sábado, fevereiro 08, 2014

Remuneração.

Quando comecei a discutir copyright nas internets, a justificação mais frequente para estas leis era a de que o direito exclusivo de cópia seria um direito de propriedade. Não sei se por cansaço ou esclarecimento, esta justificação foi-se tornando menos comum e foi sendo substituída pela tese de que o direito à remuneração é que justifica o monopólio sobre a cópia. Ou, nas palavras do Miguel Sousa Tavares, «Eu não ando anos e anos a fio a escrever livros para depois os ver distribuídos livremente em PDF»(1). O problema fundamental desta tese é que uma escolha individual não obriga terceiros a remunerar o autor e ainda menos justifica privá-los dos seus direitos. Mas antes de chegar ao fundamental queria apontar duas diferenças importantes entre o copyright e as leis que regulam a remuneração.

O Miguel Sousa Tavares apresentou uma queixa-crime contra a Margarida Martins por ter enviado um email com digitalizações de livros que o Miguel publicou. A primeira diferença entre isto e o direito legal à remuneração é ser uma queixa-crime. Se a Margarida tivesse encomendado um serviço ao Miguel e não lhe tivesse pago o processo seria civil e não criminal. Uma empresa até pode declarar falência e deixar centenas de trabalhadores com meses de ordenado em atraso sem haver qualquer crime. A outra diferença é a de que o copyright envolve a Margarida e outros dez milhões de portugueses sem que estes tenham celebrado qualquer contrato com o Miguel. Mesmo ignorando os aspectos éticos, é muito estranho haver uma obrigação legal de remunerar alguém sem qualquer acordo prévio. Há quem justifique isto alegando que gostar dos livros do Miguel, por si só, já cria a obrigação de o remunerar. Mas além de isso ser também inédito na lei, o copyright não faz distinção entre quem gosta e quem não gosta. Simplesmente proíbe a cópia e pronto.

Justificar o copyright dos livros do Miguel pelo direito à remuneração é dizer que cada um de nós tem uma responsabilidade tão grande de zelar pela remuneração do Miguel que até responderá criminalmente se, por exemplo, enviar um email com um PDF em anexo. Em contraste, as leis que regulam a remuneração e outras relações comerciais estão no âmbito do direito civil e apenas obrigam quem participar voluntariamente nessas relações. Esta diferença é tão grande que mesmo que houvesse algum dever de remunerar o Miguel Sousa Tavares pelo lindo trabalho que ele fez não se justificava dar-lhe o poder de proibir toda a gente de copiar. No máximo, merecia os mesmos direitos legais de um trabalhador com o ordenado em atraso.

O problema fundamental do copyright é que as restrições que impõe a toda a gente vão muito além das obrigações que essas pessoas possam ter para com o autor. Por isso, não se pode justificar por um direito à remuneração. Na verdade, o copyright nem sequer dá ao autor qualquer garantia de remuneração pelo seu trabalho ou pelo mérito da sua obra. Para ser remunerado, o autor tem de encontrar quem esteja disposto a pagar-lhe, como acontece com os inúmeros trabalhadores cujo trabalho não está abrangido por esta legislação. A diferença é que, com o copyright, em vez de ser remunerado pelo seu trabalho o autor é remunerado pelo poder legal de proibir terceiros de copiar a obra publicada. Superficialmente, isto pode parecer análogo à diferença ente o músico ser pago para tocar numa festa ou cobrar bilhetes para poderem assistir ao seu concerto, mas esta aparência esconde uma diferença fundamental. O copyright não é apenas outro modelo de negócio. É uma lei, e invulgarmente intrusiva.

Os vários modelos de negócio pelos quais uma pessoa pode obter remuneração pelo seu trabalho assentam em leis genéricas que se aplicam a todos. A obrigação de cumprir contratos, direitos de propriedade sobre equipamento e espaços e assim por diante. Sobre este suporte legal, todos são livres de decidir como procurar remuneração. Se um escritor dá um orçamento para escrever um livro e assina um contrato pode ser remunerado como qualquer outro prestador de serviço. Se um músico aluga uma sala e cobra bilhetes para assistirem ao concerto não precisa de invocar direitos especiais de músico; seria o mesmo se organizasse uma jantarada ou um curso de macramé. Mas se quer dar o concerto na rua e incomoda-o que pessoas assistam à janela sem pagar bilhete, azar dele. Seria impensável criar uma lei que proibisse as pessoas de ir à janela nas noites de concerto só para o músico vender mais bilhetes. Pois o copyright que temos hoje é essa lei impensável e é isso que carece de justificação.

O direito à remuneração resulta de um acordo voluntário entre a parte titular desse direito e a parte que se compromete a remunerar, haja ou não copyright. Esse direito já está garantido pela legislação que regula coisas como prestação de serviços, contratos e dívidas. O que o copyright traz de diferente é a criminalização da cópia. O que está aqui em causa não é o direito dos autores negociarem a sua remuneração mas sim a legitimidade de proibir toda a gente de copiar ficheiros ou enviar emails com PDF (ou de ir à janela durante o concerto). O copyright não regula o direito à remuneração. Serve apenas para coagir pagamentos da parte de quem não deve nada ao autor e isso não se pode justificar pelo direito à remuneração.

Concordo que o Miguel tem todo o direito de não andar «a escrever livros para depois os ver distribuídos livremente em PDF». Mas é o direito de ele escolher se escreve ou não escreve e se publica ou não publica. A decisão voluntária e unilateral do Miguel publicar os seus livros não lhe dá o direito de mandar nas casas, computadores ou emails dos outros nem de coagir ninguém a pagar-lhe.

1- DN, "O que ela fez é crime", diz Miguel Sousa Tavares

38 comentários:

  1. Em resumo: toda a gente tem direito a ler os livros de Miguel Sousa Tavares sem os pagar? É isso? O Miguel Sousa Tavares escreve um livro, coloca-o num supermercado à venda, o pessoal vai lá, compra um livro, tira fotocópias, manda para os amigos, o Miguel esteve um ano a escrever um livro e recebe como remuneração 40 ou 50% de 16.99 €?

    Acho extraordinário a tua última frase. Parece-me que o Miguel Sousa Tavares não coage ninguém a pagar-lhe. Não me lembro de vê-lo à porta das livrarias com uma pistola apontada aos principais leitores. Nem me parece que haja um "direito" de ler os livros do MST de borla.

    Os argumentos que usas são frágeis e as analogias não são boas. Só não as comento para não tornar o comentário maior do que o post.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. acho que quem quer ler os livros dele ou do orelhudo da rtp

      deve pagar pelo mau-gosto

      ler merda de graça é impossível pois até para ler isto tenho de pagar à micro que é hard
      e à edp que é soft

      recebe 40 a 50% bolas

      o supermercado ganha 20% o distribuidor editor uns 40 a 50%

      o author se for dos que vende uns 20% no max

      adevia vendê-los na internet a 99 cents como fez aquela mericana que vendeu 600 mil

      o problema é arranjar 600 mil leithores

      aqui o kripp só com ocês tem 30% de leithores kommendadores

      a bíblia custou um porradão de gente a escrever

      e é grátis

      o livro do mormão idem

      há analoggias boas e outras da má-vida?

      Eliminar
  2. No exemplo do primeiro parágrafo, presume-se que apenas é vendido um único livro de uma edição de 100 mil, por exemplo. A redução ao absurdo é usada como argumento.

    ResponderEliminar
  3. Se bem entendo a posição do Ludwig, um tipo escreve um livro e, a partir do momento em que o publica, deixa de ter direitos de autor. E reduz os direitos de autor a direito à remuneração. De quê? De venda de um exemplar? No caso dos livros, tanto quanto sei, o autor não faz contrato com nenhum dos compradores do seu livro. O que propõe (o autor ou a editora) é que quem compra o livro não irá reproduzi-lo por qualquer forma. A questão da penalização é sempre discutível, como qualquer lei. Mas que é fundamental garantir, tanto quanto possível, os direitos dos autores, disso não duvido.
    Outra questão é a dos direitos das editoras e livreiros.
    Estou convencido de que um dos maiores obstáculos à criação e à inovação é o aproveitamento parasitário que "a concorrência" faz, por exemplo, no domínio da engenharia e da tecnologia. As ideias são o que há de mais valioso. Mas quem é que está disposto a pagar por elas? E se pudermos ter acesso a elas sem pagar nada?
    Ninguém pode copiar um golo do Cristiano Ronaldo, mas toda a gente pode copiar um poema do Camões, ou uma música do Alfredo Keil.
    A questão parece-me muito simples: um livro custa 15,00. É proibido copiá-lo. Só a editora o pode fazer no âmbito do contrato de edição celebrado com o autor. Nem este o pode fazer (em princípio).
    Qual é a sanção para quem não respeitar a lei? É isto que o Ludwig quer discutir, a sanção?

    ResponderEliminar
  4. António,

    «Em resumo: toda a gente tem direito a ler os livros de Miguel Sousa Tavares sem os pagar? É isso?»

    Sim. Moralmente, ninguém é obrigado a pagar por ter lido algo. Legalmente, não há nada na lei acerca de ser obrigado a pagar por ler o livro (já ouviste falar de bibliotecas e da possibilidade de emprestar ou dar livros, certo?)

    «O Miguel Sousa Tavares escreve um livro, coloca-o num supermercado à venda, o pessoal vai lá, compra um livro, tira fotocópias, manda para os amigos, o Miguel esteve um ano a escrever um livro e recebe como remuneração 40 ou 50% de 16.99 €?»

    O negócio do Miguel é entre ele e os seus clientes. Ele pode passar um ano a escrever um livro e ninguém o comprar, nesse caso ganha zero. Pode propor aos seus fãs que lhe paguem adiantado para escrever o livro e ganhar um dinheirão logo à cabeça. Pode escrever o livro, distribuí-lo sem copyright mas ganhar o suficiente dos fãs que estão dispostos a pagar-lhe pelo seu trabalho. Ou pode decidir dedicar-se à pesca do bacalhau nos mares da Noruega. O Miguel é livre de fazer como entender.

    A minha objecção é simplesmente ao Miguel ter o direito de ditar o que nós fazemos com os nossos computadores, que ficheiros copiamos e o que é que mandamos por email.

    «Parece-me que o Miguel Sousa Tavares não coage ninguém a pagar-lhe»

    Uma pena até três anos de prisão por quem distribuir gratuitamente aquilo pelo qual o Miguel cobra parece-me bastante coercivo. Se fazer iogurte em casa desse até três anos de prisão para a Danone vender iogurtes mais caro penso que todos concordariam que seria uma medida coerciva e inaceitável.

    «Os argumentos que usas são frágeis e as analogias não são boas. Só não as comento para não tornar o comentário maior do que o post.»

    Pois claro...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ludwig

      O Miguel não quer saber o que tu fazes com o teu computador, com os ficheiros que copias ou que mandas por mail. Apenas quer que tu pagues o que pretendes ler e que seja da autoria dele se ele decidiu vender.

      Quanto à função das bibliotecas públicas parece-me que desconheces o que diz o manifesto da Unesco sobre as suas funções: asseguro-te que não é substituir a compra de livros.

      Acho muito engraçado o argumento de que os fãs estão dispostos a pagar o trabalho dos escritores/artistas. Reconheces, implicitamente, que o escritor precisa de ser remunerado. Só não queres é ser tu a pagar. Se forem os outros, não te importas.

      Lá está uma analogia mal feita com oa iogurtes Danone (como outras que tens no post e que não comentei nem comentarei apesar do "pois claro..." que é o equivalente a molhar a orelha doutro miúdo como forma de dizer "quero andar á porrada contigo..." :-) ). Podes fazer os teus iogurtes tal como podes escrever os teus livros. Podes comer os teus iogurtes tal como podes ler os teus livros. A tecnologia para fabricar iogurtes assim como as técnicas de escrita são livres. O que não podes fazer é ofereceres os teus iogurtes dizendo que são da Danone assim como não podes oferecer o teu livro dizendo que foi o Miguel S Tavares que o escreveu.

      Estou de acordo que 3 anos de prisão é excessivo. Basta 1.

      Eliminar
  5. Carlos,

    «Se bem entendo a posição do Ludwig, um tipo escreve um livro e, a partir do momento em que o publica, deixa de ter direitos de autor.»

    Eu não falei de direitos de autor. Falei no copyright, um monopólio sobre a cópia. Por outras palavras, o poder legal de punir quem usar o seu próprio equipamento para copiar algo que o autor decidiu tornar público. É esta usurpação dos direitos de propriedade de terceiros que oponho.

    Os direitos de autor – o direito de ser reconhecido como autor, de não ser associado a deturpações da sua obra, etc, os chamados direitos morais – são perfeitamente legítimos e nada tenho contra esses.

    «E reduz os direitos de autor a direito à remuneração. De quê? De venda de um exemplar?»

    Não. Da venda do que quiser vender. Por exemplo, do seu trabalho. Vamos supor que há cem mil pessoas que gostam dos livros do MST o suficiente para pagar 1€ pela possibilidade de ler um livro novo. Nesse caso, o MST pode propor a essa gente toda que lhe paguem cem mil euros para ele escrever o livro. Assim, quando o livro estiver escrito e toda a gente partilhar o pdf o Miguel já tem cem mil euros no bolso. É claro que pode acontecer que não haja cem mil pessoas dispostas a pagar 1€ para ler um livro do Miguel. Pode ser que uma grande parte das vendas seja devido à manipulação da oferta pelas editoras, com recurso a estes monopólios, ou a publicidade e outras formas de inflacionar vendas que custam dinheiro. Pode ser que o Miguel, só com o seu talento, não consiga sobreviver disto. Mas nesse caso que mude de negócio.

    «No caso dos livros, tanto quanto sei, o autor não faz contrato com nenhum dos compradores do seu livro.»

    Passe a fazer. O ponto fundamental é que isso não é comigo nem com a Margarida Martins.

    «Estou convencido de que um dos maiores obstáculos à criação e à inovação é o aproveitamento parasitário que "a concorrência" faz, por exemplo, no domínio da engenharia e da tecnologia.»

    Então estás convencido de algo completamente falso. O maior motor da criação e da inovação é precisamente o conhecimento aberto, de uso livre. A Internet é um bom exemplo disso.

    «As ideias são o que há de mais valioso. Mas quem é que está disposto a pagar por elas?»

    Pagar por ideias? Achas que uma boa ideia é algo que se compra? Suspeito que estejas a confundir valor com preço (são coisas diferentes...).

    «E se pudermos ter acesso a elas sem pagar nada?»

    Boa parte do valor das ideias está na possibilidade de termos acesso a elas sem pagar nada.

    «Ninguém pode copiar um golo do Cristiano Ronaldo, mas toda a gente pode copiar um poema do Camões, ou uma música do Alfredo Keil.»

    Depois do Ronaldo marcar o golo e o golo ficar registado em vídeo, é trivial copiar esse registo. Depois de Camões compuser um poema ou Keil uma melodia e alguém os registar, também é trivial copiar. O trabalho de marcar aquele golo, compor esse poema ou essa melodia é que é difícil de copiar. É isso que o Ronaldo vende. É isso que os poetas e os músicos deviam vender também. E com contrato. Por que raio é que o Ronaldo tem direito a um contrato e salário garantido enquanto os outros se têm de contentar com 5% do preço de capa de cada cópia vendida?

    «A questão parece-me muito simples: um livro custa 15,00. É proibido copiá-lo. Só a editora o pode fazer no âmbito do contrato de edição celebrado com o autor.»

    Essa não é a questão. A questão é: o computador é meu e eu pago a ligação à internet. Quem é a editora para me proibir de copiar um ficheiro com informação que foi colocada à venda pelas livrarias?

    «Qual é a sanção para quem não respeitar a lei? É isto que o Ludwig quer discutir, a sanção?»

    Eu estou a questionar a lei.

    ResponderEliminar
  6. Está visto que não queres compreender. Direitos de autor/direitos de propriedade intelectual. A internet é um bom exemplo de criação e de inovação, de uso livre? Onde? Quando? Tenta encontrar alguma coisa de jeito a custo zero.
    As ideias? Nunca vendeste nenhuma? Experimenta.
    Como podes confundir copiar o trabalho de um golo com o trabalho de copiar um poema?
    Se a editora colocar um livro para copiar, tudo podes fazê-lo, sem consequências. O que não podes é copiá-lo se ele não for para copiar. Existe algo de mais simples?

    ResponderEliminar
  7. Para mim os Direitos de Autor (os chamados patrimoniais, não os morais) devem ser vistos como um meio de atingir um fim: a maximização da criação de obras culturais e da sua disseminação, para benefício do público em geral (ou o equilíbrio possível entre as duas coisas). Como diz a Constituição dos EUA: "To promote the Progress of Science and useful Arts, by securing for limited Times to Authors and Inventors the exclusive Right to their respective Writings and Discoveries." Ainda hoje os EUA não reconhecem como tal os Direitos Morais, apesar de terem assinado os tratados que os contemplam..

    Actualmente acho que esses objectivos seriam melhor atingidos com Direitos de Autor muito mais flexíveis. Nomeadamente mantê-los como regulação de actividades comerciais, que sempre foram, e fora da esfera privada dos cidadãos. E mesmo na esfera comercial, há vantagens em regras flexíveis tipo o "fair use" americano (dificilmente o Google poderia ter surgido na Europa).

    Dirão alguns, tipo o Miguel Sousa Tavares, que se as pessoas puderem andar a partilhar os seus livros em PDF, só se venderá um exemplar de cada obra. Os autores e editoras deixam de ganhar dinheiro, vai tudo à falência e deixa de haver livros. Ou música, ou cinema, etc. Já o disseram há 14 anos quando surgiu o Napster. O Napster foi encerrado, mas desde então as coisas só "pioraram". Hoje em dia, na prática, na esfera privada já não há direitos de autor. Já ninguém é "obrigado" a pagar para ler um livro, ver um filme/série, ou ouvir uma música. Seria de esperar que ao fim de 14 anos desta liberdade estaríamos perante a devastação da criação cultural. Não estamos. Pelo contrário. Hoje em dia é feita mais música, livros, filmes e séries de TV do que nunca. Com receitas e orçamentos cada vez maiores. Alguns negócios foram à vida? Foram. Clubes de vídeo estão quase extintos, as editoras perderam poder e lucros. Mas curiosamente ou não, há estudos a mostrar que os músicos ficam agora com uma parte maior dos rendimentos (que globalmente não caíram), e há mais músicos a viver da sua arte. E as receitas de bilheteira dos filmes de Hollywood crescem todos os anos.

    Ou seja, há hoje mais criação cultural do que nunca, e esta é mais disseminada graças à internet (paga ou não). Autores e distribuidores perderam controlo e poder, mas contra todas as previsões mais pessimistas, estamos melhor que há 14 anos em quase todos os aspectos, apesar dos Direitos de Autor, na prática, quase não existirem. Falta reflectir esta realidade na lei.

    ResponderEliminar
  8. Carlos,

    «A internet é um bom exemplo de criação e de inovação, de uso livre? Onde? Quando? Tenta encontrar alguma coisa de jeito a custo zero.»

    Alguns exemplos: HTML, TCP e IP, DNS, HDCP, TLS, RDF, XML, BitTorrent.

    «As ideias? Nunca vendeste nenhuma? Experimenta.»

    Já vendi o trabalho de gerar novas ideias.

    «Como podes confundir copiar o trabalho de um golo com o trabalho de copiar um poema?»

    Não confundo. Distingo. Uma coisa é o trabalho de copiar uma representação digital de um golo, de uma ideia ou de um poema. Outra coisa é o trabalho de gerar esse golo, essa ideia ou esse poema. Eu sou 100% a favor que as pessoas com o talento para criar golos, ideias ou poemas que outros apreciem negoceiem a remuneração pelo trabalho de criar essas coisas, trabalho esse que não é nada trivial de reproduzir. Mas sou contra que se crie leis proibindo a reprodução de representações digitais dessas coisas para que se ganhe dinheiro a vender essas representações porque esse trabalho de reprodução é trivial e essa proibição exige uma ingerência injustificada nos direitos de propriedade de todas as pessoas.

    «Se a editora colocar um livro para copiar, tudo podes fazê-lo, sem consequências. O que não podes é copiá-lo se ele não for para copiar. Existe algo de mais simples?»

    O meu problema principal não é com a complexidade da lei (se bem que se tentares perceber em rigor o que é legal ou ilegal fazeres, verás que ninguém sabe e só o juiz pode decidir em tribunal... esta lei não é nada como as regras de trânsito). O meu problema principal é com a justiça da lei e a sua razão de ser.

    ResponderEliminar
  9. Nelson,

    «Para mim os Direitos de Autor (os chamados patrimoniais, não os morais) devem ser vistos como um meio de atingir um fim: a maximização da criação de obras culturais e da sua disseminação, para benefício do público em geral»

    Eu concordo, mas frisava bem que essa regulação deve visar, em primeiro lugar, o benefício da sociedade em geral. Maximizar a criação e disseminação das obras só faz sentido se for benéfico para a sociedade em geral.

    Isto é relevante para a discussão recorrente acerca do cinema, ou de actividades que hipoteticamente só possam ser viáveis se concedermos um monopólio. Parece-me errado defender que se deve conceder um monopólio simplesmente por maximizar a criação e disseminação das obras. Penso que só se deve fazê-lo se o custo desse monopólio para a sociedade, incluindo o da eventual restrição de direitos importantes, for compensado pelos benefícios que isso traz. Se tivermos de viver praticamente sem teatros de marionetas por não haver leis especiais coagindo as pessoas a financiar essa forma de arte, paciência :)

    ResponderEliminar
  10. António Parente,

    «Podes comer os teus iogurtes tal como podes ler os teus livros. A tecnologia para fabricar iogurtes assim como as técnicas de escrita são livres. O que não podes fazer é ofereceres os teus iogurtes dizendo que são da Danone assim como não podes oferecer o teu livro dizendo que foi o Miguel S Tavares que o escreveu.»

    Passo 1:
    O Miguel Sousa Tavares passa uma data de tempo e tem trabalho a escrever um livro.
    Os técnicos nos laboratórios da Danone passam uma data de tempo a seleccionar, purificar e cultivar uma estirpe de lactobacilos que dê aquele sabor e consistência ao iogurte.

    Passo 2:
    O Asdrúbal compra um livro do Miguel Sousa Tavares e digitaliza.
    O Asdrúbal compra um pacote de iogurte da Danone e mistura com leite morno pasteurizado.

    Passo 3:
    O Asdrúbal oferece cópias do PDF aos amigos e familiares.
    O Asdrubal oferece copos de iogurte aos amigos e familiares.

    Passo 4
    Cada amigo e familiar do Asdrúbal faz iogurte e cópias do PDF

    Passo 5
    O Miguel Sousa Tavares processa o Asdrúbal e os amigos
    A Danone vende o iogurte suficientemente barato para não valer a pena o trabalho de fazer iogurte em casa.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Mau exemplo, Ludwig. O iogurte oferecido pelo Asdrúbal não é o iogurte Danone, É um derivado do iogurte Danone, não é o Danone original. O Asdrúbal comprou leite (presumo que não tenha uma vaca na varanda ou não tenha mugido vaca alheia) e juntou-lhe Danone. De um iogurte fez 5 mas nenhum é o original. É o iogurte do Asdrúbal, um Danone transformado.

      O PDF do livro de MST é o livro de MST. Pode ser em PDF, Word ou noutro formato, O que interessa ao leitor não é o PDF nem o Word mas sim a história, o estilo literário, as metáforas, os recursos linguísticos. Isso foi tudo construído pelo MST, é trabalho do MST e deve ser remunerado por ele.

      Vê a injustiça da coisa:

      O Asdrúbal paga o Danone (presumo que não o roubou no Continente), paga o leite (exclui a hipótese de vaca própria ou alheia), paga as embalagens para colocar o iogurte Asdrúbal e provavelmente paga transporte para ir à casa dos amigos e familiares. Na cadeia de produção paga a todos.

      No caso do livro do MST, o Asdrúbal paga o portátil, a ligação à internet, a conta da EDP, etc. Paga a todos menos ao MST. Parece que é pecado escrever um livro e vendê-lo. Toda a gente pode fazer negócio com tudo menos o MST.

      P.S. - O passo 4 no caso do iogurte é estranho: se no caso do livro é natural que se possa consumir (ler) e copiar sem estragar o original no caso do iogurte o objectivo é bebê-lo e por isso transformá-lo n vezes sem o consumir não faz sentido. Além disso, de cada vez que é transformado com mais leite já não é o iogurte do Asdrúbal mas do primo do Asdrúbal, da tia do Asdrúbal, etc.

      Eliminar
  11. Ludwig,

    «Maximizar a criação e disseminação das obras só faz sentido se for benéfico para a sociedade em geral.»

    A criação e disseminação das obras não tem que fazer sentido. A sociedade e o público em geral não precisam do paternalismo da lei, nem a lei tem de ser paternalista. Se forem obras do interesse geral, o Estado deve saber pagar por isso, caso contrário, não haverá obras, a não ser que a sociedade, pela via individual, se encarregue de pagá-las. Os direitos de autor e de propriedade intelectual não foram criados e não existem para proteger o consumidor. Para isso existem os direitos do consumidor.
    Quanto à história de que, afinal, acabaram os direitos de autor e os autores passaram a ganhar mais, etc., e tal, isso não são tretas, são lérias. Parecem razões para contentamento, mas continuamos a ver preocupações crescentes com a defesa dos direitos dos autores.

    ResponderEliminar
  12. Carlos,

    «A criação e disseminação das obras não tem que fazer sentido. A sociedade e o público em geral não precisam do paternalismo da lei, nem a lei tem de ser paternalista.»

    Mais uma razão para o Estado não dar aos autores poderes extraordinários sobre a propriedade alheia só com o propósito de lhes facilitar o negócio.

    «Os direitos de autor e de propriedade intelectual não foram criados e não existem para proteger o consumidor.»

    “Propriedade intelectual” é um termo vago que abarca coisas tão diferentes como copyright, segredos industriais, marcas registadas e patentes, e serve principalmente para criar a ilusão de que os monopólios que a lei concede se baseiam em direitos de propriedade. No entanto, é obviamente absurdo que, sendo uma pessoa proprietária do ábaco, seja outra proprietária da posição em que as contas do ábaco se encontram. O ábaco pode ser propriedade; a posição das contas não é um objecto que tenha dono.

    Substituir o ábaco por um disco rígido e as contas pela magnetização da superfície do disco não torna a coisa menos absurda. Não é por tu copiares este comentário para um ficheiro gravado no teu disco que eu passo a ter direito de mandar no que é teu. Mesmo que tenha esse poder legal, será um poder legal eticamente ilegítimo.

    ResponderEliminar
  13. António,

    «Mau exemplo, Ludwig. O iogurte oferecido pelo Asdrúbal não é o iogurte Danone, É um derivado do iogurte Danone, não é o Danone original. O Asdrúbal comprou leite (presumo que não tenha uma vaca na varanda ou não tenha mugido vaca alheia) e juntou-lhe Danone. De um iogurte fez 5 mas nenhum é o original. É o iogurte do Asdrúbal, um Danone transformado.»

    É um iogurte feito com os materiais e equipamento que o Asdrúbal comprou mas usando a estirpe de lactobacilos que a Danone desenvolveu e cuja reprodução dá um iogurte equivalente.

    «O PDF do livro de MST é o livro de MST.»

    O PDF não é o livro que o Asdrúbal comprou. Na verdade, nem a cópia do PDF é o PDF original, se usarmos o mesmo critério do iogurte, porque “o PDF” é apenas como designamos uma configuração de electrões e campos magnéticos num suporte físico, e o suporte físico é outro. Pela mesma razão que um livro que tu tens na tua prateleira é teu e não é o mesmo livro que é meu e eu tenho na minha prateleira, mesmo que sejam cópias. Já para não falar que entre um livro em papel e um PDF vai uma grande diferença.

    O ponto fundamental é que, em ambos os casos, o Asdrúbal usou a sua propriedade privada para criar algo que é equivalente ao original em algum aspecto relevante. O sabor e textura no caso do iogurte, o texto no caso do livro. Como a Danone não tem legitimidade nem poder legal para usurpar os direitos que o Asdrúbal tem sobre a sua propriedade privada não pode impedi-lo de comprar leite e copiar os elementos mais importantes do iogurte. Por isso a Danone tem de concorrer com essa possibilidade vendendo a preços mais baixos do que poderia exigir se tivesse esse poder.

    O Miguel Sousa Tavares também não tem legitimidade para usurpar direitos de propriedade de terceiros mas, por uma infeliz confluência de anacronismos e corrupção legislativa, acaba por ter o poder legal de o fazer e é daí que vem a diferença enorme entre o custo de copiar o PDF e o que o Miguel quer cobrar pelo acesso ao texto, e é só por isso que o Miguel prefere cobrar pelo acesso ao texto do que cobrar pelo trabalho de o escrever.

    ResponderEliminar
  14. Ludwig

    No exemplo do iogurte utilizas, provavelmente devido ao longo contacto com o povo cristão que habita esta caixa de comentários, o milagre da multiplicação dos pães para ilustrares a tua teoria. Um iogurte bebe-se, é um acto de consumo único que não permite a partilha total com outro. Podes, como muito bem dizes, obter um iogurte equivalente mas não o iogurte Danone original. Aquilo que o Asdrúbal partilha é um produto transformado e não o iogurte original. Faz diferença? Faz.

    Afirmares que o iogurte do Asdrúbal é equivalente ao Danone parece-me excessivo. Ainda ontem à tarde estive no Pão de Açúcar das Amoreiras em frente da prateleira de iogurtes e colcou-se-me a questão: qual comprar? O meu preferido - iogurte natural açucarado da Leiteira - não estava lá. Comprei outro? Não. Podem ser todos iogurtes mas não são sucedâneos uns dos outros. Não haver uma marca não me induz a comprar outra.

    O Miguel Sousa Tavares não usurpa direitos de propriedade de ninguém. Quando se compra um livro está escrito logo nas primeiras folhas "todos os direitos reservados", "proibido copiar", etc, etc. Quando se compra um livro implicitamente aceita-se os termos da compra. Não os respeitar, é como violar um contrato.

    O que o Miguel cobra não é o acesso ao texto mas o trabalho que teve de o escrever. Se levou um ano a fazê-lo e se entende que o seu trabalho vale 50 mil euros é isso que negoceia com a editora. Depois tentam conseguir o valor de 50 mil euros dividido por um número maior ou menor de consumidores consoante o preço de capa. Poderão conseguir mais ou menos do que isso, consoante o interesse dos consumidores. Se alguém não quer pagar por livros, escreva um e depois leia-o. Copie-o e ofereça-o aos amigos. Ninguém o chateará por isso.

    A melhor maneira que tens para lutar contra o copyright - acho essa luta legítima - é encontrares um modelo alternativo que seja aceitável para todas as partes envolvidas.

    ResponderEliminar
  15. Melhor:

    – O Chico Zé compra sementes à Monsanto, que semeia.
    – As sementes germinam e dão origem a um vegetal que por sua vez gera sementes.
    – As sementes são geralmente estéreis na segunda geração, mas algumas germinam.
    – O agricultor vizinho do Chico Zé repara que no seu campo germinaram algumas sementes trazidas pelo vento, depois da debulha.
    – O agricultor vizinho do Chico Zé colhe as sementes dessa colheita, e multiplica-as para seu proveito.
    – A Monsanto processa o Chico Zé e o vizinho por partilharem sementes patenteadas da Monsanto sem autorização.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Dei o exemplo das sementes da Monsanto porque isto acontece de facto, ao contrário dos iogurtes da Danone.

      Talvez no futuro alguma empresa de lacticínios processe os seus clientes porque terem deixado os seus lactobacilos apodrecer leite sem a devida autorização.

      Eliminar
    2. Francisco Burnay

      O problema da Monsanto e das sementes é diferente do problema do copyright dos livros. Podemos passar sem os livros do Miguel Sousa Tavares mas as sementes são essenciais para a nossa sobrevivência. No caso das sementes, tendencialmente estou do seu lado embora ainda não tenha suficiente informação sobre o assunto.

      Eliminar
    3. é não ambos representam esforço humano ergassion ergathos aquilo que se mede em erg's

      erg's que nã sejam arenosos nos desertos nem reg's nos regossolos

      a questão é qual o direito à cópia total ou parcial da obra de outro

      da obra de deus o gajo nã se tem queixado

      logo é legítimo

      Eliminar
  16. António,

    Os casos são diferentes. O iogurte tem bichinhos, as sementes crescem na terra e o livro é para ler. Mas o importante é aquilo que têm em comum. Se o MST pode proibir as pessoas de copiar pdf, a Monsanto pode proibir os agricultores se semear aquelas sementes e a Danone puder proibir as pessoas de fazer iogurtes com as suas estirpes, todos estão a infringir os direitos de propriedade de terceiros. O direito de usar a sua enxada, a sua terra e as suas plantas como entender; o direito de usar o seu leite, a sua iogurteira e os pacotes de iogurte como entender; e o direito de usar o seu computador como entender.

    O ponto principal aqui é que nenhum modelo de negócio merece ser protegido pela violação coerciva dos direitos pessoais de propriedade de terceiros. Isso não é comércio. É roubo.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Não há muito em comum, Ludwig. O iogurte não vale pelos bichinhos porque todos os iogurtes têm bichinhos. O que os diferencia é o marketing que convence o consumidor que um é melhor do que o outro. No caso da Monsanto, o problema é outro: existe a real possibilidade do comércio de sementes ser monopolizado, em prejuízo de toda a sociedade (aqui é apenas um palpite, não aprofundei o tema mas como toda a gente manda palpites sem aprofundar os temas, arrisco). No caso do MST, o problema é diferente: um livro é único, um Lobo Antunes não é igual ao MST, por isso quando se copia tira-se a remuneração do trabalho de outro.

      Não temos o direito de usar o computador como entendermos. Se o usares para roubar contas bancárias isso não é um direito teu. É roubo. Por isso não podes (nem eu) usar o computador conforme entenderes.

      Eliminar
  17. Na realidade é extorsão:



    Código Penal

    LIVRO II - Parte especial

    TÍTULO II - Dos crimes contra o património

    CAPÍTULO III - Dos crimes contra o património em geral

    ----------

    Artigo 223.º - Extorsão



    1 - Quem, com intenção de conseguir para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, constranger outra pessoa, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, a uma disposição patrimonial que acarrete, para ela ou para outrem, prejuízo é punido com pena de prisão até cinco anos.
    2 - Se a ameaça consistir na revelação, por meio da comunicação social, de factos que possam lesar gravemente a reputação da vítima ou de outra pessoa, o agente é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos.
    3 - Se se verificarem os requisitos referidos:

    a) Nas alíneas a), f) ou g) do n.º 2 do artigo 204.º, ou na alínea a) do n.º 2 do artigo 210.º, o agente é punido com pena de prisão de três a quinze anos;
    b) No n.º 3 do artigo 210.º, o agente é punido com pena de prisão de oito a dezasseis anos.

    4 - O agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias se obtiver, como garantia de dívida e abusando da situação de necessidade de outra pessoa, documento que possa dar causa a procedimento criminal.


    [http://bdjur.almedina.net/citem.php?field=item_id&value=1172820]

    ResponderEliminar
  18. Ludwig,

    Não por falta de interesse, motivação, senão por falta de tempo interrompi a nossa lide sobre o copyright.

    Mas estive a pensar nisso e vou fazer mais uma tentativa de interpretação da tua posição, pegando justamente no último exemplo que dei, sobre patentes de ADN ou de sementes.

    Se eu desenvolver uma variedade de vegetal (um 'cultivar', apesar de não gostar de neologismos desnecessários, ainda para mais quando são parecidos com palavras pré-existentes) e semear vários exemplares desse espécime, posso alegar furto quando alguém me entrar na estufa e mos levar sem autorização.

    Mas se alguém que mos comprou usar as sementes, ADN, ou qualquer outra técnica por forma a conseguir replicar um espécime fenotipicamente idêntico ao meu, as minhas lamúrias não poderão vencer em tribunal.

    Por muito que eu me queixe que aquele espécime está patenteado por mim, com sangue, suor e lágrimas,, o replicador não está a roubar-me. Está a fazer uso de um direito que lhe assiste, que é de cultivar aquilo que bem lhe entender, com sementes que ele adquiriu.

    Se o modelo de negócio dos seleccionadores de sementes só singrar graças à patentação de ADN, então que vão singrar para outro lado, porque impedir os outros de semear as suas sementes, alegando que apesar de as terem comprado, o seu "potencial germinador" ou outra treta qualquer não lhes pertence, é de loucos.

    Isto porque a agricultura foi feita para matar a fome das pessoas, e não para dar lucro. Se dá lucro enquanto mata a fome às pessoas, óptimo. Mas quando o direito à justa recompensa se sobrepõe a um direito que lhe antecede – que é o de semear as nossas sementes – então a justa recompensa é menor do que alguns desejam: é o preço das sementes, e não as colheitas que daí possam advir.

    Isto é o que eu penso sobre as patentes sobre sementes.

    Quanto à tua visão sobre este assunto, e pegando no teu último comentário que me era dirigido no artigo sobre copyright anterior a este, entendo que vês uma reprodução de uma música como um clone dessa música que o ouvinte clonou para ele. Tal como a planta não é a original, apesar de geneticamente idêntica, também o som que sai das colunas não é a música tocada no estúdio. Cada reprodução dessa música é uma reprodução diferente. O ADN da planta não é a planta, tal como o MP3 da música não é a música. E se eu tiver o direito de ser o único a vender entradas para um concerto, isso não faz de mim dono dos MP3 que os espectadores fizeram para si. E enquanto a lei, no passado, protegia o produtor de plantas quando ele vendia espécimes independentes, apesar de geneticamente idênticos, agora pretende proteger qualquer cópia desses espécimes.

    Estou mais perto, agora?

    ResponderEliminar
  19. Francisco,

    «Tal como a planta não é a original, apesar de geneticamente idêntica, também o som que sai das colunas não é a música tocada no estúdio.»

    Para mim, isto não é o mais importante. Até porque a planta é um objecto físico, por isso podes ter esta planta e aquela planta que é igual em tudo mas é outra planta, enquanto a música é uma categoria que inclui todas a sequências de sons que seguem um certo padrão. O parabéns a você cantado por ti, por mim ou pelo gira discos é a mesma música, nesse sentido.

    O mais importante para mim é a ponderação das restrições que impomos para outros beneficiarem. Por exemplo, proibir toda a gente de arrombar a porta da tua casa para bisbilhotar nas tuas coisas parece-me razoável, porque o impacto que isso tem na vida das pessoas é suficientemente baixo, a importância para ti é grande e há aqui um direito negativo teu que se deve respeitar. Em contraste, proibir toda a gente de fazer algo em suas casas para que tu possas cobrar mais num negócio qualquer em que te meteste não se justifica porque o impacto nos outros é muito grande e não há fundamento ético para teres tal direito de mandar na casa dos outros.

    «E enquanto a lei, no passado, protegia o produtor de plantas quando ele vendia espécimes independentes, apesar de geneticamente idênticos, agora pretende proteger qualquer cópia desses espécimes.»

    Pelo que eu sei da história destas coisas, a ideia principal nunca foi proteger o autor. Foi sempre sob pressão dos industriais da cópia que esta lei se foi moldando. Houve alguns passos em que se dava umas migalhas ao autor, mas os editores sempre controlaram o principal.

    E, no caso do copyright digital, todos os problemas são agravados porque já nem estamos a lidar com cópias no sentido concreto de algo análogo ao original, mas descrições arbitrárias em que não há uma forma fixa de distinguir entre o que é e não é descrição da obra.

    Já agora, “a justa recompensa” por algo é sempre, e apenas, aquilo que as pessoas livremente concordam entre si. É razoável fazer leis que combatam a coação para que a recompensa seja justa. Por exemplo, um rendimento mínimo garantido era importante para que o trabalho fosse justamente recompensado em vez das pessoas terem de aceitar qualquer pagamento sob pena de passarem à fome. Mas não é razoável fazer leis que coajam as pessoas a aceitar um negócio. Isso é precisamente o contrário do que se devia fazer.

    ResponderEliminar
  20. Miguel Campião,

    Bem visto. Obrigado :)

    ResponderEliminar
  21. Ludwig,

    Para mim, isto não é o mais importante. Até porque a planta é um objecto físico, por isso podes ter esta planta e aquela planta que é igual em tudo mas é outra planta, enquanto a música é uma categoria que inclui todas a sequências de sons que seguem um certo padrão.

    OK, mas vamos por partes. Parece-me que o caso da música é uma extensão (para um nível ainda mais fundamental) do problema que enunciei com o exemplo da planta.

    Mas em todo o caso concordas em que não é legítimo limitar o direito de um agricultor de semear a segunda geração de sementes (retiradas de plantas cujas sementes ele comprou) argumentando que aquela variedade de planta tem um dono (a variedade em si, e não a planta) que não o autoriza?

    E que há um análogo entre isto e a partilha de obras culturais (enquanto obras em si, em abstracto, e não as instanciações físicas concretas)?

    ResponderEliminar
  22. Francisco,

    «Mas em todo o caso concordas em que não é legítimo limitar o direito de um agricultor de semear a segunda geração de sementes (retiradas de plantas cujas sementes ele comprou) argumentando que aquela variedade de planta tem um dono (a variedade em si, e não a planta) que não o autoriza?»

    Sim, concordo.

    «E que há um análogo entre isto e a partilha de obras culturais (enquanto obras em si, em abstracto, e não as instanciações físicas concretas)?»

    Concordo que há aspectos análogos, se bem que se a analogia é boa ou não depende do que queres fazer com ela.

    Basicamente, defendo que os direitos de propriedade dos donos de plantas, sementes, CD e computadores são muito mais fundamentais e importantes do que o lucro que alguém vá auferir do negócio de vender sementes ou de escrever livros.

    ResponderEliminar
  23. Concordo que há aspectos análogos, se bem que se a analogia é boa ou não depende do que queres fazer com ela.

    A única coisa que pretendo fazer com ela é dizer que, enquanto se pode ser dono de uma maçã, de uma macieira ou suas sementes, não se pode ser dono de uma variedade em abstracto, impondo restrições sobre quem e em que circustâncias as pode cultivar.

    É que eu não vejo diferença de princípio entre isto e livros, música ou filmes. O Miguel Sousa Tavares não é dono dos livros que ele escreveu que nós possamos ter em nossa casa.

    Eu não tenho (nem li, nem tenho muito interesse em ler) nenhum livro do MST. Mas um familiar meu tem o Equador. E se lho pedir emprestado, leio-o à borla. Aliás, posso fazê-lo na Fnac, sem sequer contar com um exemplar pago por alguém que conheça.

    Se o que preocupa o MST não é esta borla mas a escala da borla que o formato digital permite, pois bem – as sementes providenciam exactamente o mesmo. De uma posso fazer milhões.

    Se não é razoável – por princípio – proibir a replicação em grande escala no caso das sementes também o não é no caso dos livros do MST.

    A analogia perde-se, creio, nos DRM. Creio que limitar a reproducibilidade de uma variedade vegetal na segunda e subsequentes gerações não seja propriamente equivalente a impedir que o nosso hardware funcione devidamente. São duas coisas graves, sim, mas por razões diferentes.

    ResponderEliminar
  24. E, no caso do copyright digital, todos os problemas são agravados porque já nem estamos a lidar com cópias no sentido concreto de algo análogo ao original, mas descrições arbitrárias em que não há uma forma fixa de distinguir entre o que é e não é descrição da obra.

    Se imaginarmos sequenciadores e sintetizadores de ADN a funcionar num mundo ideal, vai dar ao mesmo.

    ResponderEliminar
  25. Francisco,

    «A única coisa que pretendo fazer com ela é dizer que, enquanto se pode ser dono de uma maçã, de uma macieira ou suas sementes, não se pode ser dono de uma variedade em abstracto, impondo restrições sobre quem e em que circustâncias as pode cultivar.»

    Certo. Pode-se ser dono de objectos mas não de categorias de objectos.

    «É que eu não vejo diferença de princípio entre isto e livros, música ou filmes. O Miguel Sousa Tavares não é dono dos livros que ele escreveu que nós possamos ter em nossa casa.»

    Concordo. E durante muito tempo essa foi a batalha principal. Agora parece haver menos gente a defender isso.

    «A analogia perde-se, creio, nos DRM. Creio que limitar a reproducibilidade de uma variedade vegetal na segunda e subsequentes gerações não seja propriamente equivalente a impedir que o nosso hardware funcione devidamente. São duas coisas graves, sim, mas por razões diferentes.»

    Eu penso que o DRM é legítimo porque parece-me um direito inegável de quem faz qualquer coisa vendê-la na forma que quiser desde que isso não represente um perigo para os outros e todos saibam o que compram. Por exemplo, parece-me legítimo vender uma torradeira que só funciona à terça-feira.

    O que me parece ilegítimo é a lei que proíbe as pessoas de contornar o DRM, porque isto já é infringir os direitos de propriedade de quem comprou a coisa. Podes vender uma torradeira que só funciona à terça-feira, mas eu também devo poder abrir a torradeira e encravar o relógio interno para ela pensar que é sempre terça-feira.

    ResponderEliminar
  26. Ludwig,

    Concordo. E durante muito tempo essa foi a batalha principal. Agora parece haver menos gente a defender isso.

    Mas o que acontece agora não é indistinguível disso, em termos práticos? Proibir qualquer representação em abstracto de uma dada obra é pouco menos ambicioso que proibir a forma platónica, e só uma retórica muito lambida (ou legalês) é que se pode dizer que há diferença. Dizer que se proibe a transmissão de qualquer MP3, FLAC, ou PIMPAMPUM de uma música do artista Z é querer proibir qualquer reprodução não autorizada e é dizer que o dono de toda e qualquer cópia existente ou a haver é fulano de tal, e mais ninguém. Não é proibir o acto de copiar, não é proibir a transmissão daquela cópia, mas proibir a divulgação d' "a cópia". Eu cá acho que vai dar ao mesmo...

    ResponderEliminar
  27. Por exemplo, parece-me legítimo vender uma torradeira que só funciona à terça-feira.

    Desde que o consumidor esteja ciente disso.

    Os agricultores que compram sementes sabem bem que a terceira geração não se compara à segunda (que se compra directamente a produtores de semente). Eu acho que isso não acontece por acaso, mas há várias razões para isso além de se tratar de variedades propositadamente pouco fértil: a semente vendida não tem sementes infestantes misturadas, está desinfectada e tratada. Portanto no ano seguinte, o agricultor compra mais sementes para semear, e vende depois as sementes para comer.

    Por outro lado, vender fotocopiadoras cujo tempo de vida é tantas cópias (ou cartuxos de tinta que só se podem recolocar na impressora tantas vezes), ou lâmpadas económicas que só iluminam tantas horas e depois se estragam (o que já acontece actualmente) parece-me uma grave forma de fraude.

    Sabendo que a sabotagem implícita e encapotada já acontece, é caso para nos perguntarmos se coisas destas

    http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=3678007

    não têm algo a haver com isso.

    ResponderEliminar
  28. Francisco,

    «Mas o que acontece agora não é indistinguível disso, em termos práticos?»

    O que defendem é o mesmo. O que me parece que tem mudado foi a justificação. Antes era que se tinha de proibir a partilha e os downloads porque a música, o texto ou o filme eram propriedade dos autores. Agora é que se tem de proibir a partilha e os downloads porque os autores têm direito a remuneração pelo seu trabalho.

    «Os agricultores que compram sementes sabem bem que a terceira geração não se compara à segunda (que se compra directamente a produtores de semente). Eu acho que isso não acontece por acaso»

    Isso é muito comum com as variedades híbridas. Produzem sementes cruzando cuidadosamente a espécie A com a espécie B. O emparelhamento desses cromossomas dá uma variante com características quaisquer que se quer. Mas a geração seguinte já é uma misturada, e perde-se essas características em parte.

    «Por outro lado, vender fotocopiadoras cujo tempo de vida é tantas cópias (ou cartuxos de tinta que só se podem recolocar na impressora tantas vezes), ou lâmpadas económicas que só iluminam tantas horas e depois se estragam (o que já acontece actualmente) parece-me uma grave forma de fraude.»

    Sim. Sabotar deliberadamente o que se vende sem dizer às pessoas devia ser fraude. Mas ao menos esses não sabotaram a lei primeiro :)

    ResponderEliminar
  29. Ludwig,

    O que defendem é o mesmo. O que me parece que tem mudado foi a justificação.

    Então estamos na mesma página.

    Isso é muito comum com as variedades híbridas. Produzem sementes cruzando cuidadosamente a espécie A com a espécie B.

    Quando mencionei esse exemplo tinha em mente o triticale. Sei de fonte próxima que as empresas que produzem sementes e que encomendam produções híbridas a agricultores portugueses não apreciam muito que se guarde sementes de segunda geração, mesmo que se entregue a tonelagem encomendada. Aparentemente fecham os olhos, mas temo que daqui por uns tempos isso deixe de ser assim.

    ResponderEliminar
  30. Caríssimos,

    A figura legal de copyright não existe em Portugal. A legislação aplicável é o Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos , em que enquadra esta situação como violação de direitos de autor na forma de usurpação, segundo os artigos 195 e 197, sendo devida uma “retribuição compensatória” pela ausência de autorização expressa do autor de difusão, transmissão ou comercialização da obra. Podem não apreciar o autor ou os seus comportamentos (tal como eu) mas está é a lei que temos.

    ResponderEliminar
  31. Armando,

    Eu sei que esta é a lei que temos, mas o que faço aqui é uma crítica à lei e às justificações apresentadas para ser como é. Dizer simplesmente “é a lei que temos” impede qualquer reflexão crítica.

    Sei também que a nossa lei não usa o termo “copyright”, mas há um problema em usar o termo “direitos de autor” porque, além de parecer presumir que é um direito inerente ao estatuto de autor, confunde direitos de natureza diferente, como o direito moral de ser reconhecido como autor e o direito legal de proibir outros de copiar.

    O termo “direito de cópia” ou “copyright” parece-me mais adequado porque foca a discussão na parte que está mal na lei – o poder legal de proibir a cópia – sem confundir o problema com outros elementos que têm um bom fundamento ético. Por exemplo, o direito de ser reconhecido como autor.

    ResponderEliminar

Se quiser filtrar algum ou alguns comentadores consulte este post.