domingo, janeiro 31, 2016

Terceiro grau.

Seria bom encontrarmos uma civilização extraterrestre? O João Carlos Silva responde com optimismo (1). Rejeita «a forma tradicional de imaginar a existência de vida e inteligência extraterrestre [como] deuses [ou] demónios», seres insondáveis e de poder inimaginável e, em vez disso, propõe extrapolar «daquilo que conhecemos da biologia, etologia e psicologia terrestres», em particular dos seres mais inteligentes. Assim, tendo a hipotética raça extraterrestre surgido por processos evolucionários semelhantes aos que nos formaram e sendo uma civilização avançada, o João Carlos defende que não deverá ter «motivos puramente interesseiros de ambição, expansão e conquista territorial» e preferirá «um contacto pacífico e uma relação de mútuo acordo cooperativo» connosco, seja por traços civilizacionais, valores morais ou mero interesse racional. Por isso, conclui o João Carlos, «procurar activamente entabular um contacto via rádio com os nossos eventuais vizinhos galácticos é muito bem capaz de compensar o risco e justificar a aposta.»

Eu concordo com parte do raciocínio e também penso que vale a pena tentar descobrir se temos vizinhos e contactá-los se for esse o caso. Mas a extrapolação do João Carlos descura um detalhe crucial e julgo que, por causa desse detalhe, a ideia dos extraterrestres como deuses ou demónios é mais realista do que esta hipótese de que serão seres parecidos connosco. Os processos evolucionários terão de ser sensivelmente os mesmos por todo o universo e concordo que não será plausível que os ET queiram vir de outro sistema solar roubar vacas, ou energia, ou conquistar este planeta. A tecnologia necessária para que isso seja viável permitirá certamente que aproveitem os recursos mais à mão para fazerem o que quiserem com muito menos esforço. Também a conquista de território e impulsos análogos serão pouco plausíveis como motivação. Até no nosso nível tecnológico conseguimos desligar muitos instintos das suas consequências e evitar uma catástrofe malthusiana. Parece-me que a reacção de uma civilização ET será muito mais ditada pela sua tecnologia e decisões racionais do que por instintos que lhe tenham ficado da sua evolução biológica. E aí é que está o problema.

Vamos supor que neste momento, a uns setenta anos luz daqui, astrónomos alienígenas descobrem indícios conclusivos de que neste sistema solar há uma civilização com tecnologia nuclear e electrónica. Suponhamos que esses ET vivem no seu planeta original mas já sabem construir naves robóticas capazes de viajar entre as estrelas perto da velocidade da luz. Daqui a uns oitenta anos poderia chegar cá uma sonda dessas. Mas uma nave com centenas de toneladas colidindo com a Terra quase à velocidade da luz esterilizaria o planeta. Os ET sabem disso, sabem que nós certamente o saberemos, e sabem também que, mais século menos século, teremos a mesma capacidade que eles têm para os detectar e para os obliterar. Por muito decentes e civilizados que sejam, o dilema é tramado. Ou dão cabo de nós antes que o façamos a eles ou apostam a sua existência na boa vontade de uma raça da qual só conhecem as bombas nucleares e o discurso de Hitler que apanharam nos radio-telescópios (2). Neste cenário, temo que o primeiro contacto com os ET seria também a última coisa que nos aconteceria, e tão rápida que nem daríamos por ela.

Mas vamos supor, em contraste, que estes alienígenas desenvolveram robôs auto-reprodutores. A multiplicação exponencial de máquinas de construção rapidamente lhes permitiria espalhar-se pelo seu sistema solar, desmantelando asteróides ou planetas inteiros e construindo o que quisessem no espaço. Uma civilização assim não poderia ser eliminada com algum bombardeamento relativista do seu planeta natal e não teria praticamente nada a temer de um vizinho como nós. Nesse caso, a reacção mais racional talvez fosse dirigirem para cá as antenas mais potentes e enviar-nos as instruções para construirmos esse tipo de robôs e espalharmos também a nossa civilização por este sistema solar. Sendo o resto igual, é preferível não ter um vizinho com medo de ser exterminado e que, por isso, se ponha a fazer asneiras.

Nenhum destes cenários é particularmente provável. Servem apenas para ilustrar como a reacção dos hipotéticos alienígenas dependerá fortemente da tecnologia que dominem. O ponto a que quero chegar é outro. Este universo tem cerca de treze mil milhões de anos. Se a tal civilização ET estiver apenas uma milésima disso à nossa frente, terá treze milhões de anos de avanço. Mesmo descurando a evolução biológica (há treze milhões de anos viviam os antepassados comuns de humanos, chimpanzés, gorilas e orangotangos), isto é duas mil vezes o tempo que passou desde a invenção da escrita à invenção da Internet e à exploração espacial. Tendo em conta a aceleração do progresso tecnológico, a melhor estimativa é que uma civilização treze milhões de anos há nossa frente – ou um milhão que seja – será tão avançada que poderá fazer tudo o que é possível fazer. Para todos os efeitos, da nossa perspectiva serão como deuses ou demónios.

Partilho da conclusão do João Carlos, de que vale a pena tentar descobrir se temos vizinhos neste canto da galáxia e contactá-los se existirem. Mas não é por estimar que serão porreiros, semelhantes a nós ou que desejarão colaborar connosco por interesse mútuo. É por estimar que, se nos quiserem mal, nada poderemos fazer e nem adiantará tentarmos passar despercebidos. E, se não nos quiserem exterminar, talvez consigamos despertar neles interesse suficiente para nos ligarem alguma coisa. Entretanto, à cautela, vou praticando: Klaatu barada nikto.

1- João Carlos Silva, Devemos tentar ou temer um contacto extraterrestre?
2- Admito que a transmissão da abertura dos Jogos Olímpicos de 1936 terá chegado muito fraquinha a 70 anos luz daqui. Mas, teoricamente, é possível. Will Hitler Be the First Person That Aliens See?

12 comentários:

  1. Ludwig,

    Sobre «[...]A tecnologia necessária para que isso seja viável permitirá certamente que aproveitem os recursos mais à mão para fazerem o que quiserem com muito menos esforço.[...]» gosto sempre de me lembrar da escala de Kardashev (https://en.wikipedia.org/wiki/Kardashev_scale).
    Serve para medir a capacidade de uma civilização em termos de produção energética. Para mim, serve para nos lembrar como somos tão pequenos...

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  2. Quem sabe um dia destes, sem necessidade de o enviar, colocaremos um robot em qualquer ponto do espaço? E, se houvesse ETs, quem sabe o que eles poderiam colocar entre nós? Se os ETs não pudessem estar entre nós, quem sabe, talvez com tecnologia, a velocidade da luz não fosse uma barreira. A avaliar pelos últimos tempos, nós ainda não vimos nada. Era isto que ouvia a pessoas simples e analfabetas, quando surgiu a televisão...Parecia uma trivialidade, mas todas as expectativas foram superadas.

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  3. Olá Ludwig,

    não sei se conhece, mas aqui está uma interessantíssima reflexão do seu compadre Tim Urban:

    http://waitbutwhy.com/2014/05/fermi-paradox.html

    Cumprimentos

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  4. FORÇAS OCULTAS, VIDENTES E EXTRA-TERRESTRES...

    Antes de se satirizar a astrologia (de resto também ela repudiada pela Bíblia por assentar numa visão naturalista do mundo) importaria examinar a relação entre alguns conhecidos evolucionistas e os astros.

    Tudo visto, observa-se que não andam longe da astrologia que tanto criticam.

    Francis Crick descobriu a estrutura do DNA (juntamente com James Watson), tendo deparado com informação codificada diante dos seus olhos, cuja origem só pode ser inteligente.

    Mas como Fancis Crick era um naturalista, não estava preparado para aceitar que Deus é a origem da informação codificada no DNA.

    Daí que tenha derivado para caminhos tortuosos e absurdos.


    No seu livro Life Itself: Its Origin and Nature (New York: Simon and Schuster, 1981), Francis Crick sustentou a teoria da panspermia, segundo a qual os extraterrestres vieram de nave espacial semear a vida no planeta Terra.

    Para ele, a probabilidade de a vida surgir por acaso era zero.

    Mas ele também não queria admitir que Deus fosse o Criador da vida.

    Daí a sua fuga para o espaço.

    É assim que se compreende que ele tenha dito, e passamos a citar, ‘that life on earth may have begun when aliens from another planet sent a rocket ship containing spores to seed the earth.’

    É evidente que ele via muitos filmes de ficção científica a ponto de confundir a ficção com a realidade.

    Também é claro que Francis Crick não explicou de onde vieram esses aliens. Empurrou o problema para os confins do espaço e do tempo.

    No entanto, a sua teoria alienígena é considerada por muitos como científica, quanto mais não seja por ter sido proposta por um evolucionista (ainda que um evolucionista suficientemente realista para saber que a vida não surge por acaso).

    Curiosamente, há alguns anos atrás Richard Dawkins também veio admitir que a vida poderia ter sido introduzida na Terra por extraterrestres!!

    Á medida que ele vai percebendo que a vida é demasiado complexa e dependente de informação codificada para surgir por acaso, ele vai preparando a sua fuga para o espaço.

    O problema é que se a vida não surge por acaso mesmo num planeta preparado para a receber, como surgirá por acaso noutro sítio?


    Quanto a Carl Sagan, basta ler os seus livros Contact e The Cosmic Connection e tirar daí as devidas conclusões.

    De resto, elas são inescapáveis.

    No seu livro The Cosmic Connection Carl Sagan especula sobre mensagens enviadas por civilizações extraterrestres mais avançadas, através de mecanismos incrivelmente sofisticados

    Também outro que via muitos filmes de ficção científica.

    Eis as suas palavras:

    'At this very moment the messages from another civilization may be wafting across space, driven by unimaginably advanced devices, there for us to detect them—if only we knew how. ...

    Or perhaps the messages are already here, present in some everyday experience that we have not made the right mental effort to recognize. The power of such an advanced civilization is very great.

    Their messages may lie in quite familiar circumstances. ... The message from the stars may be here already. But where?'


    A mensagem fundamental já está aqui connosco.

    Ela foi deixada na Bíblia e inteiramente corroborada pelo DNA e pelos seus complexos códigos genético e epigenético.

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  5. O rápido decaimento do campo magnético da Terra refuta a sua extrema antiguidade.

    Para fugir aos problemas aqui envolvidos, os evolucionistas naturalistas constroem um modelo de dínamo que supostamente alimentaria o campo magnético ao longo de milhões de anos.

    Uma notícia interessante sobre o suposto geodínamo mostra o o fracasso das teorias (cosmo-geo)evolucionistas e o campo magnético da Terra.

    O que eles concluem:

    "...these results mean that we may need to rethink our models for either core evolution or the geodynamo process."

    O melhor é mudar as ideias sobre a origem e a idade da Terra...

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    1. Bill Nye vs. Ken Ham: What Would Change Your Mind? :
      https://www.youtube.com/watch?v=6j8Babr_n4w

      Epic creationist fails of our time -- Population and magnetic fields proves young Earth :
      https://www.youtube.com/watch?v=R6XWw7KwJkg

      https://carnegiescience.edu/news/consistency-earth%E2%80%99s-magnetic-field-history-surprises-scientists :
      «Computer simulations of reversal rates are very different depending on whether or not the planet has a solid inner core.

      One possible explanation for Driscoll and Evans’s new result is that the Earth’s inner core is actually much older than has been previously estimated, but this idea would conflict strongly with the most-reasonable planetary cooling models. Another explanation invokes an unexpected resilience of the geodynamo in the face of dramatic changes to its structure, including something as fundamental as the solidification of the inner core.

      "We think the latter is more likely," Driscoll added. "But regardless of which answer is correct, these results mean that we may need to rethink our models for either core evolution or the geodynamo process."»

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    2. NephilimFree Self-Pwnage :
      https://www.youtube.com/watch?v=4V-8HfEglHI

      Lessons from Dunning-Kruger :
      http://theness.com/neurologicablog/index.php/lessons-from-dunning-kruger/

      "$5,000 for Proving the Earth is a Globe (Oct, 1931)" :
      http://blog.modernmechanix.com/5000-for-proving-the-earth-is-a-globe/

      "In January of 1870, Alfred Russel Wallace found himself on a collision-course with a group of creationists who fervently believed the earth is flat" :
      http://blogs.scientificamerican.com/rosetta-stones/wallace-8217-s-woeful-wager-how-a-founder-of-modern-biology-got-suckered-by-flat-earthers/

      The Flat Earth Controversy :
      http://www.testingtheglobe.com/quest2.html

      $100,000 Flat Earth Challenge Response to Alien Fossil Project :
      http://www.flatearth.is/Video-Player/VideoId/3372/UseHtml5/True

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    3. Um fundamentalista não pode abandonar a sua fundamentação (Bíblia, no caso), logo, nunca podemos esperar que mude de opinião. Mas pelo menos, outros podem ver a tentativa de perpetuar uma mentira, tantas vezes repetida que até passa a ser verdade... lá foi mais um ponto para a moralidade religiosa. :p

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    4. Pelos vistos o Criacionismo Bíblico calou-se depois de referir-se a um artigo sobre uma observação e cálculos que implicariam a Terra ser muito mais antiga do que se pensa, ou que a sua estrutura é mais diferente do que se pensa - o contrário do que o criacionista sugeriu, por isso nunca se deve confiar nas interpretações que ele faz dos artigos que refere.

      Criacionistas admitem abertamente que nada os fará mudar de ideias mesmo se algo parecer contrário aos seus dogmas. São arrogantes, achando que conseguem superar os especialistas nos seus trabalhos, mesmo que esses criacionistas estejam simplesmente sentados à procura de textos para isolar expressões e interpretá-los fora do contexto e ignorantes das minúcias importantes.

      Aliás, existem ainda criacionistas que acreditam que a Terra é plana, chamam os outros de "copernicistas", fazem desafios com prémios avultados para se provar que a terra é um esferóide que orbita em redor ao Sol, e até "ganham" debates até com físicos. A diferença desses criacionistas bíblicos e o Criacionista Bíblico é que acreditam numa interpretação literal de certos versos bíblicos.

      O Criacionismo Bíblico ocupa-se a fazer SPAM nos "blogs" e a criticar a Ciência, idolatrando um livro de livros, fazendo-o de infalível para desconsiderar métodos e trabalhos de seres falíveis, mas cujas teorias são muito mais fiáveis, depois de tanto risco de serem refutadas, e tornam as nossas vidas melhores.

      Por exemplo, o criacionista faz-se parecer que sabe mais sobre o campo magnético da Terra, mas foram cientistas que há pouco tempo detectaram ondas gravitacionais da Terra depois de cerca de 100 depois de Einstein ter formulado a hipótese da sua existência. Implicou o fabrico de enorme uma complicada estrutura e complicadas análises estatísticas de imensos dados. O criacionista pura e simplesmente fica no sofá a coçar a virilha enquanto procura usar o trabalho de imensos anos desses cientistas, tentando procurar uma frase isolada para distorcê-la em poucos minutos. Não é verdade, Criacionista Bíblico?

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. O que seria óptimo era encontrarem vestígios de vida bastante evoluída em Marte. Era sinal de que a comédia humana está prestes a chegar ao fim.

    http://www.nickbostrom.com/extraterrestrial.pdf

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