domingo, setembro 21, 2014

Três confusões.

Adivinhando-se um reavivar da contenda pelo copyright, a propósito da nova taxa, achei pertinente apontar três confusões nos conceitos que se invoca para justificar que todos devemos dinheiro aos autores por trabalho que não lhes encomendámos.

Se um cozinheiro profissional trabalha e não lhe pagam é claro que estão a violar os seus direitos e que isso tem de ser ilegal. O mesmo para qualquer outro profissional, seja cabeleireiro, professor, canalizador ou o que calhar. Por isso, se afirmam que a lei deve garantir que os músicos profissionais têm direito a uma remuneração, ninguém estranha. No entanto, neste caso, há um abuso do termo “profissional”. Quando pensamos num profissional pensamos em alguém que trabalha sob contrato, desempenhando uma tarefa que lhe prometeram remunerar ou vendendo algo a quem se comprometeu comprar. Por exemplo, se o cozinheiro tem um contrato com o restaurante ou o músico tem um contrato com a orquestra e não lhes pagam o prometido, então a lei deve intervir. Mas alguém que inventa receitas na esperança de as vender não é um cozinheiro profissional. E se, como é quase certo, os seus potenciais clientes preferirem partilhar as receitas gratuitamente entre si em vez de lhas comprar, não tem qualquer legitimidade para exigir pagamento porque ninguém lhe encomendou nada.

Há artistas e autores que trabalham como profissionais. Em jornais, orquestras e corpos de baile, por exemplo. E, com a tecnologia que temos, qualquer um pode trabalhar de forma profissional se acordar com o seu público a remuneração pelo trabalho que vai fazer. Também já há artistas a fazer isto pela Internet, até porque o princípio é o mesmo que vender bilhetes para um concerto. Tal como nas outras profissões, também na arte o trabalho profissional, no sentido rigoroso do termo, não carece de direitos especiais para garantir uma remuneração justa porque esta é acordada entre as partes à partida. O problema do copyright só persiste porque, por pressão dos distribuidores e pelas limitações tecnológicas de outrora, tornou-se tradição os autores trabalharem sem qualquer garantia de remuneração e só depois tentarem encontrar quem lhes dê alguma coisa. É uma abordagem legítima, mas fazer as coisas por essa ordem é característica de amadores e não de profissionais.

Mesmo admitindo que monopólios, taxas e restrições sobre a cópia só são necessários por falta do profissionalismo de garantir a remuneração antes de fazer o trabalho, há quem argumente que, ainda assim, um artista que produz algo que outros apreciem merece ser remunerado. Em muitos casos a alegação é duvidosa. Por exemplo, quando penso no que o Tozé Brito merece pelo que fez à música portuguesa, não é remuneração que me ocorre. Mas mesmo que o artista mereça ser remunerado é preciso distinguir dois sentidos de “merecer”. Num sentido, a coisa merecida é tão importante e justa que todos temos a obrigação de a garantir. Por exemplo, quando dizemos que as crianças merecem ter acesso à educação ou que um trabalhador merece receber o salário que lhe prometeram pelo trabalho que fez estamos a dizer que deve ser assim nem que seja pela força, cobrando impostos ou ameaçando procedimentos judiciais. Mas quando dizemos que os bombeiros merecem ganhar mais do que os futebolistas estamos a afirmar que seria justo mas sem defender que a lei o obrigue. Esta distinção é importante quando se invoca o mérito dos autores, que até o podem ter, para justificar legislação que esse mérito não justifica. Mérito por mérito, diria ser maior o do bombeiro que o do músico.

Finalmente, os “direitos do autor”. Isto pode referir um conjunto de privilégios que se atribui ao autor por ser diferente dos restantes cidadãos, uma noção que ninguém estranharia no século XVI, quando se inventou estas leis. Um exemplo extremo deste conceito é o (mítico) droit du seigneur, segundo o qual o nobre teria o direito de desvirginar as filhas dos plebeus. Mas o sentido mais adequado à sociedade moderna é o que usamos nos “direitos do trabalhador estudante” ou “direitos do eleitor”. Estas expressões não designam privilégios exclusivos dos membros de uma classe mas, pelo contrário, direitos concedidos a todos para que seja mais fácil desempenharem esse papel na sociedade. Por exemplo, o direito de faltar ao trabalho para fazer exames não é uma recompensa nem um privilégio. Serve para tornar mais fácil a quem trabalha continuar os estudos. Esta mudança de perspectiva inverte o que devem ser os “direitos do autor”. Em vez do direito, de uns poucos, de receberem dinheiro pelo que outros fazem ou proibirem a partilha de informação, devem ser direitos de todos para que seja mais fácil qualquer um ser autor. E isto dá o contrário do que temos. Em vez do monopólio sobre a obra o direito do autor devia ser o direito de acesso e partilha de informação, porque é disso que ele precisa para criar. Em vez do direito de proibir a criação de obras derivadas, o autor devia ter o direito de transformar livremente qualquer elemento da sua cultura. Quer por justiça quer para incentivar a criatividade, em vez de conceder privilégios a quem já criou devíamos conceder a todos os direitos que os ajudem a criar.

Prevejo que, nos próximos tempos, se fale muito dos direitos dos autores profissionais e de como merecem ser pagos pelo seu trabalho. Gostava que, sempre que isso acontecesse, se lembrassem destas três confusões. Qualquer profissional, no sentido rigoroso do termo, tem o direito à remuneração garantido por lei em virtude do contrato que celebrou pela venda do seu trabalho. Se não tem é amador. Muita gente merece muita coisa, mas só em casos excepcionais é que isso justifica coagir terceiros pela força da lei. E, finalmente, numa sociedade igualitária e digital, os direitos do autor não devem ser privilégios aristocráticos dos membros da SPA. Devem ser direitos de todos e devem facilitar o acesso, a partilha e a transformação das obras para que se maximize a criatividade.

16 comentários:

  1. Um artigo interessante sobre a visão do mundo de Isaque Newton, em que o centro do Universo não era nem a Terra nem o Sol, mas sim a cidade de Jerusalém, o epicentro das grandes batalhas espirituais da história universa. Ela ajuda a compreender a relevância histórica e actual de Jerusalém.

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    1. Sim...
      É conhecida a ligação do Newton à alquimia e a toda a panóplia de crenças esotéricas.
      Tal como são conhecidas as estranhas ideias religiosas de Pitágoras e de como ele quis esconder os números irracionais.

      Nada dessas coisas e dessas crenças afectam o conhecimento e a inovação científicas de ambos, ou dos avanços que eles proporcionaram à sociedade em geral.
      Por isso, sinceramente, este artigo além de não ser lá muito interessante, nada acrescenta ou retira... É assim uma espécie de zero à esquerda num número inteiro natural...

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  2. Um artigo científico interessante, sobre a inexistência de buracos negros com implicações para o modelo do Big Bamg, que só corrobora o ceticismo dos criacionistas relativamente a este modelo.

    O que se diz sobre este estudo: "The work not only forces scientists to reimagine the fabric of space-time, but also rethink the origins of the universe."

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  3. Vale a pena ler o beco sem saída em que o recente estudo sobre singularidades e buracos negros colocou a teoria do Big Bang.


    "Many physicists and astronomers believe that our universe originated from a singularity that began expanding with the Big Bang. However, if singularities do not exist, then physicists have to rethink their ideas of the Big Bang and whether it ever happened."

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    1. A ciência é assim...
      O facto de uns dizerem que é assim, não significa que realmente o seja. É a vantagem de ter um sistema de validação por pares: a ideia e (muito importante!) as bases para a prova dessa ideia têm de ser revistas e aceites.
      Não é o tipo de certeza absoluta que nunca vai se posta em causa!

      Assim, temos a ciência em acção... logo, nada de novo na frente leste.

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    2. Aliás, como é novamente a ciência a funcionar no artigo relacionado com "a prova do bing bang".

      Mais uma vez, nada de novo na frente leste, tudo como dantes no quartel de Abrantes, tudo na mesma como a lesma...

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    3. Mas para a próxima não digam que a teoria do Big Bang refutou a doutrina bíblica da criação, como fez recentemente o físico de Coimbra Carlos Fiolhais.

      Santa ingenuidade...

      Devem primeiro ver se a singularidade inicial é física e matematicamente possível, o que, afinal, não acontece...

      A ciência é precária, provisória e refutável. A revelação do Criador é certa, definitiva e irrefutável.

      O problema acontence quando os cientistas exorbitam a sua área e reclamam omnisciência, pretendendo falar definitivamente sobre a origem, o sentido e o destino do Universo, quando só o Criador pode fazê-lo.


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    4. "Santa ingenuidade...
      A ciência é precária, provisória e refutável. A revelação do Criador é certa, definitiva e irrefutável."

      No entanto, e embora eu seja cristão, não estou à espera que a Bíblia seja cientificamente exacta - não a leio/interpreto como sendo um manual de ciências.

      Assim, não me fazem confusão as inconsistências que podemos encontrar na Bíblia, ou em qualquer outro texto, religioso ou não, mas que tenha uma idade equiparável.

      Basta ler algumas coisas como Bible Contradictions, Errors, and Inconsistencies. Eu sei que é um site ateu, e depois? Os argumentos são duros, mas continuam argumentos!

      Volto a repetir: este é género de coisa que para mim não faz grande diferença. Mas para uns certos personagens com a mania de ler tudo à letra, já não deve ser bem esse o caso...

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  4. Aqui na Suíça tenho de pagar uma taxa anual por ter aparelhos que possam captar coisas piratas. Tvs, computadores ou smartphones.
    Posso ficar isento se for um suíço alemão a viver entre cabras e vacas no cume duma montanha. Claro que se for apanhado a ver tv no cu dum bode estou fodido.

    Nem sei bem quanto custa mas como tudo na Suíça é para cima dum dinheirão. ...


    Boas notícias!

    O download é ilegal como a partilha mas estão-se a cagar desde que não se abuse muito.

    Na Alemanha também havia taxa mas peer to peer era o caralho. Multa e tudo.

    Saudades da Ucrânia....

    Velocidade fixe e as leis são meras orientações de conduta não vinculativas. ...

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    1. Caro Sousa,

      Eu continuo a sugerir o "hate mail" pontilhado com uns e-mails voodoo aos srs. exs. politicos da treta. Para os que perderam o link num outro post mais antigo, cá vai: http://www.pinstruck.com

      Eu acho piada! (piada negra, pois claro!)

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  5. A revelação do Criador não pode ser validada pelos pares porque Deus é único e não tem par.

    A revelação do Criador valida-se a ela própria, ficando isso claro quando as teorias humanas que lhe são contrárias vão sendo refutadas e descartadas, como sucede agora com o Big Bang, que nem sequer consegue sustentar a singularidade inicial...

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    1. Meu caro,

      Parece que ainda não aprendeu, mas eu vou (tentar) ser paciente e repetir.

      Enquanto não conseguir provar ou refutar o que diz a Bíblia, de nada serve o que lá está escrito em termos científicos.

      Já deu para perceber?
      Pode continuar a encharcar o blog com citações e outras coisas que não consegue simplesmente provar, que o mundo continua como sempre, na mesma como a lesma!

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  6. O LUDWIG CONFESSA: NÃO EXISTE NENHUMA PROVA DEFINITIVA DE QUE O HOMEM EVOLUIU

    Recentemente, o Ludwig escreveu:

    “Não há nenhuma prova isolada e definitiva de que o ser humano evoluiu de um antepassado distante unicelular, ou de um antepassado primata comum ao chimpanzé. Mas, perante o conjunto das evidências, a hipótese é claramente plausível.”

    Esta afirmação do Ludwig é muito interessante, porque vem depois de alguns anos de debate com criacionistas. Foi difícil extrair esta confissão, mas ela lá acabou por sair! Custou, mas foi!

    A afirmação do Ludwig confirma o conselho que os criacionistas dão aos leitores de artigos científicos para distinguirem entre os factos (a assinalar com cor amarela) e interpretações e especulações a partir dos factos (a assinalar com cor de rosa).

    Quem usar esta metodologia depressa irá ver que as “provas” da evolução de partículas para pessoas, ou de um antepassado comum para chimpanzés e humanos, estarão sempre na parte cor-de-rosa. Assim é porque, como diz o Ludwig, “não há nenhuma prova isolada e definitiva de que o ser humano evoluiu”.

    Curiosamente, apesar de reconhecer isso, Ludwig concluir que “perante o conjunto das evidências, a hipótese é claramente plausível.”

    Mas como se pode concluir isso se “não há nenhuma prova isolada e definitiva de que o ser humano evoluiu de um antepassado distante unicelular, ou de um antepassado primata comum ao chimpanzé”?

    Tanto quanto eu sei, 0+0+0+0+0+0+0+0=0.

    O que vemos aqui e agora são chimpanzés e seres humanos (as semelhanças e diferenças entre eles devem ser marcadas a amarelo).

    O hipotético antepassado comum e os milhões de anos de evolução têm, quando muito, que ser imaginados especulativamente (e por isso devem ser marcados a cor-de-rosa).

    Além disso, a frase do Ludwig adequa-se muito bem à ideia, que temos vindo a sustentar, de que os factos são os mesmos, para criacionistas e evolucionistas.

    A ciência é a mesma para uns e para outros. Nos factos, criacionistas e evolutionistas estão de acordo. Não existe nenhum facto observado que os criacionistas neguem.

    O problema é que, no entender dos criacionistas, a hipótese da evolução nem sequer é cientificamente plausível.

    Vejamos porquê:

    Hoje sabe-se que existem grandes diferenças epigenéticas entre chimpanzés e seres humanos, o que significa que a regulação da expressão da informação genética comum a ambos é, afinal, muito diferente.

    Mais, o “junk-DNA” que se pensava guardar vestígios da suposta evolução, é afinal fundamental para regular a expressão genética e até a codificação de muitas proteínas, contrariamente ao que se pensava.

    Além disso, sabe-se que as mutações são esmagadoramente deletérias, criando disfunções, doenças e morte, à razão de 1 000 000 de mutações deletérias por cada 1 mutação benéfica.

    O problema é que essas mutações tendem a acumular-se, sendo que a esmagadora maioria acaba por não ser eliminada por seleção natural, degradando progressivamente o genoma.

    Qual seria o resultado depois de vários milhões de anos de acumulação de mutações?

    Um outro problema, não menos grave para os evolucionistas, é que todo o conjunto das evidências realmente observadas relativas a chimpanzés, homens, mutações e seleção natural (assinaladas a amarelo) pode ser interpretado facilmente à luz do que a Bíblia ensina acerca de um Criador comum, de uma criação recente e da corrupção e decaimento que afeta toda a natureza criada desde que o pecado entrou no mundo.

    Ou seja, as evidências em si mesmas corroboram o que a Bíblia ensina. Só as interpretações e especulações dos evolucionistas é que contrariam a Bíblia.

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    1. Tanta treta junta...

      Duas linhas eram mais do que suficiente... Ou ainda acredita que alguém lê essas tretas?

      Por amor de Deus, de Alá, de Buda, de Krishna, de Odin e de todos os Deuses e Deusas que não me consigo lembrar ou que são demasiados para enumerar....!

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  7. Olha o Perspectiva ressuscitou.

    Não ao terceiro dia, coisa já vista e discutida, mas ao fim de algum tempo...

    Bem vindo.

    Já tinha medo do

    Non est hic ressusciton...

    Péssimo latin....valha-nos Deus....

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