domingo, dezembro 20, 2015

Treta da semana (atrasada): mérito e rigor

Algumas justificações para manter os exames da quarta classe são tão vagas que nem são inteligíveis. Acusar que é facilitismo acabar com estes exames não diz nada se não se aponta o que é que se quer dificultar e qual a vantagem em dificultá-lo. Especialmente tratando-se da passagem entre a quarta classe e o preparatório, que não se esperaria difícil. Alegar que os exames contribuem para a qualidade do ensino também só faria sentido se explicassem como. Se o efeito for pressionar os professores a preparar melhor os alunos para os exames o resultado provável será análogo ao que a Volkswagen fez com os testes de emissões.

A tese de que os exames são um «instrumento aferidor e regulador»(1) é mais concreta mas pouco plausível. Segundo a Sociedade Portuguesa de Matemática, «É indispensável que continuem a existir instrumentos que permitam a aferição externa dos conhecimentos e capacidades»(2) e «se por [esses instrumentos] ocorrer alguma distorção no trabalho letivo é essa distorção que deve ser corrigida». Mas a única forma de corrigir a distorção causada pelos exames contarem para a nota é os exames não contarem para a nota. Substituí-los, por exemplo, por provas de aferição. Além disso, a capacidade de memorizar as repostas certas para os exames de Matemática ou Português não é importante para prever o sucesso da criança no ciclo preparatório. O mais importante é que aprenda na primária a comportar-se adequadamente nas aulas e a estudar, e é isso que deve contar para decidir se transita para o ciclo preparatório.

De entre as objecções à eliminação dos exames da quarta classe, há duas que me parecem especialmente más pela facilidade com que podem enganar. Uma é a de que os exames da quarta classe são uma forma justa de reconhecer o mérito, ou demérito, das crianças. Paulo Rangel até escreveu que «É hipócrita a ideia de que os exames são socialmente injustos» e que «Nem a vida nem a competição internacional – vinda dos países de leste ou do extremo oriente – se compadecem com esta “infantilização” do discurso» (3). Isto faz algum sentido com adultos. No entanto, crianças de nove anos não saem da quarta classe directamente para o mercado de trabalho; tratá-las como crianças não as infantiliza mais do que realmente já são; e o resultado que têm nos exames é produto quase exclusivo de factores que as crianças não controlam e pelos quais não são responsáveis. Por isso, é disparatado e injusto avaliar a aptidão da criança de nove anos para começar o ciclo preparatório com o mesmo tipo de testes com que se avalia quem quer entrar para a universidade ou concluir uma licenciatura.

Mas o pior chavão é o do rigor. O termo implica exactidão, que é a propriedade de uma medida ficar consistentemente próxima do valor que mede, coisa que os exames não fazem. São medidas precisas que fascinam os burocratas da certificação porque reduzem algo complexo, como o conhecimento, a um valor com ar sério. Este aluno teve 83% e o outro só 78%. Impressionante. Mas a precisão é enganadora. Bastava o exame ter sido feito noutro dia, avaliado por outra pessoa ou o enunciado ter sido outro para o resultado ser muito diferente.

Este é um problema que enfrento no final de cada semestre. Por exigência burocrática, tenho de avaliar cada aluno com um número inteiro de 0 a 20. Para isso, faço tabelas precisas com os critérios de avaliação de cada pergunta dos testes e cada item dos trabalhos. Tudo até às décimas. Mas apenas porque tenho de poder explicar a cada aluno de onde vem a nota e para garantir critérios uniformes. Isto não tem nada que ver com rigor porque medir o conhecimento do aluno com um só número exige uma data de simplificações arbitrárias para combinar os vários aspectos desse conhecimento. Por isso, aquele 16 poderia, com igual legitimidade, ter sido um 18 ou um 14 se eu tivesse ponderado os vários factores de forma diferente. Acresce a isto a incerteza da medição, que depende de muitos factores circunstanciais alheios ao conhecimento – uma dor de barriga no dia do exame pode valer mais do que qualquer pergunta no enunciado – e o resultado final é um número preciso mas sem rigor. E se é assim no ensino superior, em que se avalia adultos em disciplinas bem circunscritas, muito pior será na quarta classe com o objectivo principal de avaliar se a criança está pronta para o ciclo seguinte.

Para haver rigor na avaliação era preciso adequar a precisão do resultado à precisão do método e incluir margens de erro. Eu conseguiria fazer uma classificação rigorosa se separasse os alunos apenas em três categorias, como insuficiente, adequado e excelente, e pudesse indicar para cada um se tinha ou não confiança nessa classificação. Dessa forma, a minha avaliação corresponderia consistentemente ao nível de conhecimento do aluno, a menos dessa margem de confiança explícita. Quando me obrigam a dar um número de 0 a 20 e a descurar as margens de erro sacrificam o rigor em favor de uma precisão enganadora. É como medir uma coisa com a mão e dizer que tem 4,38 palmos de comprimento. Isso não é rigor. É aldrabice. E avaliar um aluno da quarta classe com notas à centésima é ainda pior.

É verdade que, se fizermos a média de um número grande de alunos, as margens de erro estreitam parcialmente pela eliminação dos erros aleatórios. Isto permite provas de aferição agregadas para monitorizar o progresso médio dos alunos, se bem que sempre enviesadas pelas decisões arbitrárias dos avaliadores. Seja como for, não é rigoroso avaliar indivíduos com a precisão que se tem nestes exames. Essas avaliações individuais absurdamente precisas são só rigor a fingir e só servem para uns burocratas fazerem gráficos bonitos e enganarem os leigos.

1 - DN, Bandeira dos exames é a primeira a cair
2- DN, Sociedade Portuguesa de Matemática contra fim dos exames de 4.º ano
3- Público, Rumo ao facilitismo: rapidamente e em força!

5 comentários:

  1. Concordo, mas reforço uma objeção ao argumento segundo o qual "os exames são um «instrumento aferidor e regulador»".
    Para que sejam esse tal instrumento regulador, é necessário que se extraiam consequências. Ora, os rankings de exames são publicados há 15 anos. Quais foram as consequências daí deduzidas? Houve professores avaliados negativamente em virtude dos maus resultados dos seus alunos (sendo que, quanto a mim, isso seria completamente tolo e desinformado)? Houve mudança de curriculo para evitar alguns problemas nos exames? Houve mudança no estatuto social dos alunos que permitisse esbater as diferenças, dando melhores condições de equidade aos mais desfavorecidos? Houve atribuição de créditos horários às escolas com piores resultados para que pudessem fazer um melhor trabalho? Houve revisão do currículo das disciplinas com piores resultados para assegurar que não são os próprios conteúdos e, eventualmente, a sua inadequação às faixas etárias para os quais estão concebidos, a majorar as probabilidades de insucesso nos exames?
    Isto é, sem que se extraiam consequências dos resultados dos exames, afirmar que eles são um instrumento de regulação e de melhoria das aprendizagens é um argumento disparatado.

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    1. FILHA 1º deviaS QUESTIONAR O QUE OS EXAMES AVALIAM E COMO O AVALIAM O RESTO É TÃO MERDOSO COMO A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO EM 2 VOLUMES PUBLICADA EM NOME DUMA NÓDOA QUALQUER ...APARENTEMENTE ESTE GAJO É UM DOS Ludwig Krippahl
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      AboutPostsPhotosVideos PASSADO UM ANO E PICOS SEM VER ESTA MERDE PARECE-ME QUE ESTAS CASSETES SÃO SEMPRE AS MESMAS NÃO HÁ PENSAMENTO CRÍTICO DE JEITO NÉ E AS ANÁLISES SÃO DUMA POBREZA MONTESSORIANA ENCASTRADA NO SÉCULO XX OU MESMO NOS ANOS 60 DO MESMO
      SEI LÁ ADEVIAM ACTUALIZAR-SE NÉ

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    2. O FACTO DOS PUTOS E DOS ADULTOS DE IDADE DE JOVEM AGRICULTOR KRIPPAHLIANUS NEM ENTENDEREM QUE O ENSINO BÁSICO ACTUAL POUCO DIFERE DO MODELO QUE AGOSTINHO DE CAMPOS TENTOU IMPLEMENTAR EM 1905 E QUE NÃO MUDOU QUASE NADA DESDE OS ANOS 60 TIRANDO A IMPLEMENTAÇÃO DE ACTIVIDADES FÍSICAS E JOGOS NOS ANOS DE 1974 E SEGUINTES E UM INGLÊS TÃO BASIC QUE DAVA PARA POR NA LINHA DE COMANDOS DUM COMPUTA QUALQUER

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  2. Ludwig,

    Em geral concordo.
    No entanto, creio que o principal problema é atacar o problema pelo principio que todos os alunos são iguais, e não o são!
    Creio que na Suíça existe uma espécie de segregação com base nas capacidades cognitivas dos alunos; a avaliação dessas capacidades é revista, mas tanto quanto sei, é raro um aluno sair do seu grupo inicial.
    Sei que tal separação parece algo digno de um filme "catástrofe" com governos totalitários. No entanto, tem bastante lógica e para os professores é melhor, pois sabem de antemão que tipo de alunos vão encontrar e podem orientar a aula de forma diferente caso seja uma turma de "elite", uma turma média ou um turma com alunos "medíocres".
    Por outro lado, para os alunos é também benéfico: um aluno "topo" pode sentir-se desmotivado se estiver numa turma "muito fácil"; um aluno "medíocre" pode sentir que nuca terá hipótese de atingir o nível do fulano que limpa sempre os exames facilmente. Mas é exactamente isto que temos ao nivelar pela média todos os alunos: obtemos alunos médios, e não obtemos as reais capacidades de cada um.

    Creio que em Portugal já houve pelo menos uma experiência deste tipo (em Matosinhos se não estou errado), e a primeira reacção dos pais foi: "o meu filho está na turma dos fracos?"; quando perceberam que esses alunos "fracos" tinham um acompanhamento diferenciado positivo, aderiram à ideia.

    Há ainda um lado mais complexo neste sistema Suíço: apenas alunos que atinjam um certo nível podem inscrever-se nas universidades. Os restantes, são encaminhados para outro tipo de ensino, como por exemplo o técnico-profissional, o que até me parece bem, uma sociedade não precisa só de doutores e professores universitários, também precisa de pedreiros, padeiros, pessoal de manutenção, etc.

    Também já ouvi alguém defender nos jornais a ideia que o melhor é não haver exames, e os alunos passam sempre, que assim nunca têm o problema do anátema dos exames.
    Acho que esta ideia é perigosa, pois leva a uma ideia de ser sempre fácil e nunca haver repercussões, quando o mundo "real" é do tipo "sete cães a um osso e todos são lixados!".

    Eu sou a favor dos exames, mas mais do que isso, sou a favor de ensino de qualidade. A qualidade creio que só poderá ser obtida por um sistema de "segregação positiva" como o que descrevi.

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    1. DEVIAS SER PÁ SE TIVESSES TIDO UM NÃO TINHAS QUE ESCREVER TANTAS FRASES DE CASSETE UM ROBOT FARIA CERTAMENTE MELHOR

      O TEU FILHO OU A TUA FILHÓ SE A FIZESTE ESTÁ NUM NÍVEL DE BOLHA NUMA EMBOLIA ARTERIAL ALGURES NUMA UNIVERSIDADE SUIÇA
      E OLHA QUE HÁ PELO MENOS UM MAGAREFE QUE CONSEGUE ESCREVER COUSAS MAIS ACERTADAS QUE TU PÁ COM UMA EDUCAÇÃO FEITA DE VERNIZ E IDEIAS TÃO BÁSICAS QUE BENZÓDEUS Também já ouvi DE CERTEZA alguém defender nos jornais FALADOS RÁDIOJORNAIS TELEJORNAIS? a ideia V

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