sábado, maio 24, 2014

O meu voto.

Suspeito que, só por ir votar, já estarei na minoria. Temo que a maioria vá protestar não votando, o que é tão eficaz como não dizer nada quando nos pisam os calos. Muitos possivelmente também acham que as eleições europeias são pouco importantes. Tendo em conta a natureza da crise por que passamos e os políticos que temos no tal “arco da governação”, eu diria que as eleições para o Parlamento Europeu são até mais importantes do que as eleições para o nosso.

Ideologicamente, não sou compatível com o CDS e muito dificilmente com o PSD. Talvez se Sá Carneiro reencarnasse, e mesmo assim não sei. O PS também não inspira confiança, por uma data de razões, entre as quais o Seguro. Além disso, o cabeça de lista do PS para as europeias parece só querer ir lá passear. Entre 2005 e 2014, o Francisco Assis foi relator de um parecer, fez nove perguntas no Parlamento e 26 intervenções (1). Em nove anos. Comparado com quem não está lá só pelo tacho, é uma miséria de desempenho (2). Há muitas coisas que me incomodam nestes três partidos, como o que têm feito no governo, o que têm feito na oposição e a campanha ridícula e infantil que têm conduzido. Mas posso salientar uma que, por si só, já bastava para não votar neles. O PS, o PSD e o CDS chumbaram uma proposta de lei que obrigaria os deputados a exercer o cargo em regime de exclusividade (3).

Caso pareça exagero não votar nestes partidos por causa disto, permitam-me deixar claro o problema. Penso ser evidente para todos que não podemos ter polícias, juízes, ou até avaliadores de exames de condução, a exercer esses cargos ao mesmo tempo que trabalham para entidades privadas. Qualquer pessoa encarregue de decisões que se queira imparciais não pode ser empregado de alguém com interesses no assunto. Tendo isto em mente, é fácil perceber que quem está a fazer as leis não pode estar a soldo de entidades privadas. O que este voto do PS, do PSD e do CDS nos diz é que os deputados destes partidos são da opinião contrária. Acham normal, por exemplo, que um deputado a legislar sobre regulação bancária seja consultor num banco privado ou que qualquer deputado possa trabalhar para uma empresa de advogados. Dá sempre jeito poder contratar uma empresa de advogados cujos empregados fazem as leis. Curiosamente, o António José Seguro acha que os enfermeiros «não devem exercer funções para o Estado e no setor privado em simultâneo»(4). Com os deputados é que, aparentemente, não vê problema nenhum.

Das opções à esquerda tenho de largar também a CDU. Não só pelos disparates que de vez em quando de lá saem acerca de países como a Coreia do Norte – a união dos trabalhadores do mundo é um ideal bonito, mas há coisas que não se desculpam – como também pelo nacionalismo do PCP. Não quero uma política patriótica de esquerda. Quero uma Europa unida, porque só isso é que nos safa a todos.

Excluí também uma data de partidos que, admito, não tive tempo nem interesse em considerar com atenção. Os racistas, o Marinho e Pinto, os monárquicos que não se entendem acerca de quem deve ser o rei, a Carmelinda Pereira, que só aparece quando há eleições, a alternativa socialista, cujo site parece a revista Despertai de tanta desgraça que preconiza, e talvez mais um ou outro que me tenha escapado.

Sobraram três possibilidades. Ideologicamente, identifico-me muito com o BE e os 12 compromissos do partido parecem-me aceitáveis (5). No entanto, além de vagos, muitos parecem ser para fazer em Portugal e não no Parlamento Europeu. O PAN tem um programa com muitas coisas boas (6). Por exemplo, o rendimento básico incondicional, a renegociação da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, garantias e liberdades digitais – que inclui «Legalizar a partilha de materiais com direitos de autor para fins não-comerciais» – toda a parte dos direitos dos animais e a proibição de patentes sobre sementes. O LIVRE também tem um programa com o qual concordo, com a vantagem de ser mais detalhado nas medidas económicas e de ser formulado com uma ideia mais clara do que se faz no Parlamento Europeu, mas com a desvantagem de não ter nada sobre direitos digitais e privacidade, o que para mim é uma lacuna séria (7). No entanto, este partido tem uma enorme vantagem em relação aos outros. Todos. É o único partido português cuja lista de candidatos foi decidida em eleições abertas em vez de ser ditada pela direcção do partido (8). Independentemente do meu voto ajudar ou não a eleger algum deputado para o Parlamento Europeu, serve também para indicar a todos os partidos em que direcção quero que se mexam. Por concordar com o programa do LIVRE, pela prestação do Rui Tavares na legislatura que agora termina (no mesmo grupo parlamentar dos partidos pirata europeus) e, especialmente, porque quero que os outros partidos também seleccionem as suas listas de forma democrática em vez de por amiguismos, vou votar no LIVRE.

Um ponto que quero salientar é que o voto não serve só para eleger deputados. A ideia de evitar partidos pequenos por causa do voto “útil” é um disparate não só por levar os eleitores a votar sempre nos mesmos, com os resultados desastrosos que vemos, mas também porque um efeito do voto é indicar o que exigimos de quem quiser o nosso voto. Votar num partido que faz as coisas como queremos que sejam feitas é a melhor forma de levar os outros partidos a fazer o mesmo. Pensem nisso antes de optarem pela abstenção ou de votarem na pandilha do costume só por os outros serem pequenos.

Adenda: O João Vasco (nos comentários) chamou-me a atenção para este compromisso sobre direitos digitais, assinado pelo Rui Tavares, pela Marisa Matias e pelo João Vasco.

1- Parlamento Europeu, Francisco Assis
< 2- Vejam, por exemplo, a Marisa Matias, o Rui Tavares ou o João Ferreira.
3- i Online, PSD, PS e CDS-PP ‘chumbam’ obrigatoriedade do regime de exclusividade dos deputados . 4- PT Jornal, Médicos querem “transparência” na separação entre privado e público, enfermeiros preferem “aumentos”
5- Bloco de Esquerda, Europeias 2014
6- Partido pelos Animais e Natureza, Programa Político Europeias (pdf)
7- LIVRE, Programa
8- LIVRE, A nossa lista para as Europeias 2014

15 comentários:

  1. Um dos dramas do sistema político são os baixos salários dos políticos.

    Vistas bem as coisas um deputado é um trabalhador sem contrato e que ganha, enquanto durar a legislatura.

    Não é eleito e nem sei se tem subsídio de desemprego.

    Ora isto afasta logo à partida qualquer pessoa que tenha uma boa posição e que não esteja lá para se desenrascar.

    Esta política de baixos salários leva a que vai para a política quem não tem muitas outras saídas.

    E é ver a qualidade das licenciaturas do pessoal do governo e mesmo da oposição.

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  2. Fui à página da assembleia e os snrs deputados ganham três e mil e picos brutos.
    Aplica-lhe a taxa dos impostos e vê com quanto ficam....

    Sem telemóvel, carro de serviço e outras benesses que uma empresa dá. ..

    Vê lá que profissional é que consegues contratar por este valor e com contrato a prazo..

    Depois dá no que dá. . .

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  3. O Sousa tem razão. Há poucos empregos tão precários como o dos deputados. Mais valia uma assembleia com menos lugares, melhor remunerados. Cada deputado deveria ter um blogue pessoal obrigatório, gerido de forma organizada, para interacção contínua com a sua base eleitoral e registo prático da sua participação no parlamento.

    Quanto a votos. Infelizmente, quem se identifica, por exemplo, com o que é dito aqui em baixo, não tem, por enquanto, em quem votar, em Portugal.
    http://www.youtube.com/watch?v=vTM5v_RPoxM

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  4. Ludwig,

    O programa do LIVRE é algo omisso quanto a direitos digitais e privacidades (embora mencione que vai rejeitar o tratado transatlântico que é a maior ameaça a esses direitos e tenha sido o único partido a dar relevo a esse tratado), mas desses partidos que disseste só o LIVRE e o PAN é que pretendem integrar o bloco dos Verdes que inclui também os partidos piratas, os quais têm uma elevada sensibilidade a esse respeito. Também por isso, o historial de votos do Rui Tavares em relação a esse assunto foi sempre impecável.

    Por outro lado, só três candidatos portugueses assinaram este juramento:

    https://www.wepromise.eu/pt/page/carta

    Eu (LIVRE), o Rui Tavares (LIVRE) e a Marisa Matias (BE).

    Tendo em conta que o LIVRE só pode eleger o Rui Tavares, creio que esse juramento cobre tudo aquilo que, infelizmente, não cobrimos no programa eleitoral.

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  5. João Vasco,

    Obrigado. Isso muda bastante as coisas. E se fores eleito prometo voltar a chatear-te acerca do copyright, com intensidade redobrada :)

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    1. A carta é compatível com aquilo em que concordamos a esse respeito, e felizmente não avança para os nossos pontos de discórdia (de outra forma não a teria assinado, obviamente).
      Mas acho que é suficientemente clara e "avançada" para te sentires confortável com estes compromissos.

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  6. Nuno e Sousa,

    Estamos de acordo. Nem acho importante reduzir o número de deputados (a despesa não é assim tão grande). Por mim dava-se lhes um salário chorudo, uma reforma gorda logo que abandonassem o cargo e, em contrapartida, exigia deles um compromisso legal de nunca mais trabalhar no sector privado. Acabava-se assim com um dos principais problemas da nossa democracia, que é o tachismo profissional com corrupção legalizada.

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  7. Por curiosidade, o que acham da possibilidade de tecnocracia num país como Portugal?
    E o que acham da ideia de não permitir múltiplos mandatos a um qualquer indivíduo?

    Se isto já foi abordado, lamento, não me apercebi.

    Obrigado, desde já.

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  8. A limitação de mandatos ou a declaração obrigatória de interesses não resolvem o problema fundamental.

    Os cargos políticos nos últimos anos perderam prestigio. Sr alguém nos diz que é deputado não ficamos impressionados com isso.

    Mais ou menos pensamos:

    -não arranjaste mais nada e lá te encostaste para aí. Deves tar a encher-te!

    Ora a dignidade duma carreira tem muito a ver com o ordenado e mordomias que se tem.

    Ninguém que não tenha bens de fortuna vai optar por uma carreira de deputado para ganhar 3000 euros e pagar os impostos competentes sobre isso.

    O mesmo se passa na função pública. Os quadros menores ganhavam muito mais que o equivalente na privada. No entanto os directores de serviço tinham e tem ordenados muito inferiores ao equivalente na privada.

    Isto leva a uma deterioração da qualidade dos deputados e chefias na função pública.

    O segredo das multinacionais é que captam is melhores. E como lhes pagam bem há muita resistência a subornos e malandrice.

    O caso que conheço melhor é o das alfândegas. Os directores , responsáveis pela cobrança de milhões, ganham menos que um deputado. Por acaso até é gente séria e atinada.

    O princípio é que está errado.

    Nós deveríamos ter na assembleia e nas chefias da função pública dos melhores quadros do país.

    O que se gastava em ordenados era compensado na eficiência.

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    1. ainda é o voto popular que elege os deputados para a assembleia e a campanha eleitoral que fazem não me parece que seja a forma que as multinacionais usam para escolher os seus quadros. acho que acabaríamos por pagar mais aos mesmos melhores mentirosos da campanha por haver favores que são pedidos e favores que estão a ser pagos pelos presidentes de cada partido que são eleitos de forma semelhante sem garantia de ser o mais indicado para a função que vai desempenhar, mas antes o que prometeu melhores recompensas a mais gente.

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  9. Concordo com o que dizes sobre a má remuneração da classe política.

    Mas acredito que a melhor forma de se corromper ou ser corrompido é através da confiança. Eu confio que, se fizer um negócio mais obscuro contigo, não me vais delatar se eu também não o fizer. Mas ainda assim, só pondero sequer em falar contigo sobre ele se te conhecer bem. Para te conhecer bem, temos de andar nas mesmas andanças durante vários anos a fio.

    A minha ideia: corrupção apenas se consegue com múltiplos mandatos. Se eu estiver lá 4 anos e não puder voltar a exercer e além disso, não puder trabalhar para privados durante o tempo que lá estou, não tenho nenhuma motivação para me expor ao perigo, nem vou ter tempo para conhecer ninguém em quem confie a 100% para fazer maroscas e negócios cinzentos.

    Basicamente: mandato único irrepetível, exclusividade de funções e melhores salários. Duas das três, ou uma das três não acredito que consigam resolver o problema.

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    1. Ou descriminalizar a corrupção activa para acto lícito, por exemplo. Foi o que se fez na Índia. Isso quebra a confiança mútua e torna a corrupção passiva para acto lícito muito pouco atractiva, mesmo que exercida por quem só lá está um único mandato,

      Haver mandatos irrepetíveis não faz grande sentido. A limitação dos mandatos deve ser decidida caso a caso, e entre 4 ou 8 anos pouca diferença há para quem se deixa corromper.

      O importante é haver transparência: concursos públicos, negociações abertas, intervenientes conhecidos.

      Por outro lado, os salários podem perfeitamente ser indexados ao último salário, com um limite superior.

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  10. De qualquer modo temos que aceitar que Portugal nem está tão mal assim.

    Na Europa houve países que começaram a corrida democratica em 1945.

    Portugal, Espanha e Grécia só nos anos setenta.

    Os do leste calçaram as sapatilhas nos noventa.

    Portugal nos anos setenta era um país tão ou mais atrasado que os do leste. E com uma ditadura que já num período pós colonial sonhava em ser a rainha vitória. ..

    Não tinhamos estradas, hospitais, escolas, electricidade.

    Éramos os campeões da mortalidade infantil e do analfabetismo.

    Podemos dizer que na época o porto e lisboa eram cidades escuras, sujas e a abarrotar de barracas.

    Em quarenta anos de democracia mudamos o país de forma radical.

    Temos das melhores redes de estradas da Europa e um sistema de saúde comparável aos melhores.

    O interior, e quando digo interior era só sair 30 kms de Lisboa ou Porto, oferece condições.

    Há estradas, centro de dia para a velhada, se fechou a escola a junta leva os putos de camionete e até tem estradas e electricidade em condições.

    Que houve compadrio e uma série de piratas que gamaram? Claro que sim.

    O que é facto é que o país desenvolveu-se dum modo que mesmo os mais optimistas nunca sonharam com isto.

    Eu que sou tão antigo que ainda me lembro das senhoras terem pintelhos , lembro-me de ir a Inglaterra com o meu velhote nos idos de setenta e perceber que estava noutro campeonato. Bastava sair dos pirineus que na altura viajava-se de carro.

    Atualmente Portugal não faz uma diferença significativa mesmo da Alemanha.

    Ora se os nossos políticos fossem como os russos ou ucranianos isto continuava tudo cada vez mais na mesma.

    Digamos que Portugal no seu conjunto fez um excelente trabalho.

    E queria ver países organizadinhos como a Suíça ou Alemanha a resolverem um problema como a volta dos retornados. ..

    Ainda estavam a fazer contas....e não resolviam a espiga.



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  11. Outra questão de falta de memória colectiva é dizer que a corrupção começou com a democracia.

    Portugal no tempo do estado novo e até à entrada na então CEE, era a terra dos empenhos, pedidos, gratificação, lembranças e similares.

    Para marcar uma escritura era preciso pagar à d. Fulana, os boletins de registo de importação até tinham tabela escrita e tudo.

    Dava-se ao polícia, ao guarda fiscal, às empregadas da escola, ao "engenheiro" do exame de condução.

    Ir a uma conservatória ou qualquer repartição pública sem um bom conhecimento lá dentro era tempo perdido.

    Já nem falo nas licenças de construção e alvarás para o que quer que fosse que só saiam à força de donas marias. As velhinhas notas de mil paus.

    Conseguir um emprego ou livrar-se da tropa era só possível com um empenho. Isto é um pedido de gajo importante.

    Era assim na máquina do estado e nos negócios entre particulares. As luvas eram tão naturais que nem havia um sentimento de ilegalidade.

    Alguém se lembra como era comprar um carro antes de 1986 ?

    E legalizar uns terrenos na aldeia ?

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  12. O "Livre"...

    Que vem do BE e que se quer aproximar ao (partido do bloco central) PS...

    Informe-se sobre o que andou o presidente do dito "Partido Livre" a estudar (a história do século XVIII) e, mais especificamente, sobre uma sociedade secreta que surgiu no final desse mesmo século (e que foi depois descoberta e perseguida).

    O "Livre" é (tal como o BE) mais uma aplicação prática dos métodos e objectivos dessa mesma sociedade secreta.

    E a palavra-chave para o entender, é "Dialéctica Hegeliana".

    http://blackfernando.blogspot.pt/search/label/illuminati

    Boas leituras.

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