sábado, maio 23, 2015

Treta da semana (atrasada): aprendendo teosofia.

A leitora mtavares comentou recentemente um post antigo sobre o Centro Lusitano de Unificação Cultural (CLUC). Dizendo-se admiradora do CLUC, aconselhou o «Senhor Ludwig e companhia [...] a pôr alguma ordem nessas ideias , tentando entender ( juntem os neurónios, contei pelo menos três na vossa verborreia) alguns dos preceitos Teosóficos»(1). Apreciando a crítica construtiva, a simpatia e o humor refinado, não resisti seguir o conselho da estimada leitora e tentar aprender algo sobre os tais preceitos Teosóficos, tão importantes que até como adjectivo merecem maiúscula.

O ponto de partida para esta investigação, que tenciono prosseguir enquanto a paciência mo permitir, é o artigo «Adão ou macaco? O darwinismo no centro do furacão?», da autoria de «Humberto Álvares da Costa, Médico Cardiologista; Secretário-Geral da Sociedade Teosófica de Portugal; Redactor-Chefe da revista “Portugal Teosófico”» (2). O autor parece ser perito em teosofia, aborda um tema com o qual tenho alguma familiaridade e, tal como eu, é um «um não-darwinista assumido». Darwin foi um pioneiro na teoria da evolução, fez um trabalho extraordinário e explicou conceitos importantes como a selecção natural e a ideia das espécies como grupos de populações e linhas de descendência em vez de categorias herméticas como os tais “tipos” que ainda hoje baralham os criacionistas. Mas isso foi há século e meio e, entretanto, tem-se avançado muito neste campo. Hoje conhecemos processos moleculares que Darwin nem imaginava e temos modelos quantitativos rigorosos daquilo que ele apenas pôde conceber de forma qualitativa e vaga. Por muito meritórios que sejam os pioneiros, ao desbravar novos caminhos para o conhecimento tornam inevitável que as suas ideias sejam ultrapassadas. Por isso, quem quiser perceber a teoria da evolução século e meio depois de Darwin tem mesmo de ser “não-darwinista”.

No entanto, parece acabar aqui a minha concordância com Costa. Alega que há um «triângulo Deus, Homem e o Universo» no qual «O Homem e o Universo, por analogia, representam os dois pólos da Manifestação, que os cabalistas designaram por: Chokmah ou Sageza e Binah ou Sofia (Ciência, Prudência)» A analogia do problema epistemológico com um triângulo de dois pólos parece-me demasiado confusa. Quanto à teoria da evolução, começa por afirmar que «A Evolução existe em toda a parte, é global: átomos, estrelas, seres vivos… O Cosmos é Evolução», o que é falso porque, no sentido técnico, evolução é a variação na distribuição de características herdadas em populações de entidades que se reproduzem. E Costa aponta como problema principal que «É muito diferente orientar a vida na convicção de que somos animais em luta pela sobrevivência da espécie ou de que somos filhos do Divino.» Mesmo que seja, isto é irrelevante por duas razões. Primeiro, porque o impacto que uma proposição tenha na forma como orientamos a vida não permite, por si só, decidir se é verdadeira ou falsa. Por muito desagradável que seja ter uma doença grave não se justifica concluir daí que o diagnóstico está errado. E, em segundo lugar, a teoria da evolução não implica lutar pela sobrevivência da espécie. A espécie é uma categoria transitória, nada mais que o conjunto de populações de indivíduos, numa dada altura, que se podem cruzar para gerar descendentes férteis. Além disso, a teoria da evolução apenas explica o mecanismo pelo qual surgiram as características que agora temos. Não diz nada acerca do que devemos fazer com elas. Culpar a teoria da evolução por alguém viver como se a sua vida só servisse para perpetuar a espécie é como culpar a química por alguém se suicidar com um tiro na cabeça.

Mas onde divergimos mais é na resposta que Costa dá à questão «como reconhecer a Verdade? O homem médio terá muita dificuldade em aceder-lhe directamente mas tudo o que é fundamental saber foi ensinado, nas religiões e métodos espirituais, por Mestres, cientistas perfeitos.» O problema geral de procurar fontes autoritárias onde assentar o conhecimento merece, pelo menos, um post inteiro. Mas, focando apenas este caso, é de rejeitar a confiança na suposta perfeição de “cientistas” como «Helena P. Blavatsky, a discípula dos Mestres de Sabedoria que foi destacada para repor a Teosofia moderna». Ao contrário da ciência de verdade, a teosofia “moderna” de Blavatsky, de meados do século XIX, nada progrediu desde então. É possível que Blavatsky tenha sido uma cientista perfeita e que, por isso, tenha conseguido criar um corpo de conhecimento completo e totalmente correcto de uma só penada, com «tudo o que é fundamental». Mas o texto de Costa sugere uma alternativa mais plausível. Lamenta Costa que, «Quando Newton morreu, em 1727, os estudos alquímicos foram retirados do espólio e classificados como impublicáveis.» É verdade que o legado de Newton na física é muito mais importante do que o seu trabalho na alquimia. Mas isto não se deve a censura ou discriminação. Deve-se ao trabalho de Newton na física ter aberto caminho para novas aplicações, novas descobertas e novas teorias enquanto que a alquimia nunca passou da cepa torta. A alquimia foi apenas um passo na direcção errada.

Esta é a distinção mais importante. Para desbravar caminho em direcção ao conhecimento é preciso cruzar a especulação com o que se pode observar. Isto conduz a explicações testáveis e acaba por revelar erros que terão de ser corrigidos e lacunas que terão de ser colmatadas. Assim, quem contribua para o conhecimento nunca dará a impressão de ser perfeito. Essa ilusão exige isolar a especulação da realidade de forma a que se possa ignorar erros e confundir ideias infundadas com “Verdade”. É o que fazem astrólogos, teólogos, alquimistas e afins. Pelo que aprendi até agora, é o que a teosofia faz também. E o preço desta aparência de perfeição é não poderem dizer nada que se aproveite.

1- Comentário em Treta da semana: Centro Lusitano de Unificação Cultural.
2- Adão ou macaco? O darwinismo no centro do furacão?

5 comentários:

  1. Acho fantástica a frase "como reconhecer a Verdade? O homem médio terá muita dificuldade em aceder-lhe directamente mas tudo o que é fundamental saber foi ensinado, nas religiões e métodos espirituais, por Mestres, cientistas perfeitos."

    É mais uma vez a analogia do pai e do filho, ou do pastor e das ovelhas. Nessa visao do mundo o homem é incompleto e incapaz de conhecer a "verdade" sem a ajuda do "pai divino", muitas vezes através dos seus representantes. Os pastores que guiam as ovelhas do estábulo ao campo verdejante para se alimentarem, e as guiam de volta ao estábulo quando a tempestade se aproxima.

    Felizmente existem outras filosofias em que o Homem nao é visto como um animal inferior ou como uma crianca a necessitar de aconselhamento e orientacao. Se pusermos de parte esta ideia do Pai Divino e se considerarmos que o Homem é capaz de encontrar o seu próprio caminho de forma independente, como um adulto, pomos de lado muitas das angústias que afligem algumas mentes.

    A "Verdade" é uma conceito abstracto impessoal e intemporal, que por isso mesmo nao se pode definir. É um conceito inútil. Em oposição a esta ideia existe a verdade cientifica, que é temporal e pessoal. Até alguém demonstrar que Newton estava errado as suas descobertas são aceites como verdadeiras, mas no momento em que uma nova e melhor verdade surgir as ideias de Newton serão abandonadas. As descobertas de Newton surgiram dele próprio (embora ele fosse crente em Deus) não surgiram de uma inspiração divina ou de um anjo mensageiro, são antes fruto do engenho humano e da mente racional.

    Para mim acreditar na capacidade e maturidade do homem é muito mais fascinante e satisfatório do que acreditar num "pai divino" de quem a criança humana depende. Não precisamos da "Verdade" para viver, nem para ser mais ou menos felizes. E felizmente nem tudo foi descoberto e explicado pelos mestres, todos os dias milhares de pessoas descobrem coisas novas e maravilhosas. Hoje de manha tive o prazer de partilhar com a minha família as maravilhas das impressoras 3D, capazes de produzir pecas de metal como nunca foi possível até agora a partir de pó de metal e laser, uma nova era industrial está a nascer graças a ciência e ao engenho do Homem, nenhum dos mestres antigos participou nesta revolução, nem foi necessário.

    (peco desculpa pelos erros ortográficos, mas os teclados britânicos não permitem melhor)

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Caro Rui,

      Em geral concordo com o que escreve. Há no entanto um pequeno pormenor que me parece importante e que realmente distingue a ciência da religião e que nem sempre é entendido por muitas pessoas: a ciência é sobre a procura da verdade, mas sim sobre a procura da compreensão.
      Mesmo nos tempos longínquos de Anaximandres, Demócrito e outros, a ideia era perceber como o universo funciona, ou seja, conhecer o universo. Se daí resulta alguma verdade, é outro assunto, mas não creio que seja a parte importante da ciência.
      As verdades absolutas são conceitos religiosos, e vejo demasiadas vezes pessoas que não compreendem nem sequer tentam compreender a ciência, a tentarem argumentar que a ciência é só mais um sistema de crenças, e como tal, uma espécie de religião ateia. Mas a ciência não é um sistema absoluto, nem sequer argumenta que procura a verdade, tão só deve preocupar-se com a busca do conhecimento, por oposição ao salto de fé que implica um sistema de crenças religioso, em que a base é sempre "a fé fornece a verdade", tal como diz Jo 20,29:"Felizes os que creram sem terem visto".

      De resto, e mais sobre o tema do Ludwig, sempre achei curiosa a trapalhada metafísica do pessoal da Cabala (quer seja judaica, quer seja cristã), bem como a táctica já gasta (mas ainda assim eficaz) de juntar todo o paleio científico que não seja ou compreendido ou que possa dar uma vantagem de saber dizer mais palavras estranhas: é a isto que se chama pseudociência. Pegamos em meia dúzia de palavras, tipo "evolução", "relatividade", "quântico", "princípio da incerteza" e finalmente se juntarmos uns nomes estranhos, de preferência numa língua associada ao passado remoto como é o hebraico, latim ou sânscrito, e temos os ingredientes para apanhar um bom punhado de gente. Para os interessados dou duas sugestões de leitura: 1) o site http://pdos.csail.mit.edu/scigen/ em que podemos "produzir" online um texto "científico" no caso ligado à computaação, mas tem ligações para outros do género; 2) o excelente romance “O Pêndulo de Foucault” de Umberto Eco editado em Portugal pela Difel que parece que já não existe, mas o livro ainda pode ser encontrado, que é um bom guia para o pensamento da cabala e outras tretas.

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  2. COMO PODEMOS TER A CERTEZA ABSOLUTA DE QUE O LUDWIG HÁ MUITO QUE PERDEU O SEU DEBATE COM OS CRIACIONISTAS?


    É muito simples:

    1) Para defender a ciência, o Ludwig tem que postular que o Universo funciona racionalmente e pode ser compreendido racional, lógica e matematicamente.

    A Bíblia ensina isso, quando sustenta que o Universo foi criado racionalmente e o ser humano é singular porque foi dotado de razão, pensamento abstrato e linguagem.

    A teoria da evolução (com a sua ênfase na irracionalidade dos processos), não.

    A Bíblia ganha, porque o Ludwig tem que postular a visão bíblica do mundo para defender as possibilidades da ciência.


    2) Para poder criticar o comportamento dos religiosos, o Ludwig tem que pressupor a existência de valores morais objectivos.

    Caso contrário, são as suas próprias preferências morais subjectivas contra a dos religiosos.

    A Bíblia ensina que existem valores morais objectivos. A teoria da evolução (com a sua ênfase no carácter amoral e predatório de milhões de anos de processos evolutivos), não.

    A Bíblia ganha, porque o Ludwig tem que postular a visão bíblica do mundo para as suas condenações morais serem plausíveis...

    3) Para negar a dimensão espiritual, o Ludwig tem que recorrer à dimensão espiritual
    Quando afirma que pode apreciar a natureza sem uma dimensão espiritual, o Ludwig consegue pegar fotografar a natureza mas não consegue fotografar o naturalismo ateísta, observá-lo ao microscópio, medi-lo com uma régua ou pesá-lo com uma balança-

    O naturalismo ateísta é uma ideia, não tendo por isso as propriedades das coisas físicas, como massa, energia, luz, electricidade, magnetismo, velocidade, peso, tamanho, volume, etc.
    Isso, porque uma ideia (incluindo a ideia de que não existe dimensão espiritual) tem uma existência espiritual, não material ou física.

    Para ter impacto no mundo físico uma ideia como o naturalismo ateísta necessita de ser codificada e transformada em informação que outros (ou maquinismos inteligentemente programados para o efeito) possam, através da inteligência, descodificar, compreender ou executar essa informação.

    É por existirem no mundo espiritual e não físico que as instruções para a produção e reprodução dos seres vivos, contidas no DNA, têm que ser codificadas para poderem ser descodificadas e executadas por máquinas moleculares também programadas pelo DNA.

    A Bíblia ensina que existe uma dimensão espiritual. O naturalismo ateísta nega essa dimensão.

    No entanto, como tem que recorrer a ela para a negar, ele mostra a sua irracionalidade e auto-contradição.

    A Bíblia ganha, o naturalismo do Ludwig perde.

    4) A Bíblia ensina que a vida foi criada por uma (super-)inteligência.

    A existência de códigos e de informação codificada é a marca, por excelência, da inteligência e de racionalidade (v.g. computadores, ATM’s, GPS’s., Ipads).

    A vida depende de códigos e informação codificada, com uma densidade e complexidade que a comunidade científica não consegue compreender e reproduzir.

    Para aspirar a ganhar o debate, o Ludwig teria de a) mostrar um processo físico que crie códigos e informação codificada ou b) demonstrar que a vida não depende de códigos nem de informação codificada.

    Como ambas as coisas são cientificamente impossíveis, a Bíblia ganha.

    É por isso que é errado afastar a Bíblia deste debate, como alguns pretendem. Ela dirige e vence o debate.

    Sempre que tenta negar a Bíblia e condenar a conduta dos cristãos o Ludwig tem que postular a visão bíblica do mundo.

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    1. Criacionista,

      Algumas questões sobre o seu texto:
      1) Quando diz "A Bíblia ensina isso, quando sustenta que o Universo foi criado racionalmente", pode por favor referir onde está tal citação? Convém perceber se é uma interpretação a obter da leitura do texto e por isso é meramente subjectivo, ou se o texto o diz "ipsis verbis".

      2) Pode por favor explicar melhor quando diz "o Ludwig tem que postular a visão bíblica do mundo para defender as possibilidades da ciência"? É que não consigo perceber como é que as "possibilidades da ciência", seja lá o que isso quer dizer, tenha algo a ver com uma "visão bíblica".

      3) Também não percebo a lógica que gera a conclusão do seu ponto 2). Sinceramente, não encontro qualquer lógica no argumento, e mais parece um resultado avulso, sem rei nem roque.

      4) Sobre a questão "Para negar a dimensão espiritual [...]", também não percebo a relevância dessa "dimensão". Se estamos a falar de ciência, que é sobre compreensão, como podemos falar de algo que não pode ser compreendido?

      5) Diz "A existência de códigos e de informação codificada é a marca, por excelência, da inteligência e de racionalidade[...]". Sabemos que tal não é necessariamente verdade: pela análise dos anéis de crescimento das árvores podemos obter informação, como dados sobre o clima, a idade da planta, mas esta não foi lá colocada com esse propósito, simplesmente a ciência aprendeu a ler essa "informação". Outros exemplos: a análise da idade das rochas por métodos de radiometria (sim, eu sei que os criacionista não acreditam nesses métodos, mas ainda assim a comunidade científica é que manda nessa matéria!, pode até ver um vídeo interessante que explica como isso funciona: https://www.youtube.com/watch?v=iGDrq8rikJc), a análise dos estratos geológicos, dos níveis de criação de gelo nas calotas polares. Todos estes processos armazenam informação que pode depois ser interpretada.

      6) Diz ainda "Sempre que tenta negar a Bíblia [...] o Ludwig tem que postular a visão bíblica do mundo.". Sinceramente, não percebo a conclusão. Basta pensar que os cristãos representam cerca de 1/3 da população. Seria necessário, postular uma visão bíblica, corânica, védica, etc. Ainda não consegui perceber como é que um fundamentalista cristão pode argumentar perante um crente de outra religião, que a criação que está na Bíblia é mais correcta do que a que a tradição da outra pessoa?

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