplo, tem imenso valor para ti mesmo que seja de graça.<br /><br /><i>«hoje em dia evita-se usar as palavras "real" ou "virtual/digital" justamente por causa disso. Especialmente porque a economia que gere o mundo alegadamente "real" é, ela mesmo, virtual»</i><br /><br />Precisamente. Uma batata é um objecto material que, se eu comer, tu já não poderás comer (pelo menos com o mesmo sabor ;) O dinheiro é uma quantidade abstracta com as propriedades que quisermos. É como um jogo; podemos inventar as regras que quisermos, se bem que umas tornem o jogo mais interessante que outras.<br /><br /><i>«as pessoas aceitarão de bom grado que os amigos entrem em casa e lhes copiem a mobília toda? :)»</i><br /><br />A questão relevante não é essa. O que aceitas de bom grado que os teus amigos façam é lá contigo. A questão é se a polícia deve prender quem copiar uma cadeira. Nota que não tenho nada contra que alguém componha uma música, a ponha no youtube e depois fique chateado se alguém copia o .flv para um pendisk. Reconheço o direito de qualquer pessoa ficar chateada com o que bem entender. O que oponho é que o sistema judicial tenha alguma coisa que ver com isso.<br /><br /><i>«Dizer que são "diferentes" porque os bits se podem copiar e os átomos não é apenas... uma questão de tempo e de tecnologia.»</i><br /><br />Não é por isso. Uma batata pode ser copiada, e um disco de vinyl pode ser copiado. Mas quando usas um conjunto de funções matemáticas para simular a variação de pressão do ar ao longo do tempo, tu não estás a criar uma cópia do disco. Estás a criar uma representação simbólica. E é fundamentalmente diferente dizer que alguém é dono de uma certa batata e dizer que alguém é dono da representação simbólica “a batata do Joaquim”.<br /><br />E nota que a cópia não tem nada que ver com direitos de propriedade. Fazer um penteado igual ao teu não é o mesmo que te roubar o cabelo. É o tal problema da escassez. Um disco, o cabelo ou a batata são coisas naturalmente escassas. Mesmo que sejam copiadas, cada um dos objectos é de uso limitado por força da natureza. A representação abstracta de uma casa no formato do Sketchup não é um bem escasso. É um conjunto arbitrário de números, e alguém usar esses números não impede outros de os usar (o ficheiro em si, entendido como aquele padrão de magnetização naquela parte do disco, é escasso, mas a informação, em abstracto, não é).<br /><br />Há uma diferença fundamental entre lidar com a escassez que a natureza nos impõe, problema para o qual os direitos de propriedade são parte da solução, e inventar escassez onde se poderia ter abundância, situação na qual os direitos de propriedade são uma treta.Ludwig Krippahlhttps://www.blogger.com/profile/12465901742919427145noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-29251019.post-10894743148659963312010-12-30T10:04:15.511+00:002010-12-30T10:04:15.511+00:00Miguel (LMS)
«O Second Life não é um jogo»
OK, n...Miguel (LMS)<br /><br /><i>«O Second Life não é um jogo»</i><br /><br />OK, nem vou discutir isso. Mas talvez te lembres, quando éramos miúdos, de um jogo que jogámos, perdão, uma plataforma que desenvolvemos, na praia uma vez. Cada um tinha um avatar (o meu era um estrumpfe de plástico) e criámos uma simulação de uma economia virtual. Eu tinha uma mina de areia molhada, vendia-a às mãos cheias, alguém fazia estradas com ela e assim.<br /><br />Era divertido porque, implicitamente, criámos uma escassez artificial de areia molhada por mais ninguém se por a escavar para a obter. E com isso pudémos fingir uma economia baseada nos “conteúdos” em areia molhada. Mais tarde, quando voltamos a fazer isso perto da água, era areia molhada por todo o lado e não tinha graça nenhuma.<br /><br />Mas isso foi assim porque o fundamento daquilo era o entretenimento. Como acontece no Second Life, no WoW e no Diablo. No Diablo também há uma economia porque não há uma runa Zod em cada Fallen, e coisas dessas. É preciso simular escassez de certas coisas para simular uma economia e ter graça estar a jogar um jogo que entretenha pela simulação da economia.<br /><br />Quando passas para o mundo real, a escassez não é uma coisa que tem graça para a brincadeira. É um problema a resolver. Se tiveres uma forma de reproduzir e distribuir gratuitamente batatas, arroz, manuais escolares, e coisas assim, isso é uma coisa boa. Não vai ficar muita gente triste por já não passar fome ou por agora poder aprender algo.<br /><br />Um exemplo disso é a tal cultura académica. Se usas o second life para brincar às casinhas e aos fabricantes de mobília, então tens de criar uma escassez artificial de móveis para a coisa ter piada. Mas se queres usar esse sistema para testar hipóteses acerca da carpintaria no antigo Egipto, não há grande interesse em depois vender cada representação digital por 10 Linden dolars ou duas mãos cheias de areia molhada.<br /><br />É claro que qualquer escassez cria oportunidades de negócio. Tal como há gente que ganha fortunas a especular sobre o preço do arroz enquanto milhões morrem à fome, também há quem possa aproveitar a ilegalidade de copiar certos bytes para vender filmes pirateados à porta do Metro, aplicações no iStore ou runas Zod no Ebay.<br /><br />Mas é um erro concluires, da análise desses sistemas económicos simulados sobre uma escassez meramente convencionada, que as pessoas preferem escassez em vez de abundância. Mais relevante ainda para a nossa discussão, não é por uma escassez artificial criar uma economia que se justifica tornar algo escasso por convenção ou força da lei, para depois dizer que é propriedade privada. Isso é inverter completamente o processo razoável, segundo o qual a propriedade privada é consequência da necessidade de gerir o acesso àquilo que é forçosamente escasso quer se queira quer não.Ludwig Krippahlhttps://www.blogger.com/profile/12465901742919427145noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-29251019.post-54553428032216265052010-12-29T23:14:09.121+00:002010-12-29T23:14:09.121+00:00A tua passagem "para o mundo real" é cur...A tua passagem "para o mundo real" é curiosa ou irónica ;) porque pressupões que informação não tem valor... hoje em dia evita-se usar as palavras "real" ou "virtual/digital" justamente por causa disso. Especialmente porque a economia que gere o mundo alegadamente "real" é, ela mesmo, virtual (só para aumentar a confusão...). Mas seja como for, o teu argumento apenas se baseia na noção de cópia. Gosto mais da noção da impressora 3D: será que quando a tecnologia custar meia dúzia de Euros e toda a gente tiver um no bolso, e as cópias atómicas forem tão perfeitas como hoje são as cópias digitais, as pessoas aceitarão de bom grado que os amigos entrem em casa e lhes copiem a mobília toda? :) Será que as empresas construtoras de automóveis vão deixar que os potenciais clientes lá entrem e tirem cópias 3D dos carros sem pagar um tostão?<br /><br />Agora podemo-nos rir destes cenários futuristas, claro, pois a tecnologia da impressora 3D ainda está no início, e, de qualquer das formas, ainda não faz uma duplicação da <i>matéria</i> mas apenas da <i>forma</i>. No entanto, podemos olhar para o que se passa com a propriedade dos bits e extrapolar o que acontecerá com a propriedade dos átomos. Dizer que são "diferentes" porque os bits se podem copiar e os átomos não é apenas... uma questão de tempo e de tecnologia.<br /><br />Portanto, lamento, mas a minha conclusão não está errada; quanto muito, está incompleta. O que acontece na realidade é que o rácio de produtores para consumidores é ínfimo; no mundo digital, as coisas aproximam-se muito mais. Quando um consumidor — que tem o desejo de copiar tudo o que lhe aparece pela frente — subitamente se vê na situação em que se torna produtor, passa a ter o desejo de impedir que os outros usufruam gratuitamente do seu trabalho. Se ainda por cima passar a depender disso para sobreviver, aí é que muda mesmo de opinião!<br /><br />Mudando ligeiramente de assunto, ainda outro dia achei curiosa a expressão de um colega meu de doutoramento. Havia um indivíduo que tinha lido a tese de mestrado dele e lhe pediu se podia ter acesso ao código desenvolvido, para o usar no seu próprio trabalho. O meu colega só lhe deu parte do software; e comentou para mim: «Era o que mais faltava, dar-lhe assim de bandeja o que me levou 9 meses a desenvolver, e deixar que ele faça a tese dele sem esforço algum; que trabalhe como eu trabalhei.» Fiquei calado porque no meu caso a primeira coisa que fiz com o software desenvolvido para o mestrado foi colocá-lo publicamente no Google Code... nunca me passou pela cabeça que um dia alguém pegasse naquilo sem eu saber e que tivesse a papinha toda feita para apresentar um artigo sobre o tema sem me dar qualquer crédito. Ainda não aconteceu, mas <i>podia</i> acontecer; simplemente não pensei nisso. Já o meu colega, mais conhecedor da natureza humana, foi muito mais precavido!<br /><br />Até hoje, ainda não encontrei <i>nenhuma</i> pessoa que dependa do fruto do seu trabalho de criação de conteúdos digitais que fosse a favor da abolição dos direitos da propriedade intelectual. Conheço imensas, sim, mas estão nos três casos que descrevi — ou trabalham para empresas que vivem dos serviços, não das licenças, sobre o software que desenvolvem.<br /><br />Em que medida é que a minha conclusão está errada? :) Para o ser, sugiro que me mostres alguns estudos feitos a (pelo menos) centenas de milhar de pessoas que dependem exclusivamente do seu trabalho de produção de conteúdos digitais, e em que o estudo demonstre que todas essas pessoas não têm qualquer problema em deixar que os seus conteúdos sejam livremente pirateados. Eu não conheço nem um. O desafio é encontrar centenas de milhar :)Luís Miguel Sequeirahttps://www.blogger.com/profile/15538752866049989369noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-29251019.post-79704521660231395512010-12-29T23:13:41.060+00:002010-12-29T23:13:41.060+00:00Obrigado pela actualização do português :P São € 0...Obrigado pela actualização do português :P São € 0.5 x 10^9, está melhor assim? :)<br /><br />O Second Life não é um jogo :P Nem nunca foi... bolas, já há quase dois anos que não escrevia isto! É o que dá estar rodeado de académicos a investigar coisas usando o Second Life como plataforma; pensava que ao final de uma década já tinha entrado na cabecinha das pessoas que lá porque uma ferramenta funcione num computador e que tenha gráficos em 3D, não é obrigatório que seja "um jogo". Tal como o Facebook não é "um jogo", embora certamente existam dezenas de milhar de jogos que se possam jogar no Facebook.<br /><br />Esses € 0.5 x 10^9 não representam uma economia de "pessoas a jogar". Representa, isso sim, compras e vendas de conteúdos digitais; em 2009, a economia do Second Life transaccionou mais conteúdos digitais que a Apple Store, por exemplo (tanto em volume como em negócio; em 2010 pode já não ser assim). A diferença é que a Apple Store transacciona música, vídeos e aplicações; o Second Life transacciona modelos em 3D; e a Apple Store tem muitos mais utilizadores registados (mas que adquirem muito menos bens digitais).<br /><br />Talvez o comparativo faça mais sentido entre o que motiva pessoas a desenvolver aplicações (pagas) para o iPhone ou a desenvolver as mesmas aplicações, mas gratuitas, para o Android. Não vou citar fontes — há estudos q.b. na 'net. Em geral, a percepção de que a Apple impõe mais controle sobre a forma como as aplicações são disseminadas através da App Store, e a dificuldade da sua pirataria, motiva um maior número de programadores a desenvolverem para iPhone do que para Android, quando se esperaria o contrário (menos restrições = mais liberdade = mais oportunidades para disseminar software). Isto não me surpreende: os programadores gostam de ser pagos pelo seu trabalho. Só um programador que seja a) rico; b) financiado pelo Estado; c) vive com os pais é que se pode dar ao luxo de oferecer o seu trabalho para a "comunidade". O número de pessoas nas 3 situações é felizmente elevado, por isso é que existe tanto software livre ;) (Desta lista estou propositadamente a excluir as empresas — tantas! — que podem oferecer o software porque ganham dinheiro com os serviços)<br /><br />Escolhi o exemplo do Second Life porque não só o conheço melhor, como os dados são publicados regularmente; ao contrário da Apple e da Google, que apenas divulgam os dados que lhes convém, restando aos analistas especular sobre o resto...Luís Miguel Sequeirahttps://www.blogger.com/profile/15538752866049989369noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-29251019.post-41131661212290868892010-12-29T15:56:48.144+00:002010-12-29T15:56:48.144+00:00Miguel (LMS),
«Isso estabeleceu uma economia virt...Miguel (LMS),<br /><br /><i>«Isso estabeleceu uma economia virtual que vale efectivamente meio bilião de Euros por ano.»</i><br /><br />Nota que, em Português, um bilião são mil billions. A economia do Second Life é de quinhentos milhões de dólares por ano, ou meia milésima de um bilião :)<br /><br /><i>«As restantes pessoas ligaram-se a mundos virtuais onde pelo menos a propriedade privada era garantida; estes mundos existem em menor número, mas são os que têm mais utilizadores. [...]<br />A conclusão que chego (e que não me surpreende de todo) é que a abolição da propriedade privada de bens não físicos, sejam eles conteúdos digitais ou "pontos"/dinheiro, não interessa à esmagadora maioria das pessoas, quando elas sentem "na pele", assim por dizer, as consequências da ausência desses direitos.»</i><br /><br />Essa conclusão não me parece nada fundamentada. O Second Life é um jogo. Se podes fazer copy paste da casa, do carro, da ilha e de tudo as vezes que quiser, tem tanta graça como jogar Diablo com uma máquina que dá dinheiro e pontos de experiência quando se carrega num botão. Mas lá porque no WoW as pessoa prefiram que os monstros lutem, batam de volta e lhes atirem com bolas de fogo, não quer dizer que, na realidade, essas pessoas gostem de levar com espadeiradas na cabeça ou de ficar a arder.<br /><br />Há também outros factores aqui. Não podes concluir que mil milhões de chineses gostam é de viver numa ditadura ou quinhentos milhões de pessoas estão no FaceBook porque querem que essa empresa tenha acesso aos seus dados pessoais e os possa vender a outras empresas.<br /><br />E a prova que a tua conclusão está errada é que, quando passamos para o mundo real, a grande maioria das pessoas não quer respeitar a “propriedade privada” quando não há necessidade de decidir quem as pode usar. Se qualquer pessoa pode fazer a mesma jogada de xadrez ou a mesma receita de bacalhau, não faz sentido andar a discutir quem é o “dono” dessa jogada ou dessa receita. O mesmo para as músicas, o software e uma data de outras coisas. E podes crer que quando as impressoras 3D permitirem descarregar o desenho de uma mobília e fazê-la com um click, as mesmas pessoas que acharam que no Second Life copiar mobília com ctrl-C ctrl-V era uma seca porque não era nada realista, vão ficar todas contentes quando puderem ter a estante que querem, mesmo à medida, sem sair de casa e só pelo preço do material.<br /><br /><i>«Conheço imensa gente (centenas de pessoas pelo menos) que alegremente pirateiam MP3 e vídeos e software todos os dias, mas que quando lhes copiam uma casinha virtual no Second Life, vão logo chamar os advogados... ou pelo menos chatear os media a reclamar justiça!»</i><br /><br />Claro que sim. Os estúdios de Hollywood estabeleceram-se na Califórnia para não ter de pagar licenças ao Edison por usar as máquinas de filmar e projectar. A indústria dos EUA da América desenvolveu-se no século XVIII e XIX escapando-se de pagar pelo uso das patentes industriais britânicas. Se dás a uma pessoa o monopólio legal sobre alguma coisa, ela vai deitar fora tudo o que achava que era correcto ou devido até essa altura, e passar a exigir os privilégios que lhe prometeram. É natureza humana. Se permitires que se patenteie movimentos de Yoga <a href="http://www.theregister.co.uk/2007/05/09/yoga_patents/" rel="nofollow">não haverá falta de quem o faça</a>.<br /><br />Mas isso é precisamente o que eu estou a dizer. É esse tipo de legislação que distorce a noção do que é justo ou devido.Ludwig Krippahlhttps://www.blogger.com/profile/12465901742919427145noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-29251019.post-59443467484600457232010-12-29T15:32:46.707+00:002010-12-29T15:32:46.707+00:00Miguel (e João Vasco),
«se for introduzido este m...Miguel (e João Vasco),<br /><br /><i>«se for introduzido este modelo numa sociedade que garante a propriedade privada de casas, carros, e vacas, mas não a do dinheiro que serve para trocar por esses bens, qual é o argumento que irá persuadir as pessoas a usá-lo?»</i><br /><br />Como mencionei no post, <i>«É claro que um sistema assim só é útil as pessoas o quiserem usar, o que impõe restrições de ordem prática para evitar que volte tudo à troca de pepitas e galinhas.»</i> Essa objecção não é novidade. Mas o que eu estou a defender não é acerca disso.<br /><br />Considerem estas duas propostas: diminuir a velocidade máxima nas autoestradas para 60Km/h, e usar, à força, reclusos condenados por crimes violentos como cobaias para novos fármacos.<br /><br />No primeiro caso podemos obstar que ninguém iria querer usar autoestradas se reduzimos o limite de velocidade para 60Km/h. No entanto, esta medida não ameaça violar direitos individuais, visto não haver nenhum direito de conduzir acima dos 60Km/h nas autoestradas, e que tenha de ser protegido mesmo contra a vontade da maioria. Em contraste, no segundo caso uma objecção forte é que, mesmo que isso traga vantagens a muita gente e mesmo que quase todos estivessem de acordo, usar assim aquelas pessoas violaria direitos individuais importantes.<br /><br />O que estou a dizer é que o sistema de pontos de troca ao qual chamamos dinheiro está na primeira categoria, naquela onde se insere a economia do World of Warcraft ou o código da estrada. É certo que se a Blizzard decidir que, a partir de hoje, todos os personagens do WoW vão ficar com o dinheiro reduzido a 10gp no dia 1 de cada mês, muita gente vai abandonar o jogo. Mas não há motivos para dizer que as moedas de ouro do WoW são propriedade privada e que tal medida seria um roubo da parte da Blizzard.<br /><br />No caso dos advérbios de modo e das sequências de bytes, não só falta a justificação necessária para os considerar propriedade privada (a minimização de violações aos direitos negativos) como, ao fazer com que o uso de uma sequências de números ou letras dependa do pagamento de uma licença, está-se a violar precisamente esses direitos a muitos milhões de pessoas.Ludwig Krippahlhttps://www.blogger.com/profile/12465901742919427145noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-29251019.post-74458982745722276362010-12-29T15:15:37.783+00:002010-12-29T15:15:37.783+00:00João Vasco,
«Podes alegar que o bosque é de todos...João Vasco,<br /><br /><i>«Podes alegar que o bosque é de todos para preservar o teu direito negativo a lá ir, ou que é do Matias para preservar o seu direito negativo a lá ir e não deixar que outros vão lá. Num caso e noutro violas direitos negativos de uns para proteger o de outro»</i><br /><br />É certo que em ambos os casos violas direitos negativos. O que leva a teres de ponderar qual a violação menor. Como, aliás, é o problema geral na ética: gerir os conflitos de direitos.<br /><br />Em coisas como roupa interior o mal menor é atribuir a propriedade a uma pessoa. Em coisas como o Oceano Atlântico, claramente ter um proprietário era má ideia, por isso opta-se por outras soluções. E em coisas como o verbo “averiguar” é evidente que não faz sentido atribuí-lo como propriedade de ninguém.<br /><br />Há casos mais difícil de resolver, e esses podem exigir alguns compromissos. Por exemplo, se fores proprietário de um terreno à beira do rio tens a obrigação de ceder passagem à praia fluvial, e essa não pode ter proprietário.<br /><br />Mas isto é pouco relevante para a minha tese, que é que os pontos de troca abstractos não precisam ser tratados como propriedade privada porque não têm nada que ver com a defesa de direitos negativos.<br /><br /><i>«Isto não é circular?»</i><br /><br />Não. Os tratamentos são para as coisas que podem ser tratadas e os direitos de propriedade só são adequados para as coisas que devem ser propriedade. Mas isto não são as definições. São uma mera constatação da realidade. No caso dos direitos de propriedade, estes só devem ser atribuídos para minimizar a violação de direitos negativos, e devem ser preteridos sempre que tenham o efeito contrário. É por isso que sou a favor de direitos de propriedade sobre cuecas, contra direitos de propriedade sobre operações algébricas, e a favor de restrições aos direitos de propriedade sobre terrenos adjacentes a praias fluviais.<br /><br />E é por isso que sou contra que pontos de troca sejam tratados como propriedade.<br /><br /><i>«Quanto à parte final sobre o conceito abstracto, acreditas que o estado deveria ter o monopólio dos pontos de troca»</i><br /><br />Acho que esse problema não é eticamente relevante, mas penso que o sistema de pontos de troca mais fiável é aquele que tem o apoio da legislação. Por isso, à partida, sou a favor de um sistema de pontos de troca suportado pelo Estado.<br /><br />No entanto, o Estado não tem o monopólio sobre o sistema de pontos de troca. No Diablo online, por exemplo, os Stone of Jordan são um sistema de pontos de troca muito usado. E há muitos sistemas paralelos, como cupões de desconto, traveller's cheques, tickets refeição e cigarros entre os prisioneiros...<br /><br /><i>«ou que seria legítimo fazer todas as trocas em pepitas de ouro para conseguir uma tributação mais reduzida?»</i><br /><br />É perfeitamente legítimo fazer trocas directas como forma de evitar impostos. Todos fazemos isso. No Natal, por exemplo, se em vez de trocar prendas se vendesse as prendas uns aos outros, teríamos por lei de pagar um dinheirão em taxas.Ludwig Krippahlhttps://www.blogger.com/profile/12465901742919427145noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-29251019.post-58149155182938359122010-12-29T11:06:25.758+00:002010-12-29T11:06:25.758+00:00Nota: os meus comentários eram para o Ludi, não pa...Nota: os meus comentários eram para o Ludi, não para o João Vasco, com quem fundamentalmente concordo ;)Luís Miguel Sequeirahttps://www.blogger.com/profile/15538752866049989369noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-29251019.post-40687173314342325302010-12-29T11:05:13.476+00:002010-12-29T11:05:13.476+00:00A conclusão que chego (e que não me surpreende de ...A conclusão que chego (e que não me surpreende de todo) é que a abolição da propriedade privada de bens não físicos, sejam eles conteúdos digitais ou "pontos"/dinheiro, não interessa à esmagadora maioria das pessoas, quando elas sentem "na pele", assim por dizer, as consequências da ausência desses direitos. Quando são meramente especulações filosóficas, há muita gente de acordo; quando é "a doer", e é o próprio que sofre, imediatamente muda de opinião. Conheço imensa gente (centenas de pessoas pelo menos) que alegremente pirateiam MP3 e vídeos e software todos os dias, mas que quando lhes copiam uma casinha virtual no Second Life, vão logo chamar os advogados... ou pelo menos chatear os <i>media</i> a reclamar justiça!<br /><br />Mas bem sei que não se pode pegar num caso único (mesmo com centenas de milhares de pessoas) e considerá-lo uma regra geral; seria preciso fazer mais testes com exemplos diferentes. Por acaso tenho uma amiga minha que anda a estudar economias em mundos virtuais e a fazer doutoramento na área... pode ser que um dia ela queira investigar esta questão :) No entanto, mesmo o "caso único", como implica realmente <i>vários</i> mundos virtuais distintos, cada qual com as suas regras (embora todos partilhem a mesma tecnologia subjacente), e com uma população global (muito fragmentada) de umas centenas de milhar de utilizadores... já dá para ter uma ideia de como as pessoas <i>realmente</i> pensam sobre o assunto, e não como <i>gostaríamos</i> que elas pensassem.Luís Miguel Sequeirahttps://www.blogger.com/profile/15538752866049989369noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-29251019.post-79460124301739850722010-12-29T11:04:48.818+00:002010-12-29T11:04:48.818+00:00Podes argumentar que isto é mera especulação filos...Podes argumentar que isto é mera especulação filosófica, e que na realidade "ninguém sabe" se as pessoas não se "habituariam" a um sistema em que o dinheiro não está sujeito às leis da propriedade privada. Mas por acaso até tenho um exemplo de que assim não é! É certo que só afecta "algumas centenas de milhar de pessoas", e não biliões, mas penso que a analogia é pelo menos válida.<br /><br />No Second Life existe um "sistema de pontos" com os quais se podem adquirir "bens virtuais" e serviços. Embora a sua implementação (em bits) esteja embutida no software, o seu <i>valor</i> foi determinado por uma bolsa de câmbios, originalmente criada por um particular independente, em que qualquer pessoa podia trocar "pontos" por dólares (e vice-versa). Isso estabeleceu uma economia virtual que vale efectivamente meio bilião de Euros por ano.<br /><br />No entanto, para que isto funcionasse, foram precisas duas "regras":<br /><br />1) Os "bens virtuais" — essencialmente produto de trabalho de artistas, modeladores 3D, programadores, etc. — são de difícil cópia, e existe uma entidade a quem podemos reclamar se houver cópias não autorizadas.<br />2) Os "pontos" não são arbitrariamente criados, destruídos, ou redistribuídos; há uma entidade que regula em que condições isso acontece (ex. quando o utilizador viola os termos de serviço e é expulso do mesmo).<br /><br />No entanto, desde 2007 que existe uma versão open source do Second Life, conhecida por OpenSimulator, e que qualquer pessoa pode instalar e criar o seu próprio mundo virtual, nos termos e condições que quiser. Uma das primeiras coisas que a maioria fez foi abolir com a propriedade privada do conteúdo (é apenas uma <i>flag</i> na configuração...) e com o dinheiro.<br /><br />O interessante foi ver que esses mundos virtuais atingiram muito depressa a estagnação: atraiam naturalmente todos os anarcas e libertários de esquerda e inicialmente cresciam muito depressa, até atingir as 500-1000 pessoas; mas como esses grupos de pessoas representam efectivamente uma percentagem ínfima da população, rapidamente se chegava a um limite.<br /><br />As restantes pessoas ligaram-se a mundos virtuais onde pelo menos a propriedade privada era garantida; estes mundos existem em menor número, mas são os que têm mais utilizadores. De entre estes, alguns implementam também um sistema de "pontos de troca" (não compatível com o do Second Life, claro, embora existam gateways de pagamento entre vários sistemas... tipo uma bolsa cambial com múltiplos câmbios). E quando o fizeram, aplicaram precisamente as mesmas regras de propriedade privada aos "pontos de troca" que no Second Life original. São estes os mundos virtuais alternativos baseados em tecnologia OpenSimulator que não só se mantêm, como continuam a crescer.Luís Miguel Sequeirahttps://www.blogger.com/profile/15538752866049989369noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-29251019.post-37515484113290229602010-12-29T10:48:10.722+00:002010-12-29T10:48:10.722+00:00«A meu ver (e é uma opinião apenas), se for introd...«A meu ver (e é uma opinião apenas), se for introduzido este modelo numa sociedade que garante a propriedade privada de casas, carros, e vacas, mas não a do dinheiro que serve para trocar por esses bens, qual é o argumento que irá persuadir as pessoas a usá-lo?»<br /><br />Nem mais. Era aí mesmo que queria chegar com as perguntas que fiz ao Ludwig:<br /><br />«Quanto à parte final sobre o conceito abstracto, acreditas que o estado deveria ter o monopólio dos pontos de troca; ou que seria legítimo fazer todas as trocas em pepitas de ouro para conseguir uma tributação mais reduzida?»<br /><br />É que caso a primeira resposta seja negativa, ou a segunda afirmativa, a consequência seria mais que evidente...João Vascohttps://www.blogger.com/profile/14810948198773329192noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-29251019.post-8987351901238869822010-12-29T10:30:24.708+00:002010-12-29T10:30:24.708+00:00Resta-nos, pois, uma abordagem utilitária... na pr...Resta-nos, pois, uma abordagem utilitária... na proposta do teu sistema, em que deixa de haver propriedade privada do dinheiro, e implicas pelo menos em dois pontos que isso significa que as entidades que gerem o dinheiro (podem não ser o Estado, e concordo que não tenham forçosamente de o ser) podem, arbitrariamente, e sem repercussões (legais ou morais), redistribuir os "pontos" a seu gosto, retirando a uns e dando a outros como muito bem entenderem.<br /><br />Até aqui tudo bem — teorias de utopias comunistas é o que não falta mais — mas pergunto apenas qual é a <i>vantagem</i> desse sistema sobre o que temos. A meu ver (e é uma opinião apenas), se for introduzido este modelo numa sociedade que garante a propriedade privada de casas, carros, e vacas, mas não a do dinheiro que serve para trocar por esses bens, qual é o argumento que irá persuadir as pessoas a usá-lo? Consigo imaginar que aconteçam duas coisas, se esse princípio fosse introduzido: a curto prazo, as pessoas voltavam a um sistema de trocas usando bens físicos (nem que seja, numa primeira fase, ovos e galinhas; numa segunda, pedaços de ouro ou jóias). A médio prazo, passariam a usar um sistema informático de entidades privadas que lhes garantissem a propriedade privada dos seus "pontos de troca"). O sistema actual não existe por especulação filosófica ou porque um conjunto de ilustres pensadores achou que era uma boa ideia, mas sim devido a uma necessidade: a de que as mesmas regras se aplicassem à "abstracção" dos bens para que o suporte dessa abstracção (seja uma moeda, um papel a dizer "vale X", ou um conjunto de bits num disco rígido) tenha o <i>mesmo</i> valor que os bens em si. E este "valor" implica "aplicar o mesmo conjunto de regras, propriedades, e direitos".Luís Miguel Sequeirahttps://www.blogger.com/profile/15538752866049989369noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-29251019.post-20344056637434052332010-12-29T10:22:05.831+00:002010-12-29T10:22:05.831+00:00Concordo que tudo seja questionável :) e que usand...Concordo que tudo seja questionável :) e que usando essa máxima, podemos argumentar o que quisermos. Também concordo que se pode questionar se a propriedade privada é um direito fundamental ou não. Concordo que é um exercício válido, e recorrente, pelo menos desde os tempos dos gregos clássicos interrogarmo-nos sobre como seriam as sociedades sem propriedade privada como um direito. E, finalmente, também concordo que é interessante aplicar o utilitarismo como uma medida para avaliar as consequências de abolir este ou aquele direito fundamental e sobre a forma como a sociedade é afectada por ter menos direitos.<br /><br />E até podias ir mais longe: podes defender que a diferença entre "bens materiais" (casas, carros, vacas) e "bens abstractos" (dinheiro, propriedade intelectual) é, na realidade, nula. Uma casa é apenas um agregado de partículas que por acaso está num certo local e num certo tempo, que ainda por cima depende do observador; e quando toco na casa, algumas partículas passam da casa para a minha mão, e da minha mão para a casa, pelo que nem sequer posso dizer que a casa é 100% independente da minha pessoa; mais ainda, aquilo a que eu chamo "casa" é apreendido de forma muito diferente pela minha gata (que provavelmente a considera um pequeno paraíso com dois humanos a servi-la), ou mesmo por uma tribo qualquer perdida na Amazónia que não reconheceria nela nenhum elemento que considerasse "casa"...<br /><br />Ainda se poderia tentar argumentar então que a diferença está em "coisas feitas de partículas" e chamar a isso "real" e "coisas feitas de bits de informação" e chamar a isso "virtual". Mas se pessoas como o <a href="http://www.science20.com/hammock_physicist/it_bit_case_gravity" rel="nofollow">Verlinde</a> tiverem razão, nem sequer essa distinção fará sentido no futuro.<br /><br />Conclusão: a definição do que é <i>legítimo</i> para se lhe aplicar direitos (sejam de propriedade, sejam quaisquer outros) é perfeitamente arbitrária e não tem nenhum fundamento factual ou físico.Luís Miguel Sequeirahttps://www.blogger.com/profile/15538752866049989369noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-29251019.post-58370031980382337672010-12-29T00:08:33.917+00:002010-12-29T00:08:33.917+00:00«Para isso os direitos negativos são os fundamenta...«Para isso os direitos negativos são os fundamentais, os primeiros. Ou seja, o direito de fazer as coisas sem que os outros me impeçam, tal como faria se eles não existissem. O direito de dizer o que penso, de pensar o que quero, de preferir aquilo de que gosto, de não me darem pontapés ou facadas, etc.»<br /><br />Hum... com essa definição manhosa, a propriedade alheia é uma violação de um direito fundamental teu.<br /><br />Se alguém é dono de um bosque, pode proibir-te a entrada. Negando-te «o direito de [entrar no bosque] sem que os outros [te] impeçam, tal como faria[s] se eles não existissem»<br /><br /><br />«Estes direitos só devem ser restritos quando necessário para respeitar outros direitos semelhantes.»<br /><br />Com isto basicamente podes justificar tanto a propriedade como a sua ausência. <br />Podes alegar que o bosque é de todos para preservar o teu direito negativo a lá ir, ou que é do Matias para preservar o seu direito negativo a lá ir e não deixar que outros vão lá. Num caso e noutro violas direitos negativos de uns para proteger o de outros. <br /><br />Esse esquema tanto pode ser usado para justificar a propriedade como a sua abolição.<br /><br /><br />«Os direitos de propriedade são direitos negativos acerca do usufruto daquelas coisas em que é inevitável haver interferência e é necessário restringir os direitos de uso de cada coisa apenas a uma pessoa.»<br /><br />Isto não é circular?<br /><br />A propriedade é para os casos em que deve existir propriedade. <br /><br />Se o direito de uso restrito a uma pessoa é a propriedade, então nos casos em que ela é necessária, é necessária. <br /><br /><br />«A propriedade pessoal é até aceite pelos comunistas mais ferrenhos, e duvido que a tua namorada encontre exemplos de culturas sem propriedade pessoal.»<br /><br />Caramba, como se fosse preciso ir tão longe. <br /><br />Mesmo na nossa cultura ocidental conhecerás casos de comunidades hippies em que não existe propriedade. <br />Podes dizer que é um mau sistema, ou que não se pode aguentar muito tempo, e eu estou de acordo. <br /><br />Mas imagina que um conjunto de amigos funda uma comunidade onde partilham tudo. Têm filhinhos e esses filhinhos crescem a aprender que se partilha tudo, e acham bem. E a coisa perpetua-se por gerações.<br /><br />Por oposição, imagina que um conjunto de pessoas funda uma comunidade em que as mulheres não podem saír de casa, e se saírem são agredidas fisicamente. Têm filhinhos, e esses filhinhos crescem a aprender que assim está certo, e a coisa perpetua-se por gerações.<br /><br />No primeiro caso, não vejo nenhum direito fundamental violado. Quem não gosta sai da comunidade, mas se eles continuarem a viver assim, está tudo óptimo. <br /><br />No segundo caso existem direitos fundamentais violados. <br /><br /><br />Quanto à parte final sobre o conceito abstracto, acreditas que o estado deveria ter o monopólio dos pontos de troca; ou que seria legítimo fazer todas as trocas em pepitas de ouro para conseguir uma tributação mais reduzida?João Vascohttps://www.blogger.com/profile/14810948198773329192noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-29251019.post-32091092907284891982010-12-28T22:59:59.012+00:002010-12-28T22:59:59.012+00:00João Vasco (continuação)
Quanto ao problema conc...João Vasco (continuação)<br /><br /><br />Quanto ao problema concreto do teu argumento, foi que:<br /><br /><i>«Em ambos os casos ele usufruiu do teu esforço sem tua permissão. Para bem do exemplo até podemos assumir que em ambos os casos o fez contra a tua vontade. <br /><br />Mas é difícil encontrar uma distinção entre estas situações»</i><br /><br />O problema não é usufruir do meu esforço. O problema é violar os meus direitos negativos. Se rouba a lança ou me estraga a fonte é uma coisa diferente de gostar de ver as flores que eu plantei.<br /><br /><i>«Por isso, tributar senhas de almoço ou almoços, tendo iguais consequências, dificilmente serão situações distinguíveis em termos de direitos fundamentais...»</i><br /><br />Se a senha é tua e corresponde necessariamente a um almoço e só a queres porque corresponde a um almoço então tributar a senha ou o almoço é o mesmo.<br /><br />Mas se a nota de 5€ é do Estado, os 5€ são um conceito abstracto tal que se emprestas 5€ ficas a contar com esse dinheiro ainda como teus activos, e se fores um banco podes até emprestar dinheiro que não tens, e se fores um Estado podes imprimir as notas que quiseres, e não corresponde a nada a não ser que outra pessoa tenha algo que queira trocar contigo pelos abstractos 5€, etc, então tributar isso é diferente de tributar uma senha de almoço ou um almoço. É como receberes um email meu a dizer que tens 50 mil pontos no jogo do Ludwig e, no dia seguinte, outro email a dizer que, por alterações nas regras, já só tens 10 mil. Não seria uma violação de propriedade privada<br /><br />(Eu sei que fazer isto com dinheiro tem outras consequências, mas a questão é que essas consequências não passam pela violação de quaisquer direitos negativos porque, só pelos direitos negativos, o teu dinheiro vale tanto como os pontos no jogo do Ludwig)Ludwig Krippahlhttps://www.blogger.com/profile/12465901742919427145noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-29251019.post-87527042773785576162010-12-28T22:59:40.972+00:002010-12-28T22:59:40.972+00:00João Vasco,
Umas ideias por alto, de forma muito ...João Vasco,<br /><br />Umas ideias por alto, de forma muito pela rama.<br /><br />A ética surge apenas no conflito de interesses. Uma pessoa sozinha não precisa de ética para nada. E se admitimos a subjectividade dos valores, temos de aceitar que cada um procure o seu bem à sua maneira. É essa a base do utilitarismo, e é por isso que se usa a utilidade, que é a propriedade de auxiliar a realização dos objectivos, em vez de outras coisas como a felicidade, o prazer, a barriga cheia ou algo assim.<br /><br />Para isso os direitos negativos são os fundamentais, os primeiros. Ou seja, o direito de fazer as coisas sem que os outros me impeçam, tal como faria se eles não existissem. O direito de dizer o que penso, de pensar o que quero, de preferir aquilo de que gosto, de não me darem pontapés ou facadas, etc.<br /><br />Estes direitos só devem ser restritos quando necessário para respeitar outros direitos semelhantes. Daí as tais coisas já conhecidas de se limitar a liberdade de expressão quando é para gritar “Fogo!” num cinema cheio de gente.<br /><br />Os direitos de propriedade são direitos negativos acerca do usufruto daquelas coisas em que é inevitável haver interferência e é necessário restringir os direitos de uso de cada coisa apenas a uma pessoa. Esse é o exemplo da lança. A propriedade pessoal é até aceite pelos comunistas mais ferrenhos, e duvido que a tua namorada encontre exemplos de culturas sem propriedade pessoal.<br /><br />O caso da fonte é um pouco diferente. Há culturas para as quais as terras não são de ninguém, pois não se põe o problema do uso exclusivo. Há outras em que até a água da fonte tem de ser propriedade porque senão vai lá uma data de gente tirá-la e engarrafá-la e não sobra nada. Seja como for, os direitos de propriedade surgem da necessidade inevitável de regular o acesso por não dar para todos.<br /><br />Noutros casos, como os advérbios de modo ou os números primos, não há qualquer necessidade de impor restrições destas porque é impossível violar direitos negativos. Eu posso usar o 3 as vezes que quiser que isso não te impede de fazer com o 3 o que farias se eu não existisse.<br /><br />O dinheiro, hoje em dia, está claramente neste campo das coisas que não justificam direitos de propriedade. É prático haver algumas restrições, para gerir o sistema de pontos de troca – por exemplo não é prático que toda a gente possa inventar o dinheiro que queira – mas é facto assumido que o dinheiro pode e deve ser inventado de forma até bastante liberal quando é preciso. E a nossa moeda de troca hoje é crédito e não ouro. Ou seja, promessas.Ludwig Krippahlhttps://www.blogger.com/profile/12465901742919427145noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-29251019.post-18970946487338939602010-12-28T22:10:22.246+00:002010-12-28T22:10:22.246+00:00Francisco,
Eu concordo que não são só as consequê...Francisco,<br /><br />Eu concordo que não são só as consequências que estão em jogo. Por isso a questão não é apenas contar, por exemplo, quantas vidas se salva se se deixar morrer os dez pacientes a precisar de vários transplantes ou se se matar o tipo saudável que está a passar na rua e usar os seus órgãos para salvar os outros.<br /><br /><i>«Mas creio nos casos lineares como roubar a senha do almoço é aceitável recorrer ao consequencialismo porque há simetrias muito claras.»</i><br /><br />Porque no caso da senha está implícito que a criança a tem apenas para a trocar pela refeição. A criança não quer a senha, quer a refeição, e essa não é dela. Portanto podemos dizer que tanto faz se lhe tiram a senha ou se fecham o refeitório antes dela chegar, porque a senha por si não lhe vale de nada.<br /><br />Mas supõe que é um tipo de 50 anos e a senha foi a senha que a primeira namorada lhe deu na escola e que ele nunca tinha usado porque quis guardá-la para sempre. Se lhe roubares essa senha ele nem sequer perde uma refeição, porque ao fim de tantos anos já ninguém a aceita, mas é uma violação dos seus direitos de propriedade, ainda que objectivamente inconsequente (mas subjectivamente muito importante para ele).Ludwig Krippahlhttps://www.blogger.com/profile/12465901742919427145noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-29251019.post-1615972121767776102010-12-28T17:17:14.668+00:002010-12-28T17:17:14.668+00:00Francisco:
Se «O come-e-foge deve o que prometeu»...Francisco:<br /><br />Se «O come-e-foge deve o que prometeu» ou o que de facto levou, não é essencial para o argumento. O ponto é que nesse caso o roubo de algo palpável é perfeitamente equiparável ao roubo de moeda, tal como no teu exemplo da senha.João Vascohttps://www.blogger.com/profile/14810948198773329192noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-29251019.post-25512984416163347702010-12-28T15:18:03.102+00:002010-12-28T15:18:03.102+00:00João Vasco,
Antes que seja tarde demais para resp...João Vasco,<br /><br />Antes que seja tarde demais para responder...<br /><br />Aceito o argumento com base no pressuposto de que ambas as partes acordaram o preço previamente. Nesse caso, não interessa se são 5 euros, 4 elefantes ou uma pevide. O come-e-foge deve o que prometeu.<br /><br />Mas continuo a achar duvidoso que um tribunal vá obrigar o devedor a pagar um valor arbitrário ainda que acordado previamente.Anonymousnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-29251019.post-785563657736663872010-12-28T13:58:31.991+00:002010-12-28T13:58:31.991+00:00«Se ele bebe da fonte que eu ajeitei sem a estraga...«Se ele bebe da fonte que eu ajeitei sem a estragar, não me priva do usufruto do meu trabalho.»<br /><br />Então imagina que estraga. <br />O argumento mantém-se igual, mas a tua refutação já não colhe. <br /><br /><br />«Isto porque no primeiro caso o dono da comida tem um direito fundamental à comida que é sua»<br /><br />Explica o que queres dizer com "direito fundamental" como é que justificas que a propriedade seja um desses direitos.<br /><br /><br />«No caso da senha, a diferença será uma senha para almoço, e não um almoço.»<br /><br />Sim. E 100e de ouro ou prata em lingotes também são coisas diferentes. <br />Mas neste caso a consequência de os roubar é muito semelhante.<br /><br />Aliás, não é por acaso que em termos contabilísticos aquilo que nos devem é contado como parte do activo, da mesma forma que as disponibilidades (dinheiro em caixa) ou os bens materiais propriamente ditos (casas, máquinas, etc...).<br /><br />Por isso, tributar senhas de almoço ou almoços, tendo iguais consequências, dificilmente serão situações distinguíveis em termos de direitos fundamentais...João Vascohttps://www.blogger.com/profile/14810948198773329192noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-29251019.post-85683795672961772392010-12-28T13:47:41.893+00:002010-12-28T13:47:41.893+00:00Ludwig,
Quanto ao consequencialismo, se nos pergu...Ludwig,<br /><br />Quanto ao consequencialismo, se nos perguntarmos se os fins justificam os meios temos de ter a certeza absoluta que os fins são aqueles e não outros e que os meios vão ter exactamente aquela consequência. O consequencialismo não funciona bem em casos de tortura em interrogatório e afins porque é tudo menos claro (com consequências desagradáveis, o que por si só é já consequencialista...). Isto é suficiente para, em muitos casos, rejeitar o consequencialismo como estratégia ética porque permite tomar decisões ambíguas ou más em casos limite.<br /><br />Mas creio nos casos lineares como roubar a senha do almoço é aceitável recorrer ao consequencialismo porque há simetrias muito claras. O que está em causa é impedir uma pessoa de comer, seja por que meio for, e isso mostra que o direito de roubar a comida é equivalente ao direito de roubar a senha, neste caso. O que prova que há casos simples em que roubar crédito é o mesmo que roubar propriedade privada.<br /><br />A menos que a comida não seja considerada propriedade privada, mas algo diferente e essencial a todos os seres humanos, como o ar, e a que temos direito de forma generalizadamente reconhecida.<br /><br />O ar dá, aliás, um bom exemplo do que quero dizer: ninguém pode ser dono do ar mas tenho o direito de não ser impedido de usufruir dele em condições. É por isso que apesar de ninguém ser dono do ar, se justifica proibir a sua poluição para lá do tolerável. É verdade que "o ar é de todos" mas isso não me dá o direito de poluir ou roubar aquele que está dentro dos pulmões do vizinho...<br /><br />Acho que o dinheiro que tenho na carteira é como o ar - é de todos e de cada um ao mesmo tempo. Se os pontos da gasolina são o mesmo depende de como as pessoas os usam...Anonymousnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-29251019.post-36229144531594814672010-12-28T11:59:48.846+00:002010-12-28T11:59:48.846+00:00João Vasco,
O Francisco tem razão ao dizer que ti...João Vasco,<br /><br />O Francisco tem razão ao dizer que tirar a senha do almoço à criança tem as mesmas consequências que tirar-lhe o almoço. O mesmo acontece se a criança levar uma nota de 5€ para almoçar e lhe tirarem a nota. Ou se a criança levar o almoço numa marmita e lhe tirarem o almoço da marmita. Em todos estes casos a consequência é a mesma: a criança não almoça.<br /><br />Mas imagina que, para cada um dos casos, fazes uma lista da propriedade privada da criança antes e depois da maldade que lhe fazem.<br /><br />No caso de ter o seu almoço na marmita, a diferença entre as duas listas, antes e depois, será um almoço.<br /><br />No caso da senha, a diferença será uma senha para almoço, e não um almoço.<br /><br />No caso dos 5€ não haverá diferença porque a nota de 5€ é propriedade do Estado, e continua a ser propriedade do Estado dentro ou fora do bolso da criança. A única diferença é que agora, no sistema de pontos de troca convencionado pela nossa sociedade, haverá, na prática, menos 5 pontos atribuídos a essa criança.<br /><br />O ponto fundamental que defendo aqui é que esses pontos de troca abstractos não são propriedade privada. Na lista de propriedade privada da criança também não vem as 200000 moedas de ouro que ela recolheu a jogar Diablo, nem os 500000 pontos que ganhou a destruir space invaders. Os euros estão nessa categoria, excepto que têm mais consequências. Essas consequências devem ser consideradas, mas os direitos de propriedade são irrelevantes aqui.<br /><br />O que nos traz ao caso da pessoa que vai receber dez milhões de euros de dividendos antecipados para se safar de pagar impostos. Se tiver de pagar uma percentagem desse rendimento haverá consequências, e essas consequências têm de pesar na decisão de lhos cobrar. Mas provavelmente nem um almoço vai perder, e esse dinheiro terá consequências muito mais significativas se for aplicado pelo Estado para ajudar quem precisa. É por isso que nesse caso me parece perfeitamente razoável que paguem o imposto à mesma, apesar da antecipação, ou que o Estado proíba a antecipação, porque a gestão desses pontos de troca não deve ser limitada pelas regras da propriedade privada.Ludwig Krippahlhttps://www.blogger.com/profile/12465901742919427145noreply@blogger.com